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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.21 no.3 São Paulo  2011

 

PESQUISA ORIGINAL

 

Participação juvenil e promoção da saúde: estratégia de desenvolvimento humano

 

Youth participation and health promotion: strategy for human development

 

 

Jamile Silva GuimarãesI; Isabel Maria Sampaio Oliveira LimaII

IInstituto de Saúde Coletiva, Universidade Federal da Bahia (UFBA). Rua Basílio da Gama, s/n - Campus Universitário Canela, Salvador, Bahia. CEP: 40110-040
IIFaculdade de Direito, Programa de Pós-Graduação em Família na sociedade contemporânea, Universidade Católica do Salvador (UCSAL). Av. Cardeal da Silva, 205 - Campus Universitário Federação, Salvador, Bahia. CEP: 40.231-902

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A participação juvenil tem sido investigada em vários campos do conhecimento. Embora a literatura aborde aspectos relativos às dimensões psicológica, educacional e cívica, a tendência não tem sido a de relacioná-las à perspectiva da saúde. O objetivo é analisar como práticas participativas promovem processos desenvolvimentais saudáveis. Foram consultadas as bases de dados Sage, Scielo, Lilacs e Dialnet e coletados artigos publicados no período de 1999 a 2011. A revisão da literatura articula a participação à promoção da saúde mediante a aprendizagem de competências que engendram o empowerment - preparando o jovem para conduzir sua vida. A participação pode ser entendida como uma socialização consciente e propositiva mediante a qual valores são aprendidos e práticas democráticas são assimiladas facultando a atuação na esfera pública. Enquanto domínio de autopromoção, a participação capacita o jovem à autogestão da vida a partir da constituição do projeto existencial: oportunidade para definir seu modo de ser como estratégia de autocuidado. Conclui-se que a participação conforma um mecanismo formativo que impulsiona uma reflexividade cognoscitiva, mediadora da autonomia e da autoria do jovem.

Palavras-chave: participação; promoção da saúde; cidadania; cuidado; juventude.


ABSTRACT

Youth participation has been investigated in many fields of knowledge. Even though literature approaches aspects regarding psychological, educational and civic dimensions, there has not been a tendency to link them to a health perspective. The purpose of this article is to analyze how participative practices promote healthy developmental processes. The Sage, Scielo, Lilacs and Dialnet databases have been consulted, and articles published between 1999 and 2011 have been collected. The review of literary works combines participation and health promotion through the learning of skill sets that engender empowerment - which prepares youths to lead their own lives. Participation may be understood as a conscious and propositive socialization through which values are learned and democratic practices are assimilated, giving them the choice to be active in the public sphere. While a domain of self-promotion, participation enables youths to lead their own lives through the making of an existential project: the opportunity to define their personality as a strategy of self-care. It is understood then that participation adjusts formative mechanisms that propel a cognoscitive reflection, which is a mediator of the youth's autonomy and authorship.

Key words: participation; health promotion; citizenship; care; youth.


 

 

INTRODUÇÃO

As contradições advindas das múltiplas formas da crise contemporânea, nomeadamente econômica, social e de valores, decorrentes, sobretudo, das transformações ocasionadas pela globalização, ensejam o agravamento das desigualdades sociais. Essas questões sociais reverberam com maior intensidade os grupos vulneráveis, especialmente nos segmentos populacionais mais jovens. O presente artigo se integra ao debate contemporâneo das Ciências Sociais sobre o empowerment e o reconhecimento social desses grupos. Para tanto, revisa e discute a produção nacional e internacional sobre participação juvenil, relacionando-a com a promoção da saúde.

Pesquisas contemporâneas evidenciam a persistência de índices negativos relativos à educação e saúde juvenis1. A juventude vivencia vulnerabilidades diversas em dimensões e aspectos relacionados ao tensionamento de valores, emoções e contextos culturais. Da sua representação social vinculada à condição de um ser em devir, caracterizado por alguns atributos tais como a irresponsabilidade, a aventura e o hedonismo, emerge a vulnerabilidade inerente à imaturidade própria da idade e da falta de experiências de vida. A vulnerabilidade estrutural, por sua vez, é uma construção sócio-histórica relacionada ao status social e se expressa na limitação de poder político e econômico, somado ao limitado exercício dos direitos civis pelos jovens 2,3. Além da vulnerabilidade relacionada às desigualdades sociais, que atinge jovens em situação de pobreza por meio da violência urbana, tráfico de drogas e desemprego. Eventos dessa natureza constituem obstáculos individuais ou ambientais, comprometendo negativamente o desenvolvimento juvenil.

A partir do advento da perspectiva socioecológica, na década de 1980, a promoção da saúde passa a objetivar a transformação das condições de vida dos grupos sociais vulneráveis, com sua participação no contexto da vida cotidiana4. Esta perspectiva, então inovadora, baseia-se em um conceito ampliado de saúde definido como um estado positivo e dinâmico de bem-estar, integrando os aspectos físico, mental, ambiental, emocional e social.

A participação juvenil articula-se com os conceitos de empowerment, cuidado e cidadania ao abordar a aprendizagem de competências e o projeto de vida como categorias impulsionadoras do desenvolvimento humano. Participar constitui um processo complexo de construção da agência e do referencial interpretativo desses sujeitos. As experiências e os conhecimentos apreendidos configuram-se em recursos para desenvolver a autonomia e o próprio ator social.

O objetivo é analisar como práticas participativas promovem processos desenvolvimentais saudáveis.

 

MÉTODO

No presente trabalho adota-se uma estratégia de natureza qualitativa mediante uma revisão de literatura sobre a participação juvenil como promotora de saúde. Neste processo de revisão foram coletados artigos publicados no período entre 1999 e 2011, nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola junto às bases de dados Sage, Scielo, Lilacs e Dialnet. Para o levantamento dos artigos combinaram-se as palavras-chave: participação juvenil; empowerment; agência; cidadania; resiliência; bem-estar e promoção da saúde (nos idiomas acima citados).

Foram coletados 64 trabalhos, após a leitura dos resumos, entretanto, verificou-se que 29 artigos tinham como foco o tema central deste estudo e atendiam aos critérios de inclusão estabelecidos. Os trabalhos selecionados estruturam-se no conceito de empowerment adotado pela Organização Mundial de Saúde e analisam experiências de participação de jovens em projetos e ações educacionais, culturais e político-sociais. Enquanto prática fundamental à promoção da saúde, o empowerment faz parte do campo da participação e é definido como o processo de desenvolvimento de competências pessoais e sociais e da capacidade de controle sobre as decisões que afetam suas vidas, para gerar mudanças individuais e coletivas4.

Ao longo da revisão foi sendo elaborada uma síntese do conceito de promoção da saúde. Na dinâmica da apreensão temática, foram sendo identificados os elementos-chave tanto para a compreensão teórica quanto para a execução prática da promoção da saúde: o empowerment e a participação.

Esta aproximação teórica da relação entre as práticas participativas dos jovens e seus processos desenvolvimentais saudáveis ensejou a reflexão sobre a participação juvenil nas instituições sociais, buscando apreender sua significação e seus efeitos na constituição de sujeitos autônomos e socialmente integrados.

Para a análise dos dados, procedeu-se uma categorização fundamentada em três eixos temáticos identificados nas pesquisas: Participação social e cidadania; Desenvolvimento de competências e capacidades no processo participativo, e Participação juvenil como mediadora da mudança atitudinal para o autocuidado. Para cada temática construiu-se uma tabela composta pelo referencial teórico adotado, conceitos utilizados, estratégia metodológica do estudo e principais resultados encontrados.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Promoção da saúde e participação

Com o advento da primeira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, em 1986, no Canadá, a Carta de Ottawa constituiu-se em referência básica ao ideário da "nova promoção da saúde"4. Esse documento reconhece a saúde como resultante das condições sociais e componente central do desenvolvimento humano.

Desde então, a promoção da saúde é definida como o processo que capacita as pessoas para atuar em prol de sua qualidade de vida5. Esse conceito associa-se a um conjunto de valores, dentre os quais se destacam: solidariedade, equidade, democracia, cidadania, desenvolvimento, participação e ação coletiva.

A ênfase dada à participação de indivíduos e grupos nas ações de saúde estabelece a necessidade de estruturar estratégias de empowerment que forneçam meios e recursos potencializadores do aumento do controle sobre os determinantes sociais que afetam sua saúde4,5. Esse processo de capacitação corresponde à autopromoção dos sujeitos enquanto co-gestores na satisfação de suas necessidades. Propõe-se que o processo participativo, atue como um contexto formativo, impulsionando o desenvolvimento pessoal e social, de modo a propiciar uma melhor qualidade de vida.

Carvalho4 defende que o empower-ment apresenta dois enfoques: psicológico e comunitário. O psicológico contempla uma noção de indivíduo comedido, independente e autoconfiante, gerando estratégias educativas que fortaleçam sua autoestima e sua capacidade de adaptação ao meio. Com o destaque à perspectiva meramente individual, corre-se o risco de que as ações empreendidas restrinjam-se a alterar de comportamentos indesejados.

Por outro lado, o empowerment comunitário se configura como uma estratégia para o desenvolvimento de recursos individuais e coletivos para a ação social e política. Envolve a participação na definição de ações que visem a modificações estruturais, para promover a transformação do status quo. Enquanto processo, conjuga fatores de distintas esferas da vida social, mediante a aquisição de competências pessoais, o compartilhamento de saberes e a ampliação da consciência crítica por grupos. Quanto às macroestruturas sociais e econômicas, esse processo direciona-se à equidade social.

Tendo como cerne um modelo de desenvolvimento social calcado no desenvolvimento das pessoas, a participação atrela-se à concepção de educação problematizadora. Essa educação, de caráter reflexivo, implica um constante ato de desvelar a realidade para a inserção e a intervenção transformadora4,6. Um modelo de aprendizagem cuja troca de saberes e experiências resulta em competências que geram e organizam práticas estruturantes de um sujeito autônomo e responsável.

Participação juvenil como exercício de cidadania: desenvolvendo agentes sociais

A participação permite a aprendizagem por meio da prática. Jovens com experiências de discriminação e exclusão social frequentemente tem baixa autoestima, problemas de confiança e de desenvolvimento de competências3. Eles são envolvidos em uma espiral descendente com a internalização de atitudes negativas que definem seus próprios limites e capacidades.

Há, atualmente, 51 milhões de jovens* no Brasil, com idade entre 15 e 29 anos, o que corresponde a 27,4% da população. Dentre os múltiplos problemas enfrentados estão: a elevada incidência de mortes por homicídios, 38% do total; o desemprego que atinge 46% da faixa etária e a pobreza com 31% dos jovens brasileiros vivendo com renda domiciliar per capita inferior a meio salário mínimo1. Essas desigualdades sociais suscitam o desencanto quanto ao futuro, o aumento da sensação de insegurança e das incertezas quanto à condução da vida e os rumos da sociedade.

A falta de oportunidades de capacitação e formação da juventude revela a vivência de uma cidadania incompleta7. Lansdown3 relaciona a baixa capacidade juvenil a uma vida pobre de experiências pessoais, não a um débil potencial educativo. Experienciar controle sobre eventos e voz em processos decisórios proporciona um forte senso de autoconfiança e de autoeficácia para lidar com desafios cotidianos8,9. Tais competências oportunizam o exercício de papéis expandidos dentro da comunidade. A mudança de posição na estratificação social, reproduzida pelo entorno comunitário, subsidia a ressignificação de si. O jovem desenvolve um sentimento de valor e de propósito10,11, construindo a sua agência e espraiando suas ações para outros espaços e instituições sociais.

A vivência em grupo tende a despertar no jovem uma visão comunitarista12,13 de natureza republicana. Essa condição o desloca de uma circunscrição da subjetividade para a interação com o mundo além de si, espaço no qual se publicizam as dinâmicas de poder14,15. Ao deslocá-los da margem para o centro das discussões, a participação ativa pode ser entendida como método de conscientização e reflexividade.

O processo participativo tem como âmago a dinâmica dialógica de interações e trocas interpessoais que se consubstanciam em novos sentidos, símbolos e significados pessoais e coletivos. A participação juvenil é, pois, parte de um processo de socialização consciente e propositiva que atua como um lócus de aprendizagem de valores e práticas democráticas, que expressam a superação de uma cultura cívica autoritária e centralizadora.

A cidadania é resultante do processo de integração na realidade social e se manifesta por meio da dinâmica de aprendizagem, discussão e debate, ouvindo e respeitando outras opiniões e construindo consensos e projetos comuns9,15,16. À medida que o jovem aprende a articular o sofrimento individual com as desigualdades sociais, constrói uma visão de mundo holística. A formação de uma consciência crítica é determinante na constituição de um modo de ser autoral e contestatório. De fato, a consciência crítica é um esquema generativo que conforma, organiza e orienta a práxis social.

Neste ponto, a participação converte-se em instrumento de mudança social e transformação de status quo4, constituindo-se em engajamento cívico direcionado ao protagonismo na esfera pública. No exercício de práticas democráticas, os jovens estabelecem relações de cooperação e reciprocidade13,15 que dão origem a laços de sociabilidade e solidariedade. Os vínculos constituídos contribuem para que os membros forjem a noção de bem comum, o senso de pertença e de coletividade que engendram o sujeito-cidadão. O reconhecimento social dos jovens conduz a criação de um espaço social ampliado de cidadania10,14 e resulta na sua inclusão ativa nos processos de construção de si, do outro e da sociedade mais ampla.

Promovendo competências: a participação juvenil como mecanismo formativo

As experiências de si e do outro são promovidas pelas relações no grupo e promovem um mecanismo de formação do sujeito. Essa dinâmica implica competências pessoais tais como: a autorrealização e a autoeficácia nas percepções que emergem do cumprimento bem sucedido das atividades; o autoconhecimento gestado na intersubjetividade; a autonomia forjada no processo de construção coletiva de definições concernentes a valores éticos e morais; e a formação de um autoconceito positivo3, 17, 18.

O conjunto de competências desenvolvidas possibilita, portanto, que o jovem se metamorfoseie constituindo um modo de ser que o faculte a conceber e materializar um projeto de vida. Nessa perspectiva, o jovem competente é aquele dotado de confiança em si mesmo, oriunda da capacidade de mobilizar conhecimentos e experiências para resolver determinada situação no momento em que se apresente necessário. Saber ser, saber o que fazer gera assertividade, um gostar de si que desenvolve autoestima.

Compreende-se a autoestima como sendo a percepção subjetiva que a pessoa faz de si mesma. Envolve exercitar o autoconhecimento e a autoaceitação, isto é, conhecer a própria identidade19. O jovem forma uma imagem de si, do que é capaz, do que é enquanto pessoa e como os outros o vêem. Esses julgamentos qualitativos advêm das informações, valores, regras, comportamentos, sentimentos compartilhados. A autoestima é permeada pela interlocução do sujeito com os settings que integra19,20. A convivência com os pares permite a construção geracional de conceitos e valores que sejam adequados aos seus próprios entendimentos morais e visão de mundo. Nesse espaço de sociabilidade são engendrados horizontes de referência, pautas de conduta e sistemas simbólicos que configuram culturas juvenis. Fazendo, desse modo, com que os jovens se emancipem do ideário socialmente hegemônico que, usualmente, confere às suas especificidades uma apreciação negativa.

A experiência de um contexto baseado na solidariedade, respeito e liberdade contribui para o aprender a relacionar-se enquanto âmbito de atitudes e valores. O jovem que sabe viver em conjunto tem capacidade de interagir, comunicar-se e negociar e desenvolve relações harmônicas e mais igualitárias tendo como lastro o reconhecimento do outro, a afetividade, o compromisso com o coletivo e o ambiente e a consciência de direitos e deveres16, 21.

As competências que os jovens desenvolvem ao longo do processo participativo engendram a sua autonomia. Subsidiado pelo fluxo de uma dupla hermenêutica, o sujeito se constitui cognoscitivo e nesse contexto de co-construção de subjetividades fortalece o pensar mediante a argumentação. Um cadinho que funciona como um instrumento de autodeterminação, à medida que prepara os jovens a exercer seu papel social.

A autonomia, pois, é como uma orientação didática9, 22 para a emancipação pessoal, decisiva, quando se é jovem e, portanto, constantemente desafiado a organizar o cotidiano, definir prioridades, objetivos e planejar o futuro, avaliar e regular suas ações etc. O conceber-se capaz de controlar sua vida, ser responsável pelos próprios atos e pensamentos encerra uma posição de autoria perante o mundo.

Cuidado de si: edificando um projeto de vida

O desenvolvimento e o modo como este se processa é resultado da atividade humana no contexto de relações sociais23. Um jogo interativo, no qual os jovens constroem estilos de vida que se colocam como mediadores de seu modo de ser. Estudos sobre a participação juvenil têm evidenciado o despertar da reflexividade sobre o significado da própria presença no mundo social 11,18, 24. Essa busca pela totalidade existencial permite constituir e dar sentido a seu projeto de vida.

O projeto representa uma orientação de vida: uma conduta organizada para atingir finalidades específicas25. Na juventude os planos desenham a vida futura, norteiam ações de construção de si que podem desencadear um processo impulsionador de práticas de autocuidado. Segundo Ayres26, cuidado seria a capacidade autorreflexiva de atenção à saúde, estabelecida e definida a partir das práticas engendradoras do projeto27. Tem-se, assim, o cuidado como uma capacidade imanente de autoconstrução e autogestão do ser humano, com o modo de ser como elemento de ação estruturante do projeto.

Uma série de pesquisas vem destacando que no processo de participação, os pares e os adultos facilitadores servem de recurso para o aprendizado de noções de alimentação saudável, de higiene e o estimulo a atividades físicas e culturais, além do acesso a conhecimentos sobre sociedade, história, política, e procedimentos e regras de democracia8,17,19,22,28,29. A ampliação do horizonte de saberes funciona como recurso ao cuidado, à mudança de comportamento e de perspectiva em relação a seu lugar no mundo, ao engajamento comunitário e compartilhamento de valores relacionados ao bem comum, solidariedade e justiça.

Cuidar de si é definir a própria existência, a sua forma de vida em um processo estruturante a constituição do sujeito. Foucault30 afirma que a tecnologia de si compreende um conjunto de saberes e práticas que formatam o modo de ser. No processo participativo constitui-se uma pedagogia autorreflexiva que impulsiona o jovem a bricolar uma forma de viver, de modo a atender seus anseios de bem-estar e propósitos de vida.

A vivência de um estilo de vida possibilita aos jovens afirmarem-se com uma identidade e subjetividade próprias20. Eles desenvolvem atitudes e comportamentos que configuram um ocupar-se de si que ponha em marcha seu projetos existenciais. Uma atuação que promove a saúde pelo cultivo de uma boa qualidade de vida, e por sua vez, depende das competências adquiridas no processo participativo para que se efetive 31,32. O cuidado de si é, então, a própria realização do projeto enquanto ideal de bem-estar desenvolvido e almejado pelo próprio sujeito. Esse exercício de poder forja a autonomia, arregimentando possibilidades libertárias ao ampliar a capacidade de autogestão da vida.

A a participação juvenil em atividades, programas e serviços faculta o melhor entendimento sobre a dimensão da aprendizagem associada à reflexividade cognoscitiva, enquanto mediação para a autonomia e a autoria do sujeito. A aprendizagem que advém do ser, do fazer e do conviver proporciona o trânsito por diferentes dimensões que subsidiam a descoberta de novos sentidos, incentivando reinvenções e metamorfoses de si.

Enquanto um processo formativo que engendra uma consciência mais integral da própria existência, a participação juvenil emerge como domínio de autopromoção do sujeito. Construir um projeto se transfigura em critérios para que o sujeito analise e elabore seu modo de viver. Ao agir em prol da sua felicidade, o jovem adota estratégias de cuidado que promovem saúde, desenha uma escada por onde o seu desejo quer alcançar a meta.

Participar constitui uma condição precípua à emancipação, ao bem-estar e à superação do status quo. Contribui para que jovens construam uma dimensão de futuro e esperança, ensinando-lhes formas de implementar seus projetos: como trabalhar para articular positivamente determinados desafios, como resolver problemas, desenvolver estratégias para conseguir o que querem, enfim, como controlar o destino.

O controle do destino significa a capacidade das pessoas para lidar com as forças que afetam suas vidas: é o próprio empowerment. Para o jovem, ser dono do próprio destino é tanto um processo quanto uma condição que demanda a aprendizagem de competências, sendo o empowerment estruturante às mudanças pessoais que constituem o modo de ser cuidado e o modo de ser cidadão.

A participação pode ser vista como um meio para algo mais amplo: educação e poder. É simultaneamente um dispositivo pedagógico e um processo político, que corporifica a orientação de formação cívica pela prática do desempenho democrático em um contexto formativo. Tem no processo participativo a condição de lócus de autoagência e de co-construção de significados, valores e práticas, propiciando aos jovens encetar um processo de reconstrução de espaços públicos e de seu papel social.

 

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Endereço para correspondência:
Jamile Silva Guimarães
Rua Waldemar Falcão, portão 389, casa 19-b
Brotas, Salvador, Bahia. CEP: 40296-710
Telefone: 71-3335-0897
Email: jamile_sguimaraes@hotmail.com

Artigo submetido em 08.09.10, aceito em 26.04.11.

 

 

Apoio: CNPq
* A juventude é expressa em diferentes intervalos etários. Enquanto a Organização Mundial da Saúde considera que a juventude se estende dos 15 aos 24 anos. No Brasil, a juventude compreende o período dos 15 aos 29 anos. O recorte etário adotado (15 a 29 anos) é o mesmo com que trabalham a Secretaria e o Conselho Nacional de Juventude, seguido na Política Nacional de Juventude e na proposta de Estatuto da Juventude, em discussão na Câmara dos Deputados.

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