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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.15 n.1 São Paulo abr. 2005

 

PESQUISA ORIGINAL RESEARCH ORIGINAL

 

Os desafios na garantia do direito à convivência familiar*

 

Challenges in ensuring the right to family environment

 

 

Juliana Maria Fernandes PereiraI; Liana Fortunato CostaII

IPsicóloga, Mestre em Psicologia Clínica, Ambulatório de Saúde Mental de Sertãozinho/SP. e-mail: juapadrinhamento@hotmail.com
IIPsicóloga, Doutora em Psicologia Clínica , Pesquisadora Associada da Universidade de Brasília. SQN 104 Bloco D apto. 307 Brasília - DF-Brasil - 70 733- 040. e-mail: lianaf@zaz.com.br

 

 


RESUMO

A partir de um estudo realizado em uma região metropolitana brasileira, discutiremos, neste artigo, os desafios encontrados para a inserção de crianças maiores e adolescentes institucionalizados em lares substitutos, procurando ampliar a discussão para além do enfoque predominante na literatura nacional — a adoção de bebês. O objetivo da investigação foi estudar o cadastramento de crianças maiores e adolescentes para adoção, atentando para as dificuldades na articulação entre os segmentos envolvidos e os significados construídos pelos sujeitos nesse contexto, assim como as possíveis relações entre estes aspectos e a problemática do abandono, da institucionalização e da adoção. Os dados evidenciaram que, além da escassez de candidatos que pleiteiam estas adoções, os entraves estão também relacionados a uma comunicação insuficiente entre as instâncias e às dificuldades para a definição sobre o encaminhamento dos casos. O conseqüente prolongamento da institucionalização diminui substancialmente as possibilidades tanto de inserção em lar substituto quanto de retorno ao de origem. Mais que a adoção, o trabalho evidenciou a emergente ideologia da desinstitucionalização e integração à família, seja pela adoção, reintegração familiar ou formas alternativas de convivência familiar.

Palavras-chaves: Abandono. Institucionalização. Adoção de crianças maiores e adolescentes. Reintegração familiar.


ABSTRACT

In this article, we shall discuss the challenges related to the placement of institutionalized elder children and adolescents in foster homes, based on a study that was carried out in a Brazilian metropolitan region. We seek to widen the discussion beyond the dominant perspective in Brazilian literature, which is the adoption of babies. The aim of the investigation was to study the registration of elder children and adolescents for adoption, focusing on the difficulties in the coordination of the parts involved and the meanings constructed by the subjects in such context, as well as on the possible relations between those aspects and the issues of abandonment, institutionalization and adoption. Data indicated that, apart from the lack of applicants for such adoptions, the obstacles are also related to insufficient communication among the various parts and to the difficulties in the definition of how the cases are to be dealt with. The consequent prolongation of the institutionalization period substantially diminishes the possibility of placement in foster homes and of return to the family of origin. The work cast light on the emerging ideology of de-institutionalization and integration into the family, either through adoption, return to the family of origin or alternative forms of family environment.

Key words: abandonment, institutionalization, adoption of elder children and adolescents, family reintegration


 

 

INTRODUÇÃO

Os escassos trabalhos que abordaram a questão da adoção de crianças maiores e adolescentes em nossa realidade focalizaram predominantemente o período pós-acolhimento, discutindo a adaptação criança/família ou características gerais dos adotantes — composição familiar, crenças, motivações, etc.1-,3. Assim, a destituição do poder familiar e a decisão quanto ao cadastramento para a adoção têm sido particularmente pouco abordados em nosso contexto. Nesse sentido, pretendemos refletir sobre o percurso que antecede a colocação de uma criança maior ou adolescente em família adotiva. Como se dá o trabalho das instâncias envolvidas no sentido de esgotar os recursos para a manutenção na família de origem? Quais as dificuldades encontradas para a definição quanto ao encaminhamento dos casos? O que pode contribuir para que crianças cresçam nos abrigos sem retornarem ao lar de origem ou serem cadastradas para inserção em lar substituto?

Muito mais que a adoção, este trabalho se insere no âmbito da discussão sobre o direito à convivência familiar e a desinstitucionalização, um novo paradigma na defesa dos direitos, pautado no cumprimento do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e no atendimento às necessidades de crianças e adolescentes institucionalizados.

Institucionalização e Adoção

Segundo sua evolução histórica, a adoção pode ser dividida em clássica, moderna e pós-moderna. O modelo clássico, voltado ao atendimento das necessidades de casais sem filhos, tem sido o predominante em nosso contexto. A adoção moderna, por sua vez, defendida e divulgada no país pelos diversos Grupos de Apoio à Adoção e por profissionais que atuam no contexto da Justiça, tem como objetivo garantir a convivência familiar a crianças maiores, adolescentes, da raça negra, portadores de necessidades especiais ou problemas de saúde 1,4,5. Finalmente, a adoção pós-moderna, apresentada por Campos6, ultrapassa o estabelecimento de dicotomias e concebe a adoção como um encontro de desejos e necessidades mútuas: "uma criança para uma família e uma família para uma criança"6 (p.47, grifo da autora).

Dentre as adoções morais, estamos particularmente interessados em discutir a chamada adoção tardia, aquela cujo adotando tem idade superior a dois anos (PILOTTI, 1988 in Vargas 3). Recentemente tem-se questionado a terminologia tardia, a qual poderia sugerir que seria tarde para a realização de uma adoção7. Ferreira e Carvalho7 (p. 69) sugerem que o termo seja então substituído por "adoção de crianças maiores ou de adolescentes", o qual representaremos no presente trabalho pela sigla ACMA, a fim de facilitar a leitura do texto. Geralmente os adotandos encaminhados para este tipo de adoção são: 1) aqueles que foram abandonadas tardiamente pela família biológica, que não pôde dar continuidade aos seus cuidados; 2) crianças vítimas de maus-tratos, cujos pais foram destituídos do poder familiar; 3) e crianças que permaneceram por anos em instituições, com situação legal indefinida.

A adoção de crianças maiores tem representado um dos principais desafios aos profissionais que atuam junto à questão da colocação familiar. A despeito dos estudos que revelam as possibilidades de satisfação dos adotantes e a capacidade da criança para integrar-se ao novo núcleo familiar, há um reduzido número de adotantes interessados nestas adoções 2,3,5,8,9. De acordo com Ferreyra10, a partir dos quatro anos de idade, a colocação da criança em lar substituto torna-se menos provável. Nesse sentido, a autora destaca a existência de um hiato entre a criança imaginada pelos adotantes e a criança real disponível para adoção.

De acordo com Campos6 (p. 29, grifos da autora), a expectativa do filho "perfeito", saudável, semelhante fisicamente e recém-nascido, "cujo comportamento acredita-se que poderá ser mais facilmente 'moldado' pelos adotantes" evidencia o desejo de reprodução do modelo biológico e a conseqüente rejeição dos adotandos que não correspondem a este perfil. Além disso, acreditamos que tal expectativa pode gerar dificuldades no relacionamento entre pais e filhos adotivos quando não houver flexibilidade suficiente para a aceitação do filho real.

Ferreyra10 e Santos e Pereira8 relacionam, ainda, a preferência pelo bebê ao desejo dos adotantes de acompanharem o desenvolvimento do filho a partir do nascimento e à reação a mitos, preconceitos e medos presentes no imaginário social em relação à ACMA. Nesse sentido, Santos e Pereira destacam a importância do estudo psicossocial nos processos de adoção, por meio do qual podem ser trabalhadas concepções cristalizadas e estereotipadas, sensibilizando os adotantes para a realidade da criança maior e do adolescente institucionalizados.

Na ACMA, diante das dificuldades de aceitação da criança real, pode emergir o desejo dos adotantes de apagar o passado e a existência da família de origem, na tentativa de negar a história da adoção e as condições estruturantes da dinâmica familiar2. Quando tais fantasias, desejos, segredos e frustrações não são explicitados e ressignificados pode haver comprometimento da vinculação com o adotivo, o qual nem sempre poderá corresponder às necessidades narcísicas dos adotantes11. De acordo com Motta12 (p. 74), ainda, "a adoção tem sido (...) moldada de acordo com certos ideais sociais, entre eles o de que a família composta por adoção seria de segunda categoria". Nesse sentido, a literatura2,3,5 aponta que, em nossa cultura, as famílias adotivas, sobretudo aquelas que realizam adoções inter-raciais ou de crianças maiores, têm sido alvo de preconceito social. Contrariando o mito dos laços de sangue, alguns autores5,12,13,14 afirmam, entretanto, que é por meio da ligação afetiva que a parentalidade e a afiliação são construídas.

Ebrahim1, em estudo realizado com adotantes convencionais e tardios, encontrou diferenças significativas quanto ao perfil destes últimos: maior nível de escolaridade observado entre as mães; maior índice de adotantes não-casados; idade média superior; melhores condições econômicas; e maior índice de famílias com filhos biológicos. Dentre as motivações, a autora constatou a maior expressão, entre os tardios, de valores religiosos e preocupação com o abandono. Estudos realizados por Vargas3 e Pereira2 sobre a ACMA corroboram os resultados encontrados por Ebrahim1 no que diz respeito à motivação de cunho sócio-humanitário, presença de adotantes com filhos biológicos e crença religiosa.

Com relação especificamente à criança, Vargas3, em estudo pioneiro realizado no país sobre a ACMA, destacou: o esforço da mesma para se identificar com as novas figuras parentais, o ritmo de desenvolvimento acelerado e a manifestação de comportamentos regressivos e agressivos no período de adaptação.

Pereira2, em estudo comparativo sobre a construção do vínculo criança-família na ACMA e na adoção de recém-nascidos, encontrou dados semelhantes. Além do progresso no desenvolvimento da criança, Pereira2 (p. 4, grifos da autora) destacou, ainda, a mobilização na ACMA de todo o núcleo familiar para a integração do novo membro; as dificuldades diante da espera pelo registro de nascimento definitivo; o enfrentamento do fantasma da família biológica; "os cuidados com a criança", como favorecedores da aproximação pais/filho e construção destes papéis; e, finalmente, a elaboração por parte da criança de sua história pregressa e o desejo de nascer da barriga da mãe adotiva.

Finalmente, Vargas3, Ferreyra10e Pereira2 enfocam o potencial da família e da criança para, na ACMA, superarem as dificuldades encontradas no período de adaptação e construírem a vinculação afetiva. Nesse sentido, Vargas3 destaca que a adoção traz, à criança que esteve institucionalizada, benefícios que nenhuma outra intervenção seria capaz: a construção de vínculos estáveis e duradouros, a retomada do desenvolvimento, a elaboração da perda do objeto suporte de identificação e a reconstrução da história de vida e identidade. A autora ressalta, ainda, a importância, nestes casos, do apoio psicossocial para preparação, orientação e acompanhamento pós-acolhimento.

No que diz respeito à ACMA, o Estatuto da Criança e do Adolescente15 representou um importante avanço em relação à anterior adoção simples16. Priorizando o interesse do adotando, o Estatuto dispõe que a colocação em família substituta far-se-á apenas quando esgotados todos recursos de manutenção na família biológica, cabendo ao Ministério Público e à autoridade judiciária a responsabilidade de mover ações de destituição do poder familiar em defesa dos direitos da criança e do adolescente. O ECA preconiza, ainda, que a autoridade judiciária deve manter um registro de pessoas interessadas em adotar e um de crianças e adolescentes em condições de serem adotados. Além disso, para maiores garantias de inserção do adotante em um ambiente que seja facilitador de seu desenvolvimento, a legislação exige a realização do estudo psicossocial8.

Com relação às instituições de abrigo, o ECA15 estabelece algumas responsabilidades, dentre as quais gostaríamos de destacar: a de trabalhar para a colocação em família substituta, quando esgotados os recursos de manutenção na família de origem (Art.92) e a de manter a autoridade judiciária informada sobre os casos em que o reatamento dos vínculos familiares é inviável ou impossível (Art. 94, inciso VI). Assim, para atender às necessidades biopsicossociais de crianças e adolescentes institucionalizados, além de constituir moradia digna, o abrigo deve trabalhar para a garantia do direito à convivência familiar e comunitária (Art. 4°), interagindo com a Justiça e demais elementos da rede.

Weber e Kossobudzki17, todavia, em pesquisa realizada no Estado do Paraná, constataram que, em virtude da desarticulação e da falta de comunicação entre Justiça e abrigos, crianças e adolescentes podem permanecer anos institucionalizados sem definição quanto à situação jurídica e, portanto, impossibilitados de serem encaminhados para lar substituto. Embora apresentem o problema, as autoras não discutem, porém, as complexas relações e interações que contribuem para a configuração do quadro observado.

Nesse sentido, este estudo teve como objetivos investigar a interação entre Justiça e abrigo quanto ao cadastramento para adoção de crianças maiores e adolescentes, atentando para entraves e dificuldades no processo e possíveis relações com crenças, valores, atitudes e imaginário das pessoas envolvidas. Não buscamos através do mesmo o estabelecimento de verdades, mas enfatizar as práticas discursivas e as formas simbólicas na construção do que constitui o problema e do que é viável "como uma hermenêutica dos fenômenos humanos"18 (p. 142). A expectativa é que o estudo possa contribuir para o trabalho junto à garantia de direitos.

 

MÉTODO

Realizada em uma região metropolitana brasileira, a investigação foi desenvolvida em uma Vara da Infância e Juventude (VIJ) e uma instituição de abrigo — organizada sob o modelo de casas-lares e vinculada a uma entidade religiosa. Participaram do estudo: um juiz titular, duas assistentes sociais (Fátima e Luiza) da VIJ; quatro integrantes da equipe coordenadora do abrigo, (Ana/psicóloga, Cristina/assistente social, Dora/administradora e Beloto/advogado); quatro mães sociais (Leonora, Helena, Vilma e Sofia); e duas crianças (Miriam e Fabrício) e três adolescentes institucionalizados (Leandro, Rafael e Bianca)††.

A entrevista, considerada por Minayo19 um recurso privilegiado para a coleta de informações na pesquisa social, foi o instrumento utilizado para a coleta de dados com profissionais do abrigo e Justiça. A técnica de colagem, por sua vez, foi realizada com as crianças e adolescentes divididos em dois subgrupos, por idade: Grupo I - Miriam, Leandro e Fabrício; Grupo II - Rafael e Bianca. Em cada um dos subgrupos foram desenvolvidos três cartazes com os respectivos temas: abrigo, adoção e família de origem. De acordo com Loizos 20, as imagens paradas constituem um importante método de investigação qualitativa na pesquisa social capaz de evocar memórias e emoções. Em consonância com a investigação qualitativa e as características de nosso objeto de estudo, contextualizado em uma realidade sócio-histórica, privilegiamos a Hermenêutica de Profundidade como método de análise21.

 

RESULTADOS E DISCUSSÕES

As complexas relações entre família, abrigo, Justiça, crianças e adolescentes, devem ser analisadas criticamente quando se trata do cadastramento para adoção. Diante dos aspectos inter-relacionados a esse processo e das limitações identificadas, a minimização da permanência no abrigo e a garantia do direito à convivência familiar constituem um verdadeiro desafio para os profissionais que atuam junto à questão. Observamos que a ideologia pautada na defesa da ACMA como alternativa viável para a "solução" do problema da criança e do adolescente institucionalizados, difundida na década de 90, gradativamente tem cedido espaço a um novo paradigma: a desinstitucionalização, baseada na transitoriedade do abrigamento e na integração à família, prioritariamente de origem e excepcionalmente substituta5,22.

Assim, no contexto estudado, o cadastramento para adoção deve ser compreendido como um processo, que, muito mais que a colocação em família substituta, prioriza o direito à convivência familiar. Em conformidade, portanto, com os pressupostos da legislação vigente, o encaminhamento para adoção deve ser precedido do esgotamento dos recursos para a manutenção na família biológica.

O cadastramento de crianças maiores e adolescentes abrigados para adoção: novas perspectivas

A situação de desarticulação, fragmentação e abandono da rede de atendimento aos direitos da criança e do adolescente repercute inevitavelmente sobre o processo de colocação em família, contribuindo para o prolongamento da permanência das crianças e dos adolescentes nas instituições. Neste sentido, em virtude da ausência ou insuficiência das ações por parte dos abrigos, Justiça e demais componentes da rede, emergem das narrativas dos participantes a imagem da criança esquecida que, abrigada em idade ainda precoce — quando poderia ter sido colocada em lar substituto — tornou-se adolescente no abrigo, sem que tivesse sequer sido cadastrada para a adoção. "Menino com 12 anos há 11 abrigado, sem nenhuma referência familiar. Descaso mesmo da instituição e da Justiça, que não acompanhou isso mais de perto. Agora é muito difícil você conseguir a colocação." (Luíza).

Estes encaminhamentos supõem a realização de adoções mais que tardias, que não devem ser compreendidas como inviáveis diante da idade avançada do adotando, mas como decorrentes de cadastramentos realizados fora do tempo, após anos de abrigamento, os quais poderiam ter sido vividos em ambiente familiar. Deste modo, constatamos que o Estado e os próprios órgãos de proteção participam da aplicação de mais um tipo de vitimização à criança e ao adolescente, contribuindo para a instalação de uma espécie de violência institucional que, em última instância, priva-os da possibilidade de crescer em um ambiente familiar. Assim, as crianças esquecidas, como definiram os participantes, são vítimas da falta de comunicação, de uma violência ocultada por um discurso sem voz, que segundo Bataille (1957, in Enriquez 23), repercute diretamente sobre o corpo e a subjetividade dos indivíduos.

Neste sentido, Rolim24, baseando-se nos resultados da VI Caravana Nacional de Direitos Humanos — que atravessou o país em 2001 visitando diversos abrigos — afirma que "o que deveria ser uma experiência de passagem transforma-se (...) em uma espécie de condenação pela qual deverão ficar confinados até os 18 anos" (p. 2). É importante ressaltar, ainda, que não apenas as crianças sem vínculos familiares têm sido vitimizadas pela insuficiência da rede de atendimento, mas também aquelas que os possuem e, em virtude da condição econômica da família e limitações das intervenções psicossociais, acabam atingindo a maioridade no abrigo. Há também as crianças cuja definição quanto à manutenção do vínculo familiar se prolonga por anos a fio enquanto permanecem institucionalizadas, "ficam na instituição, nem decide reintegração e nem decide adoção e o tempo passa" (Cristina).

Em virtude das reais dificuldades de colocação de crianças maiores e adolescentes em família substituta, o dia-a-dia no abrigo torna-se uma verdadeira corrida contra o tempo, diante da diminuição gradativa das possibilidades de adoção. Os dados do presente estudo evidenciam, ainda, a ocorrência de processo semelhante no que diz respeito à reintegração familiar, ou seja, quanto mais longa a permanência no abrigo, menores serão as chances de retorno ao lar de origem. Assim, como afirma Guará25 (p.7), "o tempo para a criança ter seu caso estudado é um tempo que urge, tem pressa".

Ao analisarmos as argumentações e justificativas quanto às causalidades da construção da "criança esquecida", constatamos a falta de articulação, abandono dos segmentos e tendência a culpabilização de um ou outro agente pela realidade observada17. Com relação à culpabilização, constatamos a emergência de acusações de burocracia e desvios dos objetivos, gerados nas instituições, segundo Kaës26, pelo não cumprimento da tarefa primária "que motiva o lugar dos sujeitos no seu seio" (p. 51). Assim, conforme destacam Weber e Kossobudzki17, observamos que os abrigos são acusados de dificultarem a ação da Justiça pelo não encaminhamento ou pela pobreza de informações a respeito dos casos atendidos. "O juiz não decide nada em cima do que eles mandam. Eles têm [informações] e não sabem como passar" (Luíza).

Além desses aspectos, os técnicos da Justiça mencionam ainda: a) a alienação dos abrigos quanto às suas responsabilidades e potencialidades; b) a postura de comodismo, revelando a preservação de uma tradição assistencialista que tem marcado a história da institucionalização no país; c) a ausência ou despreparo dos profissionais das instituições; d) e, finalmente, a crença equivocada de algumas instituições de que devem ocupar o lugar de família para a criança ou o adolescente. Nesse sentido, Chaves27 afirma que o sistema de abrigamento assume, muitas vezes, um posicionamento de verdadeiro detentor do poder familiar, contribuindo para a emergência de entraves no processo de colocação em família substituta.

No que diz respeito particularmente à equipe do abrigo, constatamos a tendência à culpabilização da VIJ, expressa na referência à morosidade e à burocracia, e, portanto, ao adiamento da colocação em família. Assim, citam "os casos parados", encaminhados à Justiça com sugestão de adoção, sobre os quais não receberam, durante anos, qualquer retorno: "chegou a um ponto que parece que nem é caso mais de colocação (...) como é que vai colocar um rapaz deste? (...). A instituição sugere (...) só que quando chega na Vara da Infância eles guardam na pastinha (Beloto). É a morosidade do Juizado de Menores" (Ana).

Assim, a Justiça emerge sob a aura da "Mãe Negligente"— que "faz, mas na maioria das vezes é muito demorada, e quando chega já é tarde" (Beloto) — criticada por não atender às demandas existentes de forma injustificada, restringindo, ainda, suas ações à fiscalização. "É só fiscalizar? É só controlar (...)? Quer dizer, na hora de contribuir, de fomentar as ações, de acelerar o processo, eu não sei até que ponto eles [VIJ] tão empenhado nisso" (Cristina). Finalmente, a complexidade da articulação Justiça/abrigo no que diz respeito ao cadastramento para a adoção evidencia que os entraves e as dificuldades são resultantes de uma diversidade de condições que conferem caráter circular à causalidade. Desse modo, as causas desse estado de coisas não emergem de um segmento ou outro — identificado como culpado — mas da relação de interdependência entre os componentes do sistema, o contexto social, cultural e histórico e a subjetividade dos profissionais.

Ademais, as narrativas evidenciam que a situação de abandono, alienação quanto às competências, fragmentação das ações e comunicação não se restringe à realidade da articulação Justiça/abrigos, mas acomete toda a rede de atendimento envolvida na garantia do direito à convivência familiar. Assim, frente à falta de condições para o adequado investimento nos casos, a institucionalização emerge como recurso fortemente utilizado no atendimento aos casos de violência doméstica e abandono. A gravidade de tal conduta consiste justamente nas dificuldades encontradas para reverter este processo e no conseqüente prolongamento da permanência na instituição.

Em virtude da fragmentação das ações, emerge do discurso do Juiz a preocupação com a sistematização do cadastro nacional de crianças maiores e adolescentes disponíveis para adoção — INFOADOTE††† — para que, esgotadas as possibilidades de colocação em território nacional, possam ser encaminhados para lares estrangeiros. A adoção internacional, regida além do ECA pelas determinações da Convenção de Haia, representa um importante recurso para a garantia do direito à convivência familiar. Nabinger28 ressalta, entretanto, que a medida não deve ser vista como a solução para o problema da criança abandonada e abrigada, mas analisada caso-a-caso.

É relevante destacar que, a despeito do ciclo de culpabilizações, identificamos que uma nova forma de trabalho mais integradora tem emergido no contexto estudado, resultante da consciência da co-responsabilidade dos segmentos e de uma maior aproximação interinstitucional, cuja iniciativa tanto os profissionais do abrigo quanto da Justiça atribuem a si. Tal aspecto parece evidenciar o caráter sistêmico da mudança e a relevância da motivação para tanto ser proveniente de ambos os segmentos envolvidos. Além disso, denota, ainda, o caráter antagônico, próprio aos sistemas, na conjugação simultânea de tendência evolutiva e preservação do funcionamento conhecido29.

Acreditamos que as transformações em curso decorrem, dentre outros fatores, de uma visão mais amadurecida do direito à convivência familiar e da capacidade do sistema para enfrentar suas incongruências, assumindo suas responsabilidades na construção das "crianças esquecidas" e utilizando os erros e o caos de forma criativa e criadora: como base para a construção de novas ações23,30. "Então, o que a gente está querendo é evitar estas situações" (Fátima). "O que nós esperamos quando começamos este trabalho, (...) foi não deixar que as crianças se institucionalizassem" (Ana). "Nós temos também uma parcela de culpa nisso" (Fátima).

Nesse processo, constatamos como fundamental a construção de uma relação abrigo/Justiça mais horizontalizada e participativa, baseada na auto-gestão co-participativa e especialização técnica31,32, na qual a comunicação deve se apresentar "por meio de interações permanentes, não por intermédio de transmissões intermitentes"33 (p. 25). Além disso, o estudo psicossocial e os relatórios representam instrumentos fundamentais para a definição quanto ao encaminhamento dos casos27. "Tem condições de adoção ou não? Tem que investir mais nesta família ou não? (Cristina). É pra guarda, é pra adoção, é pra reintegração?" (Luíza).

Reintegração ou adoção?

De acordo com as narrativas do Juiz e dos técnicos da Justiça, existem diferentes processos de adoção: decorrentes da entrega da criança; movidos após destituição do poder familiar, em virtude de condições de risco; motivados pela orfandade ou paradeiro ignorado dos pais; e, finalmente, os identificados pela própria Justiça e abrigos, a partir do estudo psicossocial da situação de crianças e adolescentes abrigados. No contexto estudado, em favor da agilização dos processos, raramente a destituição do poder familiar é movida antes da colocação em família substituta, salvo exceções de graves violações dos direitos da criança ou do adolescente.

Além da questão da agilização, Luíza assinala a participação da subjetividade do profissional nas dificuldades encontradas para a abertura destes processos, destacando o pensamento de alguns promotores públicos: "Se ela [mãe biológica] vier contestar ela está no direito dela, mas não sou eu que estou mobilizando a coisa pra esta criança não ter mais acesso à família biológica". O cadastramento para a ACMA exige do profissional, portanto, o confronto com o mito da Sagrada Família e do amor materno34,35 e a ocupação do lugar daquele que determina a necessidade da destituição.

Ana atribui exatamente a esse papel a morosidade observada no encaminhamento para família substituta: "Eu acho que tem ainda um ranço do mito de que mãe é mãe" (Ana). Assim, para a realização do cadastro, os profissionais devem ser capazes de reconstruir os significados de Pai e Mãe, para atender às prerrogativas da legislação vigente, quando a manutenção do poder familiar viola o interesse da criança ou do adolescente: " 'Ah, é o pai!' Então, fala que não entrega e a criança fica na instituição porque o pai falou que não" (Luíza). Nesse sentido, Motta12 salienta que o prolongamento da institucionalização motivado pela não desistência do poder familiar, além de impossibilitar a adoção, traz sérias conseqüências tanto à mãe quanto à criança.

O discurso da equipe do abrigo e a referência ao "papel de pais não desenvolvido", atentam, ainda, para a função que o abrigo e a Justiça podem assumir na reconstrução das relações familiares, quando o reatamento dos vínculos se mostra possível. Ana reproduz, inclusive, o discurso de um pai no qual fica evidente a necessidade de um trabalho transformador: "Eu vou me matricular na escola pra aprender a ser pai". Cristina salienta que já chegaram, inclusive, a pedir-lhe uma "cartilha". Observamos, portanto, a demanda destas famílias por um novo modelo de relacionamento pais-filho que não implique, todavia, a reprodução do abandono e da institucionalização. A intervenção do Pai-Estado e da Mãe-Justiça emerge justamente como a possibilidade de construção de novos referenciais. Em virtude, entretanto, das dificuldades das instituições sociais atenderem tal demanda, a família tem encontrado comumente, como resposta, o modelo abandonante já conhecido.

Além disso, ressaltamos a relevância de um trabalho articulado e sistematizado quanto à reintegração familiar, para que se possa, de fato, "ir até o fundo do poço" (Luíza) e esgotar todas as possibilidades de manutenção do vínculo com a família de origem36. Na busca de critérios para solucionar casos conflituosos (reintegração/adoção), observamos que o vínculo afetivo emerge como elemento primordial, além de outros aspectos como falta de condições psíquicas nas relações e impossibilidade de reconstrução das mesmas. Assim, os participantes ressaltam a necessidade de análise da qualidade da vinculação e priorização dos interesses da criança e do adolescente. Dessa forma, em alguns casos, mesmo que os pais não concordem, o encaminhamento para família substituta é sugerido. "Do ponto de vista técnico, a gente vai sugerir família substituta se não tiver outro recurso (Luíza). Nós não vamos implorar pra que esta família queira esta criança" (Fátima).

Retomando o abandono/proteção, que evidencia a complexa relação família/instituição, destacamos a importância do trabalho de reintegração ser iniciado imediatamente após o abrigamento, para que pais e filhos não sofram, assim, os efeitos perversos do prolongamento da permanência na instituição. Diante da complexidade da problemática, é imprescindível, ainda, que todo esse processo seja conduzido nos abrigos, Justiça e rede por profissionais técnicos capacitados que co-construam com a família novas alternativas de funcionamento, auxiliando-a quanto à reinserção social, ao empoderamento e ao resgate das competências36.

A referência às devoluções de crianças ou adolescentes pelos familiares revela que, de modo semelhante à ACMA, a família em reintegração precisa de preparação e acompanhamento para enfrentar o período de crise no processo de re-adaptação, no qual enfrenta: insegurança, dificuldades para imposição de limites e choque de realidades, hábitos e valores2,3. A re-inserção de um dos membros altera o funcionamento do sistema familiar como um todo, exigindo a construção de estratégias adaptativas e o acompanhamento profissional29,37. Os dados evidenciam que tal crise tende a ser mais intensa nos casos de permanência prolongada no abrigo, período no qual pode ser construído um verdadeiro abismo entre a realidade da criança/adolescente e sua família de origem.

Frente ao exposto, mais que a ACMA ou a defesa da "adoção cada vez mais precoce"12 (p. 72), este trabalho deve priorizar a garantia do direito à convivência familiar, prioritariamente na família de origem e excepcionalmente na substituta: "Só vai para a adoção como última alternativa, de preferência que a criança fique na família, porque é isso que a criança quer" (Fátima). Assim, com o propósito de estudarmos o encaminhamento para família substituta, fomos confrontados com resultados que apontam para o "caminho inverso" (Beloto), ou seja, o auxílio cada vez mais precoce à família, o qual deve ser iniciado em seu contexto de vida, prevenindo a ocorrência da institucionalização ou garantindo sua minimização, quando se mostrar, de fato, necessária.

Dessa maneira, consideramos de suma importância a construção de uma rede de discussão permanente entre as instâncias envolvidas na defesa do direito à convivência familiar para o debate sobre desinstitucionalização, prevenção ao abrigamento, melhoria do atendimento nos abrigos, apoio ao sistema familiar como um todo, promoção da convivência familiar e discussão sobre até quando deve se aguardar para a colocação em família substituta e investir na família de origem. É imprescindível, ainda, a produção científica acerca da reintegração familiar, assunto sobre o qual encontramos apenas uma publicação brasileira36.

A despeito da desarticulação entre as instituições envolvidas, da falta de comunicação, do "esquecimento" dos casos e dos sentimentos de impotência dos profissionais frente aos desafios na condução dos casos, notamos a competência de crianças e adolescentes que cobram constantemente pelo atendimento aos seus direitos — "Tio, não dá para você ver?" (Beloto) — ou fogem "do abrigo só para estar com a mãe" (Cristina). Finalmente, a narrativa dos profissionais evidencia as dificuldades de viver no abrigo tanto para aqueles que possuem vínculos familiares quanto para os que não mantêm contato com a família de origem: "Elas [crianças] estão aqui dentro, mas tão naquela expectativa de um dia sair, ficar com a mãe" (Vilma). Neste sentido, Leandro — sem contato com familiares há dez anos — ao explicar para a pesquisadora a única foto escolhida para o cartaz sobre a família de origem, descreveu-a como sua mãe e sua irmã, que permaneceram juntas quando ele seguiu com o pai: "uma família reunida... gostaria que fosse assim" (Leandro).

No Grupo II, o texto escrito por Rafael — "Essa pessoa irá sentir muitas saudades de seus pais, dificil convivência com seus pais adotivos, praticamente incapaz de se acosta com o novo lugar que vai mora, a não ser que essa pessoa seja muito forte e venssa as dificuldades emocionais" — associadas ao discurso de Bianca, sugerem que tanto a vivência no abrigo quanto a possibilidade de adoção demandam grande esforço psíquico. A narrativa dos adolescentes evidencia que o processo de separação, institucionalização, privação da convivência familiar e sofrimento decorrente constituem experiências individuais, cujo desenrolar "depende de cada pessoa": "Dependendo da pessoa vai ter dificuldade no começo, mas logo vai se acostumar" (Bianca). Por fim, a narrativa de Bianca aponta a possibilidade de enfretamento do processo quando existem recursos internos suficientes, atentando para o caráter fundamental da resiliência para a manutenção da saúde mental de crianças e adolescentes institucionalizados.

A Guarda: rompendo dicotomias e construindo novas possibilidades

A despeito da dicotomia adoção/reintegração, a guarda — prevista pelo ECA (Art. 33 ao 35) — emerge como alternativa de colocação familiar sem que seja necessário o rompimento do vínculo com a família de origem. Nas narrativas dos profissionais da Justiça e do abrigo, constatamos que a guarda emerge como alternativa:

a) nos casos em que a família encontra-se em situação de privação sócio-econômica: nestes casos, a função do pai-provedor e do pai-educador38 exercida pela instituição-abrigo poderia ser transferida a um núcleo familiar. "De ter alguém que dê acesso à saúde, à escola (...) sem ser uma instituição, numa família" (Luíza). Para preservar o vínculo familiar, a guarda pode ser exercida no próprio contexto da família de origem, contribuindo, o guardião, para a manutenção de saúde, educação e bem-estar da criança ou adolescente. "Não tirar a criança pra ficar institucionalizada, mas eu vou ajudar aquelas crianças, aquela família, lá, no contexto dela" (Ana). Além disso, Beloto destaca que a relação com o guardião pode beneficiar o sistema familiar como um todo: "o seu modo de visitá-las, promover aquelas crianças, você está também promovendo aquela família" (Beloto).

b) nos casos de difícil colocação em adoção: por meio da guarda, crianças maiores e adolescentes poderiam conviver com uma família substituta que, embora não fosse de tentora do poder familiar, atenderia às funções do pai-provedor e do pai-educador38, atribuídas comumente à instituição. "Eu não tenho a proposta de adotar, mas de repente eu apadrinho uma criança pra le var pra minha casa, um adolescente" (Luíza).

Assim, os participantes enfatizam a necessidade de ampliação das alternativas de prevenção ao abrigamento e de colocação em família substituta, mediadas pela Justiça. "Se a gente trabalhasse este instituto da guarda nós certamente conseguiríamos dar uma visão para muitos meninos que hoje estão institucionalizados e poderiam estar em lares substitutos" (Juiz). Desse modo, emerge das narrativas a necessidade do investimento jurídico e social na guarda, por meio de desenvolvimento legal e sensibilização da sociedade para a participação na garantia do direito à convivência familiar. "Os juristas ainda não acordaram, nem os legisladores pra desenvolver esse ponto. E em massa, né? Porque o Brasil tá precisando" (Beloto).

O investimento em formas alternativas de convivência familiar — guarda, apadrinhamento ou família acolhedora — constitui um dos ápices do trabalho pautado na ideologia da desinstitucionalização e integração à família. O sucesso destas alternativas parece estar relacionado, entretanto, à qualidade da preparação e acompanhamento dos envolvidos, com o objetivo de evitar competições, sobreposição de papéis, devoluções ao abrigo, ou, ainda, construção de uma vinculação assistencialista entre guardião ou padrinho e família de origem. Finalmente, tornar realidade essas alternativas só será possível se houver uma maior implicação da sociedade com os direitos da criança e do adolescente, como destacou Rafael ao representar, no cartaz sobre o abrigo, a figura do mundo, ao lado do qual escreveu: "Um mundo aberto para aqueles que querem ajudar".

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise dos dados apontou alguns eixos reveladores, que devem ser observados na discussão sobre o rompimento do vínculo legal com a família de origem e o encaminhamento para família adotiva:

1) O modelo familiar patriarcal permeando as dificuldades para os profissionais defrontarem-se com a "família vivida" 39(p. 26, grifos da autora) e assumirem o lugar da lei no rompimento do acesso da família de origem à criança ou ao adolescente;

2) A fragmentação e o abandono na rede de atendimento aos direitos da criança e do adolescente contribuindo para que o Estado e as instituições sociais atuem mais no sentido de preencher as "faltas" da família de origem do que no de resgatar a auto nomia e a cidadania destes indivíduos31,32,40 (grifos nossos);

3) A tendência evolutiva do sistema obser vada na busca de novas formas de atuação mais focadas na autonomia dos segmentos e na co-participação33. Neste sentido, a necessidade emergente é a do avanço no modelo de atendimento, do caritativo ao participativo, do fragmentado ao inter-multi-transdisciplinar30. Assim, as ações devem ser norteadas pela ideologia da desinstitucionalização, pautada na prevenção do abrigamento e na garantia do direito à convivência familiar, por meio de trabalho com a família de origem, construção de formas alternativas de convivência em família e maior implicação da comunidade;

4) O trabalho do profissional, o qual se mos trou como fundamental para a atuação contextualizada e a decisão quanto ao encaminhamento para ACMA. A complexidade da questão exige a avaliação criteriosa de pro fissionais capacitados que possam nortear suas ações pelo interesse da criança e do adolescente28;

5) A relevância da nova Lei da Adoção (PL Nº 1756/03), no sentido de agilizar os processos de destituição do poder familiar e a colocação em família substituta. Todo este processo deve ser, entretanto, rigorosamente acompanhado pelo esgotamento dos recur sos na família de origem, o que requer tanto o reordenamento dos abrigos quanto o investimento na rede de atendimento psicossocial às famílias. É preciso criar condições para que a lei possa, de fato, vigorar.

 

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Recebido 03/11/04
Aprovado15/02/05

 

 

* Trabalho baseado na dissertação de mestrado "A Adoção Tardia frente aos Desafios na Garantia do Direito à Convivência Familiar" — Universidade de Brasília, 2003. Apoio CNPq.
Estas adoções são comumente denominadas adoções morais ou necessárias6,8.
†† Além destes haviam sido convidados para participar do estudo mais uma criança e dois adolescentes que não compareceram à atividade. Nomes fictícios e demais dados.
††† Cadastro nacional de adotandos em fase de implementação, organizado pelo Ministério da Justiça7.

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