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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.15 n.3 São Paulo dez. 2005

 

PESQUISA ORIGINAL RESEARCH ORIGINAL

 

"No início eu saía com o coração partido...": as primeiras situações de separação mãe-bebê

 

"In the beginning I used to leave with a broken heart": the first mother-infant separations

 

 

Rita de Cássia Sobreira LopesI; Cristiane AlfayaII; Cibele Vargas MachadoIII; Cesar Augusto PiccininiIV

IPsicóloga, Doutora pela University College London (Inglaterra), e Professora do Curso de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul
IIPsicóloga (PUCRS), Professora do Curso de Psicologia da ULBRA
IIIGraduanda do Curso de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Bolsista de Iniciação Científica, CNPq
IVDoutor pela University College London (Inglaterra), Professor do Curso de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Pesquisador do CNPq

 

 


RESUMO

O presente artigo investigou os sentimentos de mães diante das situações de separação física de seus bebês. Participaram do estudo 47 mães primíparas, com idade entre 20 e 37 anos, de diferentes níveis socioeconômicos, que coabitavam com o pai do bebê. Uma entrevista foi utilizada para investigar a experiência da maternidade no terceiro mês de vida do bebê. As respostas das mães foram examinadas através de análise de conteúdo com base em quatro categorias (situações de separação, sentimentos relacionados à separação, cuidadores substitutos e sentimentos relacionados a eles). As mães relataram sentimentos de permanência com o bebê, mesmo quando separadas fisicamente. Nestas ocasiões predominaram sentimentos de tristeza, abandono e preocupação. As mães se perceberam como as principais cuidadoras, mesmo não permanecendo fisicamente com os bebês, o que poderia estar indicando a presença de um vínculo afetivo seguro. Apesar das preocupações maternas diante das situações de separação, elas também relataram sentimentos de segurança, quando tinham figuras de apoio confiáveis para cuidar do bebê.

Palavras-chave: Separação mãe-bebê. Sentimentos. Maternidade.


ABSTRACT

The present article investigated maternal feelings regarding physical separation from their infants. Forty-seven primiparous mothers, aged 20 to 37, from different socioeconomic backgrounds, who lived with the baby's father, took part in the study. Each mother was interviewed in order to investigate the experiences of motherhood in the baby's third month of life. The mothers' answers were examined, utilizing content analysis, based on four categories (separation situations, feelings regarding separation, substitute caregivers and feelings towards them). The results of this study found that mothers reported feelings of permanence with the baby, even when they were both physically separated from one another. On these occasions, however, feelings of sadness, abandonment and worry were predominant. Most mothers perceived themselves as being the primary caregivers, even when they were not physically present with the baby. This indicates that mothers have a secure attachment to their children. Despite the mothers' worries about separation, they also reported feeling secure when they had reliable support figures to care for their baby.

Keywords: Mother-infant separation. Motherhood. Maternal feelings.


 

 

INTRODUÇÃO

A transição para a maternidade, principalmente quando se trata do primeiro filho, está associada a importantes mudanças tanto na esfera psíquica, como nas relações sociais dos novos pais. Essas mudanças são compreendidas como um evento normal no desenvolvimento do ciclo vital1,2, mas são vivenciadas de diferentes formas de acordo com a história individual e familiar de cada um dos pais3-6.

Diversos autores têm sugerido que com a maternidade a mulher entra numa condição psíquica especial que a coloca num estado de grande disponibilidade emocional para o bebê7-10. Este estado de disponibilidade permite que a mulher adapte-se às necessidades do bebê, de modo a atendê-lo suficientemente bem. Entre os autores psicanalistas que investigaram este período destaca-se Winnicott7 que propôs o conceito de preocupação materna primária. Também para Mahler8, desde o nascimento até o quarto ou quinto mês após o parto, na fase de simbiose normal, mãe e filho estão emocionalmente fundidos em uma matriz única e indiferenciada. Esta indiferenciação é experimentada de maneira intensa pela proximidade física, tanto pela mãe que cuida, como pelo bebê que é cuidado. Cramer e Palácio-Espasa9 afirmam que a chegada do bebê desperta nos pais, especialmente nas mães, a revivência de fantasias infantis, promovendo uma forma particular de funcionamento psíquico chamada de neoformação psíquica. Através deste processo, os pais costumam atribuir características e significados ao comportamento do bebê através da identificação projetiva. Também apoiando a idéia da existência de um estado psicológico especial, no período puerperal, Stern10 denomina-a de constelação da maternidade, a qual se desenvolve na mulher desde a gestação, e irá determinar as ações, sensibilidades, medos, fantasias e desejos dela após o nascimento do bebê, especialmente quando se trata do primeiro filho. Com destaque para a teorização de Winnicott, mencionam-se a seguir, algumas das principais idéias destes outros autores ao se referirem aos primeiros meses de convívio entre a mãe e o seu bebê.

De acordo com Winnicott7, desde a gestação até as primeiras semanas após o parto, a mulher desenvolve o que chamou de preocupação materna primária. Esse conceito refere-se a um estado de funcionamento psíquico especial, caracterizado por uma sensibilidade aumentada, o qual possibilita que a mulher atenda às necessidades do bebê, ao identificar-se com ele, a partir de suas próprias experiências como bebê. É importante ressaltar que, segundo o autor, esse estado emocional materno vai diminuindo, pouco a pouco, na medida em que o bebê vai desenvolvendo as suas potencialidades, e a mãe percebe que ele está crescendo, tornando-se cada vez mais uma pessoa e necessitando cada vez menos dela. Com isso, a díade mãe-bebê vai deixando o estado de dependência absoluta, que transcorre do nascimento até aproximadamente os quatro ou cinco meses de vida do bebê, passando para o estado de dependência relativa, com a presença de uma mãe que foi suficientemente boa e tenha promovido um holding11 adequado. Durante o período da dependência absoluta e fase de holding a mãe é capaz de sustentar, manejar e apresentar a realidade para o bebê de maneira sensível e constante, o que segundo Winnicott12, requer empatia por parte da mãe, possibilitando a maturação do ego do bebê e, com isso, o bebê pode sentir que existe e vir a estabelecer relações objetais. É o que este autor chama de capacidade do indivíduo de "viver com". É importante mencionar que Winnicott12 entende não apenas o bebê como em estado de dependência, mas a própria a mãe, já que ela encontra-se identificada com o seu bebê, a fim de satisfazer suas necessidades que inicialmente são corporais, tornando-se cada vez mais necessidades do ego. Possivelmente, pela presença do estado de dependência e vulnerabilidade na mãe, o autor entenda que seja tão difícil e doloroso para as mães se separarem de seus bebês, podendo não acompanhar a rapidez com que os bebês precisam ficar separados delas. É a mãe devotada comum capaz de envolver-se emocionalmente com o bebê12.

A ansiedade de separação materna associada aos primeiros meses de vida da criança tem sido investigada por vários autores nas últimas décadas. Para Hock et al.13, a ansiedade de separação materna se refere a um estado emocional desagradável nas mães, o qual é evidenciado pela manifestação de preocupação, tristeza ou culpa, a partir de três dimensões: sentimento de aflição da mãe ao se separar de seu bebê, da percepção que ela tem sobre a aflição do bebê como resultado da separação, e da idéia que ela faz sobre a capacidade do outro para cuidar de seu bebê. A ansiedade de separação materna pode ser considerada uma manifestação típica do período de transição para a maternidade. O período entre o nascimento de um bebê até os seis meses após o parto é visto como um período de grandes modificações que exige a organização de novas maneiras de sentir, pensar e comportar-se, especialmente quando se trata do primeiro filho7-10. Além disso, é um período em que a mulher se encontra bastante disponível emocionalmente para satisfazer as necessidades de seu bebê. Sendo assim, o termo ansiedade de separação materna, que atualmente vem sendo estudado e entendido como uma disposição inata e estável da personalidade diante das situações de separação entre a mãe e seu bebê13, pode ser compreendido como uma manifestação típica do período de transição para a maternidade, já que a mãe, assim como o bebê, encontra-se em estado de dependência e vulnerabilidade emocional.

É importante lembrar que na fase de holding11, a mulher apresenta grande disponibilidade emocional para o bebê, além da presença maciça da identificação projetiva, fundamental para o desenvolvimento do ego do bebê. Com isso, diante das primeiras situações de separação, a mãe pode experimentar sentimentos de ansiedade, ficando aflita e apreensiva ao deixar o seu bebê sob o cuidado de outras pessoas, além de preocupar-se com o sentimento de aflição do bebê por não tê-la junto dele. Da mesma forma, certa ansiedade e preocupação por parte da mãe em relação à competência do outro, com quem ela deixa o bebê, é bastante comum, mesmo que racionalmente acredite que este outro possa cuidar bem do bebê.

Os estudos empíricos sobre os sentimentos maternos diante das situações de separação mãe-bebê, tendem a ser principalmente de caráter quantitativo com a utilização de instrumentos psicométricos14,15. Existe ainda a necessidade de se compreender como as mães se sentem ao se separarem de seus bebês, já que, alguns meses após o parto, a mulher vai retomando as suas atividades e isto implica ficar separada de seu bebê. Nesse sentido, o presente artigo investigou os sentimentos de mães primíparas diante de situações de separação de seus bebês e a respeito dos cuidadores alternativos no terceiro mês de vida do bebê. A interpretação dos dados será baseada nas teorias psicodinâmicas da maternidade, especialmente a partir dos conceitos de preocupação materna primária7, estado de dependência absoluta16 e a mãe devotada comum12.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo 47 mães primíparas, com idade entre 20 e 37 anos, que coabitavam com o pai do bebê e que tiveram um bebê nascido a termo e saudável. As famílias residiam na região metropolitana de Porto Alegre e eram de níveis sócio-econômicos variados. A média de idade das mães era de 28,1 anos. Quanto ao nível de escolaridade, 12,7% das mães tinham o 1ºgrau (completo e incompleto), 27,6% tinham o 2ºgrau (completo e incompleto), e 59,5% tinham o 3ºgrau (completo e incompleto). As participantes fazem parte do "Estudo longitudinal de Porto Alegre: da gestação à escola"+. Este estudo iniciou acompanhando 89 gestantes primíparas, que representavam várias configurações familiares, com diferentes idades, escolaridade e níveis sócio-econômicos++. Para o presente estudo foi considerada apenas a segunda fase de coleta de dados, quando o bebê tinha três meses de vida. Todas as participantes haviam sido contatadas ainda na gestação, em postos de saúde e hospitais da rede pública e através da imprensa tendo consentido em sua participação através da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Instrumento e Procedimentos

Para a coleta dos dados foi utilizada a Entrevista sobre a experiência da maternidade#. Trata-se de uma entrevista estruturada composta de diversas questões abertas, que investigam diversos aspectos da experiência da maternidade e do desenvolvimento do bebê do nascimento ao terceiro mês de vida##. Para o presente estudo foram selecionadas apenas as questões da entrevista referentes ao tema da separação mãe-bebê, a saber: Tu já te separaste do teu bebê? Em que momento? Como tu te sentes quando separada dele? Tem outras pessoas que cuidam do teu bebê? Quem? Como tu te sentes com outras pessoas cuidando do teu bebê? Eventuais manifestações das mães feitas em outros momentos da entrevista que ilustrassem o tema da separação mãe-bebê também foram consideradas para fins de análise.

Quando o bebê completava três meses de vida, a mãe que já havia participado da primeira fase de coleta de dados, na gestação, era novamente contatada, quando se agendava uma visita à residência da família. As entrevistas eram realizadas individualmente com as mães, sendo gravadas em fita cassete, e posteriormente transcritas.

 

RESULTADOS

Análise de conteúdo17,18 foi utilizada para analisar as respostas maternas. Com base na literatura13 e nas respostas das próprias mães à entrevista foram criadas quatro categorias temáticas: 1) Situações de separação mãe-bebê; 2) Sentimentos relacionados à separação; 3) Cuidadores substitutos; e 4) Sentimentos relacionados aos cuidadores substitutos. Dois codificadores foram utilizados na classificação das verbalizações maternas em cada categoria temática. Eventuais discordâncias eram discutidas e, quando necessário, dirimidas na presença de um terceiro codificador. A seguir, apresenta-se os depoimentos das mães que melhor ilustram estas categorias, bem como a freqüência com que foram mencionados.

Situações de separação mãe-bebê

Para fins de análise esta categoria foi dividida em duas subcategorias: separações diárias durante um turno e separações eventuais. Os motivos relatados pelas mães para as separações diárias durante um turno foram: a) necessidade de trabalho: "Eu comecei a trabalhar quando ela estava com quase três meses, mas é só no período da tarde"; b) permanência do bebê na creche: "Ela passa meio turno na creche. Eu deixo ela às 10hs e pego às 16hs"; c) estudo da mãe: "Eu tenho aula das 8hs às 10h:30m". Quanto às separações eventuais e breves elas ocorriam por motivos como: "Às vezes eu vou ao centro da cidade, mas é coisa de duas horas, três horas no máximo. Mais tempo do que isso não".

Como se pode ver na Tabela 1, 51% das mães relataram situações de separação diárias, durante um turno. Por outro lado, 36% das mães referiram apenas situações eventuais de separação, enquanto outras 12% não referiram situações de separação. Entre os motivos das separações diárias, durante um turno, destaca-se a necessidade de trabalhar (40%), a permanência do bebê na creche (6%), e aula da mãe (4%). Entre as mães que referiram situações de separação diárias durante um turno, nota-se que o conteúdo de várias verbalizações revela um sentimento de permanência com o bebê, ou que busca minimizar a duração da separação, como pode ser visto a seguir: "Eu saio de manhã pra trabalhar e deixo ele pronto pra babá, e quando volto à noite faço tudo com ele, dou banho, mamá, troco, como se eu tivesse ficado com ele durante o dia"; "Faz uma semana que ela tá indo pra creche e são duas horas de manhã, duas horas de tarde"; "Um turno eu fico inteiro com ela, é tarde e noite. É só de manhã que eu dou aula". Entre as mães que relataram apenas situações de separação eventuais como para ir ao banco, mercado, shopping, centro, e cortar o cabelo também apareceu o sentimento de permanência com o bebê, como pode ser visto a seguir: "Se eu saio eu levo uma hora e meia e venho rapidinho. Só pra ir no banco, uma coisa rápida. Eu tô sempre com ela. Onde eu vou levo ela junto"; "Eu dedico, praticamente todo tempo pra ele. Eu largo tudo, não faço nada, fico me dedicando totalmente para ele, porque depois passa essa fase... Eu saio rápido se preciso, no máximo duas horas eu fico longe dele. Eu saio e volto ligeiro, se eu tenho que ir no Centro, ou se tenho que ir ao médico, ou alguma coisa que eu tenha que fazer assim". Estes exemplos revelam a tendência das mães que mencionaram situações de separação a indicarem estar se sentindo próximas de seu bebê, mesmo que fisicamente separadas.

 

 

Sentimentos relacionados à separação

Para fins de análise esta categoria foi dividida em três subcategorias: sentimentos negativos, sentimentos positivos e sentimentos ambivalentes. Como mostra a Tabela 2, 66% das mães mencionaram sentimentos negativos diante das situações de separação, tais como preocupação, apreensão, tristeza, medo, ansiedade, pena, saudades, entre outros sentimentos desagradáveis, como pode ser visto a seguir: "No início eu saía com o coração partido..., no início é brabo, não tinha vontade de ir, então eu voltava louca, correndo para casa para ver logo a M"; "No início eu ficava muito preocupada e apreensiva. Se eu pudesse colocar um microfone escondidinho..."; "A gente se apega muito, tanto que para trabalhar a gente sente bastante. Só saudade, eu tinha vontade de estar vendo ele sempre"; "Era horrível, eu chorava, chorava, chorava... pensei até em pedir demissão do meu emprego"; "A gente deixa, assim, e sente uma falta..."; "Eu já fiquei desesperada...".

 

 

Apenas 8% das mães mencionaram sentimentos positivos diante das situações de separação, referindo sentirem-se tranqüilas e seguras, já que o bebê permanecia com pessoas conhecidas e de confiança, como pode ser visto a seguir: "Fico tranqüila, porque na creche tem uma estrutura, tem psicóloga, pedagoga, assistência hospitalar, e eu acho bom ela estar com outras crianças"; "Como a minha mãe tá sempre lá, ou a gente tá sempre indo, eu tenho muita gente, então eu fico tranqüila tendo gente boa cuidando..."; "Eu gosto, acho bom, eu gosto de deixar com a babá..., porque ela gosta dele".

Já o número de mães com sentimento ambivalente diante das situações de separação foi menor (4%). Estas mães relataram que era difícil se separar do bebê, pois ficavam preocupadas se ele estava bem. Entretanto, elas também verbalizavam que acreditavam que o bebê estava bem, como segue: "É, eu ficava pensando se ela tava bem..., mas eu sabia que ele tava bem cuidado né?..., então eu não me preocupava muito"; "No começo dá uma coisa, assim... mas daí eu procuro não encucar".

Cuidadores substitutos

Para fins de análise esta categoria foi dividida em três subcategorias: a) mãe compartilha com outros as tarefas de cuidados do bebê; b) mãe recebe apoio eventual de outros nas tarefas de cuidados do bebê, e c) mãe é cuidadora exclusiva do bebê. Como pode ser visto na Tabela 3, 51% das mães relataram a experiência de compartilhar as tarefas de cuidados do bebê com outras pessoas (marido, avó, avô, irmã, sogra, sogro, ou empregada), dividindo as tarefas de troca de fraldas, banho, mamá, como pode ser visto: "A gente se dividi em tudo..., ele [marido] faz tudo que tem que fazer com ela..., ele curte cuidar dela"; "Aí lá pelas dez horas nós [pai e mãe] preparamos o banho, daí dão os dois juntos, sempre damos juntos... Ele faz carinho, se mandar trocar fralda ele troca, se tiver que ficar sozinho com ela, ele fica"; "Quando eu dava remedinho para o P. pra cólica, ele [pai ] levantava , se eu preciso de alguma coisa, ele levanta e atende o P. pra mim. Acho que estamos nos dividindo bem mesmo"; "Se ela chora de noite, cada um levanta uma vez". Por outro lado, 42% das mães mencionaram receber apoio eventual de outras pessoas. Muitos destes relatos deixam transparecer a idéia de que elas se percebiam como fazendo quase tudo em relação às tarefas de cuidados do bebê, como pode ser visto a seguir:"[marido] auxilia bastante, só que eu sou um pouco muito de fazer tudo...eu tenho que me cuidar, senão eu faço tudo e não deixo ele [marido] fazer nada com o nenê"; "É tudo, tudo comigo..., só a minha sogra, né, que vem seguido e fica com ela quando eu tenho que sair. Fica bastante com ela no final de semana assim, enquanto eu dou uma saidinha, ou faço alguma coisa"; "A minha mãe também me ajuda a cuidar, né, mas ela trabalha. Ele (marido) troca..., só se atrapalha um pouco quando ela tá cocô, mas ele troca".

 

 

Apenas 6% das mães relataram que eram a cuidadora exclusiva e que faziam tudo em relação aos cuidados do bebê como a troca de fraldas, banho e mamar, como pode ser visto a seguir: "Eu passo praticamente o dia inteiro em volta dele, dando mamá, alguma frutinha, troco fralda, dou banho. O meu marido ficava com medo de pegar ele (bebê). Daí ele pegava, mas só pra embalar..., pra cuidar, trocar, essas coisas ele nem pensava"; "Só eu que faço. Mamá também, só eu que faço. Ele não mama com ninguém. E se uma outra pessoa fizer, até o próprio pai, ele não toma. Então tem que ser só eu"; "Não tem ninguém me ajudando a cuidar, é só eu que cuido. O meu marido só acompanha e tenta me tranqüilizar".

Examinando-se conjuntamente os relatos maternos, percebe-se que apesar de as mães terem mencionado, na primeira subcategoria, compartilhar com outros as tarefas de cuidados do bebê, assim como, na segunda subcategoria, de receber apoio de outros nos cuidados do bebê, elas tendiam a se considerar como cuidadoras principais do bebê.

Sentimentos relacionados aos cuidadores substitutos

Para fins de análise, esta categoria foi dividida em duas subcategorias: a) sentimentos positivos e b) sentimentos negativos. Como pode ser visto na Tabela 4, 83% das mães referiram sentimentos positivos relacionados aos cuidadores substitutos, tais como tranqüilidade, segurança, alívio, não se sentindo incomodadas diante do cuidado de outras pessoas para com o bebê. É importante esclarecer que este sentimento positivo estava atrelado principalmente ao sentimento de confiança das mães em relação aos cuidadores, como mostra: "Eu me sinto bem, eu não sinto medo de deixar a minha sogra ou a minha mãe cuidar, até porque elas têm mais experiência do que eu, então eu me sinto bem"; "Se eu confio, eu saio bem, tipo assim, eu vou trabalhar bem, muito bem"; "Eu sou super otimista, então, eu não tenho nenhuma ansiedade em relação a deixar ela quando eu saio, porque sempre fica com a minha mãe. É tranqüilo, tranqüilo".

 

 

Por outro lado, 17% das mães referiram sentimentos negativos relacionados aos cuidadores substitutos, tais como sentir ciúmes, insegurança, preocupação, medo, não gostando de deixar o bebê, mesmo com pessoas conhecidas: "Eu tenho medo de perder ela, não sei, é um medo estranho..., daí ela está sempre, sempre, sempre comigo"; "Para ser bem sincera, eu não gostava, eu sentia uma vontade de fazer tudo, é uma coisa assim de tá cuidando, eu tinha ciúmes"; Eu tinha medo de fazerem alguma coisa errada"; "Eu tô ficando meio ciumenta com ele. Eu fico insegura, mesmo sendo as avós, que adoram ele. Eu fico insegura, tô sempre preocupada como é que tão fazendo...".

A análise desta categoria indica que a maioria das mães estava conseguindo se sentir bem ao deixar o bebê sob o cuidado de outras pessoas, enquanto outras ainda apresentavam dificuldade, especialmente por sentirem preocupação, medo e ciúmes.

 

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo sugerem que as mães entrevistadas, aos três meses de vida do bebê, apesar de se separarem fisicamente de seus bebês, por vezes, diariamente, durante um turno, ou mesmo, eventualmente durante algumas horas, pareciam não se sentir separadas dos filhos. Isso pode ser percebido quando, apesar da situação de separação, elas ressaltavam estar sempre com o bebê, ou quando enfatizavam sentir como se tivessem ficado com o bebê durante todo o dia. O sentimento de permanência e de proximidade da mãe com o bebê, mesmo quando separada fisicamente, poderia ser compreendido à luz do conceito de preocupação materna primária de Winnicott7, em que a mãe, nos primeiros meses de vida do bebê, encontra-se em um estado especial de sensibilidade e de disponibilidade emocional aumentada, a fim de poder atender adequadamente às necessidades do bebê. Para isso, a mulher usa de suas próprias experiências como bebê para identificar-se com ele. Winnicott12 também menciona a condição da mãe devotada comum para com o bebê, quando esta é capaz de envolver-se emocionalmente, ao priorizar as necessidades do bebê, abrindo mão de outros interesses. O autor salienta a devoção materna como elemento essencial para o desenvolvimento emocional do bebê, especialmente nos primeiros meses de vida. Nesse sentido, os resultados do presente estudo, oferecem evidências empíricas sobre esses conceitos quando mostram que as mães verbalizaram se sentir próximas do bebê como se tivessem permanecido com ele durante todo o dia, mesmo quando estiveram fisicamente ausentes. Isto pode também indicar que elas se encontravam bastante adaptadas às necessidades do bebê, através do processo de identificação.

Quanto aos sentimentos maternos relacionados à separação mãe-bebê, destacaram-se no presente estudo as preocupações, tristeza, medo, ansiedade e saudades, mesmo quando se separavam do bebê durante poucas horas. Estes resultados podem ser compreendidos a partir do conceito de estado de dependência e vulnerabilidade emocional, o qual é experimentado pela mãe devotada comum, quando identificada com o seu bebê. É importante lembrar que Winnicott entende não apenas o bebê como em estado de dependência e vulnerabilidade até o quinto ou sexto mês de vida do bebê, mas a própria a mãe, quando ela se encontra identificada com o seu bebê. Além disso, o autor entende que é muito difícil e doloroso para as mães se separarem de seus bebês, podendo, por vezes levá-las a não acompanhar a rapidez com que os bebês precisam ficar separados dela. O sentimento de profunda ligação emocional e intimidade, característico do período de dependência absoluta e etapa em que se encontravam as díades do presente estudo, poderia explicar os sentimentos negativos relatados por estas mães diante das primeiras situações de separação19.

Estes sentimentos maternos negativos frente à separação do bebê foram também explicados por outros teóricos. Para Stern10 a nova organização psíquica que surge com a maternidade, denominada constelação da maternidade englobaria estes sentimentos negativos diante de situações de separação, assim como para Mahler8 que compreende a fase de simbiose normal como um período em que podem aparecer estes sentimentos negativos, pois nos primeiros quatro ou cinco meses de vida do bebê, mãe e filho estão emocionalmente fundidos em uma matriz única e indiferenciada. O investimento materno nos cuidados adequados ao bebê, especialmente nessa fase de indiferenciação, seria experimentado de maneira intensa pela proximidade física, tanto pela mãe que cuida, como pelo bebê que é cuidado. Nesse sentido, as mães do presente estudo podem estar expressando um envolvimento emocional bastante intenso com seus bebês, ao expressarem o desejo de não querer se separar e de manter-se junto, sentindo falta do bebê, quando fisicamente separadas. Estas manifestações poderiam também ser entendidas como ansiedade de separação13 caracterizada por um estado emocional desagradável, evidenciado pelas mães através de preocupação, tristeza ou culpa, e aflição ao se separar do seu bebê. Associado a isto poderia ser destacada a percepção que ela tem sobre a aflição do próprio bebê como resultado da separação, e da idéia que ela faz sobre a capacidade do outro para cuidar de seu bebê. Entretanto, parece que a presença de um cuidador substituto, que se mostre disponível emocionalmente para o bebê, pode estar minimizando os sentimentos maternos negativos. Isto pode explicar o fato de algumas mães relatarem, sentimentos positivos e ambivalentes, diante das situações de separação desde que confiassem nas pessoas com quem deixavam o bebê. Contudo estes sentimentos podem também estar associados à vivência da maternidade destas mulheres e, de forma particular, a sua história de cuidados recebidos3-6.

No tocante aos cuidadores substitutos, os resultados indicam que todas as mães entrevistadas se percebiam como as principais cuidadoras de seus bebês, mesmo quando recebiam apoio de outras pessoas nas tarefas de cuidado do bebê. Mesmo as mães que compartilhavam mais intensamente os cuidados do bebê com outras pessoas, também manifestaram seu grande envolvimento nas tarefas de cuidado. O conteúdo das verbalizações era carregado de disponibilidade emocional ao enfatizarem que quando chegavam em casa davam atenção só para o bebê. Mais uma vez, percebe-se que as mães do presente estudo mostravam-se emocionalmente muito disponíveis, presentes e próximas de seus bebês, apesar das eventuais separações físicas do seu bebê. Esta disponibilidade materna pode também ser compreendida à luz do conceito de preocupação materna primária7, como já salientado anteriormente.

No que se refere aos sentimentos despertados diante de cuidadores substitutos, a grande maioria das mães entrevistadas mencionaram sentimentos positivos tais como segurança e tranqüilidade. De acordo com Hock (1980), um dos aspectos da ansiedade de separação materna se refere à idéia que a mãe faz sobre a capacidade do outro para cuidar de seu bebê. Nesse sentido, essas mães parecem estar tranqüilas e seguras, já que confiam na capacidade de cuidado adequado das pessoas com quem deixam o bebê, especialmente por serem pessoas próximas e de confiança, o que também pode estar relacionado à vivência de cuidados recebidos por essas mães, além da presença de uma matriz de apoio sólida10.

Apesar de a maioria das mães do presente estudo relatarem sentimentos negativos diante das situações de separação - dificuldade esta típica do período de transição para a maternidade e estado de dependência, na qual se encontravam - também foi possível constatar que a qualidade do vínculo das mães com os cuidadores substitutos é fundamental para o sentimento de tranqüilidade e segurança que expressaram. Dessa forma, parece que a presença de figuras de apoio pode ser essencial para o alívio do sentimento de ansiedade experimentado pelas mães frente às situações de separação.

 

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Enviado em 28/06/2005
Modificado em 04/10/2005
Aprovado em 01/11/2005
[Gostaríamos de agradecer ao Conselho Nacional de Pesquisa - CNPq pelo apoio recebido na realização deste estudo.]

 

 

Endereço para correspondência: Instituto de Psicologia; - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rua Ramiro Barcelos, 2600/104, CEP 90035.003, Porto Alegre, RS. E-mail: sobreiralopes@portoweb.com.br; calfaya@terra.com.br
+ Piccinini C, Tudge J, Lopes R, Sperb T. Estudo longitudinal de Porto Alegre: da gestação à escola. Projeto de Pesquisa PPG em Desenvolvimento - Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 1998.
++ Além das famílias selecionadas para o presente estudo, também fazem parte do projeto famílias constituídas por mães adolescentes, mães solteiras, pais recasados , bem como famílias com crianças portadoras de doenças crônicas.
# Grupo de Interação Social, Desenvolvimento e Psicopatologia - GIDEP. Entrevista sobre a Experiência da Maternidade. Instrumento não publicado; 1999.
## Outros instrumentos também foram utilizados no terceiro mês de vida do bebê, para coletar dados sobre o pai e o casal (cf. Piccinini et al.., 1998), mas os dados destes instrumentos não foram considerados no presente estudo.

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