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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.39 no.118 São Paulo Jan./Apr. 2022

http://dx.doi.org/10.51207/2179-4057.20220010 

RELATO DE EXPERIÊNCIA

 

Convivendo e aprendendo com o TDAH: Um estudo de caso

 

Living and learning with the ADHD: A case study

 

 

Maria Irene Miranda

Professora Titular da Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é de origem neurobiológica, deriva de um funcionamento alterado do cérebro, apresenta componentes genéticos e se manifesta antes dos 7 anos. A caracterização deste transtorno do neurodesenvolvimento ocorre pelos recorrentes comportamentos dispersivos, impulsivos e hiperativos que comprometem as relações humanas em diferentes espaços. Desta forma, é um desafio a pais e professores que buscam ressaltar as possibilidades em detrimento das supostas limitações. Não há uma metodologia de trabalho pré-definida, para cada caso faz-se necessário encontrar alternativas que promovam espaços de aprendizagem e desenvolvimento. No presente estudo de caso de um menino de 13 anos, cursando o sétimo ano do Ensino Fundamental e com diagnóstico de TDAH, foram utilizados como instrumentos de coletas de dados: a observação, relatórios de outros profissionais (professoras, psicopedagogas, psicólogas, fonoaudióloga, neuropediatra), atividades pedagógicas (leituras, interpretações de textos, produção escrita, exercícios de matemática), análise do material escolar, entrevistas e jogos. A análise dos dados buscou responder as seguintes questões: como mediar o processo de aprendizagem de um adolescente diagnosticado com TDAH, tendo como referência os pressupostos da Psicopedagogia? Qual deve ser a atuação da família e da escola para que as suas possibilidades de vir a ser não sejam sucumbidas pelo diagnóstico? Desprovida da intenção de oferecer respostas definitivas, é possível inferir sobre a necessidade de ação conjunta que envolva a família e a escola, conforme as demandas de cada caso, buscando superar as concepções conservadoras e patologizantes de atenção e preconizar a existência de diferentes modalidades atencionais.

Unitermos: TDAH. Psicopedagogia. Aprendizagem. Escolarização.


SUMMARY

The Attention Deficit Hyperactivity Disorder (ADHD) origin are neurobiological bases, results from an altered brain function, presents genetic components and manifests before seven years old. This neurodevelopmental disorder characterization occurs because of recurrent dispersive, impulsive and hyperactive behaviors that detract human relationships in different environments. Thereby, it's a challenge to parents and teachers that try to highlight the possibilities in detriment of supposed limitations. There is no established work methodology. In each case is necessary to find alternatives that promote learning and development spaces. The current study case is about a 13-year-old boy, attending the seventh year of elementary school, diagnosed with ADHD. For the accomplishment of the study, the following data collection instruments were used: observation, reports from other professionals (teachers, educational psychologists, psychologists, speech therapist, neuropediatric), pedagogical activities (reading, text comprehension, writing production, mathematics exercises), school supplies analysis, interview and games. Data analysis have sought to answers to the following questions: how to mediate the learning process of a teenager diagnosed with ADHD, having educational psychologists a reference? What should be the role of the family and school so that the possibilities of being should not be succumbed by the diagnosis? Despite of the intention of offering definite answers, it is possible to infer on the necessity of a joint action that involves family and school, according to the demands in every case, trying to overcome attention conservative and pathologizing conceptions and praise the existence of different attentional modalities.

Keywords: ADHD. Psychopedagogy. Learning. Schooling.


 

 

INTRODUÇÃO

Apresentação do caso

O presente trabalho consiste de um estudo de caso em desenvolvimento desde o ano de 2019, a partir do diagnóstico de TDAH (Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade) de um menino de 13 anos de idade, atualmente cursando o sétimo ano do Ensino Fundamental. Trata-se de Pedro (nome fictício), com o qual tenho a alegria de conviver desde o seu nascimento, revezando a condição de aprendente e ensinante.

A realização desse estudo tem um significado subjetivo distinto dos demais; sinto-me instigada e desafiada de uma forma inédita, pois abordar o tema tendo como protagonista alguém tão próximo propicia uma amálgama de sentimentos: afetos, receios, expectativas, responsabilidades. Para relatar minhas vivências de avó, professora e psicopedagoga, escrevo na primeira pessoa, logicamente mantendo o rigor com a linguagem e a fundamentação teórica necessária à abordagem do caso.

A prática docente e psicopedagógica possibilitaram-me experiências de estudos e pesquisas com o TDAH, porém, a partir do diagnóstico de Pedro, iniciei o estudo do caso com a intenção de aprender com ele sobre como lidar psicopedagogicamente com quem apresenta o transtorno.

A literatura indica que o TDAH é de origem neurobiológica, deriva de um funcionamento alterado do cérebro, apresenta componentes genéticos e se manifesta antes dos 7 anos. A caracterização do transtorno ocorre pelos recorrentes comportamentos dispersivos, impulsivos e hiperativos que comprometem as relações humanas em diferentes espaços.

Para Rizzutti1, não se pode negar a influência de fatores genéticos e ambientais no desenvolvimento do transtorno, no entanto, as causas são desconhecidas; logo, não há uma "determinação genética", mas "predisposição" ou "influência genética", pois o TDAH provém de influências multifatoriais.

Segundo Silva2, o cérebro do TDAH apresenta um funcionamento peculiar do lobo frontal responsável pela ação reguladora do comportamento, devido à alteração quantitativa e/ou qualitativa dos neurotransmissores responsáveis pelas funções cerebrais, conferindo comportamentos específicos caracterizados por alteração da atenção, impulsividade e hiperatividade; consequentemente, a pessoa com TDAH é dispersa, tem dificuldade em se concentrar, inibir impulsos e elementos distratores, assim como para estabelecer uma sequência de atividades por prioridade, o que contribui para desorganização e falta de finalização das tarefas.

À medida que analisava cuidadosamente os apontamentos do laudo de Pedro, as características do TDAH ficavam mais evidentes. Desta forma, busquei construir alternativas de ação visando contribuir para o seu sucesso, tanto na escola como na vida.

Pedro sempre se mostrou uma criança muito ativa e agitada, o que não foi um problema até seu ingresso no Ensino Fundamental, aos 6 anos de idade. Foi alfabetizado no primeiro ano, porém suas características dispersivas e a falta de foco atencional chamaram a atenção da professora. Foi a primeira vez que ouvimos a queixa da escola. Silva2 explica que as dificuldades começam a surgir no âmbito escolar quando a criança é solicitada a cumprir metas, seguir rotinas e executar tarefas, sendo recompensada ou punida de acordo com a eficiência com que são cumpridas. Normalmente, o ambiente da escola exige o cumprimento de regras, a interação apropriada com outras crianças e adultos, a participação em atividades dirigidas e a disciplina. Esse nível de exigência durante quatro ou cinco horas diárias, de segunda a sexta-feira, é um grande desafio àqueles que apresentam comportamentos característicos de TDAH.

Pedro permaneceu na mesma escola, onde cursou o segundo ano do Ensino Fundamental, porém os problemas se agravaram: indisciplina, desavenças com os colegas, conflitos com as professoras, além das dificuldades de aprendizagem em todos os conteúdos. Consequentemente, até chegar ao sétimo ano, passou por mais duas escolas e teve uma reprovação no quinto ano. As instituições eram privadas e bem conceituadas, no entanto, não atendiam a criança em suas especificidades.

Vivenciamos o sentimento amargo da reprovação, do fracasso, que não era somente de Pedro, mas também nosso e da escola, que não pensava assim. Desta forma, somente nós assumimos as consequências desse triste fato. DuPaul & Stoner3 afirmam que o uso de reprovação nas séries iniciais para abordar as dificuldades relacionadas ao TDAH é particularmente problemático, uma vez que as dificuldades de comportamento tipicamente persistem ou pioram como consequência disso.

Para uma psicopedagoga que ressalta a capacidade de aprendizagem do outro e sempre atuou no sentido de favorecer o desenvolvimento de crianças com dificuldades no processo de escolarização, não foi fácil assimilar a reprovação. O trabalho da escola era pautado em uma concepção homogênea e padronizada de ensino, onde aqueles que não se adaptam devem ser excluídos. Desta forma, impõe a homogeneização, violentando a diversidade, a diferença e a pluralidade.

Eu estava ciente das necessidades de Pedro e da impossibilidade da escola de atendê-lo, logo, precisava buscar uma alternativa. Após a reprovação e as recorrentes experiências de frustração, mudamos de escola e decidi que cursaria com ele o quinto ano, faríamos as tarefas diariamente, recapitularíamos as aulas e estudaríamos para as avaliações; e assim fizemos. Por acreditar na capacidade de qualquer indivíduo aprender, independentemente de rótulos que lhe sejam atribuídos, considero que mais importante do que nomear as características do sujeito aprendente é encontrar um caminho para mediar seu processo de aprendizagem e desenvolvimento: este tem sido o meu desafio e para registrá-lo estou realizando este estudo de caso.

Com base no diagnóstico, havia a indicação de intervenção medicamentosa com metilfenidato (Ritalina); sem descartar a possibilidade futura do uso, optamos por buscar parcerias com a escola e com outros profissionais que pudessem contribuir para a abordagem do caso e desenvolver uma ação psicopedagógica. Desta forma, Pedro nunca fez uso de medicação para o TDAH.

Isto posto, o estudo tem por objeto os processos de desenvolvimento e aprendizagem de um adolescente com TDAH, objetivando a apresentação descritiva e analítica do caso, orientado pelas seguintes questões problematizadoras: como mediar o processo de aprendizagem de um adolescente diagnosticado com TDAH, tendo como referência os pressupostos da Psicopedagogia? Qual deve ser a atuação da família e da escola para que as suas possibilidades de vir a ser não sejam sucumbidas pelo diagnóstico?

Para além das respostas, espero que este estudo instigue outros professores, psicopedagogos e familiares a tomarem o diagnóstico como ponto de partida, buscando alternativas de ação que promovam o desenvolvimento, a aprendizagem e a inclusão escolar e social.

 

MÉTODO

O caminho percorrido para o estudo de caso

O estudo de caso é uma modalidade de pesquisa que possibilita a compreensão de um fato particular, considerando as características do contexto e as diversas dimensões que compõem o objeto de investigação.

Na perspectiva psicopedagógica, o estudo de caso busca conhecer de modo profundo a singularidade da situação, articulando teoria e os dados da realidade. O psicopedagogo, que é também um pesquisador, tem como foco a compreensão da situação em toda sua especificidade. Sendo assim, procede com a coleta de dados utilizando diferentes instrumentos. Nesse processo, o papel da teoria é fundamental, pois, sempre que é evocada, estrutura e organiza as informações de forma que tenham sentido e possibilitem o entendimento do caso, assim como novas formulações teóricas no campo da Psicopedagogia4.

Para coleta/construção dos dados, foram utilizados os seguintes instrumentos: observação, relatório de outros profissionais (professoras, psicopedagogas, psicólogas, fonoaudióloga, neuropediatra), atividades pedagógicas (leituras, interpretações de textos, produção escrita, exercícios de matemática), análise do material escolar, entrevistas e jogos. Na análise os dados foram triangulados pelo estabelecimento de correlações entre os resultados, considerando a importância de todos os instrumentos quando tomados em conjunto e não isoladamente. Visando fundamentar teoricamente a análise, foi realizada uma revisão bibliográfica para reunir informações que respaldassem o aprofundamento do tema, neste caso, o TDAH.

Uma vez situado o percurso metodológico, faz-se necessário buscar os dados que constituem o caso em estudo.

 

RESULTADOS

Conhecendo os dados

Nessa seção estão sintetizados os dados, ressaltando os aspectos mais importantes para o entendimento do caso e análise posterior.

Na ação psicopedagógica a observação em diferentes situações e circunstâncias é uma constante. Na perspectiva psicogenética de Henri Wallon5 observar é registrar o que pode ser verificado. Mas registrar é ainda analisar, é ordenar o real em fórmulas, é fazer-lhe perguntas. Sendo assim, ao contrário do que pode parecer, observar não é algo simples, exige sagacidade para apreender as diferentes manifestações da pessoa.

Por meio da observação, torna-se possível transformar o ouvir e o enxergar em capacidade de escutar e olhar; em outras palavras, a audição torna-se escuta e a visão torna-se olhar, ou, ainda, torna-se possível escutar o que se ouve e olhar o que se enxerga.

A observação revelou-me um menino sempre muito agitado, desde o primeiro ano de vida. Ao se sentar sem apoio, balançava os braços de forma rápida e contínua, agarrava e arremessava objetos enquanto arregalava os olhos, abria a boca ou dava gargalhadas, engatinhava rapidamente para todos os lados. Andou aos 11 meses e logo já corria, dançava, escalava os móveis e adorava chutar bola, sua brincadeira preferida. Brinquedos que lhe exigiam permanecer mais quieto, como jogos de encaixe, quebra-cabeça, não lhe chamavam a atenção. As peças eram jogadas para o alto ou chutadas.

Aos 4 anos, Pedro entrou para escolinha de futebol. Por diversas vezes, durante os treinos observei que os colegas aguardavam na fila para chutar a bola ao gol, conforme orientações do treinador; enquanto aguardava sua vez, Pedro pulava ou balançava o corpo, não conseguia ficar quieto, além de conversar o tempo todo. É certo que a agitação e inquietude são características comuns em crianças nesta faixa etária, porém no caso de Pedro tais características eram mais evidentes, acentuadas e constantes.

A fala era rápida, caracterizada por ansiedade e dificuldade de se expressar, pois o pensamento é mais rápido do que a comunicação oral e escrita, ocasionando uma fala confusa, com dificuldade de articulação para dizer o necessário e ser compreendido.

Ao observá-lo nas tarefas de casa, era possível constatar o seu desinteresse, associado a dificuldades específicas e de compreensão. DuPaul & Stoner3 explicam que as dificuldades específicas incluem não anotar as lições de casa, não levar as instruções necessárias, cometer muitos erros, discutir sobre a realização das lições de casa e entregar os deveres com atraso. Mesmo a realização das tarefas sendo momentos desgastantes, possibilitou-me entender melhor como Pedro aprendia, ou seja, sua modalidade de aprendizagem e modalidade atencional.

De acordo com os princípios psicopedagógicos, cada pessoa tem a sua forma de se relacionar com o mundo para conhecê-lo, isto é, cada um dispõe de um esquema para operar em diferentes situações de aprendizagem; trata-se da maneira como cada sujeito lida com o objeto a conhecer. Sendo assim, eu buscava compreender as respostas e as tentativas de Pedro, sempre muito atenta ao que ele falava, aos movimentos de seu corpo, aos seus momentos de dispersão.

A observação revelou-me também que havia um objeto que atraía a atenção de Pedro e mantinha-o focado por horas: o celular. Ele ficava intensamente concentrado em jogos, vídeos de seu interesse e redes sociais e dificilmente desviava a atenção para outras atividades, o que era motivo de conflito familiar, principalmente quando a outra atividade era estudar.

Os celulares são estimulantes e atrativos, oferecem diferentes estímulos, como jogos com imagens muito próximas do real, cores, sons e movimentos. Silva2 afirma que as características destes jogos ativam o cérebro das crianças com déficit de atenção de uma forma que as atividades cotidianas não são capazes, pois não possuem a mesma dinâmica. Por outro lado, podemos pensar que o atual avanço tecnológico impulsiona a emergência de novas modalidades atencionais, as quais não correspondem às concepções mais conservadoras do significado de atenção.

Por várias vezes observando Pedro enquanto jogava no celular foi possível identificar a impulsividade física nos tiques motores, caracterizados por balançar as mãos, morder os lábios, balançar o corpo simultaneamente.

O olhar de outros profissionais foi fundamental para compreender o caso, pois o diálogo entre as áreas de conhecimento é condição sine qua non para o estudo de caso psicopedagógico. Pedro realizou avaliação com equipe interdisciplinar constituída por neuropediatra, fonoaudióloga, psicóloga e psicopedagoga e durante algum tempo teve acompanhamento psicopedagógico e psicológico. Os atendimentos foram interrompidos devido à grande indisposição e resistência de Pedro, que não se adaptou à dinâmica das profissionais.

Os dados oriundos dos relatórios das profissionais vinham ao encontro de minhas observações enquanto trabalhávamos as atividades pedagógicas: queixas e comportamentos de esquivas, dispersão e dificuldades de manter o foco atencional, lapso de memória, ansiedade; leitura razoável, com dificuldade de interpretação; na escrita apresentava problemas de caligrafia, erros ortográficos, troca, omissão ou repetição de letras, produção limitada com vocabulário restrito para a faixa etária. Era comum também uma queda do rendimento atencional no decorrer das atividades.

No relatório psicológico os resultados do Teste WISC-IV indicaram um desempenho abaixo do esperado para a faixa etária, as dificuldades do pensamento lógico-matemático interferindo em sua capacidade de resolução de problemas que envolvem abstração e dados complexos, embora apresente facilidade em manipular mentalmente conteúdos verbais, demonstrando, assim, um perfil dissociado de habilidades. Ainda de acordo com o relatório, outro aspecto de dificuldade refere-se à velocidade de processamento, principalmente mediante a exigência de agilidade mental e sustentação do foco atencional.

Os dados revelam prejuízos importantes em múltiplos processos de atenção, mas reafirmam suas possibilidades de acesso e categorização do conceito de palavras, mesmo em níveis mais abstratos. Em conclusão, o relatório indica que Pedro apresenta Transtorno do Déficit de Atenção, com prejuízos funcionais no desempenho escolar e outros contextos. É importante ressaltar que os resultados obtidos por meio de testes de inteligência são dinâmicos e multideterminados, portanto, não são considerados como definitivos ou estáticos.

Outro instrumento importante para elucidar os sintomas do TDAH no processo diagnóstico foi o questionário SNAP-IV, preenchido pela família e pelas professoras da escola. De acordo com a escala de avaliação, Pedro apresentava 8 em 9 critérios para desatenção (família); 7 em 9 critérios, segundo as professoras; 1 em 9 critérios para hiperatividade, segundo a família e as professoras; 1 em 8 critérios para comportamento opositor, segundo a família e as professoras. A partir desse resultado, considerando os critérios de análise dos sintomas descritos no SNAP-IV, Pedro apresenta o TDAH predominantemente desatento. No entanto, essa avaliação tem caráter circunstancial, à medida que o sujeito encontra-se em fase de desenvolvimento.

O Teste WISC-IV, assim como a Escala de Avaliação SNAP-IV, são instrumentos relevantes no processo de diagnóstico, pois revelam dados que favorecem a compreensão do caso; porém, precisam ser validados ao longo do tempo e conforme a evolução do sujeito em estudo.

A análise do material escolar é também um procedimento rico para obtenção de dados. Observar se os registros são completos, se há organização e zelo, a qualidade do traçado das letras, indícios de correção dos professores, se a criança perde ou esquece o material com frequência ou outras informações que podem ser extraídas de cadernos, livros, mochilas e objetos escolares.

Os cadernos de Pedro eram desorganizados e incompletos, principalmente nos dias de aulas que demandavam por mais tempo sentado na carteira. Mediante as lacunas do caderno, perguntava-lhe sobre o que a professora havia explicado, o que deveria ser feito, mas ele quase sempre não sabia dizer, embora admitisse que a professora havia trabalhado o conteúdo, mas ele não se lembrava da explicação. Por várias vezes, precisei entrar em contato com as professoras para saber sobre as atividades. Havia também registros de escrita, desenho, pinturas, feitos sem nenhum capricho, com a intenção de finalizar rapidamente. DuPaul & Stoner3 consideram que a qualidade dos trabalhos em sala de aula e em casa é afetada negativamente pelo estilo de resposta impulsivo e descuidado das crianças com TDAH.

A dificuldade de organização estava também na mochila, que continha papéis recortados, lápis sem ponta, canetas sem tampa, tampas avulsas, borrachas cortadas e mordidas. Não raramente perdia tesouras, apontadores e outros objetos escolares, ou guardava e não se lembrava onde, pois os lapsos de memória eram comuns.

Em entrevista a coordenadora da escola relatou que Pedro estava fazendo as provas em sua sala, conforme o tempo que ele necessitava e que este procedimento favorecia os resultados, à medida que se dedicava melhor e afirmava gostar de fazer as provas separadamente. Pedro confirmou que realmente preferia fazer as provas com a coordenadora, porque ela contava as respostas. Então questionei sobre como ela contava e ele explicou: "ela fala para eu ler de novo a resposta, então sei que está errado, leio e vejo que está errado e conserto". Continuei questionando: mas ela fala como você deve consertar? E ele respondeu: "não, mas eu sei". É possível inferir que a intervenção da coordenadora funcionava como uma retomada de foco, ao mesmo tempo em que favorecia a iniciativa de retomar o pensamento e rever a atividade, algo complexo quando o hábito de fazer tudo rápido está instalado.

Na entrevista com a professora de Língua Portuguesa ela lembrou que certa vez durante uma atividade de contação de histórias os alunos deveriam responder no caderno a seguinte pergunta: "Qual a parte da história que você mais gostou? Por quê?" No caderno Pedro respondeu: "nenhuma, porque não gosto de histórias". Novamente, é observado o estilo de resposta impulsivo e descuidado prejudicando a realização das tarefas escolares.

Em situações de jogos, Pedro é receptivo ao desafio, se dispõe a jogar conforme as regras. Em jogos de estratégia inicia de forma aleatória, não estabelece critérios, somente no decorrer do jogo busca alternativas, verbaliza hipóteses e começa a planejar a solução para vencer. Diante do desafio, ele consegue manter o foco atencional por um tempo razoável, embora fique mais propenso a desistir quando o jogo combina mais de um critério e exige operações mentais simultâneas e reversibilidade de pensamento.

Mediante o conjunto de informações obtidas, é chegado um dos momentos mais importantes: a análise dos dados, por meio da qual o caso é desvendado e compreendido. Para tanto, foi feito um cruzamento dos dados coletados buscando analisar: se Pedro apresenta características significativas correspondentes ao TDAH; se a frequência de ocorrência dos sintomas é significativamente maior do que das demais pessoas de mesmo gênero e faixa etária; se há redundância dos sintomas manifestos em diferentes situações ou circunstâncias; se o seu comportamento sempre desencadeia prejuízos em casa, na escola ou em outros espaços.

Considerando a natureza dos aspectos acima, nenhum instrumento de construção de dados isoladamente foi suficiente à produção de respostas. Logo, para conhecer a frequência e a abrangência dos comportamentos relacionados ao TDAH foi preciso triangular os dados, estabelecendo correlações e ordenações lógicas, as quais estão postas a seguir.

 

DISCUSSÃO

Atribuição de sentido e significado aos dados

As possibilidades de diagnóstico para TDAH são ampliadas quando os dados oriundos da família e da escola se complementam na caracterização do comportamento. Nesse sentido, para análise e discussão dos dados, fez-se necessário retomar os aspectos característicos do transtorno.

As características do TDAH podem ser observadas na primeira infância, quando a dispersão, inquietude e a impulsividade estão presentes, a ponto de sobrecarregar a família e os responsáveis pela criança, mas dificilmente geram problemas que chamam a atenção para um possível transtorno. Ao entrar na escola, a realidade muda, pois os problemas de comportamento e aprendizagem se tornam recorrentes. A instabilidade atentiva, a diminuição da memória operacional e as dificuldades de inibir impulsos e elementos distratores quase sempre acarretam dificuldades acadêmicas.

Pedro apresentou sintomas e comportamentos desatentos e dispersivos em diferentes circunstâncias antes dos 7 anos de idade e as consequências problemáticas começaram a surgir no início da escolarização, com o aumento de exigência na realização das tarefas. Normalmente, ele apresenta dificuldades em atividades complexas que exigem habilidades organizacionais, não por falta de capacidade, mas por utilizar estratégias ineficientes, impulsivas e desorganizadas.

Em consonância ao que preconizam DuPaul & Stoner3, Pedro manifesta problemas para manter a atenção em tarefas que exigem concentração e na realização de trabalhos independentes. Seu desempenho em sala de aula também fica comprometido pela falta de atenção às instruções da tarefa. Outros problemas acadêmicos associados a problemas de atenção incluem o fraco desempenho em atividades processuais e avaliativas; habilidades ineficientes de estudo, cadernos e trabalhos escritos desorganizados; falta de atenção às explicações do professor e/ou discussões em grupo.

O desafio de manter o foco atencional em aulas expositivas faz com que assimile fragmentos das explicações, devido à dificuldade de participar de atividades obrigatórias de longa duração, principalmente como ouvinte e ainda porque o assunto não lhe interessa. Considerando que a aprendizagem está diretamente relacionada à sustentação do foco atencional, não se manter concentrado por tempo suficiente e com a intensidade necessária pode acarretar dificuldades. A falta de foco aparece também na leitura, que é interrompida com comentários desconectados do assunto ou para reclamar dos textos.

Estudos2,3 indicam que a pessoa com TDAH apresenta problemas no desenvolvimento das funções executivas, o que compromete sua capacidade de autocontrole, de planejamento e execução de tarefas. As funções executivas abrangem diferentes processos cognitivos, envolvendo a organização, a memória de trabalho, a atenção sustentada, a metacognição, a flexibilidade cognitiva, a inibição de distratores, a autorregulação. Estas capacidades são importantes na interação com o meio, pois indicam o que fazer, como fazer, quando fazer, porque fazer.

Para trabalhar as funções executivas, as atividades desenvolvidas com Pedro buscam construir espaços de autoria de pensamento para que ele se organize mentalmente e encontre sua melhor forma de aprender; e ainda consiga organizar sua agenda, realizar suas tarefas no prazo e planejar e replanejar suas atividades de maneira autônoma. Não se trata de algo simples e rápido, mas de um processo que envolve tempo, paciência, persistência e sensibilidade; atualmente, estamos no processo, acreditando que a atencionalidade se nutre na alegria da autoria6.

Neste sentido, temos um acordo de estudar diariamente, seja para realizar as tarefas de casa ou para as atividades avaliativas. Estabelecer rotinas contribui para organização e formação de hábitos, tarefa complexa para quem apresenta dificuldades de manter a disciplina na condução da vida cotidiana.

Em nosso trabalho Pedro é respeitado em seu ritmo e forma de proceder para que não se sinta pressionado, porém esclareço-lhe os objetivos e expectativas quanto às nossas atividades. Em nossos diálogos sempre pergunto como posso ajudá-lo, levando-o a refletir sobre sua forma de aprender. É possível constatar que seu comportamento é influenciado pelo tipo de orientação que recebe quando tenta trabalhar de forma independente.

Nessa direção, estudos2,3 confirmam que, quando o trabalho independente é supervisionado de perto, as crianças com TDAH conseguem uma produção maior e melhor em relação a situações com supervisão mínima. No entanto, não há uma orientação ou supervisão padronizada, cada caso é único e deve ser considerado de forma específica. Em outras palavras3, o trabalho de intervenção para crianças com problemas de atenção precisa ser individualizado. Isto é, precisamos evitar um enfoque único para todos, baseado na noção de que todas as crianças com diagnóstico de TDAH têm as mesmas necessidades de apoio.

A intervenção deve contribuir para o desenvolvimento do autocontrole atencional, canalizando impulsos e ideias para algo produtivo que faça a pessoa se sentir capaz, confiante e realizada. Crenças autodesvalorizantes impedem a valoração das qualidades existentes e ressaltam o negativo, aumentando a instabilidade emocional. Neste sentido, recuperar a autoestima contribui para iniciativas e tentativas. Para tanto, os incentivos, elogios e recompensas apresentam resultados interessantes. Isto implica em evitar críticas para proteger a pessoa do sofrimento; não ressaltar o que está errado, mas o que está certo, reconhecendo seus esforços. Assim, estaremos incentivando positivamente, à medida que enfatizamos o que deve ser feito e descartamos o que não deve ser feito.

A ação psicopedagógica enfatiza as possibilidades em detrimento das limitações, ou seja, analisa a capacidade atencional ao invés de ressaltar seus déficits. Assim, a intervenção visa melhorar o funcionamento escolar, social e familiar, ao passo que a pessoa aprende a ter disciplina e foco, a planejar seus compromissos diários e a organizar sua rotina. Desta forma, aprende a se conhecer, reconhecendo suas qualidades e os aspectos que precisam ser melhorados; se a atenção é importante para aprendizagem, é possível aprender a ter atenção; consequentemente, utilizar suas capacidades de forma organizada e deixar de se sentir o "patinho feio" ou o "peixe fora d'água".

O movimento atencional é simultaneamente interno e externo, objetivo e subjetivo, devendo ser assim compreendido. Logo, a capacidade atentiva não pode ser considerada fora do contexto que a subjetiva. Ao compreendermos a pessoa com TDAH como aprendente, pensante, desejante e construtora de conhecimentos, sabemos que sua atenção é gestada nos espaços entre, tal como preconiza Alícia Fernández6 ao se referir às relações estabelecidas entre as pessoas. Nesta perspectiva buscamos superar, no sentido dialético do termo, a concepção de atenção enquanto uma adaptação mecânica, analisada somente em sua dimensão neurológica.

Atualmente, Pedro apresenta características da adolescência: questionamentos, reivindicações, sexualidade aguçada, tentativa de negociações na definição de limites e sanções, mas não manifesta atitudes de rebeldia; continua muito focado no celular, o qual às vezes é utilizado como "moeda de troca" ou retirado como medida punitiva. As modificações fisiológicas e morfológicas tornaram-se evidentes, a fisionomia do rosto mudou e o corpo cresceu.

Os estudos longitudinais de Weiss & Hechtman7 indicam um declínio de sintomas - desatenção, impulsividade, hiperatividade, mas eles não desaparecem, principalmente quando comparados ao comportamento de adolescentes que não têm o transtorno. Considerando as características desta etapa do desenvolvimento, independentemente de comorbidades, adolescentes TDAH podem desafiar e desobedecer as figuras de autoridade, podendo apresentar comportamentos antissociais, dificuldades interpessoais. Consequentemente, aumentam as chances de problemas escolares, seguidos de repetência, abandono. E, ainda, quando o jovem enfrenta problemas e conflitos familiares, fica mais propenso ao uso de drogas, envolvimento em acidentes. No entanto, quando os adolescentes são acompanhados, orientados, os riscos diminuem.

Pedro sempre usou o cabelo mais comprido, mas decidiu cortar, talvez influenciado pelos amigos que usam cabelos curtos. Em respeito à sua vontade e entendendo o seu momento de construção de identidade, levei-o ao cabeleireiro e a mudança foi radical: um "rapazinho" de cabelos bem curtos sentindo-se muito feliz com a transformação.

Naquele dia observei atentamente suas reações, sentamos na praça de alimentação para fazer um lanche enquanto ele relatava ansiosamente a agradável sensação dos cabelos curtos, fez uma selfie do celular e rapidamente compartilhou com os colegas, se divertindo com as reações. Lanchou depressa para ir embora, queria mostrar a todos seu novo visual. Foi muito interessante assisti-lo agir com iniciativa e segurança, pois normalmente não era assim que procedia. A iniciativa está também em outras situações cotidianas, por exemplo, já prepara o próprio lanche na cozinha e dispensa ajuda.

A busca por autonomia é comum na fase da adolescência, porém coloca novos desafios, os quais podem gerar ansiedade. Há uma ambivalência de atitudes e sentimentos, alternando vaidade e timidez, dependência e independência. Em alguns momentos, Pedro manifesta ansiedade, apresenta tiques (balança as mãos, a cabeça e morde a língua) e atitudes de insegurança, causando prejuízos na escola e até no futebol.

Como consequência do contexto pandêmico, Pedro ficou afastado por alguns meses do futebol e afirmou se sentir inseguro para retornar, mesmo querendo muito jogar bola: "eu não sei o que acontece comigo, não sei explicar, mas tenho um nervosismo, eu afobo, tenho medo de não jogar bem".

A insegurança e ansiedade tendem a ser características comuns e para superá-las faz-se necessário apoio permanente no sentido de encorajar, incentivar, estar junto transmitindo confiança e afeto. Nos primeiros treinamentos após o retorno, acompanhamos e assistimos Pedro, elogiando suas jogadas e ressaltando seus esforços para retomar o futebol. O treinador também fez um trabalho nesse sentido, conversando com todos os jogadores e explicando que o retorno à boa forma seria gradativo e com dedicação aos treinos. Assim, os atletas vão se sentindo mais à vontade e retomando a confiança.

O ensino remoto representa também um grande desafio, uma vez que demanda foco atencional e disciplina para permanecer diante da tela do computador e estudar sentado e sozinho, resistindo aos estímulos do ambiente, principalmente ao celular, inibindo impulsos e ansiedades. Neste tipo de ensino, as exigências em relação à autonomia aumentam, assim como as expectativas acerca das capacidades acadêmicas e de organização. Espera-se que os registros nos cadernos e livros estejam atualizados e organizados, e também a realização de atividades e trabalhos avaliativos sem ajuda. Pedro não corresponde integralmente às expectativas acima e não dispõe de uma estratégia própria para estudos autônomos, necessitando, portanto, de mediação e supervisão.

Na perspectiva vygotskiana, ao atuarmos na zona de desenvolvimento proximal ou eminente (ZDP), estamos possibilitando que aquilo que hoje o sujeito faz com ajuda, amanhã possa fazer sozinho. Ainda na vertente histórico-cultural, o que está na potencialidade (nível de desenvolvimento potencial) se torna realidade (nível de desenvolvimento real) mediante as experiências proporcionadas pelo meio onde o sujeito está inserido. Com base em Vygotsky, Oliveira8 afirma que é na ZDP que a interferência do outro é mais transformadora.

Oliveira8 explica que para compreender a ZDP é necessário entender o significado de Nível de Desenvolvimento Real, que consiste nas etapas já alcançadas e conquistadas pelas crianças, portanto, é caracterizado por atividades que elas conseguem fazer sozinhas, sem ajuda de ninguém. É necessário entender também o significado de Nível de Desenvolvimento Potencial, que consiste nas etapas em processo de vir a ser, ou seja, as capacidades estão latentes, exigindo a ajuda de outra pessoa mais experiente. As atividades são realizadas somente com a interferência do outro.

A partir desses fundamentos é possível afirmar que desconsiderar a dimensão social do processo atencional significa reduzi-lo ao aspecto biológico, isto é, os problemas desencadeados pela falta de atenção são unicamente da pessoa desatenta.

Ao buscar situações que promovam o desenvolvimento e a aprendizagem, a ação psicopedagógica possibilita o desenvolvimento de capacidades correlatas, dentre elas, a capacidade atencional. Logo, é possível aprender a ter atenção, mas não há um método de ensino para tal, o que nos desafia a criar alternativas. Na concepção de Fernández6, o aprendente atende de acordo com o ambiente facilitador, confiável e confiante que lhe é proporcionado.

Desde o início de 2019, quando Pedro começou a cursar o quinto ano do Ensino Fundamental pela segunda vez, estamos buscando oferecer-lhe um contexto facilitador e confiável, pautados na crença de que o diagnóstico de TDAH não é definidor de suas possibilidades de vir a ser.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Algumas inferências acerca do caso

Na vertente interacionista da Psicopedagogia os fatores internos à pessoa com TDAH (neurobiológicos) não são determinantes, à medida que interagem com os fatores externos (sociais, ambientais) para constituição da realidade. Sendo assim, apresentar o transtorno de atenção não significa necessariamente estar fadada ao fracasso, pois a pessoa não é incapaz, embora em determinadas circunstâncias apresente um déficit de desempenho. Nesse sentido, faz-se necessário retomar as questões que norteiam o presente estudo: como mediar o processo de aprendizagem de um adolescente com diagnóstico de TDAH, tendo como referência os pressupostos da Psicopedagogia? Qual deve ser a atuação da família e da escola para que as suas possibilidades de vir a ser não sejam sucumbidas pelo diagnóstico?

Não há a intenção de oferecer respostas definitivas, uma vez que cada caso é específico, e responder algumas perguntas implica em colocar outras. Entretanto, é possível inferir que a mediação psicopedagógica é uma ação conjunta que envolve a família e a escola buscando possibilidades de trabalho autônomo em resposta às demandas sociais e escolares.

Dada a necessidade de parceria institucional, a escola e a família devem estar preparadas para lidar com o caso, os professores e os pais precisam entender como as crianças com TDAH interagem no mundo, quais são suas modalidades de aprendizagem e modalidades atencionais e juntos buscarem alternativas, pois ao se envolverem ativamente no processo ampliam-se as possibilidades de sucesso.

Nesse sentido, para criar uma estrutura externa facilitadora do cotidiano e da manutenção do foco, diminuindo a influência de elementos distratores, buscamos construir hábitos de organização. Para tanto, os objetos pessoais de Pedro são arrumados em lugares fixos, as gavetas de roupas e sapatos, o material escolar; tudo guardado em locais definidos e de fácil acesso. Há também a organização diária do tempo, estabelecendo horários regulares para uma rotina pessoal e identificando a sequência de ações conforme as atividades prioritárias. O uso de agendas com o planejamento do dia, cronograma ou checklist das tarefas facilita a vida prática, compensando a desorganização e oferecendo segurança; além de diminuir a ansiedade e a sensação de incapacidade. A agenda prevê tempo livre para as atividades de lazer e esporte, que também contribuem para canalizar ansiedades e diminuir o estresse.

Buscamos também oferecer orientações pertinentes, conforme a natureza da atividade a ser desenvolvida. No entanto, as tarefas complexas precisam ser simplificadas com explicações curtas, claras e que tenham um ou no máximo dois comandos. Solicitações muito longas e complexas tendem a não ser atendidas, pois Pedro pode se perder no decorrer da instrução.

Desta forma, um procedimento correlacionado é estabelecer formas de comunicação eficientes. Normalmente, Pedro tem uma fala rápida. Nesses momentos lhe é solicitado que repita o que foi dito de forma mais lenta e estabeleça um diálogo falando baixo e devagar. Quando fazemos uma pergunta não aguardamos e nem cobramos uma resposta rápida, acenamos positivamente com a cabeça enquanto Pedro verbaliza seu processo de produção da resposta, isso o incentiva; sempre atentos ao seu vocabulário, não antecipamos sua fala, a menos que sejamos solicitados.

Outro procedimento básico é orientar a busca de resolução de problemas cotidianos. Identificar e refletir sobre os aspectos problemáticos do dia a dia contribui para busca de possibilidades de resolução. Antes de optar, é preciso ponderar considerando a viabilidade de cada alternativa. Assim, evitam-se comportamentos impulsivos e ansiogênicos. Por exemplo, mediante problemas de relacionamento desencadeados pela desorganização, impulsividade e dispersão, é preciso aprender a descentrar, se colocando na perspectiva do outro e desta forma planejar as atitudes e falas. Conversar e refletir sobre as consequências dos atos e falas não significa deixar de dizer o que pensa ou sente, mas escolher maneiras mais adequadas de se colocar, sem precipitações ou impulsos. Esse encaminhamento racional baseado em evidências do cotidiano reestrutura as formas de pensar e analisar os fatos e o modo como a pessoa vê o outro e a si mesmo. Estabelecer boas relações contribui para melhorar a autoestima e para a compreensão do mundo como espaço de interações e não como lugar de ameaças e punições.

Pais e professores podem mediar o estabelecimento de vínculos de amizades, atentando para o tipo de interação da pessoa com TDAH, orientando-a para que não proceda de forma a dificultar a aproximação dos outros. Não se pode esquecer que o comportamento, principalmente dos pais, serve de referência e modelo, portanto, na frente das crianças os adultos precisam evitar situações que revelem descontrole emocional ou agressividade.

Os aspectos abordados neste texto evidenciam a complexidade do TDAH, e também a importância de compreendê-lo para convivência e atuação junto a pessoas que apresentam o transtorno. Assim, as ocorrências podem ser identificadas e trabalhadas de forma mais pertinente, evitando-se adjetivações pejorativas de senso comum que servem somente para prejudicar a construção da autoestima e da autonomia.

Por fim, o trabalho psicopedagógico junto a pessoas com diagnóstico de TDAH tem por desafio a construção de uma ação pautada na análise do caso em seus diferentes aspectos constitutivos, ou seja, em sua totalidade; considerando as características e demandas implícitas e explícitas em cada situação particular, buscando, desta forma, superar as concepções conservadoras e patologizantes de atenção, e preconizar a existência de diferentes modalidades atencionais.

O presente estudo está organizado em duas fases, a primeira corresponde aos resultados sintetizados nesse artigo e a segunda está em desenvolvimento e será finalizada quando Pedro concluir o primeiro grau, o que está previsto para o ano de 2023. Na ocasião será feito o lançamento do livro com o estudo de caso completo.

 

AGRADECIMENTO

Meu sentimento de gratidão a todas as crianças com diagnóstico de TDAH, em especial a Pedro, por me ensinarem a compreender a beleza complexa do processo atencional. Na condição de aprendente e ensinante desejo que encontrem pessoas dispostas a reconhecê-las por suas possibilidades e não pelo que supostamente lhes falta.

 

REFERÊNCIAS

1. Rizzutti S. Aspectos neurobiológicos do transtorno de hiperatividade e desatenção. In: Montiel JM, Capovilla FC, orgs. Atualização em Transtornos de Aprendizagem. Porto Alegre: Artes Médicas; 2009.         [ Links ]

2. Silva ABB. Mentes Inquietas - TDAH: desatenção, hiperatividade e impulsividade. São Paulo: Globo; 2014.         [ Links ]

3. DuPaul GJ, Stoner G. TDAH nas escolas: Estratégias de Avaliação e Intervenção. São Paulo: M. Books do Brasil Editora; 2007.         [ Links ]

4. Miranda MI. Psicopedagogia: trajetórias e perspectivas. Uberlândia: EDUFU; 2016.         [ Links ]

5. Wallon H. Psicologia e educação da Infância. Lisboa: Estampa; 1975.         [ Links ]

6. Fernández A. A atenção aprisionada: Psicopedagogia da capacidade atencional. Porto Alegre: Penso; 2012.         [ Links ]

7. Weiss G, Hechtman L. Hyperactive Children Grown Up: ADHD in Children, Adolescents, and Adults. New York: Guilford Press; 1993.         [ Links ]

8. Oliveira MK. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento: um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione; 1997.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência:
Maria Irene Miranda
Universidade Federal de Uberlândia
Av. João Naves de Ávila, 2121 - Campus Santa Mônica
Uberlândia, MG, Brasil - CEP 38408-100
E-mail: mirene@ufu.br

Artigo recebido: 30/11/2021
Aprovado: 7/2/2022

 

 

Trabalho realizado na Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil.
Conflito de interesses: A autora declara não haver.

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