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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. v.18 n.3 São Paulo dez. 2008

 

PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH

 

Os aspectos que compõem o conceito de imagem corporal pela ótica do adolescente

 

The aspects that composes the body image's construct by the adolescent's view

 

 

Maria Aparecida Conti

Doutora em Saúde Pública. Especialista em Psicologia Clínica. Pesquisadora do AMBULIM - Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina/USP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo é identificar os construtos do conceito imagem corporal presentes nos discursos dos adolescentes e relacioná-los à produção nacional. Para tanto, desenvolveu-se um estudo exploratório transversal com adolescentes, em uma instituição particular de ensino do ABC paulista. Aplicou-se uma entrevista semi-estruturada, utilizando-se a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo, embasada no conceito das Representações Sociais. A tabulação dos dados ocorreu por meio da utilização de três figuras metodológicas: idéia central, expressões-chave e o Discurso do Sujeito Coletivo. Nos depoimentos de 121 jovens, foram registradas 200 expressões-chave que foram agrupadas em seis idéias centrais: 1) aspecto afetivo (31,5 %); 2) aspecto cognitivo (29,5 %); 3) aspecto descritivo (20,5 %); 4) "normal" (9,0 %); 5) aspecto comportamental (8,50 %) e 6) dependente da situação (1,0 %). Conclui-se pelos Discursos do Sujeito Coletivo que o conceito de imagem corporal é multidimensional, apresentando-se de forma equilibrada quanto aos aspectos afetivo, cognitivo e descritivo. Em pesquisas envolvendo o tema imagem corporal, é necessário esclarecer qual o aspecto a ser avaliado, para assim optar-se pelo melhor instrumento.

Palavras-chave: Imagem corporal; pesquisa qualitativa; adolescência;  representação social.


ABSTRACT

The aim of this study was to recognize the construct of the body image in the young's discourse and to relate them it the national researches. For that an explorer cross-section study was carried out with adolescents of a private school in SP, ABC Paulista. Semi-structured interview were applied using The Discourse of the Collective Subject' technique based in the Social Representation' concept. Data were tabulated using three methodological approaches: central idea; key expressions and discourse of the collective subjective. Discourses of 121 adolescents was evaluated, 200 key expressions was grouped in six central idea: 1) affective aspect (31.5%); 2) cognitive aspect (29.5%); 3) descriptive aspect (20.5%); 4) normal (9.0%); 5) behavior aspect (8.5%) and 6) depends on the situation (1.0%). The study concluded by the Discourse of the Collective Subject that the body image construct seemed to be multidimensional, presenting itself of form balanced between the aspects affective, cognitive and descriptive. In researches involving the construct "body image" is necessary to have clearly which the aspect will be evaluate for then choose the best instrument.

Keywords: Body image; qualitative research; adolescence; social representations.


 

 

INTRODUÇÃO

A imagem corporal refere-se a um construto complexo e multifacetário que envolve, no mínimo, aspectos perceptuais, afetivos, cognitivos e comportamentais das experiências corporais.1 Schilder2 define-a como uma imagem do corpo formada na mente do indivíduo, ou seja, o modo como o corpo apresenta-se para este indivíduo, envolvido pelas sensações e experiências imediatas.

Banfield e McCabe3 exploram este tema e avaliam a imagem corporal sob três fatores: afeto e cognição referentes ao corpo, percepção da imagem corporal e importância corporal e comportamentos alimentares. Para as autoras, a dimensão afetiva refere-se aos sentimentos pessoais envolvendo a aparência corporal e o aspecto cognitivo, aos pensamentos e crenças sobre esta aparência e tamanho corporal. Os aspectos perceptivos relacionam-se à exatidão no julgamento do indivíduo quanto ao seu tamanho, formato e peso corporal em relação a sua apresentação atual. Por fim, o aspecto comportamental que diz respeito às atitudes voltadas para a corporeidade.

Das fases do desenvolvimento humano, talvez a adolescência seja a mais significativa para a estruturação da imagem corporal. Para Osório4, na adolescência, o indivíduo conquista a imagem corporal definitiva, como também a estruturação final de sua personalidade. A adolescência configura-se como um período de passagem para a fase adulta, caracterizando-se pelas mudanças e adaptações das capacidades no âmbito produtivo e reprodutivo.5 Este período normalmente inicia-se com a manifestação dos primeiros sinais da puberdade e abrange também importantes mudanças psicológicas e sociais.6 Os adolescentes representam 19% da população mundial7; no Brasil, tem-se 20,8% de jovens (10 a 24 anos); já no Estado de São Paulo, este valor é de 17,7%.8,9

O campo de estudo e pesquisa relacionados à imagem corporal data do início do século passado. Cash e Pruzinsky1 descrevem quatro fases no decorrer deste período. A primeira fase caracterizou-se pelo esforço clínico em compreender as formas de neuropatologias das experiências corporais. O foco da segunda foram as experiências corporais nas distorções perceptivas, induzidas por lesões cerebrais. A terceira fase caracterizou-se pelos estudos sob a perspectiva psicoanalítica e psicodinâmica. Já na última fase, foi proposta uma teoria integrativa, relacionando informações de várias áreas da psicologia experimental, considerando a experiência corporal como multidimensional.

No cenário brasileiro, as pesquisas relacionadas à imagem corporal iniciaram-se na década de 90. Um dos estudos precursores foi o desenvolvido por Cordás e Castilho10 que apresentaram uma versão do Questionário de Imagem Corporal (Body Shape Questionnaire- BSQ)11 para o português, com o intuito de se avaliar a insatisfação corporal de pacientes com transtornos alimentares. A partir de então, diversas pesquisas têm sido realizadas sobre o tema, podendo ser classificadas de acordo com seus objetivos. Estes variam entre aspectos relacionados: às questões conceituais, para a compreensão das bases teóricas12-16; à avaliação de populações específicas, mensurando-se a imagem corporal destes grupos com diversos instrumentos17-27; e estudos de validade e reprodutibilidade de métodos, para adequação dos instrumentos aplicados.28-31

A respeito dos estudos que avaliam a imagem corporal, observa-se a aplicação de inúmeros instrumentos que mensuram aspectos específicos do construto "imagem corporal". Atualmente, há no mínimo cinqüenta medidas disponíveis para esta avaliação.32 Os instrumentos mais usados em estudos populacionais são os questionários e as escalas de silhueta, devido à sua praticidade de aplicação e correção.33

Nas pesquisas nacionais, o instrumento mais aplicado é o BSQ.17,19,25,27 Este fornece uma avaliação contínua e descritiva das insatisfações da imagem corporal em populações clínicas e não clínicas. Trata-se de um questionário de 34 itens de auto-preenchimento na forma de escala Likert de pontos, com o objetivo de mensurar a preocupação com a forma e peso corporais nas últimas quatro semanas, especialmente a freqüência com que indivíduos com e sem transtornos alimentares experimentam a sensação de se "sentirem gordo (a)s". Para Ghaderi e Scott,34 o BSQ avalia o aspecto afetivo da imagem corporal.

As escalas de silhuetas, também amplamente utilizadas para avaliação da imagem corporal, se caracterizam pelos desenhos de figuras humanas. Por meio deste instrumento, o sujeito escolhe, em uma série que varia do mais magro ao mais gordo, a imagem que mais se aproxima de como se percebe e outra aquela que se aproxima de como gostaria de ser.20,24-26,28,30 Desta forma, são identificadas informações acerca da insatisfação em relação à imagem corporal, sendo esta entendida como o valor da diferença entre o corpo real (percebido) e o ideal (desejado). Outro instrumento ainda aplicado são as escalas de áreas corporais22,23, que apresentam diversas áreas corporais; o sujeito deve avaliar, em uma escala Likert de pontos, seu grau de satisfação, que varia da plena insatisfação à plena satisfação.32

Por fim, a técnica do desenho da figura humana18 corresponde a uma avaliação de exatidão perceptiva do indivíduo. Questões como tamanho, formato, aspecto apresentado e peso relatados são avaliados em relação à apresentação atual do sujeito. Nesta técnica, solicita-se inicialmente ao entrevistado para que desenhe uma figura humana; em seguida, é realizada uma nova solicitação para que faça um novo desenho, agora de outro sexo. Acredita-se que este instrumento explora em profundidade os aspectos afetivos e cognitivos do construto imagem corporal.

Considerando as várias possibilidades de medidas para avaliação da imagem corporal, alguns cuidados são necessários para que o pesquisador não incorra em erros que inviabilizem seu estudo.35 A seleção cuidadosa do instrumento no estudo é indispensável para que sejam identificadas as informações almejadas. Além disso, é de extrema importância a definição, a priori, dos aspectos a serem avaliados nos estudos relacionados à imagem corporal. As pesquisas relacionadas a este aspecto abordam a multidimensionalidade deste construto, possibilitando o acesso a numerosas informações. Deve-se considerar ainda que este tema é relativamente novo na área científica e há pouco conhecimento, em especial no cenário brasileiro.

Nesse sentido, a presente pesquisa caracteriza-se por ser exploratória, sinalizando e salientando este cuidado metodológico necessário para a caracterização do conceito de imagem corporal. Desta forma, o objetivo é identificar no discurso dos jovens os aspectos seriam revelados, as proporções e sua relação com os estudos nacionais.

 

MÉTODO

Este estudo foi realizado em uma instituição da rede particular de ensino no ABC paulista, em São Bernardo do Campo - SP, com jovens do Ensino Fundamental I e Fundamental II, regularmente matriculados, na faixa etária de 10 a 18 anos de idade.

Participantes

A amostra selecionada foi intencional36,37, correspondendo a 121 adolescentes. Todos os jovens que participaram da pesquisa de Doutorado (386 jovens) foram convidados a participar e aqueles que se disponibilizaram foram entrevistados individualmente. A participação foi voluntária e a coleta de dados ocorreu em dezembro de 2006 em uma sala restrita, disponibilizada pela direção escolar.

Procedimento

Antecedendo a trabalho de campo, em setembro de 2006, foi realizado um pré-teste com 4 adolescentes, de ambos os sexos, na faixa etária de 13 anos, da mesma instituição. Pode-se confirmar a compreensão do procedimento, o que implicou na manutenção do mesmo.

Aplicou-se a técnica da entrevista semi-estruturada, individualmente, com a gravação em fita magnética. Ao início da entrevista, foi solicitado ao jovem que fechasse os olhos e que formasse uma imagem acerca de seu corpo. Após esta sensibilização, foi solicitado ao adolescente que respondesse à seguinte pergunta: "Como percebe esta imagem criada sobre você? Fale um pouco disto". A duração das entrevistas variou de 3 a 7 minutos.

As entrevistas foram transcritas em um editor de texto e relidas em sua íntegra. Para análise do conteúdo discursivo, utilizou-se a técnica de análise do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), que consiste em utilizar um instrumento de tabulação e organização dos dados qualitativos com a aplicação das figuras metodológicas: "expressões-chave"; "idéias centrais" e o "Discurso do Sujeito Coletivo" (DSC).38

Esta técnica embasa-se no conceito das Representações Sociais, como uma forma de expressar diretamente a representação social de um dado sujeito social. Para tanto, agrega-se em um discurso-síntese os conteúdos discursivos de sentido semelhante emitido por pessoas distintas.39 Assim, cada indivíduo entrevistado contribui com sua cota de fragmento de pensamento para o pensamento coletivo. Para a elaboração dos DSC, utilizou-se o programa Quali-quantisoft, versão 1.3C.

A pesquisa foi desenvolvida de acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e aprovada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (Protocolo de Pesquisa: 1377). Os pais e/ou responsáveis dos adolescentes participantes deste estudo assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

RESULTADOS

Participaram do estudo 121 jovens, sendo 76 destes do sexo feminino e 45 jovens do sexo masculino, na faixa etária de 11 a 18 anos, com a idade média de 13,8 anos (desvio padrão = 2,1 anos), cursando da quinta série (Ensino Fundamental I) ao terceiro ano colegial (Ensino Fundamental II).

Das respostas, extraíram-se 200 expressões-chave que foram agrupadas em seis idéias centrais: 1) aspecto afetivo" (31,5 %); 2) aspecto cognitivo (29,5 %); 3) aspecto descritivo (20,5 %); 4) "normal" (9,0 %); 5) aspecto comportamental (8,5 %) e 6) dependente da situação (1,0 %). As freqüências dos discursos ficaram equilibradas entre os aspectos afetivos (31,5 %), cognitivos (29,5 %); e descritivo (29,5 %).

Na Tabela 1, observam-se as idéias centrais e trechos dos DSC que identificaram o aspecto afetivo na construção do conceito da imagem corporal. Foi utilizado como critério para tabulação e organização dos conteúdos discursivos a seleção de palavras como "gosto", "satisfeito", "gosto de algumas partes" e "não gosto" para o respectivo agrupamento.

 

 

Apresentam-se na Tabela 2 as idéias centrais e os discursos com representações sociais que identificam o aspecto cognitivo na elaboração do conceito da imagem corporal. Palavras como "imagino", "acho", "considero" e "penso" foram utilizadas para a tabulação e organização dos conteúdos discursivos.

 

 

A Tabela 3 apresenta as idéias centrais e trechos dos DSC que identificam o aspecto descritivo na construção do conceito da imagem corporal. Palavras como "percebo" e a descrição em si das partes corporais foram utilizadas para a tabulação e organização dos conteúdos discursivos. Somente para este item há a descrição segundo o sexo devido às significativas diferenças observadas.

 

 

Observam-se, na Tabela 4, as idéias centrais e os discursos com representações sociais que expressam os conteúdos que identificam o aspecto comportamental na elaboração da imagem corporal. Frases como "tenho necessidade de trabalhar fisicamente", "tentar emagrecer" e "procurei me cuidar" foram utilizadas para a tabulação e organização dos conteúdos discursivos.

 

 

Na Tabela 5, registram-se as idéias centrais e os discursos com representações sociais que expressam os conteúdos que identificam o aspecto "normal" e "dependente da situação" na elaboração da imagem corporal. O aspecto "normal" (9,0 %) foi tabulado em separado devido à constante citação por parte dos adolescentes; no entanto, complementa a idéia central do aspecto descritivo.

 

 

DISCUSSÃO

A aplicação da Teoria das Representações Sociais como estratégia metodológica possibilita o resgate das imagens construídas acerca do real, com a sua manifestação realizada por meio da linguagem, dos sentimentos e das próprias condutas.37 No caso do presente estudo, o grupo identificou alguns conceitos que envolvem o tema "imagem corporal", o que pôde ser confirmado pelos pressupostos teóricos já existentes.3,1

Para Oliveira e Roazzi40, a elaboração das representações sociais se dá na fronteira entre o social e psicológico, nos processos das trocas sociais, sendo estas capazes de estabelecer conexões entre as abstrações do saber e das crenças e o aspecto concreto do dia-a-dia do sujeito, em suas trocas com o meio. Perminte-se assim articular os aspectos objetivos e concretos da vida com os aspectos simbólicos.

Na técnica do DSC, fragmentos dos discursos individuais são agrupados, dando corpo ao final, em um único discurso, uma síntese, que se compõe no DSC, como representação social do grupo estudado, sendo esta a expressão das crenças, opiniões e valores do mesmo.38,39 No discurso dos jovens, os aspectos centrais que compuseram o conceito "imagem corporal" foram claramente descritos. Houve um equilíbrio entre três destes: o afetivo, o cognitivo e descritivo (perceptivo).

Os estudos nacionais publicados até então com enfoque no tema da imagem corporal exploram o grau de satisfação corporal, sendo este avaliado como aspecto afetivo do construto "imagem corporal". Para tanto, há a aplicação de algumas técnicas distintas de mensuração. Isto pode ser observado nas pesquisas desenvolvidas por Conti et al.22,23, em que foi aplicada uma escala de áreas corporais, e no estudo de Pinheiro e Giugliani26, em que foi utilizada uma escala de silhueta. Nos dois primeiros estudos, constatou-se que a insatisfação estava relacionada ao sexo feminino, ao excesso de peso e à maturação sexual; e já no terceiro, que 82 % de jovens entrevistados estavam insatisfeitos com sua imagem corporal, 55 % almejavam ter um corpo mais magro e 28% desejavam ter um corpo maior, para meninas e meninos, respectivamente.

No discurso dos jovens foi possível registrar uma oscilação entre gostar, gostar de algumas partes e não gostar do corpo, correspondendo a 31,5 % das idéias centrais. A satisfação corporal e os fatores relacionados à mesma, como sexo, idade, estado nutricional, entre outros, ainda não foram completamente explorados, com alguns pesquisadores pontuando a necessidade de uma maior atenção a estes aspectos.1 Sabe-se que meninas revelam uma maior insatisfação, com preferência por corpos magros e esguios. Já meninos mostram sua insatisfação revelando a preferência por corpos grandes e musculosos.34 Pela perspectiva sociocultural, segundo Jackson41, é possível compreender esta diferença, pois meninos e meninas recebem diferentes estímulos culturais e sociais, os quais influenciam diretamente em valores e comportamentos individuais.

O aspecto cognitivo foi registrado em 29,5 % das idéias centrais no discurso dos jovens. Mesmo pesquisando uma população distinta do presente estudo, Almeida et al.18, com a aplicação da técnica do desenho da figura humana, pesquisaram a auto-imagem de 30 mulheres com obesidade mórbida e de 30 mulheres não obesas. Constataram que as obesas apresentavam dificuldades em expressar, simbolicamente, sua vivência corporal, sugerindo a presença de indicadores de inferioridade, deslocamento e preocupação com o corpo e a beleza.

Vale ressaltar que o limiar que separa um aspecto do outro, como por exemplo o afetivo e o cognitivo, em relação ao conceito imagem corporal é muito tênue. Isto pode ser observado no discurso dos jovens, que julgam seu sentimento; ou seja, utilizam a função cognitiva para avaliar o seu sentimento em relação ao corpo. Como saída, os pesquisadores priorizam alguns construtos, dando ênfase aos objetivos do seu estudo.

Em relação aos aspectos perceptivos, foi observado que as meninas mostraram-se mais detalhistas em relação ao sexo masculino. A estimação do tamanho e forma corporais segundo o sexo é um dos aspectos mais explorados nos estudos de imagem corporal, provavelmente, pela fácil aplicação e correção de instrumentos que mensuram esta dimensão.

Pesquisas como a de Damasceno et al.20 e Branco et al.25 confirmam esta idéia. No primeiro estudo, utilizando a escala de silhuetas de Stunkard42,43, constataram que 24,4 % das mulheres e 18 % dos homens referiram satisfação com o corpo, e que os homens expressaram maior desejo em ter um corpo mais forte e volumoso, com baixo percentual de gordura. Para as mulheres, o tipo físico ideal é um corpo magro e menos volumoso. Já no segundo estudo, adotando o mesmo instrumento para avaliação, os pesquisadores relacionaram o estado nutricional com a percepção e satisfação da imagem corporal de 1.009 adolescentes, de ambos os sexos. Verificaram que a insatisfação com a imagem corporal foi mais prevalente entre os adolescentes com sobrepeso e obesidade, com destaque para as meninas. Concluíram que os meninos tendem a aceitar a sua imagem corporal, independentemente do estado nutricional, e as meninas demonstram maior preocupação com a imagem corporal, motivo este responsável pela manutenção de um padrão eutrófico.

Da mesma forma, Veggi et al.21 avaliaram a percepção do peso, o Índice de Massa Corporal (IMC) e transtornos mentais comuns entre 4.030 funcionários adultos de ambos os sexos de uma universidade no Rio de Janeiro. Para avaliar a percepção de peso, os autores basearam-se na auto-percepção do peso corporal, por meio da classificação em cinco categorias: muito acima do ideal, um pouco acima do ideal, ideal, um pouco abaixo do ideal ou muito abaixo do ideal e concluíram que a percepção inadequada do peso corporal, independentemente do IMC, estava associada à presença dos transtornos mentais, como sentimentos de tensão, depressão, incapacidade de lidar com situações habituais, ansiedade e falta de confiança, comuns nas mulheres, mas não nos homens.

Almeida et al.24 investigaram a percepção do tamanho e formas corporais de 150 mulheres da cidade de Ribeirão Preto-SP, aplicando a escala de silhuetas de Stunkard.42 Independentemente do estado nutricional, as escolhas dos tamanhos normais e ideais foram associadas às representações de baixo peso. Concluiu-se que as diferenças entre a adequação da percepção real e ideal são relevantes, pois, sinalizam a direção das dificuldades expressas pela população pesquisada, relativas à auto-percepção corporal.

O aspecto comportamental correspondeu a 8,5 % das idéias centrais. Idéias como "fazer regime", "usar medicação" e "me cuidar bastante" fazem parte do repertório vivencial destes jovens. Mesmo com populações distintas, é possível observar na literatura relatos do quanto a atitude em relação à imagem corporal se faz presente. Lemes et al.17 entrevistaram adultos obesos e com sobrepeso, de ambos os sexos, em um Spa médico no interior de São Paulo, por meio do BSQ11, e observaram alterações graves da imagem corporal, mesmo com pesos adequados para o grupo feminino. Já com atletas adultas femininas, com a aplicação do BSQ11, Oliveira et al.40 constataram que 33% das jovens apresentaram leve distorção da imagem corporal, mesmo estando com os valores de gordura corporal dentro dos padrões esperados para a idade e sexo.

A pesquisa de Kakeshita e Almeida27 avaliou a relação entre o IMC e a percepção da auto-imagem com 106 estudantes universitários por meio de uma escala de silhuetas desenvolvida pelos próprios autores, segundo diferentes métodos psicométricos (escolha, limiar absoluto e visual analógico) e o BSQ.11 Os autores concluíram que tanto homens como mulheres apresentaram distorção na autopercepção da imagem corporal, subestimando-a (mulheres obesas e homens, independentemente do estado nutricional) ou superestimando-a (mulheres eutróficas ou com sobrepeso), sugerindo insatisfação com a imagem corporal, considerando o desejo de ter corpos mais magros.

Interessante observar que o aspecto social foi identificado nos discursos analisados neste estudo. Ou seja, para os jovens, dependendo da situação há um tipo de percepção corporal. Este discurso correspondeu a 1% das idéias centrais, e trata-se de um aspecto ainda não foi explorado em pesquisas nacionais.

Em suma, observou-se nos discursos dos jovens um equilíbrio entre os aspectos afetivo, cognitivo e perceptivo. Em relação aos estudos nacionais, a maior freqüência deu-se para os aspectos afetivo e perceptivo, com a aplicação de questionários, escalas de silhuetas e de áreas corporais.

Cabe salientar que a presente pesquisa avaliou o discurso de uma única população sob a perspectiva do método qualitativa, implicando em algumas limitações. A principal delas diz respeito a um único olhar em relação ao tema pesquisado. Sendo assim, pode-se identificar os construtos que compõem o conceito "imagem corporal" e sua freqüência; no entanto, são necessários estudos com populações distintas, envolvendo diferentes faixas etárias e circunstâncias, como indivíduos com transtornos alimentares, obesidade e limitações físicas.

Foi possível reafirmar, por meio dos discursos construídos dos adolescentes, a multidimensionalidade do conceito "imagem corporal". Para os jovens, os aspectos perceptivos, afetivos, cognitivos e sociais compõem o conceito "imagem corporal". Por ser uma nova área em construção mais estudos são necessários para se conhecer com maior propriedade os aspectos teóricos que envolvem o tema, bem como os fatores a ele relacionados, como por exemplo, os diferentes estilos de vida, prática esportiva, qualidade dos relacionamentos interpessoais, qualidade dos relacionamentos familiares, entre outros mais.

 

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Endereço para correspondência
Maria Aparecida Conti
AMBULIM - Instituto de Psiquiatria
Faculdade de Medicina - USP
Rua: Dr. Ovídio Pires de Campos, 785, 2 º andar
São Paulo - 05403-010.São Paulo, SP - Brasil
Tel./Fax: 11- 3069-6975 / 4229-5180.
E-mail: maconti@usp.br

Recebido em: 26/07/2008
Modificado em: 28/08/2008
Aceito em: 25/11/2008
Apoio CNPq: Processo: 140097/2005-8

 

 

Estudo baseado na Tese de Doutorado intitulada: A imagem corporal de adolescentes: validação e reprodutibilidade de instrumentos.

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