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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.20 no.3 São Paulo  2010

 

PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH

 

Análise do desenvolvimento motor de crianças de zero a 18 meses de idade: representatividade dos ítens da alberta infant motor scale por faixa etária e postura

 

Analysis of motor development of infants from zero to 18 months of age: representativeness of the motors items of the alberta infant motor scale by age and posture

 

 

Raquel SaccaniI; Nadia C. ValentiniII

IDoutoranda em Ciências do Movimento Humano - ESEF/UFRGS; Rio Grande do Sul-Brasil
IIPhD. at Health And Human Performance - Auburn University; Alabama-EUA / Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Correspondência para

 

 


RESUMO

OBJETIVO: avaliar o desenvolvimento motor de bebês de 0 a 18 meses de idade e a representatividade dos critérios motores na avaliação infantil propostos na Alberta Infant Motor Scale (AIMS).
MÉTODO: estudo transversal e observacional, no qual participaram 561 crianças avaliadas com a AIMS, com idade entre 0 e 18 meses, provenientes de Creches, Escolas de Educação Infantil, Unidades Básicas de Saúde e Entidades da Região Sul-Rio-Grandense.
RESULTADOS: o desenvolvimento motor de 63,5% foi considerado normal para idade e 36,5% apresentaram atrasos ou suspeita de risco, sendo que os bebês com idade entre 3 e 12 meses foram os que demonstraram pior desempenho. Foi observado uma inferioridade nos comportamentos motores referentes as posturas prono e em pé e uma maior sensibilidade da AIMS na análise dos comportamentos motores no 1º ano de vida, sendo poucos os ítens para diferenciar crianças com desenvolvimento a partir de 12 meses.
CONCLUSÕES: observou-se sequência progressiva do aparecimento de habilidades motoras nas posturas avaliadas, embora algumas crianças com desenvolvimento motor inferior ao esperado para idade. A escala apresenta um desequilíbrio, ou seja, uma descontinuidade na intensidade dos níveis de dificuldade, nas diferentes idades. Sugere-se que os fatores idade, controle postural e instrumento de avaliação influenciaram no desenvolvimento motor das crianças.

Palavras-chave: desenvolvimento infantil; destreza motora; fatores de risco


ABSTRACT:

OBJECTIVE: evaluate the motor development of infants from 0 to 18 months and the representativeness of the motors items in the child assessment proposed by Alberta Infant Motor Scale.
METHOD: transversal and observational study, causal comparative, where in participated 561 infants, evaluated with the AIMS, aging from 0 to 18 months, coming from Kinder gardens, Children Education schools, Health Basic Units of Rio Grande do Sul.
RESULTS: The motor development of 63, 5% were considered with a normal for their age and 36,5% presented delays or delay´s risk, is that, the infants aging from 3 to 12 months were the ones with the worst development. It was found inferiority in the motor behaviors regarding the prono and standing postures and a bigger AIMS sensibility analysing motor behaviors in the first life year, considering that it is hard to notice children development from 12 months.
CONCLUSIONS: observed progressive sequence of appearance of motor abilities in the evaluated postures, although some children were considered with an inferior motor development according to what was expected by their age. The scale has a inbalance, a discontinuity in intensity of difficulty´s levels, at diferents ages. It is suggested that the age-factor, postural control and evaluation instrument influenced in the motor development of the infants.

Key words: child development; motor skills; risk factors.


 

 

INTRODUÇÃO

As aquisições e o desenvolvimento de habilidades motoras ocorrem com ritmos diferenciados entre os indivíduos, observando-se grande variabilidade entre desempenhos ainda na primeira infância, a qual é decorrente da maturação neurológica, das especificidades da tarefa e oportunidades do ambiente1,2.

Atrasos no desenvolvimento motor têm sido foco de estudo de muitas áreas da saúde, enfatizando a importância da avaliação e identificação precoce de alterações comportamentais. Por meio de um diagnóstico precoce, a intervenção pode ser propiciada ainda no primeiro ano de vida, tendo a plasticidade neural como fator de otimização de aquisições motoras3,4, porém, este tem sido um desafio constante para profissionais da saúde e/ou pesquisadores5,6.

Apesar do grande número de estudos direcionados a descrição do desenvolvimento motor na primeira infância, poucos são os estudos caracterizando especificamente, as principais aquisições comportamentais nos primeiros dois anos de vida, cujos resultados indicam que o desenvolvimento segue um ritmo instável, com períodos em que o bebê adquire muitas habilidades e outros marcados por platôs comportamentais, além de uma inferioridade no controle postural referente as posturas prono e em pé 7.

O enfoque atual está na investigação da relação entre os fatores de risco e os componentes neuromotores do movimento o que não deixa de ser relevante, uma vez que são fundamentais na predição das trajetórias do desenvolvimento motor, possibilitando o conhecimento das alterações e aquisições desenvolvimentais na infância8-15.

A adequada caracterização motora nos primeiros anos de vida depende do uso de instrumentos avaliativos adequados5,6. Porém, especificamente para a primeira infância, são escassos os instrumentos psicometricamente validados e padronizados para população brasileira. A Alberta Infant Motor Scale (AIMS), embora ainda não validada no país, tem sido frequentemente utilizada devido a uma base teórica, praticabilidade na aplicação e características métricas7,10-17.

Contudo, a distribuição dos critérios motores da AIMS e a sensibilidade da escala as mudanças comportamentais das crianças em diferentes posturas e faixa etárias, têm sido questionadas em alguns estudos 18-21.

Devido ao impacto do atraso no desenvolvimento motor no que se refere ao desenvolvimento futuro da criança, é fundamental observar a qualidade dos movimentos, identificando as principais aquisições e comportamentos motores esperados para cada idade e seus possíveis fatores de influência.

A caracterização do desenvolvimento motor, bem como a identificação dos métodos mais adequados para tal atividade são necessárias visando à elaboração de propostas interventivas adequadas e convenientes à situação de cada criança, contribuindo para a formação de um repertório motor rico e diversificado, provedor de futuras ações habilidosas, organizadas e complexas.

Desta maneira o objetivo é avaliar o desenvolvimento motor nas posturas prono, supino, sentado e em pé, em crianças de zero a 18 meses, bem como analisar como os critérios motores da Alberta Infant Motor Scale representam e diferenciam os comportamentos quanto aos fatores idade e controle postural.

 

MÉTODO

Participantes

Estudo desenvolvimental, com delineamento transversal e observacional, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFRGS (nº 2008018), no qual participaram 561 crianças, com idade entre zero e 18 meses, provenientes de Creches, Escolas de Educação Infantil, Unidades de Saúde e Entidades da Região Sul-Rio-Grandense, pertencentes as cidades de Porto Alegre, Erechim e Antônio Prado.

Os participantes do estudo foram incluídos de forma consecutiva, procurando adequada representatividade amostral em cada faixa etária, mediante autorização das instituições e a assinatura do termo de consentimento esclarecido pelos pais, obedecendo aos seguintes critérios: (1) idade entre zero e 18 meses; (2) brasileiros; (3) sem participação em programas de intervenção; (4) com termo de consentimento livre e esclarecido assinado pelos responsáveis. Foram fatores de exclusão afecções osteomioarticulares (fraturas, lesão nervosa periférica, infecção ósteo-muscular, entre outras reportadas por cuidadores).

Das 561 crianças avaliadas, 291 foram do sexo masculino (51,9%) e 270 do sexo feminino (48,1%) e 120 crianças nasceram pré-termo (IG < a 36 semanas) e 423 a termo. A média de idade foi de 9,35 meses (DP + 5,05), sendo a idade mínima de 0 e a máxima de 18 meses, agrupados por faixa etária (em trimestres), distribuídos nas seguintes frequências: 78 crianças com idade entre 0 a 3 meses (13,9%); 107 crianças com idade entre 4 e 6 meses (19,1%); 97 crianças com idade entre 7 e 9 meses (17,3%); 95 crianças com idade entre 10 e 12 meses (16,9%); 110 crianças com idade entre 13 e 15 meses (19,6%); 74 crianças com idade entre 16 e 18 meses (13,2%).

Instrumentos e Procedimentos

Foi utilizada a Alberta Infant Motor Scale, uma escala avaliativa, observacional, desenvolvida para avaliar aquisições motoras de crianças do nascimento até os 18 meses de idade. Composta por 58 ítens agrupados em quatro sub-escalas que descrevem o desenvolvimento da movimentação espontânea e de habilidades motoras em quatro posições básicas: prono (21 ítens), supino (9 ítens), sentado (12 ítens) e em pé (16 ítens).

Durante a avaliação, o examinador observa a movimentação da criança em cada uma das posições, levando em consideração aspectos tais como a superfície do corpo que sustenta o peso, postura e movimentos antigravitacionais22.

O escore consiste na escolha dicotomizada para cada item avaliado como observado (criança demonstra os descritores motores associados ao item) ou não observado. Cada item observado no repertório das habilidades motoras da criança recebeu escore 01 (um) e cada item não observado recebe escore zero.

Os ítens observados em cada uma das sub-escalas são somados resultando em quatro sub-totais, onde o escore total (zero - 58 pontos) resulta da soma desses sub-totais. O escore total é convertido em percentil de desenvolvimento motor, seguindo os seguintes critérios de classificação: a) desempenho motor normal/esperado: acima de 25% da curva percentílica; b) desempenho motor suspeito: entre 25% e 5% da curva percentílica; c) desempenho motor anormal: abaixo de 5% da curva percentílica22.

As crianças foram avaliadas com o mínimo de manipulação, em suas residências ou instituições de origem.

Todas as crianças foram filmadas durante a avaliação. Três avaliadores independentes (duas fisioterapeutas e uma educadora física), com treino de mais de 2 anos no uso da AIMS avaliaram e categorizaram o comportamento motor da crianças utilizando-se dos vídeos. O índice de concordância entre avaliadores oscilaram entre α = 0,86 e α = 0,99, indicando um forte concordância entre os resultados encontrados pelos 3 avaliadores.

Além disso, através do Teste de Friedman e Teste de Wilcoxon, não foi encontrada diferença significativa entre as respostas dos diferentes avaliadores (p > 0,05).

Para caracterização geral da amostra, foi entregue aos responsáveis um questionário referente a aspectos pré, peri e pós-natais dos bebês: (1) data de nascimento; (2) semanas de gestação; (3) índice de apgar; (4) peso ao nascer; (5) comprimento ao nascer; (6) perímetro cefálico; (7) renda familiar.

Análise dos Dados

Os valores considerados para análise do desenvolvimento motor das crianças foram a pontuação em cada sub-escala, o escore total, o percentil referente a idade corrigida e cronológica e a categorização do desenvolvimento motor.

Para todos os dados coletados foram realizadas análises descritivas das características biológicas por faixa etárias e análises descritivas do desenvolvimento motor nas faixas etárias e posturas.

Os dados foram analisados por meio de estatística descritiva com distribuição de frequência, medidas de tendência central e de variabilidade.

Para avaliar as diferenças entre os percentis e critérios de categorização motoras considerando idade corrigida e cronológica, foi aplicado o teste de correlação de Spearman, Teste de Correlação de Pearson, Teste de Wilcoxon e qui-quadrado de McNemar, conforme distribuição dos dados (paramétricos, não paramétricos) e tipo de variável (qualitativa, quantitativa). Nível de significância de 5% (p < 0,05).

 

RESULTADOS

No que se refere as questões direcionadas aos pais, alguns não responderam o questionário ou deixaram dados incompletos. De forma geral, as crianças apresentaram: índice de apgar no 5° minuto entre 4 e 10, com valor mediano 9 (p25 = 9; p75 = 10); idade gestacional variando entre 20 e 44 semanas (36,87 + 3,93); peso ao nascer maior que 450 g e menor ou igual a 4.970 g (2792 + 831,292); comprimento ao nascer entre 33 e 58 cm (46,77 + 4,147); perímetro cefálico alternando entre 24 e 46 cm (33,34 + 2,88). Na tabela 1 observa-se para resultados das características biológicas por faixa etária.

 

 

Desenvolvimento Motor

Neste estudo foram analisadas as pontuações nas 4 sub escalas (prono, supino, sentado, em pé), o escore total (bruto), o percentil de acordo com a normativa Canadense da AIMS e o critério de categorias para avaliação do desempenho motor das crianças. Tais medidas serão mostradas e distribuídas de forma geral, por faixa etária (trimestre) e por postura.

Desenvolvimento motor geral

Previamente, foi verificada a correlação e diferença entre os dados ao se considerar a idade corrigida e a idade cronológica das crianças, excluindo a possível influência do fator prematuridade existente na amostra. Os dados demonstram correlação forte e positiva entre as duas variáveis (r=0,884; p<0,001), cujo coeficiente de determinação (r2=0,781) indica que um consegue explicar 78% da variabilidade do outro. No entanto, a comparação entre os valores percentílicos apresentou diferença estatisticamente signficativa (p<0,001), informando que os dados observados através da idade corrigida são significativamente mais elevados que observados com a idade cronológica. A significância encontrada para a correção da idade gestacional evidencia a necessidade de utilização desse parâmetro em todas as análises posteriores do desenvolvimento motor das crianças.

Considerando o critério de categorização da AIMS, o teste de McNemar apontou diferença estatisticamente significativa (70,58; p<0,001) ao se considerar classificação corrigida a idade gestacional quando comparada a classificação pela idade cronológica. No confronto direto das duas variáveis, segundo a idade corrigida, verificou-se que das 561 crianças avaliadas, conforme a escala normativa, 12,7% da amostra (71 crianças) demonstrou desenvolvimento motor anormal (escore igual ou menor ao percentil 5); e, 23,9% (134 crianças) desenvolvimento motor suspeito (escore entre o percentil 5 e 25). Os demais 63,5% da população, num total de 356 bebês apresentaram desenvolvimento motor normal ou esperado para idade (escores acima do percentil 25). Ao considerar a idade cronológica, os percentis diminuem significativamente (p < 0,001) e a distribuição das crianças segundo classificação altera-se respectivamente para: 21,0% (118 crianças com desenvolvimento motor anormal), 23,5% (132 crianças com desenvolvimento motor suspeito) e 55,4% (311 crianças com desenvolvimento motor normal), ou seja, diminui o número de crianças caracterizadas como normais para a idade, conforme Gráfico 1.

Quanto ao desenvolvimento motor geral dos bebês avaliados, a média dos escores totais foi 37,41 (+18,88), variando entre 3 e 58 segundo a soma total das 4 sub escalas da AIMS, tendo como valor mediano 43 (p25=19; p75=57). Já os valores percentílicos variaram entre 0 e 100, tendo como média 41,81(+28,86) e mediana 43 (p25=14-p75=71).

Desenvolvimento motor por faixa etária

(Trimestres)

A análise da pontuação dos escores totais (Tabela 2) evidencia uma maior amplitude de variação comportamental no 3° trimestre (DP = 9,07) e 4º (DP = 7,60), sendo que a menor variação foi detectada no 6° trimestre (DP = 1,57) e 1º (DP = 3,30). Embora os escores variem em cada faixa etária, as amplitudes de variação não são muito elevadas já que as crianças estão agrupadas em trimestres, o que aumenta o número de comportamentos a serem considerados. Outro aspecto a ser observado quanto aos escores totais é que a média de valores no 5° e 6° trimestres ficou muito próxima (54,94 e 57,57 respectivamente) demonstrando assim, baixa amplitude de variação nos comportamentos motores entre crianças com idade superior a 13 meses, aspecto confirmado ao se analisar as medianas verificadas nesses dois trimestres, em cada uma das posturas avaliadas.

 

 

Os valores das médias e medianas em cada uma das posturas analisadas, evidenciam que o maior número de aquisições motoras ocorreu entre o 2º e 4º trimestre, sendo que no 3º trimestre grande parte da amostra já havia pontuado todos os ítens referentes as posturas supino e sentado. Ainda, de acordo com a tabela 2, quanto aos demais trimestres analisados, um menor número de aquisições comportamentais foram observadas nas diferentes posturas.

De forma geral, os bebês nos três primeiros meses e a partir do 13 meses de idade apresentam valores percentílicos mais elevados e portanto apresentarão um número inferior de crianças com atraso ou suspeita de atraso motor. A comparação do desenvolvimento motor entre os trimestres, revelou diferença estatisticamente significativa (p < 0,001) entre esses (Gráfico 2). Observa-se que muitas crianças, independentemente da faixa etária, apresentam percentis não adequados para suas respectivas idades.

 

Desenvolvimento motor nas posturas Prono, Supino, Sentado e Em Pé

As crianças obtiveram uma pontuação média nas posturas prono (21 posturas), supino (9 posturas), sentado (12 posturas) e em pé (16 posturas) respectivamente de 13,98 (+ 7,57), 7,37 (+ 2,138, 8,44 (+ 4,38), 7,62 (+ 5,80) (Tabela 2). Ao considerar o números de ítens avaliados em cada postura, esse dado nos indicam uma inferioridade dos comportamentos motores das crianças nas posturas prono e em pé. Ao reportar esses dados a diferentes faixas etárias, nota-se que as pontuações mais baixas, nestas duas posturas, estão concentradas nos dois primeiros trimestres, observando um grande número de aquisições comportamentais a partir do terceiro trimestre.

No 1° e 2º trimestres, as duas posturas que apresentam maior amplitude de variação foram respectivamente: prono, supino e prono, sentado, ao passo que a partir do 3° trimestre prono e em pé são as que demonstram maiores valores de dispersão, quando todos os comportamentos referentes a postura supino (M=9; p25=8-p75=9) e a postura sentada (M=10; p25=9-p75=11) já foram alcançados por grande parte da amostra.

 

DISCUSSÃO

Este estudo buscou descrever e caracterizar o desenvolvimento motor de um grupo de crianças Sul-Rio-Grandenses com idade entre 0 e 18 meses, considerando a idade e controle postural, além de analisar como os ítens da AIMS representam os comportamentos motores de cada faixa etária e postura.

Quanto à utilização da idade corrigida como parâmetro para análise dos valores percentílicos, foi detectada diferença significativa no desempenho motor das crianças ao comparar os resultados sobre a idade cronológica e corrigida, demonstrando a importância de se considerar a correção da idade gestacional ao avaliar o desempenho de crianças até 18 meses de idade. Também foi encontrada maior associação da correção da idade gestacional sobre o cálculo dos escores percentílicos referentes ao 1° trimestre da amostra.

Diante de tais resultados, acredita-se que nos primeiros meses de vida a correção da idade gestacional se faz ainda mais necessária para que a criança demonstre desenvolvimento motor adequado, já que pesquisas tem observado uma tendência de melhora no desempenho motor de lactentes pré-termo com o avançar da idade 11,18,23,24. Pesquisadores propõem que a correção se de até os dois anos de idade e alinhando-se aos achados do presente estudo confirma-se a importância de considerar a idade corrigida em crianças com idade até 18 meses 25.

No presente estudo, observou-se desenvolvimento motor inferior das crianças avaliadas quando comparadas a normativa canadense, demonstrando que 36,6% das crianças apresentam comportamento abaixo do esperado, sendo 12,7% considerados atrasados e 23,9% com suspeita de atraso motor. Comportamento similar em crianças, avaliadas com o mesmo instrumento, foi evidenciado em estudos conduzidos em Londres, Holanda, Taiwan, Canadá e Brasil7,9,18,21,23,24,26. Contudo, dois estudos nacionais, ao avaliar o desempenho motor de bebês pré-termo, observaram normalidade dos comportamentos motores das crianças avaliadas, o que contraria o presente resultado 11,15. Destaca-se que estes estudos usaram amostras pequenas e intencionais em que talvez a variabilidade do desempenho tenha sido provocado pelo viés metodológico. Platôs no desenvolvimento motor tem sido reportados por pesquisadores também em crianças com idades superiores27.

Em geral, poucas foram as aquisições motoras no 1º trimestre e entre o 5º e 6º. Em contrapartida, do 2º ao 4º trimestre os lactentes apresentaram grande quantidade de aquisições posturais e um pico de variação da média dos escores. Além disso, observa-se a variabilidade nos desenvolvimentos ao se observar a tendência de concentração de percentis mais baixos nos 2°, 3° e 4° trimestres.

Acredita-se, portanto, que o ritmo de desenvolvimento é instável, havendo períodos de poucas aquisições motoras e outros marcados por muitas mudanças comportamentais7. Darrah et al. (2003) enfatiza a possibilidade de percentis inferiores não representarem atrasos motores, mas sim períodos de estabilidade nas aquisições.

Em relação aos escores totais, estes aumentaram com o aumento da idade, evidenciando uma certa cronologia e sequência no desenvolvimento motor típico, principalmente no que tange ao controle postural e movimentos antigravitários das crianças22,28, mesmo considerando a influência de fatores externos.

Da mesma forma que os resultados de estudos prévios19, ao analisar o comportamento das crianças frente aos critérios motores da AIMS, pode-se dizer que existe uma certa hierarquia de dificuldade nos ítens, o que possibilita diferenciar nas variadas posturas, crianças com maiores capacidades.

Por conseguinte, este estudo fornece evidência da validade de usar a AIMS não só para avaliar o desenvolvimento geral das crianças, mas também para testar suas habilidades em diferentes posições no espaço.

Quanto à representatividade dos critérios motores da AIMS, o número de aquisições em cada faixa etária e a menor dispersão dos escores totais verificada no 1º e 6º trimestres, demonstra a possibilidade da AIMS não ter número de ítens necessários para representar adequadamente os comportamentos motores dessas faixas etárias, levando ainda em consideração que por se tratar de agrupamento em trimestres, é coerente certa variabilidade comportamental não observada principalmente se considerarmos a igualdade das aquisições motoras entre o 5º e 6º trimestres.

Esse resultado se reforça ao analisar a tendência de percentis inferiores no 2º, 3º e 4º trimestres de vida, onde observou-se maior número de crianças com atraso ou suspeita de atraso.

A literatura, embora demonstre a hierarquia na dificuldade dos critérios motores da AIMS19,22,28, ressalta uma maior sensibilidade da escala na análise dos comportamentos motores no primeiro ano de vida19,21-23. Pressupondo que são poucos os ítens da AIMS que diferenciam crianças com desenvolvimento avançado.

Observa-se uma descontinuidade na intensidade dos níveis de dificuldade da escala nas diferentes idades19, ou seja, uma criança considerada atrasada com 10 meses, pode assim não ser aos 15 meses, conforme estudos de Bartlett (2003), o qual indica que a presente escala pode não servir de ferramenta para predizer o desenvolvimento de crianças, dependendo da idade em que estas forem avaliadas. Assim, diferentes estudos ressaltam a limitação dos ítens da AIMS para as extremidades etárias consideradas pela escala19-21 e desta forma, sugere-se que outros parâmetros sejam utilizados para avaliar o primeiro trimestre de vida e quando a criança alcança a mestria das habilidades rudimentares.

Ao analisar separadamente o desempenho das crianças nas quatro posturas prono, supino, sentado e em pé, detectou-se, independente da idade, grande amplitude de variação das aquisições motoras entre as posturas, com pontuações mais baixas em prono e em pé, o que poderia explicar os escores brutos e percentis inferiores à normativa canadense.

Resultados similares para comportamentos motores na postura prona foram relatados ao avaliar lactentes na Holanda21. Jeng et al.23 indica em seu estudo a inferioridade do desenvolvimento motor de bebês na posição em pé ao analisar a validade da AIMS quando usada em crianças pré-termo em Taiwan23.

No Brasil, Lopes e Tadella7 revelaram tendência similar quanto a resultados da avaliação do desempenho motor de 70 lactentes nascidos a termo, para ambas as posturas, prono e em pé. Contrariamente, estudo realizado em Presidente Prudente/SP, ao avaliar o desenvolvimento motor de bebês pré-termo, evidenciou o andar como semelhante à escala normativa do Canadá e o engatinhar mais precoce em bebês brasileiros15, o que não foi observado no presente estudo.

Essa inferioridade dos comportamentos motores nas posturas prono e em pé podem ser decorrentes de fatores culturais e práticas maternas como predomínio da posição supino ao dormir, carência de experiências nas posturas citadas ou ainda a hipótese de dificuldade na análise da postura ereta em crianças mais novas e da postura prono pelo desconforto demonstrado pelas crianças através do choro.

Estudos prévios confirmam a influência de práticas maternas nas aquisições desenvolvimentais14,29,30, ressaltando que os cuidados voltados à criança podem tanto potencializar seu desempenho, caso haja ênfase na oferta de experiências sensório-motoras, assim como limitar suas aquisições em decorrência de restrições ligadas a tarefas e contextos.

Em contrapartida, se analisarmos os mesmos dados sob o ponto de vista do número de critérios motores destinados à avaliação de cada uma das posturas, observa-se maior representatividade nas posturas prono (21) e em pé (16), o que pode tendenciar a resultados inferiores nessas posições.

Isso pode ser observado também, ao analisar os valores das médias e medianas em cada uma das posturas analisadas no presente estudo, detectou-se que no 3º trimestre grande parte da amostra já havia pontuado todos os ítens referentes às posturas supino e sentado.

Então, dependendo da faixa etária analisada, o número de critérios motores em cada postura pode beneficiar ou prejudicar os resultados de desempenho da criança.

Além disso, pode-se observar que essa distribuição não é uniforme, pois poucas aquisições, principalmente na postura em pé, são descritas para os primeiros meses de idade e dos 12 aos 18 meses, proporcionalmente aos demais meses contemplados pela escala. Ao analisar a postura prono, verificou-se valores de média e mediana similares entre o 4º, 5º e 6º trimestres e o mesmo para a postura em pé, entre o 5º e 6º trimestres.

Esses achados reforçam novamente os pressupostos de pesquisas prévias que indicam maior representatividade e dificuldade dos ítens da AIMS para crianças de três aos nove meses19, assim como os achados de falta de normalidade entre as posturas da escala31, os quais chegam a sugerir a adição de ítens para adequação do grau de dificuldade.

Cabe ainda ressaltar que esses comportamentos motores da amostra estudada nos indicam, de acordo com pesquisas prévias, uma interdependência nas posturas31, ou seja, que pontuações elevadas em determinadas posturas podem compensar atrasos em outras, já que o percentil é calculado a partir da soma das 4 sub escalas. Assim, observou-se na amostra estudada o não alinhamento das janelas desenvolvimentais em cada postura, já que os comportamentos e aquisições motoras nas posturas prono e em pé foram inferiores aos em supino e sentado.

Assim, as crianças do presente estudo apresentaram sequência progressiva do aparecimento de habilidades motoras nas posturas avaliadas, porém parte destas foram consideradas com desenvolvimento motor inferior ao esperado segundo dados normativos da AIMS.

Sugere-se que os fatores idade, controle postural e instrumento de avaliação influenciaram no desenvolvimento motor das crianças.

Observou-se que somente alguns ítens da AIMS são destinados a testar crianças com idade acima de 12 meses, embora exista uma hierarquia dos ítens em cada uma das posições. Desta forma, a AIMS é válida para analisar o desenvolvimento geral das crianças, assim como suas capacidades em diferentes posições no espaço, porém, ao avaliar o desenvolvimento de crianças com idade inferior a três meses e superior a um ano de vida, outras escalas podem ser mais apropriadas e sensíveis a alterações comportamentais.

 

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Correspondência para:
Raquel Saccani
Av.Loureiro da Silva 1788, apt. 209 - Bairro Cidade Baixa
Porto Alegre; Telefone: 05137791851
Email: raquelsaccani@yahoo.com.br

Recebido em 02/02/10
Modificado em 06/07/10
Aceito em 12/08/10

 

 

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Artigo baseado em dissertação de mestrado apresentada a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (outubro de 2009) intitulada: Validação da Alberta Infant Motor Scale para aplicação no Brasil: Análise do desenvolvimento motor e fatores de risco para atraso em crianças de 0 a 18 meses

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