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Revista Psicopedagogia

versão impressa ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.39 no.118 São Paulo jan./abr. 2022

http://dx.doi.org/10.51207/2179-4057.20220006 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Estudos sobre discalculia e instrumentos de avaliação psicopedagógica

 

Studies on dyscalculia and psychopedagogical assessment instruments

 

 

Sabrina Cardoso Tavares

Pós-Graduação em Psicopedagogia - Centro Universitário Sagrado Coração (UNISAGRADO), Bauru, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A presente pesquisa teve como objetivo investigar a produção literária acadêmica dos últimos dez anos sobre os instrumentos psicopedagógicos de avaliação da discalculia do desenvolvimento em crianças. Por meio de revisão sistemática de literatura, foi feito o levantamento de estudos publicados em bases de dados de pesquisa científica brasileira, sendo a Revista Psicopedagogia, SCOPUS, Periódicos CAPES e SciELO. Após seleção da amostra por meio dos critérios de inclusão e exclusão, a qual totalizou 11 estudos, foi feito o fichamento de cada artigo. Posteriormente, foram definidas as categorias de análise: objetivos, participantes, instrumentos, resultados e limitações das pesquisas. Estas categorias de análise foram dispostas em quadros para a caracterização e comparação de cada aspecto dentre os estudos. A interpretação dos dados foi realizada por meio de análise descritiva e análise qualitativa. Observou-se que o Teste de Desempenho Escolar (TDE) é o principal instrumento avaliativo das habilidades matemáticas escolares. Teve-se, ainda, a proposta da Bateria de Aferição de Competências Matemáticas (BAC-MAT), que avalia competências matemáticas elencando-as de acordo com os subtipos da discalculia. Outro instrumento avaliativo potencial é o Teste de Habilidade Matemática (THM) para avaliação de habilidades matemáticas requeridas pelo próprio sistema educacional brasileiro, apesar de já mostrar-se defasado pelo fato de ter sido embasado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), documento não mais utilizado pelos planos de ensino. Destaca-se ainda o uso da Escala de Ansiedade à Matemática (EAM) como medidora dos aspectos emocionais da criança em relação à matemática.

Unitermos: Psicopedagogia. Avaliação. Transtornos Específicos da Aprendizagem. Discalculia do Desenvolvimento.


SUMMARY

This research aimed to investigate the academic literary production of the last ten years on psychopedagogical instruments for the assessment of developmental dyscalculia in children. Using systematic literature review, a survey of studies published in Brazilian scientific research databases was carried out, including the Revista Psicopedagogia, SCOPUS, CAPES and SciELO. After selecting the sample through the inclusion and exclusion criteria, which totaled eleven studies, a summary of each article was made. Posteriorly, they were defined as categories of analysis: objectives, participants, instruments, results and limitations of the research. These categories of analysis were arranged in tables for a characterization and comparison of each aspect between studies. The interpretation of the data obtained was performed through descriptive analysis and qualitative analysis. After the analysis, it was observed that the School Performance Test (SPT) is the main instrument for evaluating school mathematical skills. There was also the proposal by the Mathematical Competence Assessment Battery (BAC-MAT) that evaluates mathematical competences listing them according to the sub-types of dyscalculia. Another potential evaluative instrument is the Mathematical Ability Test (MAT) for the assessment of mathematical skills required by the Brazilian education system, despite the fact that it is already outdated because it was based on the National Curriculum Parameters (NCP), a document no longer used by teaching plans. The use of the Math Anxiety Scale (MAS) is also highlighted as a measurer of the child's emotional aspects in relation to mathematics.

Keywords: Psychopedagogy. Assessment. Specific Learning Disorders. Developmental Dyscalculia.


 

 

INTRODUÇÃO

A matemática está presente em nossa vida cotidiana e é essencial para entendermos a realidade. O raciocínio lógico-matemático constitui-se parte estruturante do pensamento e é imprescindível para o exercício da cidadania1. Apesar de tamanha relevância, o ensino da matemática vem se mostrando defasado no Brasil. Por meio das avaliações em larga escala, em nível nacional e internacional, o Brasil tem obtido baixo desempenho nesta disciplina.

Na Prova Brasil, por meio do Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB (2017), a média de proficiência em matemática nas escolas públicas obtidas no Ensino Fundamental I, Ensino Fundamental II e Ensino Médio foi, respectivamente: 224,1 (nível 4); 258,3 (nível 3) e 269,74 (nível 2), numa escala de níveis de 1 a 10 para Ensino Fundamental I e Ensino Médio e de 1 a 9 para Ensino Fundamental II2.

Já no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes - PISA (2018), a pontuação em letramento matemático foi de 384 pontos, ficando em 70º lugar dentre 78 países avaliados. O relatório traz ainda a classificação do percentual de estudantes em até seis níveis em uma escala de proficiência. Com relação à matemática, "a maioria dos estudantes brasileiros que participaram do PISA 2018 se encontra no Nível 1 ou abaixo dele (68,1%)"3. Estes resultados nas avaliações refletem a inabilidade de grande parte dos estudantes brasileiros com relação à matemática.

Mas há que salientar que o mau desempenho na matemática é um fenômeno complexo, que pode ser explicado por diversos fatores, tais como o sucateamento da educação, a falta de investimento na infraestrutura das escolas, a má remuneração do corpo docente e gestores, metodologias didático-pedagógicas insatisfatórias, dificuldades familiares e sociais, falta de apoio multiprofissional para estudantes com necessidades educacionais especiais e possíveis outros.

Dentre esses fatores elencados, considera-se que o desconhecimento e a falta de apoio multiprofissional para estudantes com discalculia interferem na aquisição de habilidades e na capacidade de compreensão e construção do pensamento lógico-matemático de parte dos estudantes com baixo desempenho4. Dessa forma, nosso enfoque de pesquisa é a discalculia do desenvolvimento. Para compreendê-la melhor, é preciso trazer alguns conceitos sobre essa condição.

Etimologicamente, a palavra discalculia vem do grego dis, que significa dificuldade, e do latim calculare, que pode ser traduzido como contar/calcular, sendo então a dificuldade na contagem ou no cálculo5. Mas, essa condição vai além do significado da etimologia da palavra.

O primeiro a utilizar o termo discalculia foi o checoslovaco Ladislav Kosc6, que afirmou que a discalculia do desenvolvimento é uma desordem estrutural nas habilidades matemáticas, sendo a sua origem genética e congênita.

Pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-V7 a discalculia é definida como parte do Transtorno Específico da Aprendizagem, que é uma definição guarda-chuva a qual abrange diferentes condições neurológicas que afetam habilidades acadêmicas, podendo ser: com prejuízo na leitura (dislexia), com prejuízo na escrita (disortografia), e com prejuízo na matemática (discalculia). Especificamente sobre a discalculia, o manual coloca que tal transtorno interfere nas

dificuldades na aprendizagem e no uso de habilidades acadêmicas [...] apesar da provisão de intervenções dirigidas a essas dificuldades [...]. [É] caracterizado por problemas no processamento de informações numéricas, aprendizagem de fatos aritméticos e realização de cálculos precisos ou fluentes7. (p. 66-7)

A Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - CID-11 também define a discalculia como um transtorno, nomeando-a como "transtorno de aprendizagem do desenvolvimento com prejuízo na matemática"8.

Ainda sobre a definição, Santos9 traz que as dificuldades em matemática podem ocorrer devido a fatores extrínsecos ou intrínsecos ao indivíduo, sendo que este último pode se referir, dentre outros, à discalculia, uma vez que se trata de uma condição de ordem interna que afeta o aprender.

Em relação ao diagnóstico, Haase et al.10 dizem que a discalculia deve ser diagnosticada mediante critérios comportamentais e que as principais manifestações nos indivíduos são: dificuldades para realizar as quatro operações, uso de estratégias imaturas de contagem e cálculo, dificuldade de aquisição e resgate de fatos aritméticos, comprometimento da leitura e escrita das diversas notações numéricas, dificuldade na discriminação e na estimação de grandezas de conjuntos, e déficit na orientação temporal e espacial. Santos9 ainda pontua que, na discalculia, as dificuldades são persistentes e resistentes às intervenções pedagógicas, estando de acordo com o DSM-V, citado anteriormente.

Para o diagnóstico da discalculia, deve-se ainda considerar outros fatores. O indivíduo deve apresentar um QI médio ou acima da média, funcionamento sensorial normal, oportunidades educacionais adequadas e ausência de outros transtornos do desenvolvimento e de distúrbios emocionais7. Tendo esses fatores sido cumpridos, são os déficits em habilidades acadêmicas específicas na matemática que identificam o discalcúlico11.

Sobre os tipos de discalculia, tem-se a classificação de Kosc6 em seis subtipos. São eles: a) verbal: dificuldade para nomear as quantidades matemáticas; b) practognóstica: dificuldade para enumerar; c) léxica: dificuldade para leitura de símbolos matemáticos; d) gráfica: dificuldade para escrita de símbolos matemáticos; e) ideognóstica: dificuldade em fazer operações mentais; f) operacional: dificuldade na execução de operações e cálculos aritméticos.

Já segundo o DSM-V7, os tipos de discalculia se baseiam nos níveis de gravidade, os quais são: a) leve: alguma dificuldade em aprender habilidades matemáticas, mas que permita ao indivíduo ser capaz de compensá-las com adaptações e serviços de apoio adequados; b) moderada: dificuldades acentuadas em aprender habilidades matemáticas, necessitando de ensino intensivo e especializado e mais as adaptações e serviços de apoio; c) grave: dificuldades graves em aprender habilidades matemáticas, necessitando de ensino individualizado e especializado contínuo e mais as adaptações e serviços de apoio. Comumente, é mais aceita pela comunidade científica a classificação do DSM-V.

Sobre a prevalência, há pesquisas que demonstram que em torno de 3% a 6% das crianças apresentam a discalculia4. Porém, tais estudos são relativos a outros países e culturas, sendo necessário mais pesquisas em âmbito nacional.

Apesar do impacto causado na aprendizagem escolar, todas essas informações sobre a etiologia, as manifestações, a prevalência e os tipos da discalculia ainda são pouco divulgadas nos cursos de formação de professores12. De 70% a 80% dos docentes afirmam não terem tido contato com o tema tanto nas suas graduações de licenciaturas quanto na pós-graduação13.

Consequentemente, a discalculia é pouco reconhecida no ambiente escolar, atribuindo as inabilidades dos alunos apenas às dificuldades ou desinteresse na aprendizagem matemática, mesmo que aulas extras ofertadas da disciplina não obtenham resultado satisfatório. Assim, não se tem o devido encaminhamento a outros profissionais como neurologista, psicólogo, neuropsicólogo e psicopedagogo, dificultando a identificação do transtorno14 e as intervenções necessárias13.

A partir do entendimento de que os discalcúlicos são indivíduos com necessidades educativas especiais, pontua-se que esse público necessita de um ambiente escolar e condições terapêuticas diferenciadas para seu processo de aprendizagem, oportunizando sua efetiva inclusão no sistema de ensino15. Para isso, faz-se necessário um trabalho multiprofissional para a melhora significativa das inabilidades matemáticas.

Dentre os profissionais que podem atuar com o discalcúlico, tem-se a figura do psicopedagogo, que trabalha especificamente com o aprender e aquilo que o interfere16. Dessa forma, a Psicopedagogia é uma área que tem como enfoque a aprendizagem, bem como os problemas ou dificuldades que podem interferir no seu processo17. Para Avila et al.18, a Psicopedagogia se mostra "uma área do conhecimento que muito tem a contribuir ao construir novas trilhas de aprendizado juntamente com o sujeito discalcúlico", pois o psicopedagogo é um dos profissionais que podem atuar no trabalho interdisciplinar nos âmbitos do diagnóstico, intervenção e orientação do Transtorno Específico da Aprendizagem, e, portanto, da discalculia.

Bossa16 explicita a diferenciação da atuação do psicopedagogo na prevenção e na intervenção. Em relação à prevenção, ela diz que as atividades são direcionadas a antever os problemas de aprendizagem, por meio de orientação para com a metodologia do ensino, a didática e a estrutura curricular das escolas. Por sua vez, a intervenção ocorre quando já há a presença do problema de aprendizagem, sendo necessário identificar as causas e suas características. A intervenção é, portanto, a interferência realizada em indivíduos, buscando a melhoria das relações deles com o seu próprio processo de aprender, aprimorando as habilidades e superando os déficits do sujeito que se encontra com uma dificuldade de aprendizagem ou algum transtorno específico.

Para que ocorra uma intervenção mais apropriada e efetiva, é necessário realizar um diagnóstico mais próximo do real possível. Para tanto, nesse processo de diagnóstico psicopedagógico da discalculia, Bossa19 expõe que é preciso haver a diferenciação entre dificuldades e transtornos da aprendizagem. Em relação aos transtornos, ela coloca que se referem à alteração neurobiológica relacionada às inabilidades específicas em indivíduos que apresentam desempenho abaixo do esperado para a idade, nível de desenvolvimento, escolaridade e capacidade intelectual. Sobre as dificuldades, ela expõe que se referem a fatores que podem alterar a capacidade de aprendizagem que estão relacionados com condições ambientais e transitórias.

Seguindo ainda sobre o diagnóstico, Weiss17 elenca vários instrumentos avaliativos para compor essa investigação, tais como: entrevistas, sessões lúdicas, provas operatórias, testes, produção escolar do aluno, desenhos, laudos, relatórios escolares, dentre outros. Mas é preciso acrescentar que, na Psicopedagogia, a investigação diagnóstica não é mera justaposição de dados, nem soma de resultados de testes e provas, mas sim, a unidade, a coerência e a integração das partes para obtenção de uma compreensão global da forma de aprender e dos desvios que ocorrem neste processo.

Especificamente no contexto clínico, parte-se da queixa da não aprendizagem da criança e do relato dos sintomas desse não aprender. Posteriormente, o psicopedagogo investiga quais os parâmetros existentes sobre a aprendizagem e identifica o desvio desses parâmetros esperados, sendo o objetivo básico a identificação dos desvios que o sujeito apresenta que acabam por impedir a evolução da sua aprendizagem, dentro daquilo que é esperado pela escola, família e sociedade.

Ainda segundo Weiss17, o "diagnóstico psicopedagógico é, em si, uma investigação, é uma pesquisa do que não vai bem com o sujeito em relação a uma conduta esperada". Para a autora, o fracasso escolar pode ser explicado a partir de três perspectivas de abordagem. Essas perspectivas são: a da sociedade, a da escola, e a do aluno.

A perspectiva da sociedade é a mais ampla e perpassa por todas as outras. Ela abrange a cultura, as condições sociais, as relações político-econômicas vigentes e as ideologias. Já a segunda, diz respeito à instituição escolar e àquilo que a envolve, tais como o currículo, a metodologia, os conteúdos, a didática, o corpo docente e os gestores. E a terceira perspectiva está relacionada ao aluno e às condições internas do mesmo. Weiss coloca que na prática diagnóstica dos problemas escolares é preciso considerar alguns aspectos ligados a estas três perspectivas. Tais aspectos seriam: orgânico, cognitivo, emocional, social e pedagógico.

A partir do exposto, pontua-se que neste estudo o enfoque é no aspecto orgânico, uma vez que o tema se trata da discalculia, uma alteração do sistema nervoso central que compromete o aprendizado da matemática. Ainda, devido à relevância do trabalho psicopedagógico para o discalcúlico, explicitado anteriormente, o objetivo deste estudo foi investigar a produção literária acadêmica brasileira nos últimos dez anos sobre os instrumentos psicopedagógicos de avaliação da discalculia do desenvolvimento em crianças.

 

MÉTODO

A pesquisa foi de natureza qualitativa e se constitui em uma revisão de literatura ou comumente chamada também de revisão bibliográfica. Segundo Lakatos & Marconi20, tal metodologia "não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto", ela "propicia o exame de um tema sob novo enfoque [...] chegando a conclusões inovadoras".

O método da revisão de literatura constitui-se por um processo de busca, análise e descrição da produção bibliográfica relevante em determinada área temática, "dentro de um recorte de tempo, fornecendo uma visão geral ou um relatório do estado-da-arte sobre um tópico específico, evidenciando novas ideias"21.

Dessa forma, o processo metodológico seguiu algumas etapas, baseadas nas fases descritas por Lakatos & Marconi22, mas com algumas alterações para atender às especificidades deste estudo. As etapas foram: a) escolha do tema; b) planejamento da revisão; c) identificação das bases de dados; d) localização dos estudos; e) compilação dos estudos; f) fichamento; g) análise e interpretação; h) redação.

A partir da escolha do tema e formulação da questão de pesquisa, foi feito o planejamento da revisão, elencando o passo a passo. Feito isso, foi realizada a identificação das bases de dados. Nas bases de dados foi feita a localização dos estudos a partir de palavras-chave relativas ao tema. Após leitura do título e resumo, foram compilados os estudos selecionados. Neste processo de escolha dos artigos foram utilizados os critérios de inclusão e exclusão para compor a amostra. Depois da primeira leitura dos artigos, foram feitos fichamentos dos mesmos. Só então foram analisados os estudos por meio de categorias de análise que foram dispostas em quadros para a caracterização e comparação de cada aspecto dentre os artigos. A interpretação dos dados foi realizada por meio de análise descritiva e qualitativa. Posteriormente, foi feita a escrita da redação.

Foram incluídos neste estudo trabalhos com as seguintes características: a) período de 2010 a 2020; b) estudos publicados como artigo em periódicos; c) estudos de caráter empírico; d) estudos sobre instrumentos de avaliação da discalculia em crianças. Por conseguinte, foram excluídos neste estudo trabalhos com as seguintes características: a) estudos fora do período indicado; b) estudos publicados em livros, dissertação ou tese; c) estudos de revisão de literatura; d) estudos que desviam do tema.

A coleta de dados foi realizada em quatro bases de dados: Revista Psicopedagogia, SciELO, SCOPUS e Periódicos CAPES. Estabeleceu-se como parâmetro os filtros: período das publicações - de 01.01.2010 até 30.10.2020 - e uso das palavras-chaves "discalculia", "avaliação" e "matemática".

Inicialmente, foram lidos os títulos das pesquisas exibidas após a busca e, nos casos em que os mesmos não elucidaram o tema, o resumo foi lido para verificação de inclusão na amostra. Houve ainda artigos que se repetiram nas bases de dados e assim foi escolhido um dentre eles. Os artigos foram armazenados em dispositivo eletrônico para a sua leitura integral.

Com o total de 11 artigos incluídos na amostra, foi feita a primeira leitura integral dos mesmos, realizando o fichamento de cada um. Posteriormente, foram elencados alguns tópicos de análise, dispostos em quadros. Foi então lido novamente para elencar as informações requeridas, tais como: ano de publicação, autores, título do artigo, periódico, objetivos da pesquisa, características dos participantes, instrumentos utilizados, resultados e limitações.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao fazer a busca nas bases de dados, foram encontrados seis estudos na Revista Psicopedagogia, sete estudos na SciELO, 11 na SCOPUS e 18 no Periódicos CAPES, sendo 42 artigos no total.

Após uso dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados: dois estudos da Revista Psicopedagogia, quatro estudos da SciELO, quatro estudos da SCOPUS e um estudo do Periódicos CAPES, totalizando 11 artigos.

No Quadro 1 tem-se a caracterização dos artigos selecionados com as informações sobre os autores, o periódico e ano de publicação, o título do artigo, os objetivos e os participantes dos estudos.

Sobre os autores, verifica-se que dos 11 artigos selecionados para a amostra houve um total de 37 autores. Desses, a pesquisadora Flávia Heloísa dos Santos é a autora que mais participou dos estudos, sendo quatro ao todo. Seguida de Sylvia Maria Ciasca, com três estudos; Sônia das Dores Rodrigues, Paulo Adilson da Silva e Fabiana Silva Ribeiro, com dois estudos cada. Os demais 32 foram autores de um estudo.

Observa-se também que há apenas duas publicações sobre instrumentos de avaliação da discalculia em periódico específico da área da psicopedagogia (Revista Psicopedagogia). O restante das publicações, nove, são de periódicos das áreas da psicologia (Psicologia: Teoria e Pesquisa; Psico-USF; Temas em Psicologia; Universitas Psychologica; Psicologia: Reflexão e Crítica) e neurologia (Arquivos de Neuro-Psiquiatria), demonstrando a escassez de publicações sobre a temática na área da Psicopedagogia (Gráfico 1).

 

 

Verifica-se ainda que, dentre os objetivos dos 11 artigos, sete buscaram caracterizar perfil neurocognitivo, três buscaram desenvolver ou adaptar teste para aferição de habilidades e competências matemáticas, dois buscaram identificar habilidades matemáticas escolares, outros dois buscaram mensurar a prevalência da Discalculia e um buscou avaliar aspectos emocionais com relação às dificuldades em matemática.

Observou-se também que o tamanho da amostra dos estudos variou de 22 a 2.893 participantes. Entretanto, apenas dois apresentaram uma amostra superior a 300 participantes. Todos os demais estudos apresentaram uma amostra inferior a 100. Percebe-se que os participantes foram compostos por crianças e adolescentes. Apenas um estudo teve o enfoque de pesquisa em crianças de 0 a 5 anos, oito estudos abarcaram crianças de 6 a 12 anos, dois estudos avaliaram adolescentes de 13 a 16 anos e dois não especificaram a idade dos participantes. Tais dados demonstram que há uma carência de instrumentos avaliativos das habilidades matemáticas ou da discalculia para crianças pequenas, antes da escolarização.

Partindo para o segundo quadro com outras categorias de análise dos artigos (Quadro 2), têm-se elencados os instrumentos utilizados nos estudos, os resultados obtidos nas pesquisas e as limitações apresentadas.

Sobre o primeiro artigo, intitulado "Avaliação do desempenho em matemática de crianças do 5º Ano do Ensino Fundamental. Estudo preliminar por meio do Teste de Habilidade Matemática (THM)"23, tem-se a elaboração e aplicação do THM. O THM foi elaborado a partir dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) e a aplicação ocorreu em alunos do 5º ano do Ensino Fundamental. Foram relacionados os dados obtidos do THM com dados do TDE, a fim de avaliar a leitura e escrita da amostra e averiguar a correlação entre os dois testes. Os dados obtidos da aplicação do THM mostraram que houve baixo índice de acerto e dificuldades em conhecimentos básicos da matemática, e que houve diferença significativa entre o desempenho dos alunos nos referidos testes.

No segundo artigo, denominado "Tradução e adaptação para o português (brasileiro) da bateria de aferição de competências matemáticas (BAC-MAT)"24, tem-se a adaptação e a tradução da BAC-MAT, uma bateria original de Portugal, que se estrutura a partir dos seis subtipos da discalculia propostos por Kosc (1974). Os resultados da aplicação da bateria em alunos do 5º ano do Ensino Fundamental demonstraram que tal amostra apresentou dificuldade em diferentes graus em todas as competências avaliadas.

No terceiro artigo, "Discalculia do Desenvolvimento: avaliação da representação numérica pela ZAREKI-R"25, tem-se a pesquisa sobre a representação numérica e memória operacional em crianças com discalculia. Foram aplicados diversos testes, dentre eles a ZAREKI-R, em dois grupos de crianças em idade escolar, aquelas sem dificuldade em aritmética e aquelas com dificuldade em aritmética. Os resultados demonstraram que o grupo de crianças com dificuldade em aritmética apresentou prejuízo em subtestes da ZAREKI-R de ditado de números, cálculo mental, problemas aritméticos e escore total. Este mesmo grupo também apresentou baixo desempenho em memória operacional visuoespacial, processamento numérico e cálculo, déficits compatíveis com quadro de discalculia.

O quarto artigo, com título traduzido para "Discalculia do Desenvolvimento em crianças e adolescentes com epilepsia idiopática em uma amostra brasileira"26, trata do estudo da avaliação clínica e neuropsicológica de crianças e adolescentes com epilepsia idiopática para determinar o nível intelectual, habilidades matemáticas, desempenho de leitura e escrita. Os instrumentos avaliativos utilizados foram: WISC-III, Teste de Atenção Seletiva e Sustentada, TDE, Prova Aritmética e Protocolo de Cálculo e Resolução de Problemas. Os resultados da pesquisa demonstraram que a habilidade matemática ficou abaixo do esperado, mas não houve diferenças significativas no desempenho matemático de acordo com os medicamentos antiepiléticos usados, duração da doença, tipos e frequência das crises. Houve correlação positiva com o quociente de inteligência e nível de atenção e leitura. Os resultados sugerem a existência da discalculia na amostra, além de problemas de atenção e leitura.

O quinto artigo, traduzido para "A prevalência da discalculia do desenvolvimento na rede pública de ensino brasileiro"27, refere-se ao estudo da prevalência da discalculia dos estudantes brasileiros, todos de escola pública. Para determinar essa prevalência, foram aplicados os testes WISC-R para avaliar a inteligência e um protocolo matemático para avaliar o desempenho em matemática. Os resultados demonstraram que 7,8% da amostra possuía nível intelectual normal e com baixo rendimento em matemática, atendendo aos critérios da discalculia.

O sexto artigo, traduzido para "Perfil neuropsicológico e educacional de crianças com discalculia e dislexia: um estudo comparativo"28, relata a pesquisa de comparação do perfil neuropsicológico e educacional de crianças brasileiras com discalculia, com dislexia e sem dificuldades de aprendizagem. Para o perfil neuropsicológico, foram utilizados vários testes para avaliar inteligência, atenção, funções executivas e memória. Para o perfil educacional, foram utilizados o TDE e a Prova de Aritmética. Os resultados mostraram que os grupos com discalculia e dislexia não se diferenciaram em nenhuma das habilidades neuropsicológicas, mas nas habilidades de leitura e escrita.

O sétimo artigo, intitulado "Desempenho de alunos do quarto ano em testes de subitização e estimativa e no Teste de Desempenho Escolar (TDE)"29, trata do estudo da investigação da relação entre o desempenho escolar e as habilidades de senso numérico: subitização e estimativa. O instrumento utilizado para avaliar o desempenho escolar foi o TDE e, para avaliar o senso numérico, foi utilizado um software para mensurar a latência do estímulo e da resposta. Os resultados do desempenho do software demonstraram que a amostra apresentou maior erro em numerosidades a partir de 5 e praticamente nenhum erro com numerosidades de 1 a 4. Já com relação ao TDE, a amostra apresentou melhor desempenho dos alunos de escola privada. A análise de correlação entre os dados demonstrou coeficiente moderado a baixo, indicando que o senso numérico é inato, diferentemente das habilidades de aritmética do TDE.

O oitavo artigo, denominado "Cognição numérica em crianças com Transtornos Específicos de Aprendizagem"30, diz respeito a pesquisa sobre o desenvolvimento de sistemas específicos da cognição numérica: senso numérico, compreensão numérica, produção numérica e cálculo em crianças com transtornos específicos de aprendizagem. Os instrumentos utilizados foram o TDE e a ZAREKI-R, os quais foram aplicados em três grupos: crianças com perfil de dislexia, crianças com perfil de discalculia combinada com dislexia, e crianças do grupo controle. Toda a amostra apresentava nível intelectual médio. O TDE foi utilizado para aferir os transtornos específicos de aprendizagem, sendo o subteste de aritmética para aferir a discalculia. Os resultados demonstraram que os três grupos foram similares em senso numérico. O grupo de crianças com dislexia apresentou prejuízos leves em compreensão numérica. Já o grupo de crianças com discalculia combinada com dislexia, além de prejuízos leves em compreensão numérica, também apresentou prejuízos moderados em produção numérica, prejuízos de leves a moderados em cálculo, o que indica que este grupo apresenta um comprometimento mais generalizado em cognição numérica do que os outros grupos.

O nono artigo, traduzido para "Perfil de crianças com déficits de cognição numérica"31, apresenta o estudo sobre a caracterização do perfil neurocognitivo de crianças em relação às habilidades quantitativas, intelectuais, de memória de trabalho e seus aspectos emocionais. A amostra foi composta por crianças em idade escolar, divididas em dois grupos: com dificuldades em aritmética e sem dificuldades em aritmética, que foram avaliadas por meio do TDE, testes cognitivos e escalas de comportamento. Os resultados das avaliações evidenciaram que o grupo das crianças com dificuldades em aritmética apresentou baixo desempenho escolar em geral, alcançou escores mais baixos em comparação com as crianças sem dificuldade aritmética em todos os subtestes da bateria neuropsicológica e processamento numérico do cálculo pela ZAREKI-R. Houve, ainda, mais relatos desse grupo sobre reações de estresse psicológico, reações psicológicas com componente depressivo, reações psicofisiológicas e a soma das reações de estresse.

O décimo artigo, denominado "Cognição numérica de crianças pré-escolares brasileiras pela ZAREKI-K"32, traz o estudo da investigação da cognição numérica em crianças da pré-escola e da validade de construto da ZAREKI-K. Dentre diversos instrumentos utilizados, a ZAREKI-K demonstrou ser promissora para a avaliação da cognição numérica em crianças pré-escolares e assim identificar habilidades preliminares que são relevantes para a aprendizagem matemática no processo de escolarização.

E, por fim, o décimo primeiro artigo, traduzido para "Desenvolvimento do subteste de aritmética do Teste de Desempenho Escolar - segunda edição"33, traz a pesquisa sobre a revisão do subteste de aritmética do TDE-II. Após a construção dos itens do subteste, foi avaliada a versão preliminar do instrumento em uma amostra de estudantes do Ensino Fundamental. Os resultados mostraram que o subteste possui propriedades adequadas para a avaliação das habilidades aritméticas do Ensino Fundamental, e, ainda, sugerem evidências quanto à estrutura interna e de confiabilidade.

Constatou-se que houve maior utilização de testes neuropsicológicos para aferir habilidades cognitivas relacionadas às dificuldades na matemática, tais como: Bateria de Testes Neuropsicológicos para Processamento Numérico e Cálculo em Crianças (ZAREK-R), Bateria de Testes Neuropsicológicos para Processamento Numérico e Cálculo em Crianças Pré-escolares (ZAREK-K), Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (MPC), Blocos de Corsi, Teste de Repetição de Pseudopalavras para Crianças Brasileiras (BCPR), Subteste Span de Dígitos, Escala de Inteligência de Wechsler (WISC-III), Teste de Atenção Seletiva e Sustentada, Escala de Inteligência de Wechsler (WISC-R), Teste de Stroop, Teste de Classificação de Wisconsin, Rey Complex Figures, software para mensuração da latência para avaliação da subitização e estimativa aproximada e, por fim, Avaliação Automatizada de Memória de Trabalho (AWMA). Estes testes e escalas são específicos para neuropsicólogo ou psicólogo e, por isso, não são recomendados para utilização do psicopedagogo, além do profissional da Psicopedagogia não receber uma formação que o capacite para aplicação de tais testes.

Teve-se também instrumentos de avaliação voltados para a aferição de habilidades matemáticas escolares. Os testes e provas voltados para esta finalidade foram: Teste de Desempenho Escolar (TDE)34, Teste de Desempenho Escolar - Segunda Edição (TDE-II)35, Teste de Habilidade Matemática (THM)36, Bateria de Aferição de Competências Matemáticas (BAC-MAT)24, Prova de Aritmética37, Protocolo de Cálculo e Resolução de Problemas38.

Houve ainda instrumentos avaliativos com a finalidade de mensurar aspectos emocionais com relação à matemática. São estes: Inventário de Sintomas de Estresse Infantil (ISS-I) e a Escala de Ansiedade à Matemática (EAM)39. Destes dois, o ISS-I é restrito para psicólogos, ou seja, não pode ser usado por psicopedagogos.

A partir do Quadro 3, percebe-se que houve um total de 23 instrumentos avaliativos utilizados num total de 37 vezes nas pesquisas dos artigos selecionados. Dentre eles, foram utilizados 14 para avaliar perfil neurocognitivo (num total de uso de 21 vezes), sete para avaliar habilidades matemáticas escolares (num total de uso de 14 vezes), e dois para avaliar aspectos emocionais (num total de uso de duas vezes).

Dessa forma, verificou-se que os instrumentos utilizados mais recorrentes foram aqueles para aferição de perfil neurocognitivo, com percentual de 57%, enquanto instrumentos para aferir habilidades matemáticas escolares ficaram com percentual de 38% e instrumentos para aferir aspectos emocionais, com percentual de 5%, como pode ser visto no Gráfico 2.

 

 

Vale salientar que o diagnóstico da discalculia abarca tanto as habilidades matemáticas escolares quanto as habilidades neurocognitivas, ou seja, aspectos comportamentais, como escrito por Haase et al.10. Dessa forma, para o diagnóstico da discalculia é preciso uma avaliação interdisciplinar e multiprofissional entre psicopedagogo, psicólogo e neuropsicólogo. O psicopedagogo, então, deve encaminhar o paciente para a realização dos testes psicométricos necessários, pois o profissional da Psicopedagogia não é o responsável por avaliar habilidades neurocognitivas. Tais instrumentos métricos de perfil neurocognitivo são específicos para neuropsicólogos e psicólogos.

O psicopedagogo então, no processo de diagnóstico da discalculia, pode se ater na avaliação das habilidades matemáticas escolares e nos aspectos emocionais em relação às inabilidades matemáticas do discalcúlico. Dessa forma, os instrumentos para auxiliar na avaliação psicopedagógica da discalculia elencados por esta pesquisa são: BAC-MAT, Protocolo de Cálculo e Resolução de Problemas, Prova Aritmética, TDE, TDE-II, THM e Escala de Ansiedade à Matemática.

Cabe mencionar que os estudos se preocuparam em mensurar o nível intelectual, bem como verificar a existência de alguma outra condição que explicaria as inabilidades matemáticas, estando em acordo com os critérios de diagnóstico da discalculia estabelecidos pelo DSM-V. Porém, não houve a avaliação de um critério importante, que é a persistência das dificuldades apesar de intervenções pedagógicas7,9,11. É importante para a avaliação psicopedagógica a diferenciação do que é dificuldade ou transtorno19 e ressalta-se que os estudos sobre instrumentos avaliativos da discalculia não estão considerando esse critério importante, estabelecido pelo DSM-V e autores referência na área.

Sobre os resultados obtidos dos estudos acerca dos instrumentos, tem-se especificado o que cada instrumento afere no Quadro 4. A partir desse quadro é possível verificar que todos os estudos se restringem a poucos tipos de instrumento de avaliação, sendo testes ou provas. Vale então ressaltar que no diagnóstico psicopedagógico busca-se utilizar diversos tipos de avaliação, como elencados por Weiss17.

Nota-se ainda que a maioria dos instrumentos medem conteúdos aritméticos, outros medem habilidades de leitura e escrita matemática, um mede os tipos de discalculia e outro mede o nível de ansiedade em relação à disciplina da matemática. Em relação ao teste de avaliação dos tipos de discalculia, pontua-se que tal instrumento se embasa nos subtipos descritos por Kosc em 1974, não sendo tão difundido por documentos oficiais como DSM-V e CID-11, e pesquisadores referências na área. Todos os instrumentos são destinados para crianças do Ensino Fundamental, demonstrando carência de instrumentos avaliativos de habilidades matemáticas para crianças da Educação Infantil.

Dentre os instrumentos elencados como potenciais para uso da avaliação psicopedagógica da discalculia, tem-se o TDE como o mais utilizado nas pesquisas. Considerando os 11 estudos, o TDE foi utilizado em oito pesquisas em suas duas versões, a Prova de Aritmética foi utilizada em duas pesquisas e todos os demais foram utilizados apenas em uma. Ou seja, 73% dos artigos utilizaram o TDE como medidor de habilidades matemáticas escolares. Esse fato demonstra que a maioria das pesquisas sobre avaliação da discalculia ou dificuldades matemáticas se restringem ao uso de apenas um instrumento, talvez devido à carência de outros instrumentos métricos para essa área. Porém, também houve instrumentos mais atuais, mas que ainda não estão validados.

Outra possibilidade para o psicopedagogo é a avaliação do nível de ansiedade de crianças em relação à disciplina da matemática, pois há pesquisas que evidenciam que uma parcela de crianças apresenta a ansiedade à matemática, a qual compromete o desempenho escolar dos estudantes40.

Sobre as limitações dos estudos, tem-se que a maioria, nove, apresentou número baixo de participantes avaliados, cinco utilizaram instrumentos que ainda não foram validados (THM, BAC-MAT, Prova Aritmética, Protocolo de Cálculo e Resolução de Problemas, Protocolo Matemático) e um estudo utilizou um instrumento embasado em documento já não mais utilizado nos currículos das escolas (THM).

Tais limitações devem ser consideradas pelo psicopedagogo que busca instrumentos embasados em evidências científicas para a sua prática clínica. Há a necessidade de mais pesquisas de validade sobre alguns instrumentos elencados.

A partir dos instrumentos descritos acima, o psicopedagogo pode optar por utilizar um ou mais para compor a avaliação da discalculia em crianças. Mas, é preciso enfatizar que o diagnóstico psicopedagógico não deve se limitar apenas ao uso de testes, uma vez que a Psicopedagogia considera vários aspectos que influenciam direta ou indiretamente no aprender, pois a investigação diagnóstica psicopedagógica é a busca de uma compreensão global da forma de aprender do indivíduo16,17.

Dessa forma, o psicopedagogo deve utilizar testes e provas em sua avaliação, devido ao caráter pontual e objetivo destas ferramentas, mas não deve se restringir apenas a elas. Deve, pois, fazer uso de diversos instrumentos de avaliação, a fim de alcançar o diagnóstico mais correto e não classificatório. Para além dos testes, o psicopedagogo deve incluir também a observação em jogos e brincadeiras, entrevista com pais ou responsáveis, questionário do(a) professor(a) da criança, análise qualitativa de tarefas, entre outras possibilidades.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A partir dos resultados apresentados nesta revisão de literatura, pode-se concluir que houve poucos estudos encontrados nas plataformas de pesquisa acadêmica. Menor ainda foram os estudos voltados para a área da Psicopedagogia, porém, foi possível elencar diversos instrumentos para uso psicopedagógico.

Os instrumentos avaliaram perfil neurocognitivo, habilidades matemáticas escolares e aspectos emocionais com relação à discalculia ou inabilidades matemáticas. É preciso enfatizar que dessas avaliações possíveis pelos instrumentos, aqueles que medem perfil neurocognitivo não são recomendados para uso por profissionais da área da Psicopedagogia, pois não cabe a tal formação. Assim, os instrumentos que medem habilidades matemáticas escolares e aspectos emocionais com relação à matemática se mostraram instrumentos potenciais para uso na prática clínica do psicopedagogo.

Tais instrumentos encontrados nos artigos que podem ser utilizados para uma avaliação psicopedagógica da discalculia foram: Bateria de Aferição de Competências Matemáticas (BAC-MAT), Protocolo de Cálculo e Resolução de Problemas, Protocolo Matemático, Prova Aritmética, Teste de Desempenho Escolar (TDE), Teste de Desempenho Escolar - 2ª edição (TDE-II), Teste de Habilidade Matemática (THM), e Escala de Ansiedade à Matemática. Este último voltado para aferição de aspectos emocionais e os demais voltados para avaliação de habilidades matemáticas acadêmicas. Todos estes testes e provas são destinados a crianças do Ensino Fundamental, demonstrando carência de instrumentos de avaliação de habilidades matemáticas em crianças da pré-escola.

De todos esses instrumentos citados anteriormente, o Teste de Desempenho Escolar (TDE) é o principal instrumento avaliativo das habilidades matemáticas escolares utilizados nas pesquisas. Porém, um dos estudos trouxe o Teste de Desempenho Escolar - 2ª edição (TDE-II) que abrange mais anos do Ensino Fundamental, abarcando crianças do 1º ao 9º ano. Teve-se, também, a proposta do Teste de Habilidade Matemática (THM) para avaliação de habilidades matemáticas requeridas pelo próprio sistema de ensino brasileiro, apesar de já mostrar-se defasado pelo fato de ter sido embasado nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), documento não mais utilizado pelas escolas brasileiras. Teve-se, ainda, a Bateria de Aferição de Competências Matemáticas (BAC-MAT), que mede competências matemáticas de acordo com os subtipos da discalculia, salientando que se baseia em uma classificação não mais difundida pela comunidade científica. Outro instrumento é a Escala de Ansiedade à Matemática (EAM) como medidor do nível de ansiedade com relação à matemática.

A partir destes instrumentos, o psicopedagogo pode optar por utilizar um ou mais para compor a avaliação da discalculia em crianças, enfatizando que o diagnóstico psicopedagógico não se limita ao uso apenas de testes, mas envolve outras formas de avaliação. Lembrando também que a avaliação psicopedagógica não deve ser utilizada para classificar o discalcúlico, mas, sim, compreender de forma global as suas inabilidades e capacidades para a proposição de uma intervenção mais apropriada e efetiva.

 

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Endereço para correspondência:
Sabrina Cardoso Tavares
Rua Benedito Pedro Raimundo, 972 - Jardim Santana
Santa Cruz do Rio Pardo, SP, Brasil - CEP 18910-038
E-mail: sabrinacardosotavares@hotmail.com

Artigo recebido: 12/10/2021
Aprovado: 30/12/2021

 

 

Trabalho realizado no Centro Universitário Sagrado Coração (UNISAGRADO), Bauru, SP, Brasil.
Conflito de interesses: A autora declara não haver.

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