SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.15 número2Um estudo sobre a violência em duas histórias gráficasSer feminina: uma permissão para a soropositividade? índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.15 n.2 São Paulo ago. 2005

 

ATUALIZAÇÃOCURRENT COMMENTS

 

Repercussões do comportamento interativo de mães com depressão no desenvolvimento do comportamento exploratório do bebê

 

Repercussions of depressive mothers'interactive behaviours on the development of the infant´s exploratory behaviour

 

 

Cristiane AlfayaI; Rita de Cássia S. LopesII

IPsicóloga Clínica(PUCRS), Especialista em Terapia Familiar (INFAPA), Doutoranda em Psicologia do Desenvolvimento Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia/ UFRS, Rua Ramiro Barcelos, 2600/104, CEP 90035.003, Porto Alegre, RS. Fone: (51) 33165150, Fax: (51) 33309507, e-mail: c.alfaya@terra.com.br
IIPsicóloga, Doutora pela University College London (Inglaterra), e Professora do Curso de Pós-Graduação em Psicolo gia do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 


RESUMO

O impacto da depressão materna para o desenvolvimento infantil tem sido amplamente estudado e vem sendo compreendido a partir de um referencial teórico interacionista, em que a qualidade da interação mãe-bebê é o foco de atenção nestes estudos. Os comportamentos interativos das mães com depressão costumam ser caracterizados como intrusivo ou retraído. Para os autores, ambos os estilos podem repercutir de maneira negativa no desenvolvimento do bebê, pois a estimulação e a modulação do estado de alerta que a mãe oferece são inadequadas para a regulação emocional do bebê. Pouco ainda se sabe sobre as repercussões dos estilos de comportamento interativo materno para o desenvolvimento do comportamento exploratório do bebê durante o primeiro ano de vida. Nesse sentido, o presente artigo procura refletir teoricamente acerca do desenvolvimento emocional do bebê e, em particular, sobre o comportamento exploratório do bebê no contexto da depressão materna. Inicialmente, busca-se descrever alguns estudos sobre a interação mãe-bebê e o desenvolvimento sócio-emocional no primeiro ano de vida, em seguida, estudos empíricos sobre o desenvolvimento do bebê no contexto da depressão materna, e finalmente, os estudos empíricos sobre os comportamentos interativos mãe-bebê no contexto da depressão materna. Para tanto, parte-se de algumas perspectivas teóricas, as quais entendem o desenvolvimento do comportamento exploratório do bebê a partir do sentido de competência e controle voluntário, assim como da exploração manual, tátil e visual, do direcionamento da atenção, das demonstrações de preferência e curiosidade, e capacidade de locomoção, bem como dos comportamentos de exploração do ambiente e cooperação. A importância de se considerar o comportamento da mãe para melhor compreender o desenvolvimento do comportamento exploratório do bebê advém da idéia de que a mãe precisa apresentar comportamentos de permissividade e encorajamento em relação aos comportamentos do bebê, promovendo o sentido de competência e controle voluntário do bebê, a fim de que este possa se separar e tornar-se seguro para explorar o ambiente. Da mesma forma, a expressão contínua do sentimento materno de confiança e expectativa durante os comportamentos de exploração do bebê é fundamental para o desenvolvimento e manutenção dos comportamentos de exploração bebê, o que independe do quadro depressivo materno.

Palavras-chave: Interação mãe-bebê. Depressão materna. Comportamento exploratório.


ABSTRACT

The impact of maternal depression on child development has been widely studied. It has been understood based mainly on an interactionist theoretical framework, focusing on the mother-infant interaction quality. Depressive mothers' interactive behaviours tend to be characterized as either intrusive or withdrawn. For the authors, both styles may have a negative impact on infant development because the stimulation and modulation of the state of alertness offered by the mother are inadequate for the infant's emotional regulation. Little is known about the impact of maternal interactive styles on the development of the infant's exploratory behaviour during the first year of life. Therefore, the present study aims to theoretically reflect on the infant's emotional development and, in particular, on the infant's exploratory behaviour in the context of maternal depression. Initially, some studies on mother-infant interaction and the social emotional development in the first year of life are described. Empirical studies on infant development in the context of maternal depression are then highlighted, and finally, empirical studies on mother-infant interactive behaviours in the context of maternal depression are discussed. The development of the infant's exploratory behaviour is understood based on theoretical perspectives which highlight the infant's sense of competence and voluntary control, as well as manual, tactile and visual exploration, directed attention, demonstrations of preference and curiosity, locomotion capacity, environment exploration behaviours, and cooperation. The importance of considering maternal behaviour for better understanding the development of the infant's exploratory behaviour comes from the idea that the mother needs to present permissiveness and encouragement regarding the infant's behaviour, stimulating the infant's sense of competence and voluntary control so that he/she can separate and become secure to explore the environment. Similarly, the continuous expression of the maternal feeling of confidence and expectation during the infant's exploratory behaviours is fundamental to the development and maintenance of the infant's exploratory behaviours, which is independent of the maternal depressive symptomatology.

Key words: Mother-infant interaction. Maternal depression. Exploratory behaviour.


 

 

INTRODUÇÃO

Vários estudos na área da psicologia clínica e do desenvolvimento têm se preocupado com o tema da depressão materna e investigado o impacto desse quadro clínico no desenvolvimento da criança. A literatura aponta de maneira consistente para a existência de diferenças na qualidade dos comportamentos interativos na díade mãe-bebê, assim como no desenvolvimento sócio-emocional, cognitivo e motor do bebê de mães com e sem depressão materna, as quais podem ser observadas durante os primeiros anos de vida do bebê1, - 7.

Cummings e Davies8 compreendem as conseqüências psicopatológicas da depressão materna no desenvolvimento infantil como associadas aos fatores de risco psicossociais da família, já que o status do diagnóstico de depressão, por si só, pode não influenciar diretamente o desenvolvimento da criança. Os autores chamam a atenção para as características individuais da mãe, ao se considerar como a depressão está afetando o seu comportamento, seus pensamentos e emoções, bem como o quanto a depressão está interferindo no desenvolvimento do apego seguro mãe-filho. Chamam também a atenção para o relacionamento do casal, isto é, o quanto a depressão está influenciando na discordância do casal. Sendo assim, ao falar sobre o impacto da depressão materna no desenvolvimento infantil, é fundamental que seja considerada a qualidade da interação mãe-bebê, que poderá ser variável, independentemente do diagnóstico de depressão. Além disso, Cramer e Palácio-Espasa9, Field2, Murray e Cooper10 e Stern 11 acreditam que a maioria das psicopatologias da primeira infância, tais como os distúrbios psicofuncionais (distúrbios alimentares e do sono), e os problemas comportamentais do bebê, como ansiedade de separação, medos e apego inseguro, podem ser melhor apreendidas no contexto da relação mãe e filho e das relações familiares, já que essas perturbações são entendidas como dificuldades relacionais.

Em termos sintomatológicos, a depressão materna, comumente relacionada ao nascimento de um bebê, refere-se a um conjunto de sintomas como irritabilidade, choro freqüente, sentimentos de desamparo e desesperança, falta de energia e motivação, desinteresse sexual, transtornos alimentares e do sono, a sensação de ser incapaz de lidar com novas situações, bem como queixas psicossomáticas. Geralmente, esses sintomas iniciam entre a quarta e a oitava semana após o parto e podem persistir por mais de um ano, atingindo de 10 a 15% das mulheres12, 13. Outros distúrbios do humor, que podem surgir na mulher no período pós-parto, são a melancolia da maternidade (baby blues) e as psicoses puerperais. A melancolia da maternidade é considerada uma reação normal no puerpério imediato, atingindo entre 50% a 80% das novas mães na primeira semana após o parto. Já as psicoses puerperais apresentam sintomas acentuados, os quais requerem tratamento intensivo e, por vezes, hospitalização, sendo mais raros, com uma incidência de dois a quatro casos em cada mil partos entre as duas primeiras semanas após o parto11. Os autores também salientam que a etiologia da depressão materna deve ser compreendida como multifatorial, envolvendo fatores biológicos, obstétricos, sociais e psicológicos.

No que se refere aos comportamentos interativos das mães com depressão, os autores sugerem que estas costumam apresentar dois estilos de comportamento na interação com seus bebês: o de retraimento, em que a mãe estimula muito pouco a criança, e o de intrusividade, em que a mãe costuma estimular excessivamente o bebê2, 7, 10, 14, 15. Para os autores, ambos os estilos podem repercutir de maneira negativa no desenvolvimento cognitivo e emocional do bebê, pois a estimulação e a modulação do estado de alerta que a mãe oferece são inadequadas para a regulação emocional do bebê.

Um recente estudo realizado por Field, Diego, Hernandez-Reif, Schanberg e Kuhn16 mostrou que as mães com depressão, além de apresentarem um padrão de interação intrusivo a retraído, na situação de interação face-a-face com seus bebês de três meses, também demonstraram um padrão de interação caracterizado como de "boa interação". Para os autores, as mães com esta classificação foram aquelas que ficaram entre o grupo de mães sem depressão e as mães intrusivas e retraídas com depressão. Apesar de as mães com boa interação terem obtido escores tão altos como as mães deprimidas intrusivas e retraídas para a depressão e ansiedade, elas apresentaram escores mais baixos de aproximação do que as mães sem depressão e as mães intrusivas com depressão, assim como escores mais baixos de retraimento do que as mães retraídas com depressão. Dessa forma, parece que ainda não há um consenso entre os estudos a respeito do padrão de interação das mães com depressão materna, sendo necessário o seguimento e o aprofundamento de pesquisas nesta área.

No contexto da depressão materna, as mães costumam sofrer com sentimentos de menosvalia, inferioridade, insegurança, tristeza, percepção distorcida a respeito da sua competência materna, podendo se sentir não suficientemente boas e competentes como mães, com um alto nível de exigência e culpa. Garber e Martin17 acreditam que as palavras e os comportamentos de mães com depressão, quando caracterizados pela crítica elevada, intrusividade, pouca responsividade, baixa sensibilidade, pouca permissividade e encorajamento na interação com o bebê, podem influenciar negativamente a construção da idéia que a criança faz de si mesma, já que a construção de suas representações também depende da qualidade das interações18. Entretanto, no que se refere à sensibilidade materna, um estudo de meta-análise realizado por Atkinson, Paglia, Coolbear, Niccols, Parker e Guger1 sobre a correlação entre o desenvolvimento do apego seguro na criança e o estado de saúde mental da mãe sugere que o conceito de sensibilidade materna não pode ser a única variável preditora do apego seguro na criança, como sugere Bowlby. Os autores chamam a atenção para as questões de apoio social e conjugal, das situações de estresse, como a própria maternidade, além da depressão materna para o desenvolvimento sócio-emocional da criança. O resultado deste estudo indica uma correlação significativa entre as variáveis depressão materna e apego seguro. O critério para o diagnóstico de depressão materna nas amostras pesquisadas era de 6 a 9 meses ou mais de duração do episódio depressivo. Tal relação é compreendida pelos autores a partir do estado emocional da mãe, independentemente do nível de sensibilidade materna. A questão fundamental discutida por eles é a estabilidade do humor da mãe como sendo a variável preditora do apego seguro na criança, a qual seria pouco freqüente nas mães com depressão.

Nesse sentido, o presente artigo procura refletir acerca dos comportamentos interativos mãe-bebê no contexto da depressão materna, tendo em vista o desenvolvimento sócio-emocional durante o primeiro ano de vida do bebê. Inicialmente, serão descritos alguns estudos sobre a interação mãe-bebê e o desenvolvimento sócio-emocional no primeiro ano de vida, em seguida, estudos empíricos sobre o desenvolvimento do bebê no contexto da depressão materna, e finalmente, os estudos empíricos sobre os comportamentos interativos mãe-bebê no contexto da depressão materna.

1. A interação mãe-bebê e o desenvolvimento sócio-emocional no primeiro ano de vida.

Na tentativa de compreender a relação entre os aspectos interativos da díade mãe-bebê e o desenvolvimento sócio-emocional da criança no contexto da depressão materna, inicialmente, é importante ter em vista o conceito mais recente de regulação emocional que, para Eisenberg19, é concebido a partir da experiência emocional e da expressão das emoções. Atualmente, as emoções têm sido compreendidas como forças motivacionais, que assumem importante papel em muitos dos comportamentos sociais da criança. O conceito de regulação tem sido amplamente estudado por pesquisadores interessados em compreender os mecanismos pelos quais o bebê regula as suas emoções e os seus comportamentos emocionalmente direcionados, tendo em vista a competência social e o ajustamento. Eisenberg sugere três mecanismos pelos quais o bebê se auto-regula. O primeiro se refere à provisão de conhecimento pelo cuidador através de rotinas de cuidados e comportamentos. O segundo mecanismo se refere à estimulação recebida, e o terceiro diz respeito à qualidade do manejo dos pais para a organização das experiências do bebê. Eisenberg também aponta para a existência de três tipos de regulação no bebê. O primeiro tipo, regulação emocional, é definido como um processo de iniciativa, manutenção, modulação e mudança da ocorrência, intensidade e duração dos estados internos de sentimentos e emoções relacionadas aos processos fisiológicos do bebê. O segundo tipo, regulação do comportamento emocionalmente direcionado, é orientado pelo controle do ego (controle voluntário), inibição do comportamento e auto-regulação, que envolve a habilidade do bebê de modular as expressões comportamentais de impulsos e sentimentos. E o terceiro tipo, regulação ou gerenciamento na situação de estresse, evocado pela estimulação emocional, envolve o planejamento, resolução de problemas e previsão de manejo nas situações, a fim de reduzir o estresse subseqüente e emoções negativas. Nesse sentido, parece que a auto-regulação do bebê depende tanto de fatores internos como de fatores externos.

De acordo com o modelo de Tronick20, a capacidade da mãe de regular o estado afetivo do bebê envolve os seguintes aspectos: o estado emocional da mãe, a representação que ela tem da criança, a história de vida dela com seus pais, incluindo as experiências de cuidado de seus pais para com ela, bem como a apreensão que ela faz das mensagens de afeto do bebê durante as interações. É a partir das respostas contingentes da mãe em relação aos comportamentos do bebê, considerando a maneira como ela responde ao bebê, que será definida parte importante do processo de regulação emocional da criança. Nesse sentido, esses autores parecem concordar com a idéia de que a capacidade da criança de organizar as suas comunicações afetivas depende da qualidade da regulação mútua nas interações entre o bebê e seus pais.

Na mesma direção, Hay14 acredita que quando o bebê é privado de aprender a como regular a sua atenção e as suas emoções devido à falta de contingências e à baixa sensibilidade do cuidador principal, comumente observado em mães com depressão, o seu funcionamento sócio-emocional e cognitivo pode ficar comprometido, já que a regulação da atenção e das emoções tem sido considerada como fundamental para o desenvolvimento cognitivo e sócio-emocional da criança. Sendo assim, o autor compreende a relação da depressão materna com o desenvolvimento infantil, a partir da falta de respostas contingentes da mãe, em que o bebê é privado de aprender a como regular a sua atenção e as suas emoções. O autor lembra que os problemas cognitivos de crianças de mães com depressão são examinados no contexto da relação de apego, quando este, normalmente, é estabelecido de maneira insegura devido à falta de contingência materna.

No que se refere ao desenvolvimento da capacidade de permanência do objeto do bebê, Murray21 acredita que o desenvolvimento desta capacidade, a qual é observada pela atitude de procura e capacidade de direcionar a atenção do outro para o ambiente, a fim de informar onde se encontra o objeto, requer a habilidade da criança de prestar a atenção e aprender sobre os objetos e eventos do ambiente, que deve ser estimulada pelo cuidador nas interações sociais. Para tanto, o cuidador deve manter o bebê em estado de alerta, procurando organizar a sua atenção para o ambiente, através da regularidade das brincadeiras envolvendo sons vocálicos da própria criança que deverão ser interpretados pela mãe, a qual irá transmitir significados para a criança num ritmo de diálogo e conversação. Através de cada interação com o cuidador, assim como através da exploração no ambiente que a criança faz, ela começa a acompanhar as contingências no ambiente, coisas que acontecem quando o bebê age de uma determinada maneira. Para detectar contingências, o bebê precisa deparar-se com eventos que ocorram regularmente e, a partir disso, concluir o que ocorreu no momento de sua própria ação. Bebês pequenos não conseguem detectar uma associação entre dois eventos se passarem mais do que 5 segundos de tempo22.

No caso de mães com depressão, é comum que elas respondam aos seus bebês mais vagarosamente, sendo menos imediatas na resposta às solicitações e expressões do bebê. Os bebês de mães com depressão, além de receberem menos estímulos contingentes de suas mães, também apresentam um afeto não regulado, caracterizado pelas expressões de afeto negativo, o qual é generalizado para as demais interações sociais. Assim como Hay14, Murray21 sugere que o afeto não regulado na criança pode interferir em seu aprendizado, uma vez que a capacidade de processar as informações do ambiente fica prejudicada. Isso mostra a complexidade do desenvolvimento sócio-emocional, tendo em vista a interligação dos processos de regulação emocional com o processamento da informação e aprendizagem.

Para Goodman e Gotlib15, uma mãe deprimida dificilmente poderá fornecer um modelo positivo de expressão emocional e facilitar a regulação emocional do bebê, devido a sua baixa sensibilidade e responsividade. Sendo assim, pode-se pensar que um bebê com dificuldade para regular as suas emoções e atenção, devido aos comportamentos maternos de intrusividade, pouca responsividade e a baixa sensibilidade, considerando a falta de contingências no ambiente, poderá construir uma representação interna de que o cuidador não está disponível para ela. Com esta representação, a criança poderá se comportar de maneira ansiosa, resistente ou evitadora, ao se sentir insegura e pouco confiante para explorar o ambiente, manifestando excessiva dependência, o que pode dificultar o desenvolvimento de sua autonomia e independência. Sendo assim, a capacidade de auto-regulação emocional do bebê, que é fundamental para o desenvolvimento do sentido de competência deve ser considerada no estudo sobre o comportamento exploratório da criança.

A participação dos pais no desenvolvimento sócio-emocional do bebê é também enfatizada por Brazelton e Cramer22, quando descrevem os quatro estágios de desenvolvimento do bebê a partir de suas interações. Para o desenvolvimento do primeiro estágio, chamado controle homeostático, é fundamental que o bebê tenha adquirido o controle dos sistemas de entrada e saída das informações, sendo capaz de permitir ou não a recepção de estímulos, além de controlar seus próprios sistemas fisiológicos e estados de consciência (sono profundo, sono ativo, sonolência, alerta acordado, alerta irrequieto, e choro). Para tanto, o sentimento de empatia nas mães é fundamental, pois as coloca em contato com os sistemas de controle de seus bebês, auxiliando a criança a se auto-regular nos períodos de desorganização. Nesse sentido, a auto-regulação da criança também se desenvolve a partir da capacidade da mãe de conter as suas próprias emoções, à medida que ela se esforça para tolerar o esforço do bebê de se auto-regular na sua desorganização. Esse pressuposto lembra a concepção de Winnicott23 a respeito da preocupação materna primária, a qual é definida como uma condição que se desenvolve gradualmente e se torna um estado de sensibilidade aumentada durante a gravidez, continuando após o parto. A mãe que desenvolve o estado de preocupação materna primária fornece um ambiente no qual a constituição do bebê pode se mostrar, suas tendências de desenvolvimento podem começar a se revelar, o bebê pode experimentar um movimento espontâneo e dominar as sensações na fase inicial da vida. Para isso, é necessário que a mãe possa se sentir como se estivesse no lugar do bebê e, deste modo, responder às necessidades da criança, que inicialmente são corporais e gradualmente tornam-se necessidades do ego. É a partir de um holding, isto é, através da capacidade da mãe em conter as suas próprias emoções, quando ela se esforça para tolerar o esforço do bebê de se auto-regular na desorganização, que o bebê torna-se apto para desenvolver a capacidade de integrar a experiência e desenvolver um sentimento de "eu sou"24. O autor também sugere que é a partir da matriz de uma relação mãe-bebê suficientemente boa que o ego infantil será capaz de se desenvolver, tornando-se uma unidade, com o objetivo principal de se desenvolver, rumo à independência. Para isso, é fundamental que o indivíduo tenha experimentado o estado de dependência absoluta com sua mãe nos primeiros seis meses de vida, quando esta tenha sido capaz de estar disponível emocionalmente ao segurar, manejar e apresentar a realidade para o bebê de maneira sensível e estável25. Nesse sentido, o desenvolvimento sócio-emocional do bebê em direção a sua independência deve ser apreendido no contexto das relações com pessoas significativas26.

O segundo estágio, denominado prolongamento da atenção e da interação, proposto por Brazelton e Cramer22, ocorre após o bebê ter adquirido algum grau de controle, como descrito no estágio anterior, sendo capaz de prolongar ativamente a interação com o outro. Na medida que o bebê controla seus sistemas motor e autônomo para prestar atenção, toma consciência de sua capacidade de dominar esse processo. Com isso, passa a usar suas capacidades cada vez mais desenvolvidas, como sorrisos, vocalizações, expressões faciais, e sinais motores para comunicar sua receptividade e emitir respostas aos parceiros da interação.

Por volta dos três ou quatro meses de vida do bebê, no estágio testando os limites, já existe a possibilidade de um diálogo prolongado, em que tanto os pais como os bebês começam a testar e a ampliar a comunicação. Nesse processo comunicativo, cada parceiro da interação aprende sobre si mesmo, além de perceber o prazer de se socializar com o outro. Tal experiência dá à criança a oportunidade de explorar seus controles internos e sua capacidade de sincronizar-se com o outro.

No quarto estágio, surgimento da autonomia, que ocorre por volta dos quatro meses de vida do bebê, o sentido de competência e de controle voluntário do bebê sobre o ambiente é fortificado. Quando a mãe é capaz de permitir ou mesmo encorajar o bebê em seus comportamentos, ela está promovendo o desenvolvimento do comportamento exploratório da criança, que começa a inventar jogos para colocar o apego dos pais à prova, sintonizando-os e dessintonizando-os, tomando iniciativa nas brincadeiras e direcionando a interação. O controle sobre a atenção dos pais permite que o bebê comece a se separar e a se tornar independente.

O papel da mãe no desenvolvimento da autonomia do bebê foi também enfatizado por Mahler27, no período entre os 5 e 8 meses de vida, em que a criança encontra-se na primeira subfase de diferenciação do processo de separação e individuação, que é justaposta à fase de exploração inicial, em que ela passa a apresentar, mais claramente, atitudes de exploração de novos objetos e pessoas no ambiente. No entanto, Mahler ressalta que a pré-condição para os comportamentos de exploração nessa fase do desenvolvimento é a presença de uma confiança básica no bebê, a qual foi estabelecida na fase anterior, denominada simbiose normal, ocorrida entre o primeiro e o quarto ou quinto mês de vida do bebê, a partir dos cuidados maternos. Para a autora, na fase de simbiose normal, é fundamental que o bebê tenha recebido cuidados adequados, se referindo ao conceito de preocupação materna primária de Winnicott como uma condição organizadora da simbiose normal27. Mahler também esclarece que o comportamento de estranhamento e recusa na subfase de diferenciação diante de novos objetos e pessoas pode estar indicando falhas para os primeiros passos de constância objetal emocional, bem como problemas de socialização.

A teoria do apego de Bowlby28 entende a necessidade de um apego seguro do bebê com o cuidador principal para que a criança possa apresentar comportamentos de exploração do ambiente, cooperação e afastamento da figura de apego. Para esse autor, os pais que respondem sempre que solicitados e de maneira sensível, provêm uma base segura aos filhos, encorajando-os à autonomia. O conceito de sensibilidade materna foi desenvolvido por Ainsworth29, sendo definido como a habilidade da mãe de perceber, interpretar e responder adequadamente às necessidades e à comunicação do bebê. Para essa autora, a segurança do apego reflete o padrão atual da interação mãe-bebê.

Entretanto, Brazelton e Cramer22, assim como Thompson30, acrescentam a importância da presença de comportamentos de encorajamento nos pais em relação às competências da criança, para o desenvolvimento do comportamento exploratório.

Sendo assim, Brazelton e Cramer22 apontam para a sincronia, simetria, contingência, encadeamento, brincadeira e autonomia como elementos essenciais da interação primordial pais-bebê, as quais contribuem para o desenvolvimento do comportamento exploratório do bebê. No que se refere à sincronia, o bebê precisa aprender a regular vários sistemas fisiológicos para poder prestar atenção aos estímulos externos. Os pais assumem um importante papel para a realização da sincronia, quando adaptam o seu comportamento aos ritmos característicos do bebê, auxiliando a criança a reduzir ou controlar as respostas motoras que interferem na capacidade de prestar atenção. Engajado na comunicação sincrônica, o bebê forma uma idéia da mãe como um ser confiável e compreensivo, passando a contribuir para o diálogo. A simetria na interação significa que a capacidade de atenção do bebê, seu estilo e suas preferências de emissão e recepção podem influenciar a comunicação. Num diálogo simétrico em que a mãe respeita os limites do filho, é necessário que ela esteja pronta para abdicar de uma parte de si mesma ao evocar os ritmos e respostas do bebê. A contingência demanda da mãe disponibilidade cognitiva e emocional. Ela responde de modo contingente quando consegue decodificar as mensagens transmitidas pelos sinais do bebê (sorrisos, caretas, vocalizações). A capacidade do bebê de realizar comportamentos de sinalização é contingente em relação à sua habilidade de auto-regulação, que por sua vez, está diretamente relacionada com a capacidade da mãe de regular as suas respostas ao bebê.

A díade capaz de atingir uma sincronia de sinais e respostas entra numa outra dimensão de diálogo chamada de encadeamento, já que os parceiros da interação começam a antecipar as respostas um do outro em longas seqüências. Um dos parceiros encadeia o comportamento do outro, instituindo o ritmo de atenção e desatenção que já fora estabelecido como base de sincronia entre ambos. Assim sendo, a interação adquire um novo nível de envolvimento, pois parceiros da díade se ajustam um ao outro a ponto de o bebê não se limitar a seguir as sinalizações do parceiro, mas de modo que os ritmos da mãe tendam a contemplar os movimentos do bebê. O encadeamento permite que ambos controlem o aumento, a diminuição e a manutenção da intensidade do nível do diálogo. Nesse diálogo, enquanto o bebê aprende a respeito de si mesmo, a mãe está aprendendo modos de conservar a atenção do bebê e de levá-lo a ampliar o próprio repertório.

A constatação, por parte do bebê, de seu próprio poder de controle, conduz à exploração do ambiente, a qual foi promovida pela capacidade materna de entrar em sintonia com o bebê. Na medida que a sincronia, o encadeamento e as respostas contingentes da mãe reforçam capacidades diferentes, o bebê percebe que é capaz de controlar a interação. Bebês de cinco meses de idade começam a dominar o comportamento da mãe por meio de sua capacidade de iniciar e interromper a interação.

A partir dessa perspectiva interacional, Brazelton e Cramer22 entendem que o desenvolvimento da autonomia do bebê nasce da certeza da emissão de respostas previsíveis da mãe. Nessa idade, o comportamento autônomo por parte do bebê é sinal de um relacionamento saudável e sua ausência, uma aparente simbiose ou fusão, indicando uma deficiência de apego. Esses seis elementos da interação pais-bebê tornam possível o desenvolvimento precoce do apego, pois sem o sentido de previsibilidade contido na sincronia, simetria, contingência e encadeamento, assim como sem a possibilidade de desligamento proporcionada e demonstrada pelas brincadeiras e pela autonomia, a relação primordial não pode evoluir. Sendo assim, ao falar do desenvolvimento sócio-emocional do bebê é preciso considerar os processos interativos mãe-bebê, sobretudo a regulação emocional do bebê.

2. Estudos empíricos sobre o desenvolvimento do bebê no contexto da depressão materna

No tocante ao desenvolvimento sócio-emocional, cognitivo e motor dos bebês de mães com depressão, os estudos empíricos e longitudinais têm encontrado diferenças importantes entre estes bebês e os bebês de mães sem depressão. Aos 2 meses de vida, na situação de interação face-a-face mãe-bebê, estes bebês expressam mais afeto negativo e menos afeto positivo, vocalizam menos, olham menos para a mãe, e apresentam níveis mais baixos de atividade4, 31, 32, 33 do que os bebês de mães sem depressão. Ainda aos 2 meses de vida, os bebês de mães com depressão apresentam um desempenho abaixo da média nas questões cognitivas da escala mental da Bayley34, assim como expressam mais afeto negativo e menos afeto positivo, ficando mais tensos e aflitos diante das situações de estresse do exame, avaliados pela escala comportamental, em comparação com os bebês de mães sem depressão35. Aos 12 meses, os bebês de mães com depressão apresentam um comportamento exploratório mais limitado na situação de jogo livre, se envolvendo menos nas tarefas de exploração, levando mais tempo para olhar os brinquedos, manipulando menos, e alcançando menos os brinquedos, evitando mais, assim como demonstram menos expressões de afeto positivo e um maior número de expressões de afeto negativo3, 5, 6. Nas escalas Bayley, que avaliam o desenvolvimento cognitivo, motor e sócio-emocional, os bebês de mães com depressão têm obtido escores mais baixos, especialmente nas escalas mental e motora2,7, em comparação aos bebês de mães sem depressão. Aos 18 meses de idade, os bebês de mães com depressão têm apresentado mais apego inseguro na situação estranha, estando, portanto, com a exploração do ambiente prejudicada1, 7, 21, 33, apresentam escores mais baixos nas escalas mental e motora da Bayley em comparação aos bebês de mães sem depressão21, 33, 36, assim como um desempenho mais baixo nas questões de permanência do objeto nos testes de Piaget21.

No estudo realizado por Hart, Field e Del Valle5, em que foram comparadas a exploração do brinquedo, a expressão de afeto em meninos e meninas com idade de 12 meses de vida, assim como os comportamentos de suas mães com e sem depressão materna, durante a situação interativa de jogo livre, foi constatado que os bebês de mães com depressão permaneciam menos tempo concentrados em um único brinquedo do que os bebês de mães sem depressão. A freqüência de afeto negativo foi maior nas meninas do que nos meninos de mães com depressão, e as meninas apresentaram menos afeto positivo do que os meninos de mães com depressão. Os meninos de mães com depressão experimentaram mais comportamentos de intrusividade física do que as meninas de mães com depressão. Da mesma forma, as mães com depressão introduziram mais brinquedos aos meninos do que às meninas, enquanto as mães sem depressão introduziram mais brinquedos para as meninas do que para os meninos. Os bebês de mães sem depressão focalizaram mais os brinquedos do que os bebês de mães com depressão. Os bebês de mães com e sem depressão, independentemente do sexo, demonstraram mais afeto negativo quando as mães redirecionavam a atenção para outro brinquedo, eram mais intrusivas fisicamente, e mantinham menos atenção na criança. Com isso, parece que a depressão materna pode influenciar negativamente na concentração da criança para explorar um brinquedo, assim como na expressão de afeto positivo da menina. No entanto, no que se refere à expressão de afeto negativo da criança, esta pode ser maior, independente da depressão na mãe, pois parece estar mais relacionada com os comportamentos de redirecionamento da atenção, intrusividade física e manutenção da atenção da mãe, do que com a depressão materna.

Um outro estudo encontrado sobre comportamento exploratório do bebê, realizado por Field, Estroff, Yando, Del Valle, Malphurs & Hart3, examinou díades de mães com e sem depressão aos 3 e aos 12 meses de vida do bebê. Participaram deste estudo 33 mães com depressão e 21 mães sem depressão. Aos 12 meses de vida, as díades realizaram uma sessão de jogo com uma marionete, a fim de avaliar o comportamento social da criança. Os resultados desse estudo mostraram que os bebês de mães com depressão levavam mais tempo para começar a olhar para a marionete, sorriam significativamente menos e tentavam alcançar menos a marionete, tocavam menos e evitavam mais a marionete, do que os bebês de mães sem depressão. Também foi observado que os bebês de mães com depressão olhavam, sorriam, vocalizavam e tocavam menos nas suas mães durante a interação, do que os bebês de mães sem depressão. Esses resultados parecem indicar um menor envolvimento dos bebês de mães com depressão nas tarefas de exploração do objeto, que necessitam de mais tempo para iniciar os comportamentos de exploração, tais como se aproximar e manipular o brinquedo. Os autores do presente estudo também encontraram relações, a partir da análise de regressão, entre os resultados do comportamento exploratório do bebê aos 12 meses de vida com a percepção materna de vulnerabilidade da criança nas mães com depressão quando a criança contava com três meses de vida. Dessa forma, parece que a percepção materna pode exercer influência no desenvolvimento do comportamento exploratório da criança. Apesar de as mães com depressão poderem apresentar uma percepção mais negativa em relação às competências de seus bebês, como observada neste estudo através do tempo de reação do bebê, pode-se pensar que seja a representação materna quanto à vulnerabilidade da criança que exerça influência sobre os comportamentos do bebê, e não apenas o quadro depressivo das mães.

3. Estudos empíricos sobre os comportamentos interativos mãe-bebê no contexto da depressão materna

Em termos do comportamento interativo das mães com e sem depressão nas situações de interação face-a-face e jogo livre, os estudos mostram que as mães com depressão interagem com seus bebês de maneira bastante peculiar, sendo a interação, na maioria das vezes, caracterizada por comportamentos de intrusividade ou de retraimento7, 37, assim como uma baixa sensibilidade8, 33, 36, pouco envolvimento4, 7, pouca expressão de afeto positivo, um maior número de expressões de afeto negativo4, 7, 15, 31, 33, as mães olham menos para seus bebês, tocam menos e conversam menos com os bebês32 em comparação com as mães sem depressão. Da mesma forma, as mães com depressão percebem seus bebês como mais difíceis de cuidar35, e manifestam menos comportamentos de facilitação para que o bebê mantenha interesse e atenção em um brinquedo, interagindo menos38 do que as mães sem depressão.

No estudo realizado por Field37, o grupo de mães com depressão também foi comparado a partir dos comportamentos de intrusividade e retraimento, constatando-se que os bebês das mães retraídas obtiveram escores ainda mais baixos na escala mental da Bayley, eram mais desregulados emocionalmente e apresentavam menos comportamentos exploratórios do que os bebês das mães intrusivas aos 12 meses de idade. Embora a estimulação das mães tanto retraídas como intrusivas seja inadequada para a promoção do desenvolvimento da regulação emocional e da atenção do bebê14, o estudo de Field mostrou que os bebês das mães intrusivas podem apresentar um desenvolvimento melhor do que os bebês de mães retraídas. Essa constatação pode ser entendida pelo fato de as mães intrusivas estimularem mais verbalmente seus bebês, favorecendo a exploração do ambiente pela criança e possibilitando que eles modulem a estimulação excessiva de suas mães.

Em contrapartida, um outro estudo realizado por Hart, Jones, Field e Lundy6, que comparou os comportamentos interativos mãe-bebê, aos 12 meses de vida do bebê de mães intrusivas (cócegas ríspidas, empurrões, puxões, balanços, e movimentos bruscos) e retraídas com depressão (nenhum contato físico com a criança) na situação de interação estruturada de ensino, em que era solicitado à mãe ensinar o bebê a abrir uma caixa, constatou que os bebês das mães intrusivas exibiam mais afeto positivo e mais afeto negativo, enquanto os bebês das mães retraídas manipulavam mais o brinquedo. As mães intrusivas demonstravam mais o brinquedo, orientando fisicamente a criança e aprovavam mais, ao apresentar mais expressões de afeto positivo, enquanto as mães retraídas mantinham mais, observando a criança sem verbalizar ou segurar o brinquedo ou a criança. Não foram encontradas diferenças a respeito do desenvolvimento da criança, avaliadas pelas escalas Bayley, entre os bebês das mães intrusivas e retraídas com depressão. Esses resultados apontam para diferenças entre o comportamento exploratório do bebê de mães com depressão caracterizadas como intrusivas e retraídas, indicando que os bebês de mães retraídas podem manipular mais os objetos quando as mães mostram-se menos envolvidas na tarefa de interação com a criança.

Esse resultado é divergente dos achados do outro estudo realizado por Field37, no qual os bebês das mães retraídas obtiveram escores ainda mais baixos na escala mental da Bayley, eram mais desregulados emocionalmente e apresentavam menos comportamentos exploratórios do que os bebês das mães intrusivas aos 12 meses de idade. Dessa forma, ainda não há um consenso entre os estudos a respeito do padrão de interação mãe-bebê no contexto da depressão materna, considerando o impacto dos estilos maternos (intrusividade e retraimento) para o comportamento do bebê, sendo necessário o seguimento e o aprofundamento de pesquisas nesta área.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As repetidas experiências interativas do bebê com o cuidador contribuem para o desenvolvimento de seu modelo interno (working model) a respeito do cuidador e de si mesmo. Sendo assim, a criança que experimenta um cuidador pouco responsivo e sensível aos seus sinais e necessidades, possivelmente irá elaborar a idéia de que este não está disponível para ela, podendo reagir a isso de maneira ansiosa, resistente ou evitativa, comportando-se de forma retraída, por se sentir insegura e pouco confiante para explorar o ambiente, e manifestando excessiva dependência. Da mesma forma, a expressão contínua do sentimento materno de confiança e expectativa em relação aos primeiros comportamentos de exploração do bebê é fundamental para que estes comportamentos continuem sendo desenvolvidos, tendo em vista o desenvolvimento emocional e da autonomia. Também é chamada a atenção para os comportamentos regulares de permissividade e encorajamento por parte da mãe, para o desenvolvimento do sentido de competência e controle voluntário do bebê nas suas interações sociais. Sendo assim, as repercussões da depressão materna para o desenvolvimento do comportamento exploratório da criança devem ser compreendidas a partir da qualidade das interações mãe-bebê, considerando os comportamentos maternos de permissividade, encorajamento, e a expressão contínua do sentimento materno de confiança e expectativa, toda a vez que a criança toma iniciativa para explorar o ambiente. Esses comportamentos poderiam ser entendidos como o que os autores chamam de disponibilidade emocional, quando acompanhada da estabilidade emocional do cuidador. A mãe que está em sintonia com o seu bebê é capaz de respeitar o ritmo próprio de seu bebê, e com isso, o bebê pode formar a idéia de ambiente confiável, que o conduzirá à exploração do ambiente. Na medida que a sincronia, o encadeamento e as respostas contingentes da mãe reforçam capacidades diferentes, o bebê percebe que é capaz de controlar a interação, sentido-se seguro para explorar o ambiente.

A questão que norteia este artigo é se as mães com depressão materna podem entrar em sintonia com o seu bebê, de forma que possam promover o desenvolvimento do comportamento exploratório do bebê. Os estudos atuais se mostram ainda divergentes a respeito desta questão quando se tem em vista o estado emocional das mães e seus estilos de comportamentos interativos (intrusivo e retraído), havendo a necessidade de novas investigações, especialmente no que se refere ao desenvolvimento do comportamento exploratório dos bebês de mães com depressão.

 

REFERÊNCIAS

1. Atkinson L, Paglia A, Coolbear J, Niccols A, Parker KCH, Guger S. Attachment security: a meta-analysis of maternal mental health correlates. Clinical Psychology Review 2000; 20 (8): 1019-40.        [ Links ]

2. Field T. Depressed mothers and their infants. In: Murray L, Cooper P, editors. Postpartum depression and child development. New York: Guilford Press; 1997. p. 221-36.        [ Links ]

3. Field T, Estroff D, Yando R, Del Valle C, Malphurs J, Hart S. Depressed mothers´s perceptions of infant vulnerability are related to later development. Child Psychiatry and Human Development 1996; 27(1): 43-53.        [ Links ]

4. Field T, Healy B, Goldstein S. Guthertz M. Behavior-state matching and synchrony in mother-infant interactions of non-depressed versus depressed dyads. Developmental Psychology 1990; 26: 7-14.        [ Links ]

5. Hart S, Field T, Del Valle C. Depressed mother´s interactions with their one year old infants. Infant Behavior and Development 1998; 21(3): 519-25.        [ Links ]

6. Hart S, Jones N, Field T, Lundy B. One-year-old infants of intrusive and withdrawn depressed mothers. Child Psychiatry and Human Development 1999; 30(2): 111-20.        [ Links ]

7. Tronick EZ, Wainberg MK. Gender differences and their relation to maternal depression. In: Johnson S, Hayes A, Field T, Schneiderman N, McCabe P, editors. Stress, coping and depression. London: Lawrence; 2000. p. 23-34.        [ Links ]

8. Cummings ME, Davies PT. Maternal depression and child development. Journal of Child Psychology and Psychiatry 1994; 35: 73-112.        [ Links ]

9. Cramer B, Palacio-Espasa F. Técnicas psicoterápicas mãe-bebê. Porto Alegre: Artes Médicas; 1993.        [ Links ]

10. Murray L, Cooper P. The role of infant and maternal factors in postpartum depression mother-infant interactions, and infant outcomes. In: Murray L, Cooper P, editors. Postpartum depression and child development. New York: Guilford Press; 1997. p.111-35.        [ Links ]

11. Stern DN. A constelação da maternidade: o panorama da psicoterapia pais/bebê. Porto Alegre: Artes Médicas; 1997.        [ Links ]

12. Cooper P, Murray L. The impact of psychological treatments of postpartum depression on maternal mood and infant development. In: Murray L, Cooper P, editors. Postpartum depression and child development (pp. 201-20). New York: Guilford Press; 1997.        [ Links ]

13. Klaus M, Kennell J, Klaus P. Vínculo. Porto Alegre: Artes Médicas; 2000.        [ Links ]

14. Hay D. Postpartum depression and cognitive development. In: Murray L, Cooper P, editors. Postpartum depression and child development. New York: Guilford Press; 1997. p.85-110.        [ Links ]

15. Goodman S, Gotlib I. Transmission of risk to children of depressed parents: integrations and conclusions. In: Goodman S, Gotlib I, editors. Children of depressed parents. Washington DC: American Psychological Association; 2002. p.307-26.        [ Links ]

16. Field T, Diego M, Hernandez-Reif M, Schanberg S, Kuhn C. Depressed mothers who are good interaction partners versus who are withdrawn or intrusive. Infant Behavior and Development 2003; 26: 238-52.        [ Links ]

17. Garber J, Martin N. Negative cognitions in offspring of depressed parents: mechanisms of risk. In: Goodman S, Gotlib I, editors. Children of depressed parents. Washington DC: American Psychological Association; 2002. p.121-53.        [ Links ]

18. Bowlby J. Apego- a natureza do vínculo. São Paulo: Martins Fontes; 1990.        [ Links ]

19. Eisenberg N. Introduction. In: Damon W, Eisenberg N, editors. Handbook of child psychology: social, emotional and personality development. Texas: John Wiley & Sons, Inc.; 1998. p.1-24.        [ Links ]

20. Tronick E. Emotions and emotional communication in infants. American Psychologist 1989; 44: 112-9.        [ Links ]

21. Murray L. The impact of postnatal depression on infant development. Journal of Child Psychology and Psychiatry 1992; 33: 543-61.        [ Links ]

22. Brazelton T, Cramer B. As primeiras relações. São Paulo: Martins Fontes; 1992.        [ Links ]

23. Winnicott DW. Preocupação materna primária. In: Textos selecionados: da pediatria à psicanálise. Rio de Janeiro: Francisco Alves; 1982. p.491-8.        [ Links ]

24. Winnicott DW. Teoria do relacionamento paterno-infantil. In: Winnicott DW, editor. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas; 1983. p. 38-54.        [ Links ]

25. Winnicott DW. A integração do ego no desenvolvimento da criança. In: Winnicott DW, editor. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artes Médicas; 1983. p. 55-61.        [ Links ]

26. Harter S. The development of self- representations. In: Damon W, Eisenberg N, editors. Handbook of child psychology: social, emotional and personality development. Texas: John Wiley & Sons, Inc.; 1998. p. 553-618.        [ Links ]

27. Mahler M. Sobre a simbiose humana e as vicissitudes da individuação. In: O processo de separação-individuação. Porto Alegre: Artes Médicas; 1982. p. 66-82.        [ Links ]

28. Bowlby J. Uma base segura-aplicações clínicas da teoria do apego. Porto Alegre: Artes Médicas; 1989.        [ Links ]

29. Ainsworth MD. Attachment: retrospect and prospect. In: Parkes CM, Hinde JS, editors. The place of attachment in human behavior. New York: Basic Books Publishers; 1982. p. 3-30.        [ Links ]

30. Thompson R. Early sociopersonality development. In: Damon W, Eisenberg N, editors. Handbook of child psychology: social, emotional and personality development. Texas: John Wiley & Sons, Inc.;1998. p.25-104.        [ Links ]

31. Campbell S, Cohn J, Meyers T. Depression in first time mothers: mother-infant interaction and depression chronicity. Developmental Psychology 1995; 31 (3): 349-57.        [ Links ]

32. Cohn J, Campbell S, Matias R, Hopkins J. Face to face interactions of postpartum depression and nondepressed mother-infant pairs at 2 months. Developmental Psychology 1990; 26 (1): 15-23.        [ Links ]

33. Murray L, Fiori-Cowley A, Hooper R. The impact of postnatal depression and associated adversity on early mother-infant interactions and later infant outcome. Child Development 1996; 67: 2512-26.        [ Links ]

34. Bayley N. Bayley Scales of Infant Development -Manual. San Antonio: Psychological Corporation; 1993.        [ Links ]

35. Whiffen V, Gotlib I. Infants of postpartum depressed mothers: temperament and cognitive status. Journal of Abnormal Psychology 1989; 98: 274-9.        [ Links ]

36. Murray L, Hipwell A, Hooper R. The cognitive development of 5 year old children of postnatally depressed mothers. Journal of Child Psychiatry 1996; 37(8): 927-35.        [ Links ]

37. Field T. Infant of depressed mothers. In: Johnson S, Hayes A, Field T, Schneiderman N, McCabe P, editors. Stress, coping and depression. London: Lawrence; 2000. p. 3-22.        [ Links ]

38. Stein A, Gath D, Bucher J, Bond A, Cooper P. The relationship between post-natal depression and mother-child interaction. British Journal of Psychiatry 1991;158: 46-52.        [ Links ]

 

 

Recebido em 8/02/2005
Modificado em 15/03/2005
Aprovado em 30/03/2005

Creative Commons License