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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282On-line version ISSN 2175-3598

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.17 no.1 São Paulo Apr. 2007

 

ATUALIZAÇÃO CURRENT COMMENTS

 

Gestações sucessivas na adolescência

 

Successive pregnancies in adolescence

 

 

Alcindo J RosaI; Alberto O A ReisII; Ana C d'A TanakaIII

IDoutorando pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo-SP. End. Av. Félix de Castro,1030 Jd. Aeroporto Cep. 19813-700 Assis-SP. E-mail: alcindorosa@uol.com.br
IIProf. Dr. do Departamento de Saúde Materno Infantil/ Faculdade de Saúde Pública - USP/SP
IIIProf. Titular do Departamento de Saúde Materno Infantil/ Faculdade de Saúde Pública - USP/SP

 

 


RESUMO

Buscou-se, por meio de uma revisão bibliográfica de publicações científicas no período de 1980 a 2005, levantar conhecimentos produzidos sobre a ocorrência de gestações sucessivas na adolescência. Inicialmente, investigou-se a dinâmica reprodutiva da população adolescente e, em seguida, é apresentada a revisão de vários estudos que tratam das gravidezes recorrentes dessas jovens, procurando, inclusive, elencar os vários conceitos usados para especificar o fenômeno. Foi localizada pequena produção científica acerca do tema, contudo, nos trabalhos encontrados foram detectados dados importantes que concorrem para o entendimento do fenômeno, especialmente aqueles referentes ao seu número, à grande possibilidade de sua repetição na ausência de recursos protetores ao pós-parto, à escolaridade das jovens grávidas, ao seu retorno à escolarização e ao uso adequado que elas fazem de métodos anticoncepcionais. Entretanto, esses dados devem ser relativizados uma vez que vários autores descrevem altos índices de gestações recorrentes de adolescentes quando em parceria sexual fixa, quer sejam casadas ou em uniões consensuais. Nesse caso se pode pensar que essa população, após a primeira gravidez, definitivamente assume uma vida conjugal estável, modificando consideravelmente o perfil clássico da "adolescente grávida".

Palavras-chave: Gestações sucessivas na adolescência. Gravidez de adolescentes.


ABSTRACT

This study aimed to survey the knowledge produced on the occurrence of successive pregnancies in adolescence, through a bibliographic review of scientific works published between 1980 and 2005. First, we investigate the reproductive dynamics of the youth population; then, we present the review of several studies that deal with successive pregnancies in adolescence, listing the several concepts used to specify the phenomenon. Very few scientific productions about the theme were found; however, they provided important data for the understanding of this phenomenon, specially concerning its number, the likelihood of its repetition in the absence of resources to protect the period after delivery, the education level of the pregnant youths, their return to school, and the adequate use they make of contraceptive methods. Nevertheless, these data can be questioned, since several authors describe high indexes of recurrent pregnancies of adolescents when they have a stable partner, whether they are married or in consensual unions. It is possible to think, in this case, that this population, after the first pregnancy, definitively assumes a stable conjugal life, considerably modifying the classic profile of the "pregnant adolescent".

Keywords: Successive pregnancies in adolescence. Adolescents' pregnancy.


 

 

INTRODUÇÃO

No Brasil, em 2000, havia uma população de cerca de 35.300.000 adolescentes (jovens de 10 a 20 anos de idade), correspondendo a 20% de sua população total1. Propiciar condições adequadas de vida a esse contingente populacional é um dos grandes desafios de um país em desenvolvimento e, a despeito de considerável melhoria observada em alguns indicadores 2 das condições de vida da população, observa-se que a oferta de serviços específicos à saúde integral do adolescente permanece precária em muitas regiões e municípios. Isso ocorre, malgrado o fato de existirem conhecimentos e programas suficientemente elaborados e propostos no âmbito das macro-políticas públicas que o próprio poder público e os gestores municipais não têm conseguido desdobrar em propostas e intervenções territoriais.

Mesmo em municípios relativamente desenvolvidos, raramente os adolescentes chegam a constituir uma parcela considerável dos atendimentos ou prioridades de uma unidade básica de saúde. Ao contrário, parece existir a concepção de que eles não precisam de cuidados de saúde e, conseqüentemente, a saúde pública tem pouco a lhes oferecer. Parece tratar-se de uma visão reducionista e negativa das contingências possíveis da saúde dos adolescentes, uma vez que os adolescentes adoecem menos, requerendo, portanto, poucos serviços do modelo curativo, ignoram-se as dimensões relativas à promoção e prevenção da saúde desse segmento.

Os adolescentes formam um grupo socialmente vulnerável às situações que podem comprometer seu desenvolvimento biopsicossocial, expondo-os a uma condição marginal em que as oportunidades diminuem cada vez mais enquanto novas situações comprometedoras surgem, por vezes, atropelando o desenvolvimento pubertário, a resolução dos conflitos psíquicos da adolescência e impedindo ou atrapalhando o desempenho de um papel social autônomo.

Dentre as várias situações adversas que um adolescente pode vivenciar estão tanto a violência, o abuso de drogas, o desamparo, como o conflito com a lei, entre outros. A gravidez na adolescência tem sido apontada, freqüentemente, como uma dessas situações e, conseqüentemente, desaconselhada e tomada como inoportuna nessa etapa da vida. Entretanto, a taxa específica de fecundidade no grupo de mulheres entre 10 e 14 anos e 15 e 19 anos aumentou consideravelmente nas últimas quatro décadas no Brasil. Em 1980, a fecundidade das mulheres de 15 a 19 anos de idade representava 9,1 % da fecundidade total do país. Em 2000, esse percentual aumentou para 19,4%, sendo que desse total, foram identificados 0,9% de nascidos vivos de mães entre 10 e 14 anos e 22,4% de nascidos vivos de mães entre 15 e 19 anos de idade2.

Em países desenvolvidos, o total de partos nas mulheres abaixo dos 20 anos é consideravelmente menor e têm declinado nas últimas décadas. Nos EUA 3, em 1988 chegara a 12,5%. Na França 4, em 1981 era 6% e em 1995, 2,4%. Na Suécia 5, também não chega a 3%. No Brasil, contrariamente, no período 1991-2000 houve um aumento de 25 % de mães com 15 a 17 anos. A gravidez nessas jovens guarda estreita relação com o contexto cultural e indicadores da qualidade de vida de cada região, especialmente nas áreas urbanas, sendo mais expressivo entre as jovens menos escolarizadas (44%) e entre as mais pobres (42%) 6.

Vários estudos relacionam a gravidez e a maternidade e evasão escolar. Molina e col7 mostram, por exemplo, dados de 2000 indicando que no Chile a principal causa da deserção escolar, para os homens, é a dificuldade econômica enquanto que para as mulheres é a maternidade e a gestação. Em contraponto, pode-se mencionar o trabalho de Pirotta et al.8 que constata que universitários paulistas adiam a maternidade/paternidade em função de um projeto de vida orientado para a conclusão de um curso superior e a inserção no mercado de trabalho, diferentemente dos jovens que não se pautam por esses valores.

Outros autores 9,10 apontam para um rejuvenescimento da fecundidade no Brasil como um fenômeno reprodutivo que se caracteriza pela concentração da fecundidade num intervalo mais curto da vida reprodutiva das mulheres, especialmente no início da vida adulta, o que seria um aspecto responsável pelo aumento da gravidez em adolescentes. Consoante ao fenômeno, esses autores relatam que a antecipação do início da vida sexual reprodutiva parece estar relacionada ao baixo nível de escolaridade e a não adesão aos métodos anticoncepcionais e, conseqüentemente, ao surgimento da primeira gravidez.

Em 1986, no Brasil, 38,5% das jovens iniciavam a vida sexual antes dos 18 anos. Em 1996, esse percentual subiu para 56,4% 10. Esses dados levam a concluir que existe uma relação entre a idade da primeira relação sexual e a primeira gravidez, ou seja, quando mais precoce o início da vida sexual, mais cedo ocorre a possibilidade de uma gestação. Contudo, alguns estudos 11, 12 mostram que nem sempre a gravidez está associada a um "imprevisto". Ao contrário disso, ela e a maternidade que dela decorre podem estar, na adolescência, associadas à realização de algum projeto, uma espécie de permissão para entrada na vida dos adultos, envolvendo dimensões complexas e que se ligam à mudança de "status social e de reafirmação de projetos de mobilidade social" 11.

Dadoorian 12 esclarece que a gravidez em adolescentes pode ser decorrente do próprio desejo da adolescente de ter um filho, respondendo assim, a uma demanda psíquica individual, principalmente, por que a função social feminina pode estar atrelada à maternidade. Nesses termos, a gestação e a maternidade de adolescentes constituem-se como um fenômeno complexo que incide sobre a trajetória de vida das jovens, caracterizando assim um importante campo de intervenção da saúde pública.

Tem chamado a atenção o fato importante de que onde estabilizaram ou mesmo diminuíram os índices dessas gravidezes, como no Estado de São Paulo nos últimos anos, não caiu a proporção de segunda e mais gestações na população adolescente13. Dito de outro modo, há um expressivo número de ocorrência do evento sendo relativamente comum observar adolescentes que aos dezenove anos estão na segunda, terceira ou quarta gestação. Jacoby et al.14 caracterizaram tal fenômeno como "gestações de rápida repetição" quando ocorrem entre 12 e 24 meses após o parto anterior.

Contudo, não se observa que essas gravidezes sucessivas se firmaram nem como um capítulo de estudo na saúde pública nem como fenômeno importante na dinâmica reprodutiva das populações. Poucos trabalhos exploram a temática de modo consistente, no mais das vezes o tema se encontra disperso ou apenas citado em estudos sobre a gestação na adolescência em geral. Considerando a totalidade do aventado, tem-se por objetivo, realizar uma revisão da produção científica que cite ou aborde as gestações sucessivas na adolescência.

 

MÉTODO

Para obtenção dos dados foram consultados revistas, periódicos, teses e livros, publicados entre 1985 e 2005 e obtidos por meio de pesquisa no PUBMED, LILACS e DEDALUS. Em seguida, os artigos pertinentes à temática foram submetidos à leitura e análise de conteúdo de modo que se apreendesse como os percentuais de recorrência da gravidez em diferentes regiões brasileiras, a faixa etária, a escolaridade, bem como a situação marital e os aspectos subjetivos dos adolescentes estão sendo caracterizados, tipificados, correlacionados, explicados e compreendidos. Os dados obtidos por meio desses procedimentos foram dispostos em tabelas e em seguida analisados numa redação final.

Gestações sucessivas na adolescência

Para caracterizar a ocorrência desse fenômeno na adolescência, as expressões encontradas na literatura remetem a termos como multigravidez, multíparas, multigestas na adolescência15, 16, repetição da gravidez17-23, gravidez reincidente, gravidez subseqüente e gestações sucessivas24, nascimentos subseqüentes em adolescentes25, recidivismo26 e repetição rápida de gravidez14, 26,27 sendo este último conceito bastante usado pelos pesquisadores norte americanos.

Essas designações por si próprias indicam diversas situações nas quais se plasmam as gestações sucessivas na adolescência. Ë possível e útil compor um quadro no qual se pode elencar uma série de situações, das quais grande parte identificada por Persona23:

a – situações relacionadas aos marcadores biológicos: menarca precoce, primeira relação sexual logo após a menarca, aborto 23, ser mãe entre 13 e 17 anos 21,26 ;

b – situações vinculadas aos aspectos psicossociais: repetência e abandono escolar, envolvimento com parceiros mais velhos, casamento, união consensual com parceiro, parceria sexual fixa, história familiar de gravidez na adolescência, ausência do pai por morte ou abandono, reação positiva da família à gravidez anterior, parto anterior bem conceituado pela adolescente23, intenção ou desejo pela primeira gravidez, namorado que deseja um filho 26, não retorno à escola após o primeiro parto27, 28 e histórico de violência física ou sexual 14.

c – econômicos: ausência de ocupação remunerada e baixa renda familiar 23;

d – não uso ou dificuldades de acesso às tecnologias de saúde: ausência de consulta médica pós-parto da gravidez anterior, baixa adesão ao uso de preservativos23, não uso de anticoncepcional pós-parto 19, 21, 28, uso inadequado do anti-concepcional 29.

Em estudo realizado por Simões et al.30, em São Luís – MA, constatou-se que entre as mulheres de 18 a 19 anos (37,7%) e um número importante entre as de abaixo dos 18 anos (13,7%) já tinham de dois a quatro filhos. Chaban Jr. et al.31, em outra investigação desenvolvida em Porto Acre-AC, com adolescentes grávidas de 15 a 19 anos verificaram que para 38,5% delas havia ocorrido uma segunda gestação e 7,7% uma terceira, totalizando 46,2% de repetição da gravidez.

Em Recife-PE, em pesquisa24 sobre vias de parto em adolescentes de 13 a 19 anos, foi observado que 20,9% delas tinham realizado um segundo parto, 4,9% o terceiro e 0,4% o quarto parto, totalizando, portanto, 26,2% com mais de um parto. Provavelmente, esse percentual é maior ao se considerar que nem toda gravidez finda em parto.

Takiuti13 relata ter encontrado 16% de adolescentes numa segunda gravidez em investigação realizada na Casa do Adolescente de Pinheiros/São Paulo-SP e 15% no Centro de Atendimento ao adolescente de Jacareí-SP. Rugolo15 em estudo realizado sobre os sentimentos e percepções de puérperas num hospital universitário de Botucatu-SP encontrou 12% de "adolescentes multíparas".

Siqueira et al.32 estudando adolescentes grávidas de até 19 anos em quatro programas de pré-natal de Florianópolis-SC apresentam dados em que 9,5% estavam grávidas pela segunda ou mais vezes. Chemello 33 traçando o perfil da gravidez em adolescentes no município de São Marcos-RS, encontrou 5,2% de gravidezes subseqüentes.

Aparentemente, esses trabalhos permitem concluir que as gestações sucessivas estão associadas às características sociais, econômicas e culturais de cada região às quais estão afeitas essas adolescentes, tendo em vista que nas regiões sul e sudeste do país, as mais desenvolvidas, seus percentuais variam de 5,2 % a 16 %, enquanto que nas regiões do norte e nordeste, menos desenvolvidas, atingem até 46,2%.

Sobre o perfil das adolescentes em repetição da gravidez, Persona et al.23 observaram que 44% dessas adolescentes atendidas no CAISM/UNICAMP, em Campinas-SP, tinham em torno de 17 anos e que, em 72,22% delas, a primeira gravidez havia acontecido em torno dos 15 anos. Esse dado é corroborado por vários autores 13, 26, destacando-se inclusive que há correlação entre a repetição da gravidez, maior número de filhos ao fim de um período e a idade da primeira gravidez, que por sua vez está relacionada com o início precoce da atividade sexual. Quanto antes uma primeira gravidez, maior a chance de uma segunda.

Stevens-Simon et al. 28, numa pesquisa sobre uso de anticoncepcional realizada nos EUA, referem que entre aquelas adolescentes que estavam em "repetição de gravidez" 14% havia engravidado em até um ano após o parto anterior e 35% em até dois anos. Oliveira 34(2003) relatando dados de pesquisas realizadas no Brasil aponta que, de 17 a 40% das adolescentes engravidam novamente logo no primeiro ano após o primeiro parto e esse percentual aumenta de 28 a 50% quando se consideram os dois anos seguintes ao primeiro parto.

Stevens-Simon et al. 27 referem que o retorno da adolescente aos estudos após o parto contribui para a não "reincidência" da gravidez; entretanto essa condição raramente ocorre tendo em vista que muitas vezes a adolescente já estava fora da escola quando da primeira ocorrência gravídica. Chaban31 descreve que no grupo estudado, 38,4% possuíam o primeiro grau incompleto e 23,1% analfabetas. Takiuti13 refere ter encontrado nas adolescentes "reincidentes" 65% que não completaram o primeiro grau. Chemello33 (1999) constatou que 84,3% não haviam concluído o primeiro grau e 85,5% estavam numa parceria conjugal estável com o pai do primeiro filho. Persona et al. 23 verificaram que 50% das adolescentes não concluíram o primeiro grau e que apenas 16,67% não interromperam os estudos por causa da gestação. Apontam dados ainda que permitem concluir que 73,22% estavam amasiadas ou casadas ao repetirem a gravidez, percentual praticamente inverso ao momento da primeira gestação (66, 67%).

O uso de anticoncepcionais pelas adolescentes que reincidiram 13 estava em torno de apenas 35% em programas de atenção ao adolescente na cidade de São Paulo. Rigsby e cols26 dizem que embora muitas gravidezes de rápida repetição sejam intencionais, muitas não o são e poderiam ser prevenidas com anticoncepção eficaz e com seu uso adequado. Refere ainda que o número de gestações sucessivas geralmente é muito maior entre aquelas que não usam anticoncepcional algum.

Uma outra consideração que tem sido feita por vários pesquisadores 12, 13, 35-37 , aplicável aos diversos aspectos do comportamento reprodutivo na adolescência, refere- aos aspectos psicológicos que caracterizam essa faixa etária, como a insegurança, baixa auto-estima e falta de projeto de vida. De acordo com estas considerações, a gravidez na adolescência é tomada como um evento que pode ser determinado por uma demanda interna, decorrente de desejos conscientes em que a jovem se imagina ser objeto de gratificação social por ter se tornado mãe e/ou de desejos inconscientes, em que busca, com a maternidade e um filho para cuidar e amar, suprir carância afetivas e sensações de desamparo12.

Nesse sentido, as jovens podem estar repetindo uma história familiar e tentam transferir para o filho imaginado suas próprias necessidades, sonhando oferecer a ele aquilo de que elas pressupõem terem sido privadas, tal como carinho ou proteção ou uma família. Assim tanto a gestação e sua repetição podem ser respostas a uma necessidade psíquica de recomposição familiar (pai-mãe-filho), Persona et al.23 descrevem o que chamam de "ausência do pai da adolescente por morte ou desaparecimento". Ao solicitarem às adolescentes uma avaliação de sua relação com os pais, elas atribuíram valor dez à relação com a mãe e valor zero à relação com o pai. Apontam, ainda, que entre aquelas que tinham o pai ausente, 87,5% estavam casadas ou amasiadas. Rigsby e cols 26 destacam menores índices de "gravidezes de rápida repetição" em adolescentes que convivem com pai e mãe, pois a estabilidade familiar seria um fator protetor.

Estes dados sugerem um campo de pesquisa importante, tendo em vista o intrincamento psicossocial da questão, haja vista a importância da paternidade para a constituição da identidade da jovem e o crescente rearranjo dos grupos familiares em que a figura paterna está ausente. Aliás, muito pouco se observa na literatura científica a respeito da possível relação existente entre ausência do pai da adolescente e gestação em adolescentes.

Finalmente, convém destacar que as situações de vulnerabilidade das adolescentes podem ser minoradas quando intervenções são propostas. Monteiro et al.38 ao analisarem resultados de um programa de acompanhamento às gestantes e mães adolescentes realizado no Rio de Janeiro - RJ observaram alto índice de partos normais (89,3%) e a elevação da freqüência de uso de anticoncepcionais, que antes da primeira gestação era de 17% e após o parto passou para 71,9%, reduzindo para 5,2% o índice de novas gravidezes. Esse dado é consideravelmente inferior ao apontado por Rigsby29 quando indica que, na ausência de intervenção pós-parto, ocorrem de 30% a 50% de novas gestações em menos de 24 meses.

 

CONCLUSÃO

Parece haver indicações seguras de que gestações sucessivas na adolescência decorrem de vários aspectos que podem fazer parte do contexto de vida de uma adolescente. Contudo, a consideração destes aspectos deve ser relativizada tendo em vista o meio sócio-econômico e cultural ao qual a adolescente pertence. Há populações em que culturalmente a vida reprodutiva se inicia com a adolescência sendo comum a repetição de gestações em um curto período de tempo, sem que isso, aparentemente, acarrete prejuízos à adolescente e ao seu meio social. Ao contrário, a maternidade, nesses casos, parece produzir inúmeras satisfações às jovens.

Deve-se levar em conta ainda as pressões decorrentes do mundo contemporâneo que exige, especialmente da mulher, a postergação do início da vida reprodutiva em favor da busca de outras metas, como formação escolar e sucesso profissional.

Parece se situar no encruzilhamento da inter-relação existente entre "situação de vulnerabilidade", "características culturais" e "necessidades da vida moderna" a figura das múltiplas e sucessivas gestações na adolescência como indicador do momento de intensa transformação pela qual passa a sociedade brasileira. Contudo, nem todas as relações guardam características de linearidade e de simplicidade uma vez que envolvem aspectos individuais e subjetivos de grande complexidade e parecem constituir uma reação das jovens frente à hostilidade do contexto, a proposição de um sonho possível frente à adstringência da realidade.

Assim, gestações sucessivas na adolescência são expressões do exercício da vida sexual dos adolescentes em determinadas condições de vida e, portanto, a abordagem da vida reprodutiva dessas adolescentes transcende em muito a discussão sobre os aspectos obstétricos e deve estar situada no âmbito psico-social, inspirando políticas públicas de atenção que ofereçam às adolescentes grávidas, outras possibilidades que não apenas a de estar fadada a uma nova gestação. A criação de creches em escolas para filhos de mães-adolescentes e a garantia de acesso aos serviços e insumos de saúde (anticoncepcionais) no pós-parto são algumas providências recomendáveis. Em médio prazo trata-se de garantir às jovens condições de escolher o início de sua vida reprodutiva, assegurando-lhes, inclusive, o direito e a possibilidade de iniciá-la na adolescência.

 

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Recebido em 20/07/2006
Modificado em 12/09/2006
Aprovado em 26/09/2006

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