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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.18 n.2 São Paulo ago. 2008

 

PESQUISA ORIGINALORIGINAL RESEARCH

 

Escolas promotoras de saúde

 

Health promoting schools

 

 

Vanessa CardosoI; Ana Paula dos ReisII; Solange Abrocesi IervolinoIII

IEnfermeira, especialista em auditoria dos sistemas de saúde, aluna do Curso de Especialização Multiprofissional em Saúde da Família da Associação Educacional Bom Jesus/IELUSC - Joinville - SC - Endereço: Rua: Miguel Zattar, 44 Bairro Iririú. Joinville - SC CEP 89227-022, E-mail: enf_vane@hotmail.com
IIEnfermeira, especialista em saúde pública, aluna do Curso de Especialização Multiprofissional em Saúde da Família da Associação Educacional Bom Jesus/IELUSC - Joinville - SC - E-mail: enf.paulareis@ig.com.br
IIIEnfermeira, professora, mestre e doutora em Saúde Pública. Professora e Coordenadora do Curso de Especialização Multiprofissional em Saúde da Família da Associação Educacional Bom Jesus/IELUSC - Joinville - SC - E-mail: solangeiervolino@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

O presente trabalho foi desenvolvido no município de Araquari e participaram da pesquisa 22 professores de duas escolas do município, localizadas na área de abrangência de 2 equipes da estratégia saúde da família. Teve como objetivo propor um processo de educação continuada, para que as escolas se tornem promotoras de saúde, por meio da identificação da percepção dos professores em relação aos temas: saúde, promoção e educação em saúde e a necessidade de capacitação nos mesmos temas. Utilizou-se como instrumento de coleta de dados um questionário semi-estruturado com questões abertas e fechadas; análise das respostas foi feita através do método de análise temática proposta por Minayo. Foi possível observar que o conceito de saúde dos professores limita-se ao bem estar físico, assim como o de educação em saúde à transmissão informações sobre cuidados de higiene. Os professores manifestaram interesse pela capacitação de temas relacionados a doenças. Além disso, não há adoção de estratégias para o enfrentamento dos riscos encontrados no ambiente escolar, apesar do espaço físico ser identificado por eles como inadequado e principal condicionante dos acidentes no ambiente escolar. Assim sendo, as autoras consideram que há necessidade imediata de um processo de educação permanente, para que os professores possam ampliar seus conceitos de saúde e trabalhar com os princípios da Escola Promotora de Saúde, em prol da qualidade de vida de todos aqueles que convivem no ambiente escolar.

Palavras-chave: Saúde; Promoção em saúde; Educação em saúde; Escolas promotoras de saúde.


ABSTRACT

This work was developed in the municipality of Araquari. Twenty-two teachers from two schools in the municipality participated in the survey. The schools are located in the catchment area of two teams of the family health strategy. The objective was to propose a process of continuing education so that schools become health promoters, through the identification of the teachers' perception regarding the topics: health, health promotion and education, and the need for qualification in the same themes. The tool used for data collection was a semi-structured questionnaire, with open and closed questions; the answers were analyzed through the method of thematic analysis proposed by Minayo. It was possible to see that the teachers' concept of health is limited to physical well-being, and that their concept of health education is restricted to the transmission of information about hygiene care. Teachers are interested in receiving qualification in issues related to diseases. Moreover, there is no strategy for addressing the risks found in the school environment, despite the fact that the physical space is identified by the teachers as inadequate and as the main reason for accidents. Therefore, the authors believe that there is immediate need for a process of continuing education, so that teachers can expand their concepts of health and work with the principles of the Health Promoting School, in support of the quality of life of all who attend the school environment.

Keywords: Health; Health promotion; Health education; Health promoting schools.


 

 

INTRODUÇÃO

A atenção à saúde historicamente tem investido na formulação, implementação e concretização das políticas de promoção de saúde, com ênfase em ações que melhorem a qualidade de vida dos indivíduos e do coletivo.

A partir de 1986, com a VIII Conferência Nacional de Saúde1intensificaram-se as discussões a respeito de um conceito de saúde ampliado, que fugia daquele que relacionava saúde apenas à ausência de doença, e passa a valorizar fatores determinantes ou condicionantes de saúde, diretamente ligados ao modo de viver das pessoas.

O conceito de saúde que cada indivíduo tem sobre a sua própria saúde reflete na forma como vive e como se relaciona com o meio e os demais indivíduos, sofrendo então mudanças em cada sociedade; assim, pode-se dizer que este conceito varia de acordo com as condições sociais, econômicas e culturais dos indivíduos.

A aprovação da política nacional de promoção da saúde, em março de 2006, afirma que a promoção da saúde deve ser entendida como uma estratégia para fomentar a qualidade de vida, e auxiliar na redução das vulnerabilidades e riscos relacionados aos determinantes e condicionantes da saúde da população.

As medidas adotadas para promoção da saúde não se dirigem a determinada doença, mas são assumidas para aumentar a saúde e o bem estar geral, voltadas para o coletivo e para o ambiente. Ao invés de ações intervencionistas, o foco está no reforço da capacidade dos indivíduos e das comunidades, ou seja, no fomento da autonomia para enfrentamento das situações. 2

Um dos mecanismos utilizados em tal política que defende a equidade e o controle social, é a Estratégia Saúde da Família (ESF), vista como local privilegiado para divulgação e implementação dessa política.

A ESF é prioritária para reorganização da atenção básica, tendo como princípio o desenvolvimento de vínculo e a co-responsabilidade nas ações educativas intersetoriais que possam interferir no processo saúde-doença da população assistida3.

Assim como a ESF, a Estratégia de Escolas Promotoras da Saúde (EEPS) tem nos objetivos da Promoção da Saúde seus principais aliados. A estratégia de escolas promotoras de saúde surgiu no final da década de 80, como uma das mudanças conceituais e metodológicas que incorporam o conceito de promoção de saúde na saúde coletiva, envolvendo o entorno escolar.

A implantação da EEPS implica em atividades intersetoriais entre a instituição educativa, o setor saúde e a comunidade, com identificação das necessidades e linhas de enfrentamento pelos próprios envolvidos.

A promoção em saúde no âmbito escolar com enfoque integral tem três componentes relacionados entre si: educação para saúde com enfoque integral, incluindo o desenvolvimento de habilidades para a vida; criação e manutenção de ambientes físicos e psicossociais saudáveis e oferta de serviços de saúde, alimentação saudável e vida ativa.

Para Silva4, a Escola Promotora de Saúde deve ser inclusiva e garantir participação efetiva de todos os atores envolvidos, com o objetivo de criar atitudes e ambientes mais saudáveis, desenvolver habilidade e estimular a tomada de decisões por meio da co-responsabilização.

As atividades em saúde no espaço escolar devem favorecer uma ação mais reflexiva e crítica do conceito de saúde, com investigação de demandas e temas pertinentes à comunidade escolar e particularmente aos escolares.

As metodologias utilizadas devem priorizar a participação e interação dos atores do processo, pois a análise de como pensam e agem as crianças de determinada localidade facilita a identificação dessa realidade, norteando as políticas públicas saudáveis.

A educação em saúde consiste em oferecer subsídios aos sujeitos, educar para a vida. Sendo a escola co-responsável pelo aprendizado do aluno e de sua instrumentalização para enfrentamento da vida, torna-se um ambiente propício à prática da educação em saúde.

A comunidade, a família e a escola não devem estar dissociadas em um processo educativo integral utilizado como uma ferramenta fundamental da promoção da saúde, tal como definido na Carta de Ottawa5 e posteriormente proposto pelos parâmetros curriculares nacionais.

O professor exerce uma influência constante e ativa sobre os conceitos de saúde e doença dos seus alunos, sua sensibilidade e didática devem dar condições de repassar informações acerca de saúde e adaptá-las ao ambiente escolar, necessitando assim de um suporte na área para subsidiar o seu trabalho. 6

Geralmente o professor se torna referência para os alunos e pode estimular a compreensão e adoção de hábitos saudáveis, além disso, um professor preparado para observar corretamente o ambiente escolar e perceber os riscos pode proteger a saúde dos escolares e seus familiares.

Assim sendo, este estudo teve como objetivo identificar os conhecimentos dos professores em relação aos temas de saúde e promoção da saúde, bem como verificar o interesse e a necessidade dos professores em capacitações nos temas relacionados à saúde e educação em saúde.

 

MÉTODO

O município de Araquari possui uma população de 21.100 habitantes; 8 Unidades Básicas de Saúde, 9 escolas municipais de ensino fundamental com 90 professores e 2000 alunos matriculados.

A estratégia saúde da família está presente em 2 equipes que dividem a mesma estrutura física, as quais têm em sua área de abrangência 2 escolas municipais, o restante das unidades são cobertas pela estratégia dos agentes comunitários de saúde.

No início de cada ano letivo, a Secretaria Municipal da Educação promove um evento de integração dos professores e solicita à Secretaria Municipal da Saúde alguns esclarecimentos sobre questões de encaminhamentos e problemas de saúde frequentemente encontrados no ambiente escolar.

No início de 2007, os professores sugeriram que os profissionais de saúde estivessem presentes em outros encontros para dar continuidade às discussões anteriormente estabelecidas e para tirar as dúvidas em temas relacionados à saúde do escolar.

A partir da amplitude dos temas propostos pelos professores sentiu-se a necessidade de articular ações de educação em saúde não somente em datas pontuais, mas sim planejar e estabelecer conjuntamente ações intersetoriais contínuas, bem como fluxos de encaminhamento entre as Secretarias da Educação e da Saúde.

O estudo foi realizado em duas escolas do Município Araquari, com participação de 22 professores, 13 e 9 respectivamente. As escolas foram escolhidas por sua localização, isto é, por estarem na área de abrangência de duas equipes de saúde da família.

A ação intersetorial é uma ferramenta imprescindível para que o trabalho dos profissionais que atuam na estratégia de saúde da família alcance seus propósitos em termos de qualidade de saúde e vida das pessoas e dos grupos sociais. 7

Para conhecer a representação dos profissionais utilizamos, como instrumento de coleta de dados, um questionário semi-estruturado com questões abertas e fechadas, que abordavam os temas saúde, educação em saúde e riscos de acidentes na escola. Os instrumentos foram entregues e posteriormente recolhidos, permitindo que os professores escolhessem o melhor momento para respondê-lo.

O questionário constitui importante estratégia, principalmente quando envolve pesquisas sociais. Além disso, garante o anonimato das respostas e evita a influência do pesquisador nas mesmas.8

As respostas das perguntas abertas foram categorizadas por temas que estabelecem núcleos de sentido, cuja freqüência reflete um padrão presente ou subjetivo nas respostas9. Os temas foram definidos a partir dos objetivos traçados por este estudo, ou seja, pelos conhecimentos que os professores tinham a respeito destes: saúde, promoção da saúde e educação em saúde. Posteriormente as categorias foram analisadas qualitativamente. As respostas das fechadas foram tabuladas manualmente e apresentadas em quadros e gráficos.

O sigilo foi garantido aos participantes por meio do Termo de Consentimento Livre Esclarecido, que foi lido e assinado por todos os professores no momento da entrega do questionário, conforme resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.10

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo comitê de ética em pesquisa da Associação Educacional Luterana Bom Jesus/IELUSC. Para garantir o anonimato dos participantes em suas citações utilizou-se como forma de identificação elementos relacionados à cultura do município de Araquari.

 

ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Dos 22 participantes deste estudo, 18 eram mulheres e 04 homens com média de idade de 36 anos, reforçando a prevalência histórica do sexo feminino nas profissões relacionadas ao cuidado e ao ensino como a de professor.

Com relação ao conceito de saúde, 21 professores, correspondente a 95% da amostra entendem saúde como sendo o bem estar físico, mental e social confirmando que o conceito da Organização Mundial da Saúde (OMS) da década de 40 do século passado, que embora há tempos ultrapassado, por defender uma definição irreal, subjetiva e utópica, que buscando o perfeito bem estar, incapaz de ser medido, ainda é compreendido pelos professores, bem como pelo senso comum, como sendo aquele que melhor traduz seus sentimentos em relação ao conceito de saúde.11

Apenas identificamos uma fala próxima do conceito de saúde proposto em 1986 pela Carta de Ottawa4 que considera recursos fundamentais para saúde a paz, habitação, educação, alimentação, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade, conforme pode ser visto no depoimento a seguir:

Professor Parati:"Saúde é viver de bem com a vida, se alimentar bem, praticar algum esporte, ler, colaborar com a preservação do meio ambiente, enfim, viver dentro dos padrões que o ser humano vive".

Pelas respostas da maioria dos professores, que relacionam a saúde exclusivamente ao bem estar, pode observar a importância do profissional de saúde na comunidade escolar, embasando discussões sobre o conceito ampliado de saúde, para que as atividades realizadas na escola atinjam maior amplitude, causando impacto positivo nos alunos, na escola e no entorno escolar.

Fundamentada em um conceito de saúde ampliado, educação em saúde aparece como uma ferramenta de promoção da saúde, prevenção de doenças e reflexão sobre qualidade de vida. A educação em saúde na escola pretende formar uma consciência crítica na comunidade escolar, tornando-os responsáveis pela manutenção da sua própria saúde. 12

Ao analisarmos o conceito dos professores em educação em saúde, podemos observar que 50% relaciona exclusivamente com hábitos de higiene fisica, e 40% com o repasse de informações sobre higiene física, sendo assim, 91% dos professores relacionam a educação em saúde com higiene física, prática essa identificada no século passado, quando o foco de trabalho em saúde eram as ações higienistas. Isso fica evidenciado no depoimento de um dos professores.

Professor Maracujá:" É orientação no que diz respeito ao cuidado com a saúde, incluindo principalmente higiene, que é o primeiro passo para uma vida saudável".

Ao serem questionados se realizam e consideram importantes atividades de educação em saúde na escola, 21 ou seja, quase todos os professores responderam afirmativamente. Entretanto as atividades citadas foram, em sua maioria, relacionadas a higiene e atividade fisica, demonstrando coerência entre ass ações e os conceitos de saúde e educação em saúde por eles referidos.

A União Internacional de Promoção e Educação em Saúde da Organização Mundial da Saúde (World Health Organization International Union for Health Education-WHO IUHE)12 define educação em saúde como: "a combinação de ação social planejada e de experiências de aprendizagem planejadas visando a capacitar as pessoas, para adquirirem controle sobre os determinantes da saúde, sobre o comportamento em saúde, e sobre as condições sociais que afetam seu próprio estado de saúde e o estado de saúde dos outros".

O processo de educação em saúde na escola deve, então, ser tão amplo quanto os conceitos que esta discussão exige, buscando a valorização do individuo, tornando-o co-responsável pela sua saúde e da comunidade em que vive.

Quando os docentes foram questionados se têm identificado problemas de saúde na sala de aula, 15 professores responderam que sim, destes 50% identificaram através de queixa dos alunos, e 50% das mudanças no comportamento dos alunos. Isso nos leva a inferir que metade dos professores ainda estão despreparados para identificar qualquer tipo de problema relacionado à saúde ou à doença, propriamente dita.

Ainda que esta conclusão nos faça inferir que os mesmos tinham dificuldade em apontar riscos no ambiente e no entorno escolar, 20% deles consideraram a escola um ambiente capaz de provocar ou favorecer acidentes com as crianças, professores e funcionários.

Ao avaliar os potenciais riscos na escola, 60% das condições citadas os professores identificaram o espaço físico como sendo o principal condicionante de acidentes no ambiente escolar. A atitude hiperativa das crianças também foi vista por 23% dos professores como risco potencial de acidentes na escola.

Para a Organizacao das Nações Unidas (ONU)13, o conceito de segurança humana deve estar centrado no desenvolvimento do ser humano, abrangendo a segurança de todos os cidadãos no seu cotidiano: nas vias públicas, no trabalho, na escola, no lazer e no lar.

Concordamos ainda com os autores supra citados quando afirmam que o ambiente escolar que não proporcione segurança só vem desestruturar o papel da escola de construção de cidadania, formação de um povo e de uma nação, pois a preservação da segurança humana está fortemente relacionado à saúde e à educação.

Para redução de acidentes no ambiente escolar e entorno, é preciso intervir não só na estrutura e no espaço fisico da escola, de modo a torná-la mais segura, mas também no escolar e na comunidade, por meio de educação em saúde, favorecendo e incentivando comportamentos saudáveis.13

Quando questionados quanto à ocorrência de acidentes na escola, 73% professores já presenciaram algum tipo de acidente. Dentre os acidentes citados 59% foram quedas. Conforme pode ser constatado nas palavras deste professor:

Professor Paranaguamirim:"Uma criança escorregou na rampa do banheiro em dia de chuva".

Dentre as quedas citadas a maioria estava relacionada à rampa que dá acesso ao banheiro. Estes relatos suscitam diversas questões: por que esta rampa ainda permanece naquele local. Se este risco já era do conhecimento de grande parte das pessoas que trabalham e convivem na escola, por que ainda não tomaram as devidas providências para solucioná-lo?

Sabe-se que ao falar em qualquer mudança na estrutura física de um estabelecimento governamental esbarra-se em diversos problemas, dentre eles a extensa burocracia que esta solicitação exige, e também a falta de verbas que é uma constante. Entretanto, dentre as possibilidades de resolução está uma das diretrizes da escola promotora da saúde que é o trabalho conjunto entre a comunidade escolar e seu entorno e os pais. Será que esta parceria está devidamente fomentada para esta e outras ações?

Ainda sobre aquela realidade (da rampa), não se pode deixar de lado outra constatação que diz respeito à impossibilidade da acessibilidade. Esta se torna um obstáculo para a inclusão de portadores de necessidades especiais, principalmente aqueles que têm deficiência física que ficam impossibilitados de transitarem em todas as dependências escolares, de forma segura e autônoma.

Os acidentes são passíveis de serem controlados e evitados, por meio de cuidados físicos, materiais, emocionais e sociais colocando em discussão a "acidentalidade" destas ocorrências, destacando a importância e necessidade de prevenção.14

Assim, podemos afirmar que a escola já apresenta conseqüências do espaço físico inadequado para os escolares, bem como para toda a comunidade escolar, apontando a necessidade de intervenções imediatas para a prevenção de futuros acidentes.

Quanto à utilização de alguma forma de prevenção de acidentes com as crianças pela escola, 91% professores responderam que realizam alguma atividade de prevenção, e quando questionados sobre as atividades de prevenção de acidentes, realizadas na escola, 59%, afirmaram que realizam conversas pontuais para "conscientização" dos alunos, conforme identificamos na fala de um deles:

Professor Catumbi:"Conversas feitas diariamente, alertando as crianças sobre brincadeiras que podem provocar acidentes".

A análise desta e de outras respostas são condizentes com o conceito de saúde e educação em saúde, anteriormente referidos, que são tidas como higienicista e biologicista.

Ainda nesta questão, eles citaram recreio monitorado como outra forma de prevenção de acidente. O monitoramento consiste em delegar aos alunos mais velhos a tarefa de observar a brincadeira dos mais novos, que quando em risco são repreendidos.

Para as autoras deste estudo essa é mais uma maneira de afirmar que as práticas de prevenção de acidentes ainda apresentam características semelhantes às usadas no século passado, quando as atividades relacionadas à saúde eram realizadas de forma policialesca, totalmente desvinculada das reais necessidade de saúde do indivíduo, da família e da comunidade.

Concordamos com Iervolino15 quando diz que:

A escola exerce importante papel na orientação e formação das crianças quanto à prevenção de acidentes e adoção de atitudes seguras em relação à saúde15. Isso deve fazer parte do currículo e ser desenvolvido por meio de apelos positivos, que estimulem o conhecimento e a autoconfiança dos alunos.12

Ao final dos questionários foi destinado um espaço aos professores para que escrevessem algum comentário sobre a proposta de trabalhar as questões pertinentes à Escola Promotora de Saúde por meio de uma capacitação e posterior processo de educação continuada, ou ainda para que incluíssem tudo aquilo que considerassem não ter sido contemplado nas perguntas existentes no questionário. Este espaço foi utilizado por seis professores que referiram a necessidade de capacitações, cursos e palestras relacionadas a algumas doenças especificas, evidenciando a fala dos professores:

Professor Bom Jesus de Araquari:"Cursos para que estejamos aptos a resolver problemas relacionados à saúde, temos muitos problemas: vômitos, dor de dente, dor de cabeça, diarréia etc.".

Professor Itapocu: "Palestras para os pais, vagas para atendimento médico, odontológico, especifica para emergência de alunos".

Professor Rainha: "Tenho crianças com sérios problemas de saúde como: coração, tumor na cabeça, que necessitam do cuidado especial. E outros ainda não diagnosticados".

Fica claro nos comentários dos professores a necessidade que eles têm de conhecer as doenças. Eles solicitam que as capacitações de saúde sejam contempladas por esses temas, reafirmando que o conceito de saúde ainda está relacionado com ausência de doença.

Nos depoimentos dos professores é notória a preocupação que estes têm com seus alunos. Percebe-se que o espaço foi utilizado como uma forma de desabafo e também para solicitar resoluções que eles percebiam como prioritárias. Ficou evidente o vínculo que estes professores já formaram com seus alunos, fato que os deixa angustiados pela falta de resolução dos problemas de doenças que seus alunos e grande parte dos brasileiros atendidos pelo Sistema Único de Saúde, continuam tendo.

Ainda sobre o desejo que os professores têm de resolver problemas de saúde dos alunos, este pode estar relacionado com a importância que até agora é dada à cura da doença e pela falta da percepção da saúde como resultado das formas de viver que são adotadas pelas pessoas que têm diversas concepções sobre o que é e como se chega à qualidade de vida.

Assim como na pesquisa de Santos e Bógus (2007)16 em que os professores se percebiam com a missão de sacerdócio e com o dever de enfrentar todos os problemas a eles apresentados, no presente estudo os professores ainda se percebiam como um ser divino capaz de entender e resolver tudo, desde as dificuldades de aprendizado do aluno, desajustes familiares até problemas de saúde.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme relatado anteriormente, as atividades com temas ligados à saúde já eram realizadas no Município por meio de um convênio entre Secretarias da Saúde e da Educação, entretanto, percebeu-se que os professores ainda concebiam a saúde tal como o senso comum, ou seja, como algo que é utópico e inatingível ou pior, como sinônimo de higiene do corpo. Eles não foram capazes de relacionar a saúde com a qualidade de vida, como um valor positivo para se viver. Desta forma, fica coerente que suas atividades de educação em saúde dentro do ambiente escolar fossem realizadas com ênfase na transmissão de conceitos relacionados à higiene corporal.

A identificação dos problemas de saúde dos escolares só era realizada quando os alunos manifestavam sintomas de doenças, fato que justifica a solicitação de diversos professores para receberem capacitação sobre os principais problemas de saúde dos escolares.

Na visão das autoras, estes professores deveriam ser capacitados para a observação da saúde, desta forma eles conseguiriam perceber a criança em todas as suas necessidades e não só suas doenças. É preciso entender as relações que elas tem com o mundo em que vivem, com suas famílias e grupo social a que pertencem.

Discussões sobre qualidade de vida, assim como condicionantes e determinantes de saúde podem oferecer subsídios aos professores para aguçarem sua percepção. Um professor capacitado para observar pode auxiliar muito no desenvolvimento da aprendizagem, bem como contribuir para possíveis encaminhamentos de problemas que não são de sua competência técnica.

Quanto à percepção que os professores tinham sobre riscos presentes no ambiente e no entorno escolar, estava restrita ao ambiente físico. Nenhum dos entrevistados citou o ambiente relacional como importante fator de risco. Sabe -se que atualmente as relações humanas estão cada vez mais restritas, as pessoas, principalmente aquelas que vivem nas grandes cidades estão se tornando cada vez mais solitárias, individualistas e competitivas ao extremo, características que já se percebe desde a mais tenra idade. Professores capacitados e preocupados com a promoção da saúde no ambiente escolar também se preocupam em preparar as crianças para o ambiente relacional.

A preocupação e a abordagem sobre o preconceito e a exclusão de qualquer natureza também devem fazer parte do currículo da escola promotora da saúde. É sabido que a inclusão social é um potencial indicador de saúde e a felicidade deve ser o termômetro indicativo do ser humano, tendo ou não necessidades especiais.

Ao término deste estudo verificamos que não foi possível propor um processo de educação continuada, para que as escolas se tornassem promotoras de saúde, entretanto podemos afirmar que com os dados e a análise dos mesmos foi possível identificar o conhecimento, interesse e necessidade que os professores têm em capacitações de temas relacionados à saúde e educação em saúde. Sendo assim, acredita-se que esta pesquisa pode se tornar uma fonte rica para que este processo seja desencadeado por aqueles que permanecem trabalhando tanto na USF como nas Escolas.

Compreende-se que há necessidade de articular além de ações pontuais de educação em saúde outras que sejam planejadas e realizadas durante todo o ano letivo por meio de ações interdisciplinares e intersetoriais estabelecendo fluxos e ações contínuas entre as Secretarias de Saúde e de Educação. A proposta é que se realize um trabalho contínuo, que faça parte do cronograma de atividades curriculares das escolas, como temas transversais, que abordem à saúde de forma positiva com enfoque na qualidade de vida.

As ações dos profissionais de saúde nas atividades intersetoriais também precisam se distanciar das antigas relações de saúde e educação, é preciso criar vínculos e envolver os professores de forma participativa, respeitando os diferentes saberes e necessidades.

Enfim, vimos que este estudo não esgota a discussão sobre esta temática, e sim remete a novos debates que necessitam de aprofundamento, assim como possibilita novas formas de abordagem que contribuirão para a formação de cidadãos que mais tarde possam mudar as relações sociais, tornando-as mais justas, afetivas, éticas, solidárias, enfim, uma sociedade melhor do que a em que vivemos atualmente.

Ainda como última colocação é preciso dizer que apesar das autoras não estarem mais trabalhando diretamente com os professores e escolas que fizeram parte deste estudo, a responsabilidade e o compromisso com os mesmo, por meio da devolutiva dos resultados, ficaram garantidos. Os resultados da pesquisa, juntamente com este artigo, serão entregues a Secretaria Municipal de Saúde e de Educação.

 

REFERÊNCIAS

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Recebido em: 03/03/2008
Modificado em: 25/06/2008
Aprovado em: 30/08/2008

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