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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.16 n.1 São Paulo abr. 2006

 

PESQUISA ORIGINAL RESEARCH ORIGINAL

 

Responsividade materna: uma investigação em contexto urbano brasileiro+

 

Maternal responsiveness: an investigation in a Brazilian urban context

 

 

Adriana F. Paes RibasI; Maria Lucia Seidl de MouraII

IPsicóloga, profa. da Universidade Estácio de Sá. End. correspondência: Rua Maria Amália, 87, apt 401 Tijuca - Rio de Janeiro RJ CEP 20510-130. E-mail: aribas@globo.com
IILivre docente em Psicologia e profa. titular da UERJ

 

 


RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivos: 1) investigar a responsividade materna em uma amostra brasileira; 2) analisar a responsividade materna para vocalizações com e sem estresse de bebês; 3) analisar a relação entre responsividade materna, escolaridade da mãe e nível socioeconômico da família. Participaram da pesquisa 30 díades mãe-bebê de 5 meses, que foram filmadas em suas residências por 60 minutos. Para análise da responsividade foram utilizados os programas SDIS e GSEQ. Entre outros aspectos, verificou-se que as mães respondem de modo contingente às vocalizações com estresse dos bebês com atividades de cuidado (Yule Q = 0,71; p<0,01). Respondem, ainda, de modo contingente com fala ou vocalização às vocalizações com estresse (Yule Q = 0,34; p<0,01) e às vocalizações sem estresse dos bebês (Yule Q = 0,20; p<0,01). Não foi verificada correlação entre responsividade e idade da mãe, escolaridade da mãe ou nível socioeconômico da família. Os resultados levam à conclusão de que investigar possíveis relações entre a responsividade materna e o desenvolvimento humano em diferentes contextos representa um desafio para pesquisas na área.

Palavras-chave: Responsividade materna. Interação mãe-bebê. Sensitividade.


ABSTRACT

This study aimed at: 1) investigating maternal responsiveness in a Brazilian sample; 2) analyzing maternal responsiveness to babies' vocalizations with and without stress; and 3) analyzing the relationship between maternal responsiveness, mothers' educational level and the socio-economic level of the family. The participants were thirty dyads mother - five-month-old baby filmed at their residences during 60 minutes. The programs SDIS and GSEQ were used to analyze responsiveness. Results indicate that the mothers respond contingently to the vocalizations with stress of their babies with activities of care (Yule Q = 0.71; p<0.01). They also respond contingently with speech or vocalizations to their babies' vocalizations with stress (Yule Q = 0.34; p<0.01) and without stress (Yule Q = 0.20; p<0.01). No significant correlations were found between responsiveness and mothers' age, mothers' educational level, and socio-economic level of the families. These results lead to the conclusion that investigating possible relations between maternal responsiveness and human development in different contexts constitutes a challenge for researchers in the area.

Key words: Maternal responsiveness, mother-infant interaction, sensitivity.


 

 

INTRODUÇÃO

O conceito de responsividade materna tem sido definido de formas relativamente diferentes1. No entanto, uma definição geral do conceito pode ser a de que a responsividade materna se caracteriza pela presença de comportamentos maternos contingentes, apropriados e imediatamente relacionados aos comportamentos das crianças2, ou como a resposta apropriada, sensitiva e pronta da mãe aos comportamentos da criança3.

A responsividade materna é considerada como um dos elementos das interações mãe-bebê que tem implicações significativas sobre o desenvolvimento da criança. Autores como Bornstein e Tamis-Lemonda4 destacam o quanto a responsividade da mãe pode colaborar para que a criança desenvolva sentimentos de auto-eficácia e para que ela perceba que suas ações são respondidas e causam repercussões no ambiente social. Bretherton3 destaca como a responsividade materna constitui a base para a formação do apego seguro por parte da criança. Nesse contexto das implicações sobre o desenvolvimento da criança, discute-se também o papel da responsividade dirigida a vocalizações com e sem estresse dos bebês, supondo-se que desempenham diferentes funções no processo interacional e têm diferentes implicações para o desenvolvimento.

Duas dimensões têm sido apontadas como envolvidas na responsividade materna: uma temporal, que se refere à contingência da resposta e outra de natureza afetiva, que avalia aspectos como calor emocional e proximidade. Como discutido por Ribas et al.1, além da análise destas dimensões, o estudo da responsividade envolve a identificação do caráter apropriado ou não da resposta materna. Tal avaliação é um aspecto de difícil análise já que a noção do que é apropriado ou não é relativa, e certamente dependente de características culturais e mesmo interpessoais. Diversos autores5,6 têm apontado que em contextos de desenvolvimento diversos, caracterizados por diferentes crenças, expectativas de relacionamento com as crianças e modos de organização, os padrões para avaliação do que seria aceitável ou apropriado em termos de resposta pode variar.

Pesquisas comparativas sobre responsividade materna em diferentes grupos culturais e diferentes países têm sido conduzidas por vários autores. Os resultados têm apontado variações na responsividade materna entre grupos bastante distintos (Ex.: Comunidade Gusii e famílias de Boston, na pesquisa de Richman et al.7), entre grupos semelhantes, no sentido de que são urbanos, de grandes metrópoles e com mesmo nível de escolaridade, mas de nacionalidades diferentes (Ex.: França, Estados Unidos e Japão, na pesquisa realizada por Bornstein et al.8) e entre grupos vizinhos, que compartilham algumas características e diferem em outras (Ex.: As comunidades africanas Aka e Ngandu, na pesquisa feita por Hewlett et al.9).

Como discutido por Ribas10, ao mesmo tempo em que se identificam variações na responsividade materna, são observados padrões comuns de responsividade, e há também argumentos fortes no sentido de destacar a existência de um conjunto de propensões comportamentais universais dos pais (Ex.: sistema de estimulação, sistema de trocas face-a-face) e dos bebês (Ex.: sistema para detecção de contingências) que são básicos para a análise da responsividade materna, e que provavelmente não variam ou pouco variam em função da cultura11.

Apesar da reconhecida relevância do tema, um levantamento bibliográfico sobre responsividade materna1 relevou, por um lado, um número inexpressivo de publicações nacionais sobre este tema. Por outro, a necessidade de que os estudos sobre responsividade materna sejam inseridos em análises mais amplas, envolvendo variáveis sociais, já que apenas 6,29% das publicações identificadas investigavam variáveis como suporte social, nível educacional e variações culturais.

Pesquisas que discutem a relação entre escolaridade e responsividade têm mostrado certa divergência de resultados, o que indica a necessidade de outras investigações. Por exemplo, Bornstein e Tamis-Lemonda2,4 e Van Egeren et al.12, não encontraram correlação entre responsividade materna e escolaridade da mãe, já Goldberg et al.13 e Richamn et al.7 relataram ter encontrado correlação entre esses dois aspectos.

A partir das lacunas identificadas, esta pesquisa foi realizada, com os seguintes objetivos: 1) investigar a responsividade materna em uma amostra brasileira; 2) analisar a responsividade materna para vocalizações com e sem estresse de bebês; 3) analisar a relação entre responsividade materna, escolaridade da mãe e nível socioeconômico da família. Espera-se que esta pesquisa represente uma contribuição ao cenário da produção nacional sobre o tema.

 

MÉTODO

Participantes*

Participaram desta pesquisa 30 díades de mães primíparas e seus bebês de 5 meses, residentes em municípios do estado do Rio de Janeiro. A idade das mães variou entre 19 e 40 anos (M = 25,5; DP = 5,8). Os bebês eram nascidos a termo e saudáveis, sem problemas de desenvolvimento ou deficiências identificáveis. A idade média dos bebês foi de 20 semanas. Dezoito bebês eram do sexo feminino e 12 do sexo masculino.

A média de escolaridade das mães foi segundo grau completo, variando entre primeiro grau incompleto e superior completo com pós-graduação. O nível sócio-econômico da família foi avaliado pelo índice Hollingshead14 e mostrou distribuição normal. O índice mínimo possível de ser obtido com este índice é 8,00 e o máximo 66,00. A média obtida foi de 39,16 (DP = 15,57).

Instrumentos

Descrição Familiar - Instrumento que permite conhecer alguns elementos do contexto social de desenvolvimento da criança. Apenas alguns dados obtidos com este instrumento foram utilizados nesta pesquisa, por exemplo, a avaliação feita pela mãe sobre o ajustamento do bebê no primeiro mês, em uma escala de 1 a 5.

Estilo Materno - Deste instrumento foram utilizadas duas questões que se referiam ao tempo que a mãe passava com o bebê por semana: o tempo que passava sozinha com o bebê e o tempo que passava com o bebê e outras pessoas.

Instrumentos de avaliação da visita - A mãe e o observador avaliaram de modo independente a visita quanto à naturalidade da mãe, realização de atividades de rotina, etc.

Termo de consentimento livre e esclarecido - Documento oficial no qual a mãe formalmente aceita participar como sujeito da pesquisa.

Autorização para uso das imagens em vídeo - Autorização das famílias para a utilização científica dos dados coletados, inclusive imagens em vídeo.

Categorias e definições operacionais

Definição operacional de responsividade materna

Responsividade materna foi definida como comportamentos maternos contingentes e imediatamente relacionados aos comportamentos das crianças. Os comportamentos maternos (estimulação diádica, estimulação extradiádica, fala ou vocalização e cuidado) devem ocorrer seguindo os comportamentos dos bebês (vocalização com estresse ou vocalização sem estresse) em uma janela de latência de até 5 segundos2,12.

A análise da contingência da resposta foi o foco nessa pesquisa e, portanto, a questão da escolha da janela de latência para investigação com amostras dessa faixa etária (bebês de 5 meses) é fundamental. Esta escolha varia em diferentes pesquisas. Bornstein e Tamis-Lemonda2,8 optam por uma janela de 5s. Van Egeren et al..12 também optam por um tempo de latência de 5s, entretanto realizam uma análise segundo a segundo (1s a 5s) para determinar a melhor latência. Por outro lado, Keller et al.15, utilizam uma janela de latência de 800 ms. Como assinalam Van Egeren et al.12 têm sido utilizadas latências bem curtas em alguns estudos e latências longas em outros, por exemplo Isabella et a'.116 utilizam 15s.

As discussões sobre janela de latência mostram resultados diferentes. Keller et al.15 consideram que as respostas maternas ocorrem predominantemente no primeiro segundo. Os achados de Van Egeren et al.12 indicam que 3 segundos podem ser considerados como uma janela de latência apropriada. Quando estas autoras analisavam vocalizações e toques, a janela mais comum era 2s, quando o comportamento era jogo com o objeto e olhar, a janela era maior. Interessante destacar que Keller et al.15 quando estudam a janela de latência utilizam um compósito de comportamentos verbais e não-verbais.

Categorias de observação

Foram utilizadas categorias traduzidas e adaptadas a partir do manual de codificação desenvolvido pelo National Institute of Health and Child Development  (NIHCD) (1996)17, na Section on Child and family research . As categorias são apresentadas resumidamente a seguir.

Atividades do bebê

Vocalização sem estresse - Qualquer vocalização da criança que tenha um tom positivo ou neutro que seja claramente audível é codificada. São incluídos o balbucio, riso, jogo vocal, gritinhos altos, agudos, suspiros ou grunhidos não indicativos de estresse. Neste caso, são excluídos os sons do corpo: sons vegetativos, tais como arrotos, tosse, espirros, bocejos e pequenos barulhinhos com a língua.

Vocalização com estresse - Vocalizações produzidas pela criança que indiquem protesto, reclamação, irritação ou aborrecimento pela qualidade vocal, expressão facial, ou acompanhados de outros comportamentos negativos (Ex.: retorcer-se) são codificadas.

Atividades da mãe

Estimulação extradiádica - A mãe fisicamente e/ou verbalmente indica uma propriedade, objeto ou evento no ambiente imediato. O adulto movimenta a criança ou um objeto de modo que a criança possa ver ou tocar o objeto.

Estimulação diádica - O adulto tenta voltar a criança para interação social face-a-face com ele. Podem ocorrer tentativas físicas e/ou verbais. Tentativas físicas incluem intencionalmente mover sua face em direção à do bebe ou mover a face do bebê em direção à dele. Tentativas verbais de encorajar a atenção diádica incluem fazer comentários muito específicos sobre si mesmo que são claramente destinados a chamar a atenção da criança. Deve estar claro que o objetivo principal da mãe é a interação social face-a-face e o engajamento social com a criança. A mãe engaja a criança em interações interpessoais afetivas, incluindo trocas próximas face a face, beijando, abraçando, brincando.

Fala ou vocalização - As falas e vocalizações da mãe que sejam dirigidas ao bebê. Incluídos os jogos vocais, sons produzidos como imitação de brinquedos sonoros. Não são codificados como fala da mãe: risos, fala da mãe dirigida a terceiros, sons do "corpo", sons vegetativos, tais como arrotos, tosse, espirros, bocejos, soluços, suspiros e pequenos barulhinhos com a língua.

Cuidado - Um conjunto de atividades nas quais a mãe se engaja em cuidar do bebê. É dividida em sete subcategorias: c1 - Alimentar o bebê; c2 - Colocar o bebê para arrotar / limpar o rosto, mãos ou roupa do bebê; c3 - Cuidar da higiene do bebê; c4 - Checar / trocar a fralda do bebê; c5 - Vestir ou arrumar o bebê; c6 - Confortar, acalmar o bebê; c7 - Outros tipos de cuidado.

Procedimentos

Coleta de dados

As díades foram visitadas em suas residências por membros do grupo de pesquisa coordenado pela segunda autora . Durante a visita foi realizado o registro em vídeo por uma hora. A observação transcorreu em uma situação natural em que apenas a mãe e o bebê estavam presentes em casa e quando o bebê estava saudável, acordado e alerta. A mãe foi instruída a manter a sua rotina diária e a ignorar a presença do observador, e foi informada de que o observador estava interessado em conhecer as experiências cotidianas de bebês. Após a observação foram aplicados os instrumentos descritos anteriormente.

Redução e codificação de dados

Dos 60 minutos de vídeo, foram considerados para análise 10 minutos. Os 60 minutos foram divididos em trechos e sorteados. As fitas foram transcritas, sendo registradas todas as falas e vocalizações da díade.

A codificação dos dados provenientes dos vídeos foi realizada em três módulos independentes. A cada vez que era feita a codificação, apenas um módulo era codificado. Módulo 1: atividades do bebê (vc - Vocalização com estresse , vs - vocalização sem estresse e nv - não vocaliza). Módulo 2: atividades da mãe (fv - Fala ou vocaliza, nf - não fala nem vocaliza). Módulo 3: atividades da mãe (di - Estimulação diádica, ex - estimulação extradiádica, cc - cuidado -c1 a c7-, na - nenhuma das atividades).

As atividades que compunham cada módulo foram codificadas como comportamentos mutuamente exclusivos e exaustivos, seguindo a definição de Bakeman et al.18. Os dados foram analisados com a utilização dos programas sdis e gseq, desenvolvidos por Bakeman & Quera19. Uma vez que a distribuição não era normal, optou-se, seguindo as indicações da literatura (Ex.: Hair et al. 20), por fazer um teste de correlação não-paramétrico - Sperman "rho".

Avaliação de fidedignidade

Foram sorteadas 5 fitas para avaliação de fidedignidade por um juiz independente. Para o cálculo dos índices foi utilizado o programa gseq. O Kappa de Cohen (estrito, com margem de variação zero) obtido foi de 0,77 e o índice de concordância foi de 97,7%.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Responsividade materna no grupo de 30 díades

As análises de contingência realizadas entre as duas atividades dos bebês (vocalização com estresse e sem estresse) e as quatro atividades das mães (cuidado, estimulação diádica, estimulação extradiádica, fala ou vocalização) no grupo de 30 díades evidenciaram relações que serão discutidas a seguir.

Para cada par - comportamento do bebê e resposta da mãe - foram calculados os valores de Yule Q considerando uma janela de latência de 5s, ou seja, o deflagrar do comportamento do bebê e os 4 segundos seguintes. Foram encontrados índices de correlação significativos entre vocalização com estresse e cuidado, vocalização com estresse e fala ou vocalização, e vocalização sem estresse e fala ou vocalização, como mostra a tabela 1.

 

 

As mães respondem predominantemente de modo contingente às vocalizações com estresse bebês com atividades de cuidado. Não foi observada relação significativa entre resposta contingente de cuidado materno e vocalização sem estresse do bebê. Estes achados indicam que as mães respondem de modo diferenciado às vocalizações com e sem estresse de seus bebês, e se mostram convergentes com os de Bornstein et al.8. Esses autores verificaram que vocalizações do bebê com estresse eram respondidas com respostas maternas de cuidado, e as sem estresse com imitação vocal.

As vocalizações com estresse e sem estresse dos bebês parecem não ser identificadas e interpretadas de modo idêntico pelas mães, despertando nelas respostas diferentes. Considerando de modo global os resultados da tabela 1, as vocalizações com estresse parecem ter maior poder em deflagrar respostas responsivas por parte das mães.

As mães respondem também de modo contingente falando ou vocalizando diante de vocalizações com estresse e sem estresse dos bebês. Foi encontrada relação significativa entre resposta de fala ou vocalização da mãe para vocalização com estresse (Yule Q=0,34) e sem estresse (Yule Q= 0,20). No caso da vocalização com estresse, o índice Yule Q é de 0,34 e no caso da vocalização sem estresse o índice Yule Q é de 0,20. Estes achados indicam que as mães respondem de forma contingente com fala ou vocalização às vocalizações dos bebês, mas também, neste caso, esta resposta parece se dar de modo diferenciado. No caso das vocalizações com estresse o índice é superior (0,34).

As mães respondem às emissões vocais dos bebês e observa-se um processo de alternância de turnos, e protoconversações. As vocalizações dos bebês são consideradas como significativas e merecedoras de reposta por parte da mãe, e as mães respondem a elas de modo contingente, tratando os bebês como sujeitos que estão incluídos na interação e parceiros de conversação. É o mesmo tipo de comportamento observado em mães americanas, como as que participaram do estudo de Richman et al.7.

Ao responder de modo contingente às vocalizações com estresse com atividade de cuidado, as mães expressam em sua fala a percepção de que o bebê precisa de algo, como se observa nas falas a seguir: "Não reclama, calma, o que você quer?", "Pera só um pouquinho, "Vou levar você pra lá". Em contraste, nos casos em que as respostas contingentes são em relação à vocalização sem estresse, as mães falam de assuntos ou conteúdos variados, que não estão sistematicamente associados com a necessidade de cuidado.

A variação nas janelas de latência, observando-se valores acumulativos de Yule Q, mostrou que no caso da resposta de fala ou vocalização das mães às vocalizações com estresse mantém-se a resposta contingente significativa para uma janela de até 2s, sendo que a janela de 3s mostra o índice Yule Q superior (0,41). No caso da mesma resposta às vocalizações sem estresse também se mantém a resposta contingente significativa para uma janela de até 2s, sendo que também neste caso a janela de 3s mostra o índice Yule Q superior (0,27). A tabela 2 mostra o resultado da análise da responsividade, com a variação das janelas de latência.

 

 

Observa-se que as mães deram respostas contingentes de fala ou vocalização às vocalizações com e sem estresse dos bebês, em uma janela de 5 segundos, mas os índices de resposta mostram-se superiores para a janela cumulativa de 3 segundos.

A variação nas janelas de latência considerando a resposta de cuidado relevou índices de Yule Q significativos para janelas de até 3 segundos, sendo que o valor de Yule Q mostrou-se superior para a janela de 5 segundos. Em função da diminuição da freqüência esperada para janelas de latência de 4s e 3s, pareceu mais indicado considerar neste estudo a janela de 5s, inicialmente prevista.

Estes achados podem indicar que no caso da resposta materna que ocorre pela modalidade lingüística, a velocidade de resposta é maior. Por outro lado, a resposta de cuidado, que exige um conjunto de ações coordenadas por parte da mãe, provavelmente necessita um tempo maior para a resposta ao bebê. Os principais tipos de cuidado observados foram alimentar o bebê e cuidar da higiene. Estas respostas da mãe (alimentar e cuidar da higiene) demandam mais tempo para serem iniciadas do que a fala ou vocalização da mãe em resposta ao bebê.

Os resultados desta pesquisa mostraram-se convergentes com os resultados relatados por Van Egeren et al.12. Para a resposta materna de fala ou vocalização, 3s parece uma escolha de tempo de latência apropriada. No caso da resposta materna de cuidado, a escolha mais adequada parece ser a de uma janela de 5 segundos. Estas autoras indicam que as janelas de latência variam em função dos comportamentos que são considerados, como foi observado neste estudo.

Responsividade materna em cada uma das 30 díades

Com a utilização do programa GSEQ19 foram geradas 08 tabelas de contingência para cada díade, considerando as duas atividades do bebê (vocalização com e sem estresse) e as quatro atividades da mãe (cuidado, estimulação diádica, estimulação extradiádica e fala ou vocalização). Calculou-se, então o Escore de Resposta Contingente (ERC), destacando-se a freqüência observada de resposta contingente da mãe a cada tipo de atividade do bebê. Em seguida, foi feita uma soma das freqüências observadas e chegou-se a um escore de resposta contingente para cada mãe. Foi possível observar uma variação considerável no erc. Em média, as mães apresentaram seis episódios de resposta contingente (dp = 3,54), com o mínimo de 0 e máximo de 15 episódios. Na tabela 3 são apresentadas as freqüências de resposta contingente por módulos.

 

 

Quando são comparadas as freqüências observadas de resposta contingente às vocalizações com e sem estresse, identificam-se 66 episódios de respostas à vocalização com estresse e 110 episódios a vocalizações sem estresse, como mostra a tabela 3. Pode-se constatar que as respostas contingentes mais freqüentes são de fala e vocalização, em especial quando os bebês vocalizam sem estresse. Em seguida, as respostas de cuidado mostram-se as mais freqüentes, em especial quando os bebês vocalizam com estresse. A resposta de estimulação extradiádica é mais comum quando os bebês vocalizam sem indicar estresse. A resposta diádica só ocorre quando os bebês vocalizam sem estresse.

Da mesma forma, a estimulação da atenção do bebê para o contato face-a-face só acontece quando os bebês vocalizam sem estresse. Realmente, quando o bebê vocaliza com estresse parece fazer mais sentido que a mãe responda falando ou vocalizando para ele ou cuidando dele, não estimulando sua atenção para o mundo ou para a face dela. Obviamente em alguns casos o bebê pode, por exemplo, vocalizar com estresse, e a mãe usar a estimulação da atenção como um elemento para distraí-lo ou tentar modificar seu estado.

Como já discutido, a vocalização sem estresse pode ser entendida como um contexto favorecedor da interação face-a-face. No entanto, quando se considera a situação de filmagem que envolve a mãe sozinha com o bebê e se dividindo entre tantas tarefas (em 68% do tempo ela realizava outras atividades que não eram cuidar do bebê, ou prover estimulação, seja diádica ou extradiádica). Não seria de se esperar que, com freqüência, diante de uma vocalização sem estresse, a mãe parasse suas atividades e tentasse uma interação face-a-face.

Relações entre as variáveis estudadas

Considerando a variável vocalização com estresse, o resultado das análises indicou correlação significativa entre vocalização com estresse e cuidado (rs = 0,36; p < 0,01), entre vocalização com estresse e fala ou vocalização (rs = 0,36; p < 0,01) e entre vocalização com estresse e vocalização sem estresse (rs = 0,65; p < 0,01).

A correlação entre vocalização com estresse e cuidado mostra a tendência das mães, discutida anteriormente, de responder cuidando quando o bebê expressa desconforto. A correlação entre vocalização com estresse e fala ou vocalização das mães indica que as mães respondem aos bebês como interlocutores no processo de interação.

A vocalização sem estresse mostrou-se correlacionada com o ERC (rs = 0,38; p < 0,05) indicando que a vocalização sem estresse tem também poder em deflagrar resposta contingente, o que é importante. As mães não respondem de modo contingente somente a manifestações de desconforto de seus bebês.

As atividades extradiádica e diádica mostraram-se correlacionadas entre si (rs = 0,44; p < 0,05) o que indica possivelmente uma tendência de que algumas mães tendam para a estimulação da atenção, seja a atenção face-a-face ou para objetos e eventos do mundo.

As correlações negativas entre estimulação extradiádica e cuidado (rs = -0,50; p < 0,01) e entre estimulação diádica e cuidado (rs = - 0,52; p < 0,01), merecem ser discutidas. Provavelmente enquanto cuidam dos seus bebês as mães tendem a não estimular ao mesmo tempo a atenção face-a-face. As atividades de cuidado exigem um conjunto de ações, e inclusive que o rosto da mãe esteja voltado na direção do que ela está fazendo. Do mesmo modo, enquanto cuidam, as mães também não tendem a mostrar objetos para o bebê. Talvez os episódios também não encontraram relação entre sexo do bebê e responsividade materna.

Como esperado, foi encontrada correlação forte e positiva entre SES da família e escolaridade da mãe (rs = 0,87; p < 0,01) e também entre SES e a idade da mãe (rs = 0,68; p < 0,01). Não foi verificada correlação entre SES e ERC, ou SES e outras variáveis da mãe (exceto idade) ou do bebê.

Não foi verificada correlação entre a idade das mães brasileiras e o ERC, corroborando os resultados de Van Egeren et al.12 e Bornstein e Tamis-Lemonda2. Pode-se supor que o tipo de responsividade analisado nesta pesquisa com mães brasileiras, ou seja, a responsividade às vocalizações com e sem estresse do bebê não dependa mesmo da idade, escolaridade ou SES. Nesse aspecto, os resultados obtidos para a amostra brasileira corroboram as pesquisas que não evidenciaram correlação entre responsividade materna e escolaridade. Como discutido anteriormente, as evidências de pesquisas na área mostram certa divergência em torno desta questão. Os atuais resultados apóiam a hipótese de que responsividade é uma propensão mais geral, não ser influenciada por variáveis sóciodemográficas.

Os resultados aqui relatados acompanham os encontrados em pesquisas transculturais quando se consideram grupos urbanos, como os de Richman et al.7 e de Bornstein et al.8. As mães e bebês estudados nesta pesquisa compartilham certos aspectos como a demonstração de afeto, realização de atividades domésticas pelas mães juntamente com o cuidado com os bebês, a resposta das mães aos bebês falando e vocalizando, seu tratamento aos bebês como interlocutores, a presença de estimulação auditiva de TV, rádio, etc. Esse é um conjunto de experiências comuns da cultura brasileira, carioca, de cidades industrializadas. No entanto, estas experiências estarão impregnadas do que é próprio de cada mãe ou família.

Pode-se ainda discutir em que medida os resultados encontrados nesta amostra de 30 mães ilustram aspectos culturalmente influenciados ou características de responsividade esperadas em diferentes grupos. Certamente, os resultados desta pesquisa não permitem, de modo geral, afirmações sobre aspectos universais ou culturalmente influenciados da responsividade materna, mas algumas ponderações podem ser feitas.

Nesse sentido, parece que a tendência das mães observadas de responder de modo contingente às vocalizações com estresse realizando atividades de cuidado reflete, provavelmente, uma propensão mais geral (ex.: mães americanas e francesas no estudo de Bornstein et al.8; mães Aka no estudo de Hewlett et al.9. A característica de responder de modo diferenciado às vocalizações com e sem estresse também é compartilhada por amostras observadas na França, Japão e EUA8. A resposta contingente com fala ou vocalização da mãe à vocalização sem estresse do bebê também evidencia semelhanças com outros grupos estudados, como é o caso das mães americanas do estudo de Bornstein et al.8 e, ao mesmo tempo, diferenças quando se consideram as mães Gusii7.

Alguns destes comportamentos maternos, como o de responder com cuidado às vocalizações com estresse, e identificar sinais de desconforto ilustram, como discutido por Keller11, o sistema de comportamento parental de cuidados primários. Em certo sentido, seria uma propensão comportamental universal, mas que certamente pode variar na forma como se apresenta, na quantidade, no estilo, na duração em função da significação que recebe em um determinado grupo cultural e, porque não dizer, na significação que recebe para uma determinada mãe ou família.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A relevância do tema responsividade materna para o estudo do desenvolvimento infantil contrasta com a carência de pesquisas brasileiras sobre o assunto. Entende-se que esta lacuna precisa ser superada, e esta pesquisa representa um esforço neste sentido. É importante que este tema seja investigado por outros pesquisadores nacionais, que estudem grupos diferentes e procurem discutir suas evidências sobre responsividade materna a partir de um "olhar" atento sobre o ambiente físico e material, os costumes, as práticas e as crenças parentais que envolvem as díades mãe-bebê. O Brasil - um país com tanta diversidade de costumes, com diferenças relativas à colonização, variações regionais nas práticas de cuidado com crianças, diferenças sociais (quando se considera, por exemplo, escolaridade, profissão e condições materiais de vida), diferenças nas oportunidades que as crianças têm para o seu desenvolvimento físico, cognitivo e emocional - oferece uma grande oportunidade para que sejam investigadas condições diferenciadas para os "encontros" entre as mães e os bebês.

Espera-se que esta pesquisa realizada com uma amostra brasileira de algum modo contribua para a produção e análise de dados empíricos nacionais. Destaca-se, neste trabalho, a necessidade que os dados obtidos nesta pesquisa sejam analisados de modo crítico quando comparados a resultados de pesquisas realizadas em outros grupos culturais e que sejam integrados ao referencial teórico sociocultural.

Investigar possíveis relações entre a responsividade materna e o desenvolvimento humano em diferentes contextos representa um desafio para pesquisas na área. Como assinala Cole21, a cultura constitui e modifica de modo dinâmico o ambiente da criança, os artefatos que constituem este ambiente, as formas de mediação da ação e a natureza das trocas que as crianças estabelecem com seus parceiros sociais.

Agradecimentos

As autoras agradecem à equipe do grupo de pesquisa Interação Social e Desenvolvimento (UERJ) pela coleta de dados do projeto no qual esta tese teve origem. Agradecem também à Maria Cecília Moncorvo pela atuação como juiz de fidedignidade.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em 26/12/2005
Modificado em 10/01/2006
Aprovado em 20/01/2006

 

 

+ Este artigo tem origem na tese de doutorado da primeira autora, orientada pela segunda autora, no Programa de Pós- graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro-UERJ, em 2004.
* Os participantes desta pesquisa representam uma parte do grupo total estudado no projeto de colaboração internacional, no qual foram observadas 60 famílias. Outros instrumentos, além dos descritos neste trabalho, foram aplicados às mães.

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