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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.39 no.120 São Paulo Sept./Dec. 2022

http://dx.doi.org/10.51207/2179-4057.20220042 

ARTIGO DE REVISÃO

 

Problemáticas na aprendizagem na pandemia COVID-19: Diretrizes e ferramentas educacionais

 

Learning issues in the COVID-19 pandemic: Educational guidelines and tools

 

 

Alexandra Ferreira PhillippsI; Jeniffer Ferreira-CostaII; Dante OgassavaraIII; Ivan Wallan TertulianoIV; Thais da Silva-FerreiraV; Daniel BartholomeuVI; José Maria MontielVII

IGraduanda em Psicologia, Programa de Iniciação Científica - ProCiência, Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, SP, Brasil
IIGraduanda em Psicologia, Programa de Iniciação Científica - ProCiência pela Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, SP, Brasil
IIIMestrando em Ciências do Envelhecimento pela Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, SP, Brasil
IVPós-Doutorado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Rio Claro; Doutor em Desenvolvimento Humano e Tecnologias pela UNESP - Rio Claro; Mestre em Educação Física pela Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo (EEFE-USP); Graduado em Educação Física pela UNINOVE (licenciatura plena e bacharelado); Professor da Universidade Anhembi Morumbi, São Paulo, SP, Brasil
VGraduanda em Psicologia, Programa de Iniciação Científica - ProCiência pela Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, SP, Brasil
VIPsicólogo; Mestre e Doutor em Psicologia; Docente na UniAnchieta - Departamento de Psicologia, São Paulo, SP, Brasil
VII Psicólogo; Mestre e Doutor em Psicologia; Docente do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Ciências do Envelhecimento da Universidade São Judas Tadeu/Instituto Ânima, São Paulo, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Aprimoramento no processo educacional tem sido enfoque de profissionais distintos a fim de proporcionar benefícios ao aluno no processo de aprendizagem ou no seu desenvolvimento psicológico, físico e social. Entretanto, em decorrência da pandemia de COVID-19, fez-se necessário a adaptação para um novo contexto e, em específico, que atendesse às demandas da educação básica transpassando as atividades, até então presenciais, para o modelo digital. Mediante a esse cenário, este estudo perpassa as diretrizes que orientam os profissionais da educação, as problemáticas oriundas do ensino remoto e as ferramentas tecnológicas para a prática do ensino no período citado. Com base no arcabouço teórico disponível, o presente estudo pautou-se em uma revisão narrativa da literatura científica. Os achados indicam a importância das diretrizes enquanto políticas públicas para a unificação do processo educacional e estratégias para a adaptação na utilização de ferramentas digitais. Porém, o contexto de ensino remoto, seja por meio de aulas síncronas ou assíncronas, também enfatiza a desigualdade social persistente no Brasil e outros prejuízos ao aluno, sejam eles desenvolvimentais ou relacionados à aprendizagem. Com isso, são evidenciados prejuízos para alunos que apresentam uma condição socioeconômica inferior, que tendem a não possuir acesso a estas diferentes tecnologias e, independentemente desse fator, os prejuízos educacionais presentes no processo da aprendizagem e nas dinâmicas não realizadas no ambiente escolar devido ao distanciamento social.

Unitermos: Educação Básica. Aprendizagem. COVID-19. Ensino Remoto.


ABSTRACT

Improvement in the educational process has been the focus of different professionals in order to provide benefits to the student in the learning process or in their psychological, physical and social development. However, as a result of the COVID-19 pandemic, it was necessary to adapt to a new context and, in particular, to meet the demands of basic education, transferring the activities, until then face-to-face, to the digital model. Given this scenario, this study permeates the guidelines that guide education professionals, the problems arising from remote teaching and the technological tools for the practice of teaching in the aforementioned period. Based on the available theoretical framework, the present study was based on a narrative review of the scientific literature. The findings indicate the importance of guidelines as public policies for the unification of the educational process and strategies for adapting to the use of digital tools. However, the context of remote teaching, whether through synchronous or asynchronous classes, also emphasizes persistent social inequality in Brazil and other damages to the student, whether developmental or related to learning. As a result, losses are evident for students who have a lower socioeconomic condition, who tend not to have access to these different technologies and, regardless of this factor, the educational losses present in the learning process and in the dynamics not carried out in the school environment due to the social distance.

Keywords: Basic Education. Learning. COVID-19. Remote Learning.


 

 

Introdução

Desde a Constituição de 1988 (Congresso Nacional, 1988), a responsabilidade de oferecer o ensino e a aprendizagem é atribuída ao Estado, sendo assegurado, como direito fundamental, que as crianças tenham acesso a creches e à Educação Básica. Ainda, espera-se que estes serviços sejam prestados da forma adequada e acessível por profissionais qualificados, sendo viabilizados por meio do emprego de práticas pedagógicas eficazes para cada faixa etária. Nestes moldes, a Resolução no 5, de 17 de Dezembro de 2009 (Conselho Nacional de Educação, 2009), dispõe as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil que objetivam orientar as políticas públicas com o processo de elaboração, aplicação e reavaliação de propostas pedagógicas do currículo da Educação Infantil mediante as legislações das esferas estaduais e municipais.

Essas diretrizes partem de princípios fundamentais, como o uso de espaços adequados e o zelo dos profissionais pela segurança dos alunos. São regidos por fatores éticos, políticos e estéticos, relacionados à garantia do desenvolvimento do infante. Ao considerar o desenvolvimento infantil, predomina no âmbito educacional a necessidade de que seja assegurado o acesso a formas que possam propiciar a apropriação e a articulação dos conteúdos para a aprendizagem eficaz e, ao mesmo tempo, há a preservação da integridade, liberdade, lazer e convivência com os pares dentro do ambiente escolar (Conselho Nacional de Educação, 2009).

Os setores da Educação Infantil podem ser de regência pública ou privada, nos períodos matutino ou vespertino. Nestes ambientes educacionais, as crianças se desenvolvem no aspecto físico, mental, emocional e social, por meio das propostas pedagógicas que são regulamentadas e supervisionadas pelo Estado. Especificamente para o currículo imposto para a Educação Infantil, é proposto que sejam criadas oportunidades para interações e realização de brincadeiras, para que se possa garantir às crianças o conhecimento de sua individualidade e do mundo ao seu redor. Nestes espaços é incentivado o contato com os pares e responsáveis, onde a linguagem oral e escrita, as atividades lúdicas, a vivência com outros grupos culturais e o contato com os recursos tecnológicos possam oferecer experiências de integração social (Conselho Nacional de Educação, 2009).

O acompanhamento da equipe pedagógica é fundamental na avaliação desses processos, podendo ocorrer por meios observacionais do desenvolvimento das crianças. Os registros documentais e os relatos do grupo familiar são estratégias complementares para as avaliações, fazendo com que o processo de aprendizagem seja contínuo e adaptado à realidade da criança frente às adversidades, a citar mudanças de moradia (Secretaria de Educação Básica, 2010). No que se refere aos alunos com um histórico educacional mais breve, salienta-se a importância da adoção de estratégias que o auxiliem na habituação em vivências escolares cotidianas, sendo que, especificando o processo de aprendizagem, a utilização de recursos tecnológicos tende a proporcionar benefícios como os observados na pandemia de COVID-19 (Macêdo & Souza, 2022).

Devido ao cenário sanitário em decorrência da pandemia de COVID-19, na área educacional brasileira o Plano Nacional de Educação direcionou as instituições de ensino para que seguissem as orientações da Secretaria Municipal da Educação, que em suas orientações gerais, independentemente do nível da educação, indicou que não fossem mais realizadas atividades presenciais por tempo indeterminado. Entretanto, foi exigido que a carga horária fosse mantida sem alterações e, consequentemente, tal medida demandou mudanças bruscas nas rotinas escolares e ocasionou desafios a serem enfrentados tanto na escola, quanto no ambiente domiciliar (Macêdo & Souza, 2022).

Ao mesmo tempo em que foi necessária a adoção de um novo planejamento para prestação de serviços com o menor prejuízo possível, também foi demandada uma adaptação na rotina familiar diante do novo modelo, evidenciando uma dificuldade maior com os alunos mais novos, pois os mesmos necessitam da presença de um responsável para acompanhar a realização dos conteúdos escolares. Ainda em relação à família, tal mudança ocasionou problemáticas para os responsáveis pelo infante, pois, além de terem que lidar com as necessidades da manutenção do lar, a incerteza do trabalho e os aspectos psíquicos abalados pela ansiedade e medo do futuro, repentinamente, tiveram que passar a cuidar da rotina integral de suas crianças. Nota-se que a dispersão da rotina educacional também foi a perda da presença de colegas e professores, sendo estas figuras importantes para o desenvolvimento e interação social (Macêdo & Souza, 2022).

Diante do cenário descrito, folhetos informativos acerca das tecnologias da informação, bem como sua acessibilidade, foram importantes para disseminar os conhecimentos necessários para a adaptação a ferramentas digitais. Cita-se o confeccionado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, 2020), que abordou temáticas como: conectividade universal, para que qualquer pessoa tenha acesso à Internet com qualidade e preço acessível; a cooperação digital, em que todos os órgãos governamentais estejam interligados para não haver confronto de informações; e a inclusão digital, para que todas as pessoas recebam estas informações adequadas independentemente de sua situação socioeconômica. Entretanto, nota-se que a aplicação de tais conceitos e cenários enfrenta dificuldades, mantendo-se, assim, muitas vezes somente como um quadro ideal.

Diante de tais complicações, é oportuno atentar e refletir sobre os elementos e estratégias presentes no evento histórico que foi a pandemia de COVID-19, a fim de destacar aprendizados gerados pela urgência de adaptação à situação de calamidade que foi este fenômeno mundial. No que tange à atuação no campo da educação, embora tenham acontecido perdas inestimáveis em vidas e cultura durante este período, a impossibilidade de atuar de forma tradicional oportunizou para que novas estratégias educacionais e técnicas didáticas fossem colocadas em prática e criadas. A atual obra discorre sobre as diretrizes estabelecidas para os profissionais do campo do ensino, complicadores envolvidos na implementação do ensino remoto e ferramentas empregadas neste novo momento.

 

Método

De modo a abranger as perspectivas adotadas no contexto educacional no decorrer da pandemia de COVID-19, o presente estudo pautou-se em uma revisão narrativa da literatura científica produzida acerca do tema (Marconi & Lakatos, 2017), compilando materiais sobre a problemática apresentada (Campbell & Machado, 2013). Portanto, buscou-se referencial disponível em alguns dos mais importantes buscadores eletrônicos disponíveis: Google acadêmico, Periódicos Capes e SciELO. Deu-se preferência para materiais publicados entre 2015 e 2022, para que, assim, haja o entendimento do contexto em que tais diretrizes e orientações foram tomadas na pandemia de COVID-19.

 

Resultados e Discussão

Diretrizes orientadas aos profissionais

Os profissionais da educação necessitaram de capacitação para desempenhar suas funções em um contexto sem precedente. Por meio da Portaria no 343 de 17 de Março de 2020, publicada pelo Ministério da Educação (2020), a fim de suprir tal demanda o Estado atribuiu às instituições de ensino a responsabilidade de preparar seus profissionais e alunos para migrarem e se apropriarem das ferramentas utilizadas na modalidade de aula on-line. O processo de treinamento desses profissionais deveria ser apoiado pela instituição de vinculação, realizando trocas de aprendizados sobre as orientações de diretrizes relativas ao funcionamento a serem adotados para as aulas (Camacho, 2020).

Diante das limitações contextuais da pandemia de COVID-19, os encontros das equipes de profissionais, incluindo o corpo docente e de gestores, tiveram que ser adaptados. Fez-se necessário manter o distanciamento social e, dadas tais complicações, os encontros de planejamento tiveram que ser realizados de forma remota, fazendo proveito de ferramentas integradas para a realização de videoconferências e de redes sociais, como Zoom e grupos de Facebook e WhatsApp (Camacho, 2020).

Escolas públicas e particulares utilizaram aplicativos integrados da empresa Google, principalmente o Meet, Classroom, Agenda e o Jamboard. Tais ferramentas promoveram uma maior organização das atividades, concedendo aos estudantes acesso aos materiais digitais utilizados em aula. Em momentos iniciais da organização do novo quadro educacional, foram muito utilizadas ligações telefônicas e a comunicação também foi estabelecida por meio de grupos de mensagens, via aplicativo WhatsApp, sendo alguns desses grupos geridos por indivíduos que naquele contexto representavam órgãos estatais (Camacho, 2020).

Inserção dos alunos à nova forma de ensino

No modelo on-line, foram adotadas as aulas síncronas (aulas ao vivo) ou assíncronas (aulas gravadas). Para que o aluno obtenha acesso aos conteúdos oferecidos pela escola neste novo modelo, foi exigida a disponibilidade de aparelhos e serviços capazes de possibilitar o acesso aos materiais em domicílio, tais como, computadores, notebooks, aparelho celular e planos de Internet. A partir dessa condição, observou-se que, em escolas públicas, a participação dos alunos nas aulas foi menor, uma vez que muitas famílias não tinham recursos financeiros para adquirirem os equipamentos necessários (Garcia-Leal et al., 2021; Macêdo & Souza, 2022).

Nestes casos, o responsável pela criança estudante teve a possibilidade de ir até a unidade escolar para retirar os materiais em mídia física, na versão impressa ou no formato de livros, o que ocasionou em mais um desafio para todos os participantes da comunidade escolar. Frente a esta situação, os professores tiveram de enfrentar dificuldades para oferecer aos alunos um conteúdo adequado, uma vez que, além do acesso à Internet precário, houve problemáticas na adaptação de materiais para as aulas remotas, sobretudo para a Educação Infantil e, cita-se também a pouca participação dos familiares no processo de aprendizagem dos alunos (Macêdo & Souza, 2022).

Ao focar na Educação Infantil, as atividades propostas consistem no brincar e em atividades lúdicas. Contudo, nesse período pandêmico, optou-se por desenvolver videoaulas que propusessem atividades a serem reproduzidas no contexto domiciliar com a utilização de objetos comumente disponíveis, exemplificados por rolos de papel higiênico, tecidos, utensílios domésticos, entre outros. Ademais, pode-se mencionar que foram realizadas sessões de contação de histórias com fantoches, musicalização, danças e movimentos por videoconferência (Secretaria de Educação Básica, 2010). Porém, mesmo com as adaptações, essa distância influenciou muito no desenvolvimento afetivo e pedagógico dos alunos, principalmente na fase de alfabetização (Macêdo & Souza, 2022).

No início desse novo processo de aprendizagem, a participação dos grupos familiares no contexto educacional se apresentou na forma de preocupação por questões de saúde e bem-estar e menos por questões pedagógicas. Apesar disso, o contato entre grupo familiar, aluno e escola, quando satisfatório, foi essencial para o melhor desenvolvimento da criança e o enfrentamento dos desafios distintos de proporcionar um ensino de qualidade (Garcia-Leal et al., 2021). A comunicação positiva aliada com o uso de ferramentas digitais e interativas entre professores e alunos, embora tenha alguns prejuízos, possibilitou a construção de relações ricas e a troca de conhecimentos e necessidades, de forma a abordar as dificuldades vivenciadas pelo estudante e promover as relações entre os conteúdos assimilados por este (Camacho, 2020).

Na relação professor-aluno, teve-se a oportunidade de lidar com o sentimento de estranhamento do aluno quanto ao rumo que as aulas seguiriam com a adoção do novo formato e, até mesmo, motivar os estudantes, apresentando novas experiências das quais a tecnologia poderia oferecer, tais como gravação de vídeos, abertura de câmeras e mostrar sua casa, seus familiares e animais de estimação. O acúmulo de angústia e cansaço com todo o contexto pandêmico também esteve presente em ações que indicavam o desinteresse com as aulas, baixa interação ao permanecer com a câmera desligada e a não realização das tarefas (Garcia-Leal et al., 2021).

Ferramentas alternativas empregadas durante o período de pandemia

Há algum tempo, já se discutia o uso da tecnologia na Educação Infantil, porém, nota-se uma dificuldade em tratar deste tema. Diante da globalização, as redes sociais estão cada dia mais presentes no cotidiano da população, não podendo deixar de integrar de maneira significante a educação escolar. Os recursos e serviços, cada vez mais frequentes na vida cotidiana, participam desta comunicação entre a escola e a construção do conhecimento, podendo alterar as percepções dos interlocutores sobre as informações apresentadas (Guimarães & Wiggers, ٢٠١٥; Fernandes et al., 2021).

A familiaridade com o uso de tecnologias pode promover um maior grau de independência no processo de desenvolvimento de crianças. Tal questão é perceptível na autonomia envolvida em atividades gamificadas. É instigada a interação tecnológica no ambiente escolar com o intuito de que sejam refinadas as habilidades de aprender. Em convergência ao surgimento de novas tecnologias para este público, nota-se um aumento da quantidade de jogos pautados na interação social que abrangem as faixas etárias mais novas (Guimarães & Wiggers, 2015).

Desde os anos iniciais, as tecnologias presentes no cotidiano precisam estar inseridas no contexto educacional. O sistema governamental, juntamente ao sistema educacional, deve estar interligado para que estes recursos tecnológicos possam estar disponíveis de forma acessível com o objetivo de abranger a interação da escola com os alunos e família (Garcia-Leal et al., 2021). Em alguns relatos de experiência publicados, pode-se observar o emparelhamento de recursos digitais na promoção da aprendizagem. O trabalho desenvolvido por Huynh et al. (2021) exemplifica a forma que o uso de estratégias educacionais, como a gamificação combinada à recursos digitais, pode enriquecer o processo de aprendizagem, incitando um maior engajamento por parte dos estudantes. No projeto em questão, foi elaborado um jogo educativo contendo elementos narrativos com a função de educar adolescentes a lerem e interpretarem informações dispostas em gráficos.

A obra de Sá e Paulucci (2021) é outra produção relevante, que consistiu na confecção de um sistema de Role Playing Game (RPG) para o ensino de Física e Astronomia para jovens. Em suma, este sistema de RPG consistiu em um conjunto de regras para o desenvolvimento da atividade, na qual os participantes envolvidos atuaram como os personagens escolhidos no guia elaborado. Uma partida de RPG se assemelha à atuação do teatro de improviso, uma vez que os jogadores são confrontados com situações inusitadas e necessitam agir sobre os acontecimentos da narrativa. Além do aspecto lúdico da atividade, a própria produção técnica desenvolvida ofereceu um cenário para exemplificar o uso do determinado sistema. Foram apresentados conteúdos tradicionais da educação formal, como o movimento de rotação e translação terrestre, energia solar, os planetas do sistema solar e as Leis de Newton e Kepler. A partir da aplicação da narrativa disponibilizada, os autores destacaram o maior engajamento dos alunos e o interesse sobre o conteúdo abordado. Desta forma, apresentou-se uma alternativa versátil com potencial de beneficiar a aprendizagem dos conteúdos introduzidos durante o jogo.

De forma um pouco mais tradicional, Thimoteo (2020) desenvolveu um jogo de tabuleiro didático com função educacional, contextualizado pela narrativa da obra literária "O Cortiço" de Aluísio de Azevedo (1890). Apesar do jogo não seguir a narrativa da obra original de forma literal, são estabelecidos paralelos com a trama e os eventos nos elementos do jogo. Certamente, o jogo não é capaz de substituir a leitura da peça literária, mas ao introduzir elementos da história, é subsidiada uma concepção de compreensão sobre a obra de maneira lúdica, sendo uma forma alternativa de introdução a um grupo com pouca familiaridade com o hábito de leitura.

Ao observar a produção de Thimoteo (2020), é expandido o campo de possibilidades relativas à variedade de atividades educativas que podem ser elaboradas, adicionando um modelo de prática estruturada que introduz conteúdos gradualmente, permitindo a realização de discussões e levantamento de questões contextualizadas sobre determinado tema ou assunto.

Ao considerar as propostas de tarefas com caráter lúdico que foram apresentadas (Huynh et al., 2021; Sá & Paulucci, 2021; Thimoteo, 2020), percebe-se uma diversidade de tipos e de objetivos de suas aplicações. Entretanto, todas apresentaram indícios de serem capazes de promover melhores condições para o processo de aprendizagem. Dada a utilidade de atividades semelhantes, reflete-se, então, sobre os meios de comunicação úteis durante o período de pandemia.

Contexto brasileiro de inserção ao ensino remoto e as ferramentas tecnológicas

O emprego de tecnologias para viabilizar o ensino remoto foi discutido em território nacional pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2020) ao publicar a nota técnica no 88 de Agosto de 2020, que abordou de forma embasada alguns questionamentos referentes ao ensino durante o período letivo em meio à pandemia de COVID-19. Foram utilizados dados coletados por outras organizações estatais para avaliar as possibilidades de promover o ensino perante a necessidade do distanciamento social. As três principais questões consideradas foram se os alunos teriam acesso domiciliar para acompanhar as aulas, a possibilidade de disponibilizar equipamentos e chips 3G/4G a todos e quais os tipos de atividades seria viável realizar caso todos possuíssem acesso ao ensino remoto. Ao analisar os dados disponíveis, estimou-se que aproximadamente 15% dos estudantes da educação básica não tinham acesso ao ensino remoto, identificando as pessoas negras de zonas rurais e com baixa renda como o perfil mais afetado pelo fechamento das escolas.

No que tange à ponderação de estratégias a serem empregadas para o ensino remoto, por meio de um estudo dos recursos financeiros, concluiu-se que mesmo se houvesse uma política que permitisse a distribuição de equipamentos e chips para acessar a Internet o problema não seria resolvido, pois 3,2 milhões de estudantes ainda não seriam abrangidos. Alternativamente, também foi levantada a possibilidade de disponibilizar atendimentos nas escolas para acesso a Internet, livros, materiais impressos para consulta e elaborar aulas a serem transmitidas pela televisão, porém uma parcela dos alunos brasileiros não teria condições adequadas e necessárias para realizar as aulas no ensino remoto (IPEA, 2020).

A prática de estudar no contexto do lar com a instrução de outro sujeito, conhecido como educação domiciliar ou homeschooling, é uma modalidade que oferece educação para crianças e adolescentes. É uma alternativa legalmente aceita em alguns países ao redor do mundo, como nos Estados Unidos da América. Em cada estado da federação são estabelecidos diferentes requisitos, diretrizes e critérios de avaliação e de acompanhamento, porém no contexto brasileiro esta modalidade de ensino ainda não havia sido abordada diretamente em obras do campo do direito. No decorrer da última década, projetos de lei vêm sendo elaborados para tratar de tal questão na legislação, apesar da representação social da questão ser permeada pela ideia de que a educação deve ser fornecida na instituição de ensino (Andrade, 2017).

A demanda por um parecer objetivo pelo âmbito legal sobre a educação domiciliar é evidente, porém, ao considerar o cenário fomentado pela pandemia de COVID-19, é válido afirmar que uma forma insuficiente dessa modalidade foi aplicada, havendo um claro déficit em relação ao acesso e à atenção de diferentes dependências administrativas.

Segundo os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no Censo Escolar da Educação Básica de 2021, o subsídio à Internet em domicílio foi oferecido em grande parte nas escolas federais (82,5%), uma diferença expressiva quando comparado à porcentagem do subsídio oferecido pelas escolas estaduais (21,2%) e principalmente com o nível municipal (2,0%). Difere-se também o uso de plataformas educacionais próprias (desenvolvidas pelas secretarias) ou plataformas de terceiros (Google Classroom, Blackboard e outros), 21,2% das escolas de educação infantil pautaram-se no uso de plataformas próprias. Ainda segundo o INEP (2021), durante o período relativo à pandemia houve uma expressiva queda nas matrículas realizadas; comparando o ano de 2019 com 2021, houve redução de 9% do total das matrículas nas creches (até 3 anos) e de 6% no total das matrículas na Educação Infantil (pré-escola - 4 a 5 anos).

Os impactos deste período já se fazem notórios, demandando dos órgãos governamentais o desenvolvimento de políticas públicas para superar esse cenário. Complementa-se brevemente, com fontes primárias relevantes a esta investigação. A matéria de 2022 publicada na Agência Senado por Paula Pimenta (Pimenta, 2022), chama a atenção para as intervenções de contenção dos impactos nesse contexto epidêmico, não só das possíveis defasagens na aprendizagem, mas também dos prejuízos psicológicos. Tais intervenções de contingência para atender à demanda criada pela pandemia, então, devem pautar-se em políticas que efetivem as ações e atendam realmente a demanda, não apenas com projetos pretendidos como deu-se no início da pandemia (compara-se aqui as ponderações estratégicas de distribuição ao acesso educacional em 2020 e os dados que revelaram em 2021 que tal acesso não foi viabilizado de maneira igualitária).

 

Considerações

O método empregado possibilitou versar sobre o panorama da educação brasileira no período da pandemia e suas reverberações, atentando para as diretrizes adotadas, as instrumentalizações e as tecnologias empregadas neste momento crítico.

Ao vislumbrar o cenário atual da população brasileira, é notável a falta de acesso aos recursos tecnológicos, o que, consequentemente, impediu ou dificultou o exercício do direito constitucional de ter acesso à educação por uma grande parcela da população, em específico a parcela mais marginalizada. Neste período, as disparidades socioeconômicas entre grupos foram agravadas, uma vez que os indivíduos que já não possuíam acesso a aparelhos eletrônicos de comunicação e entretenimento também foram privados parcialmente de darem continuidade à sua educação formal. Como forma de amenizar a desigualdade de recursos, projetos governamentais foram pautados na distribuição de recursos digitais e físicos. Com a necessidade da realização de estudos autônomos, destaca-se a necessidade de que sejam elaboradas e revisadas políticas públicas referentes ao ensino a distância e ensino domiciliar.

A versar sobre a Educação Infantil, percebe-se uma escassez de atividades desenvolvidas especificamente para a modalidade de aula on-line, tendo sido propostas somente tarefas anteriormente realizadas, porém adaptadas ao novo contexto. A realização de atividades pouco interativas não promove a socialização do sujeito em seus estágios iniciais do desenvolvimento, que é o cerne do currículo para esse grau de escolaridade, nem é feito proveito das potencialidades que o novo formato pode propiciar. Uma alternativa apresentada que possui potencial de suprir a necessidade de maior interação entre as crianças e se assemelha de alguma forma com práticas tradicionais do contexto educacional é a brincadeira de "faz de conta" (também conhecida como atuação de papéis), que, assim como um jogo de RPG, instiga a troca entre os participantes. Desta forma, sugere-se a consideração desta atividade de socialização com estudantes da Educação Infantil.

É exigido do contexto educacional atual que seja reformulada a maneira que é pensado o ensino como um todo. Considerando a influência crescente de diversos veículos midiáticos no cotidiano da população geral, caso não haja uma integração das estratégias educacionais com toda gama de recursos tecnológicos disponíveis, a educação se manterá estagnada em um modelo de ensino ultrapassado para a realidade atual. A literatura científica sobre ferramentas para o ensino de determinados conteúdos já evidencia a efetividade de instrumentos alternativos, valendo destacar a riqueza que a ludicidade agrega ao processo de aprendizagem do estudante em forma de engajamento com as atividades e os afetos relacionados.

Cita-se que tais dados são relevantes para compreender a disfunção de acesso escolar causados pela pandemia e por políticas públicas deficitárias nas distribuições de incentivos que não atenderam tais demandas. Chama-se a atenção, também, para pesquisas documentais de fontes primárias e secundárias que abordam diretamente o problema a ser enfrentado futuramente por tais déficits tanto educacionais formais, isto é, em habilidades e instrumentalizações voltadas ao senso crítico e alfabetização, quanto a habilidades psicológicas e econômicas, como as habilidades de socialização e dos aspectos socioemocionais.

 

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Endereço para correspondência:
Jeniffer Ferreira-Costa
Universidade São Judas Tadeu -USJT/SP - Programa de Iniciação Cientifica - Pro-Ciência
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Artigo recebido: 21/6/2022
Aprovado: 19/10/2022

 

 

Trabalho realizado no Programa de Iniciação Científica - ProCiência, Universidade São Judas Tadeu, São Paulo, SP, Brasil.
Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.

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