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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.22 no.2 São Paulo  2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Desempenho acadêmico de estudantes do segundo segmento do ensino fundamental examinado por uma adaptação do Wide Range Achievement Test (WRAT 3)

 

Academic performance of Brazilian middle school children as assessed by an adaptation of the Wide Range Achievement Test (WRAT 3)

 

 

Gilberto N. O. BritoI, II

ISetor de Neurociências, Departamento de Pediatria, Instituto Fernandes Figueira, FIOCRUZ, Rio de Janeiro, RJ
IISetor de Neurociências, Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental, Instituto de Saúde da Comunidade, Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVOS: examinar o desempenho acadêmico de escolares brasileiros do 6º. ao 9º. ano através de uma adaptação das formas Azul e Marrom do Wide Range Achievement Test (WRAT3-TDA3).
MÉTODO: o desempenho de 722 escolares (281 meninos e 441 meninas com idade média de 13,5 anos, DP= 1,4) foi avaliado. Os dados foram analisados através de uma análise multivariada de variância para determinar a relação entre o desempenho no Ditado, Aritmética e Leitura e características demográficas das crianças, história de repetência, dominância manual, e disfunção auditiva e visual.
RESULTADOS: a forma do teste (Azul e Marrom) teve um efeito significativo e, por isso, os dados foram examinados separadamente para cada forma do TDA3. Demonstrou-se que o sexo, idade, etnia, ocupação materna e paterna, história de repetência e disfunção auditiva e visual estavam significativamente associados ao desempenho nos subtestes Ditado, Aritmética e Leitura de ambas as formas. Além disso, a idade e dominância manual apresentaram efeitos significativos no desempenho dos subtestes da forma Azul e escolares com disfunção auditiva ou visual mostraram um desempenho pior nos subtestes da forma Marrom em comparação com os escolares sem qualquer disfunção.
CONCLUSÃO: é possível que o perfil do desempenho acadêmico dos escolares documentado no presente estudo esteja relacionado com aspectos fundamentais da linguagem e pesquisa nesta direção está atualmente em andamento.

Palavras-chave: desempenho acadêmico, cognição, desenvolvimento infantil.


ABSTRACT

OBJECTIVE: to assess the academic performance of Brazilian children by an adaptation of the Blue and Tan forms of the WRAT3 (Brazil - WRAT 3).
METHODS: the performance of 722 children (281 boys and 441 girls with mean age of 13.5 years, SD = 1.4) was evaluated. The data were subjected to multivariate statistical analysis to determine the relationships between performance on Spelling, Arithmetic and Reading and demographic characteristics of the children, history of grade failure, handedness, and auditory and visual dysfunction.
RESULTS: the form (Blue vs Tan) of the test had a significant effect on performance and so the data were analyzed separately for each form of the Brazil-WRAT3. It was found that sex, ethnic group, paternal and maternal occupation and history of the grade failure were significantly related to performance on Spelling, Arithmetic and Reading of both forms. Furthermore, age and handedness had significant effects on the overall performance of the subtests of the Blue form and children with auditory or visual dysfunction performed the subtests of the Tan form worse than normal children.
CONCLUSION: it is possible that the profile of the academic performance of Brazilian public school children shown in this study is associated with more fundamental aspects of language skills and research along this direction is currently underway.

Key words: achievement; cognition; child development.


 

 

Estudos na área da neuropsicologia da criança no nosso país são limitados pela ausência de informação normativa adequada para instrumentos de avaliação neurocomportamental. Brito e Santos-Morales1 observaram que deficiências metodológicas como descrição insuficiente das características demográficas dos participantes e procedimentos estatísticos rudimentares tornam a informação existente de valor limitado para uso no Brasil. É, portanto, crítico que dados adequados e obtidos localmente de instrumentos utilizados no exame neurocomportamental da criança sejam desenvolvidos no nosso país. Estudos anteriores conduzidos no laboratório do autor tornaram possível a utilização de diversos destes instrumentos no Brasil: o Questionário Abreviado de Conners para o Professor2,3, a Escala de Avaliação do Comportamento Infantil para o Professor4,5, o Inventário de Lateralidade de Edimburgo6,7,8, a Escala de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (DSM-IIIR)9, o Teste Gestáltico de Bender10,11, o Teste de Discriminação Direita-Esquerda de Benton, Testes de Persistência Motora, o Teste de Span de Cores, o Teste dos Dígitos do WISC-R e o Teste do Desenho da Figura Humana11,12,13, o Teste de Gardner e o Teste da Tábua de Purdue1. O uso destes instrumentos em pesquisa clínica na área da neuropsicologia da criança no Brasil já foi descrito14.

O Wide Range Achievement Test-315 foi desenvolvido para a avaliação das habilidades acadêmicas e se compõe de três subtestes: Ditado, Aritmética e Leitura. No presente estudo, uma adaptação deste instrumento (Teste do Desempenho Acadêmico-TDA3) foi usada para examinar o desempenho acadêmico de crianças brasileiras de uma grande escola pública estadual situada na região metropolitana do Rio de Janeiro. Após o início do estudo, uma nova versão do Wide Range Achievement Test (WRAT4) foi publicada16. Entretanto, à exceção da adição de um novo subteste, Compreensão de Sentenças, os aspectos fundamentais da sua construção e conteúdo são basicamente equivalentes aos do WRAT3.

O objetivo do estudo foi determinar a relação entre o desempenho nos três subtestes do TDA3 (Ditado, Aritmética e Leitura) e as características demográficas das crianças (sexo, idade, etnia, ocupação parental), história de repetência escolar, dominância manual, e disfunção auditiva e visual. Como o exame das habilidades acadêmicas é importante para a caracterização dos transtornos de aprendizagem do desenvolvimento17, espera-se que a informação aqui apresentada será útil para estudos na área de desenvolvimento infantil no nosso país.

 

MÉTODO

Participantes

Todas as 920 crianças matriculadas do 6º ao 9º ano do Instituto de Educação Prof. Ismael Coutinho (IEPIC), uma escola pública estadual de Niterói, cidade incluída na região metropolitana do Rio de Janeiro, participaram do estudo. Como relatado anteriormente,2,10,11,18,19, esta escola foi selecionada não somente devido ao seu grande número de alunos, mas também porque atrai crianças de todos os grupos étnicos e sócio-econômicos, embora na sua maioria de classes sociais menos favorecidas, e de residência em comunidades de várias áreas de Niterói e do seu entorno como, por exemplo, São Gonçalo, Itaboraí e Maricá. Não houve critérios de exclusão para a participação no estudo. No entanto, 198 crianças que solicitaram transferência da escola ou deixaram de frequentá-la durante a pesquisa foram excluídas porque os seus dados não puderam ser completados. Desta forma, o número final de participantes foi de 722 crianças (281 meninos, 38,9%, e 441 meninas, 61,1%) com idade média de 13,5 anos (DP=1,4).

A atribuição de etnia foi fundamentada somente na inspeção visual da criança. A categorização da ocupação parental utilizada no estudo foi a de Hollingshead e Redlich20. Os níveis de ocupação 1 e 2 incluem executivos com o terceiro grau completo, gerentes de grandes empresas, e profissionais liberais; os níveis 3 e 4 compreendem pessoal administrativo, donos de pequenos negócios independentes e pequenos profissionais; e os níveis 5, 6 e 7 incluem trabalhadores especializados, semi-especializados e sem qualquer especialização com mais baixos níveis de escolaridade. História de repetência escolar foi obtida para cada participante através de registros escolares e a mão usada para escrever foi determinada no momento da aplicação do TDA3. As crianças foram submetidas à triagem de função auditiva e visual com material pelo programa federal Quem Ouve Bem, Aprende Melhor/Olho no Olho-Programa Nacional de Saúde do Escolar-PNSE21 . A presença de disfunção auditiva ou visual foi tratada como uma variável na análise dos dados.

O estudo foi aprovado pelo Corpo de Diretores do IEPIC e realizado sob a égide do convênio celebrado entre o IEPIC e o Instituto Fernandes Figueira da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Como o objetivo principal do projeto foi buscar informação sobre o rendimento acadêmico dos alunos do IEPIC no próprio contexto da escola, o autor e o Corpo de Diretores do IEPIC ponderaram que não se faria necessário submeter o estudo a um comitê de ética em pesquisa.

Avaliação acadêmica

O desempenho acadêmico dos participantes foi avaliado por uma adaptação do Wide Range Achievement Test-315 desenvolvida para uso em escolares brasileiros e denominada Teste do Desempenho Acadêmico3 (TDA3). O TDA3 inclui três subtestes: Ditado, escrever o nome, letras e palavras ditadas pelo examinador; Aritmética, contar, ler símbolos numéricos, solucionar problemas orais e executar exercícios por escrito; e Leitura, o reconhecimento e nomeação de letras e a pronúncia de palavras. Há duas formas alternativas do TDA3 (Azul e Marrom) que permitem uma medida inicial e reavaliação das habilidades acadêmicas.

A adaptação do TDA3 para alunos do segundo segmento do ensino fundamental do IEPIC seguiu um procedimento de várias etapas. O conteúdo do subteste Aritmética não foi alterado. Entretanto, os subtestes Ditado e Leitura foram construídos em português e não foram diretamente traduzidos da versão original. Duas formas alternativas do Ditado (de palavras) e Leitura (pronúncia de palavras) foram elaboradas de forma que a seleção dos itens de uma das formas considerou os itens-espelho da forma alternativa. Cada forma foi construída para ter uma amplitude adequada de dificuldade dos itens. Diversas composições de itens foram produzidas e submetidas à avaliação de profissionais das áreas de lingüística, fonoaudiologia e psicologia. Após a revisão do conteúdo das composições, um estudo-piloto com uma amostra de escolares do 6º ao 9º anos do próprio IEPIC foi conduzido. Com base nos resultados do estudo-piloto, alterou-se o conteúdo dependendo do perfil de respostas das formas alternativas (Azul e Marrom) do TDA3. Três estudos-piloto foram realizados nos anos letivos de 1996 (N=40), 1997 (N=26) e 1998 (N=147) até que as duas formas fossem consideradas apropriadas pelo painel de profissionais da área.

No presente trabalho, somente uma das duas formas do TDA3 foi administrada a cada participante. Metade das turmas de cada ano, do 6º ao 9º, recebeu a forma Azul e a outra metade a forma Marrom. A forma administrada foi determinada randomicamente através de uma tabela de números randômicos, mas com a restrição de que a distribuição das formas pelas turmas fosse balanceada. Além disso, somente os exercícios escritos do subteste Aritmética foram administrados dado que as outras seções deste subteste (contar, ler símbolos numéricos e solucionar problemas orais) não se aplicam a escolares brasileiros do segundo segmento do ensino fundamental. O número de respostas corretas para cada subteste foi utilizada na análise estatística dos dados. O autor disponibiliza as duas formas do TDA3 a pedido.

Uma análise de erros no desempenho do subteste Ditado foi conduzida para determinar o perfil de tipos de erro, incluindo acentuação, adição, omissão e substituição de grafemas, ortografia, hifenização, adição e omissão de sílabas, substituição e omissão de palavras, e decomposição de palavras. O tipo de erro também foi incluído na análise estatística dos dados.

Análise estatística

Os dados foram analisados com o SAS-PC22. A Proc GLM (General Linear Model) foi utilizada para análises uni- (ANOVAs) e multivariadas (MANOVAs) de variância. Procedimentos multivariados foram aplicados por oferecerem maior controle da probabilidade de erro23. MANOVAs significativos foram seguidos de ANOVAs para cada variável dependente e ANOVAs significativos foram seguidos de comparações múltiplas de médias com o procedimento conservador de Scheffé. Níveis de significância foram estabelecidos no padrão de 0,05.

 

RESULTADOS

Características descritivas dos participantes

A Tabela 1 mostra as características descritivas dos participantes do estudo. Conforme demonstrado na tabela, a maioria das crianças era de ancestralidade européia e africana, embora uma considerável proporção fosse multiétnica.

 

 

A distribuição de ocupação parental revelou que os pais e mães dos participantes eram na sua maioria trabalhadores especializados, semi-especializados e não especializados com baixos níveis de escolaridade. Entretanto, a tabela também mostra que pais e mães com níveis superiores de ocupação e escolaridade também estão representados no estudo. Além disso, os dados indicam claramente que um substancial número de participantes repetiu ao menos um ano escolar. Ademais, cerca de 90% dos participantes usaram a mão direita para escrever, resultado consistente com dados já reportados7,8. Por fim, um grande número de participantes apresentou disfunção auditiva e visual quando da realização do estudo.

Desempenho no TDA3

MANOVA dos dados do desempenho dos subtestes Ditado, Aritmética e Leitura do TDA3 demonstraram um efeito significativo da forma do teste (F3,713 = 28.39, P < .001). ANOVAs individuais mostraram que a forma do teste se associou significativamente com o desempenho nos subtestes Ditado (F1,716 = 5.71, P = .017) e Leitura (F1,716 = 31.80, P < .001). Testes posthoc de Scheffe revelaram que o subteste Ditado da forma Azul foi significativamente mais fácil do que o correspondente da forma Marrom e, inversamente, o subteste Leitura da forma Marrom foi significativamente mais fácil que o mesmo subteste da forma Azul. Como o MANOVA inicial demonstrou diferenças significativas entre as duas formas do teste, análises subsequentes foram efetuadas separadamente para cada forma.

Forma Azul

A Tabela 2 mostra médias e DPs do número de respostas corretas nos subtestes Ditado, Aritmética e Leitura da forma Azul do TDA3 e a Tabela 3 apresenta o sumário da análise estatística destes dados. A MANOVA demonstrou um efeito significativo da idade e sexo da criança no desempenho dos três subtestes. Além disso, a interação de idade e sexo foi significativa. A ANOVA indicou que sexo se relacionou significativamente somente com o desempenho no subteste Ditado de forma que meninas apresentaram um rendimento superior ao de meninos. Ademais, sexo interagiu significativamente com idade de modo que meninas com mais idade apresentaram um desempenho melhor do que meninos de mais idade. Por fim, ANOVAs adicionais mostraram que a idade se associou significativamente ao desempenho na Aritmética e Leitura, mas as interações de idade e sexo não foram significativas. Testes de Scheffé indicaram que crianças de 14 anos de idade mostraram um melhor rendimento que crianças de 15 ou mais anos de idade no subteste Aritmética e que crianças de 13 e 14 anos de idade apresentaram um melhor rendimento que crianças de 10-11 anos de idade no subteste Leitura.

 

 

A MANOVA de tipos de erro no Ditado demonstrou um efeito significativo do sexo da criança (F10,331 = 2.23, P = .016), mas não da idade. A interação entre idade e sexo não foi significativa. ANOVAs mostraram que meninas cometeram um número significativamente menor de erros de acentuação em comparação com meninos. Não houve outras associações entre sexo e tipo de erro.

Outras análises revelaram que a etnia da criança teve um efeito significativo no desempenho dos três subtestes. ANOVAs indicaram que a etnia se relacionou significativamente ao desempenho no Ditado, Aritmética e Leitura. Testes de Scheffé mostraram que crianças de etnia européia e as multiétnicas desempenharam o subteste Ditado melhor que as de etnia africana. Ademais, os participantes de etnia européia apresentaram um melhor rendimento no subteste Aritmética em comparação com os participantes de origem africana e as multiétnicas e, além disso, desempenharam o subteste Leitura melhor que as crianças de origem africana.

Ocupação paterna também mostrou uma associação significativa com o desempenho dos três subtestes. ANOVAs, entretanto, demonstraram que a ocupação paterna teve correlação significativa somente com o rendimento no Ditado e Aritmética. Testes de Scheffé, no entanto, não indicaram qualquer diferença significativa entre as médias. Ocupação materna, como a paterna, apresentou um efeito global significativo no desempenho dos subtestes e ANOVAs mostraram que a ocupação materna se relacionou significativamente somente com o desempenho no Ditado e Leitura, mas testes de Scheffé não revelaram qualquer diferença significativa entre as médias.

Análises adicionais com MANOVA e ANOVAs demonstraram que crianças com história de repetência de pelo menos um ano escolar desempenharam os subtestes Ditado, Aritmética e Leitura significativamente pior que aquelas que não tinham história de repetência. Testes de Scheffé confirmaram que os participantes com história de repetência apresentaram um pior desempenho em cada dos três subtestes em comparação com os que não tinham história de repetência.

A dominância manual também se mostrou significativamente associada ao desempenho global nos subtestes Ditado, Aritmética e Leitura. ANOVAs demonstraram que a dominância manual apresentou associação significativa somente com o desempenho no Ditado e Aritmética. Testes de Scheffé indicaram que crianças que escreveram com a mão direita desempenharam estes dois subtestes significativamente melhor que crianças que escreveram com a mão esquerda.

Finalmente, MANOVAs demonstraram não haver associação significativa de disfunção auditiva ou visual com o desempenho nos subtestes Ditado, Aritmética e Leitura.

Forma Marrom

A Tabela 4 mostra médias e DPs do número de respostas corretas nos subtestes Ditado, Aritmética e Leitura da forma Marrom do TDA3 e a Tabela 5 apresenta o sumário da análise estatística destes dados. A MANOVA demonstrou um efeito significativo do sexo da criança no desempenho dos três subtestes. Idade e a interação idade e sexo não foram significativas. ANOVAs indicaram que o sexo se associou significativamente somente ao desempenho no subteste Ditado de forma que meninas desempenharam melhor que meninos.

A MANOVA de tipos de erro no Ditado apontou um efeito significativo do sexo da criança (F10,353 = 2.03, P=.03). A interação entre idade e sexo não foi significativa. ANOVAs indicaram que meninas cometeram um número significativamente menor de erros de acentuação e omissão de sílabas em comparação com meninos. Não houve outras associações entre sexo e tipo de erro.

Outras análises revelaram que a etnia da criança teve um efeito significativo no desempenho dos três subtestes. ANOVAs indicaram que a etnia se relacionou significativamente ao desempenho no Ditado, Aritmética e Leitura. Testes de Scheffé mostraram que crianças de etnia européia desempenharam o subteste Ditado melhor que as crianças de etnia africana e multiétnicas. Ademais, os participantes de etnia européia e os de origem multiétnica desempenharam os subtestes Aritmética e Leitura melhor do que as crianças de origem africana.

Ocupação paterna também mostrou uma associação significativa com o desempenho dos três subtestes. ANOVAs demonstraram que a ocupação paterna teve associação significativa com o rendimento no Ditado, Aritmética e Leitura. Testes de Scheffé indicaram que crianças cujos pais tinham o nível mais elevado de ocupação desempenharam os subtestes Ditado e Leitura melhor do que aquelas cujos pais tinham o nível mais baixo de ocupação. Ocupação materna, como a paterna, apresentou um efeito global significativo no desempenho e ANOVAs mostraram que a ocupação materna se relacionou significativamente com o desempenho nos três subtestes. Testes de Scheffé revelaram que crianças cujas mães tinham o segundo maior nível de ocupação desempenharam o Ditado significativamente melhor do que aquelas cujas mães tinham o nível mais baixo de ocupação.

Análises adicionais com MANOVA e ANOVAs demonstraram que crianças com história de repetência de pelo menos um ano escolar desempenharam os subtestes Ditado e Leitura significativamente pior que aquelas que não tinham história de repetência. Testes de Scheffé confirmaram que os participantes com história de repetência apresentaram um pior desempenho no Ditado e na Leitura em comparação com os que não tinham história de repetência.

A dominância manual não apresentou qualquer relação com o desempenho global nos subtestes Ditado, Aritmética e Leitura.

MANOVAs adicionais demonstraram que crianças que apresentavam disfunção auditiva ou visual desempenharam os subtestes Ditado, Aritmética e Leitura significativamente pior do que as crianças que apresentavam normalidade da função auditiva e visual. ANOVAs subsequentes revelaram que disfunção auditiva se associou significativamente ao desempenho no Ditado, Aritmética e Leitura de modo que crianças que apresentavam disfunção auditiva desempenharam pior que aquelas com função auditiva normal. Além disso, ANOVAs também mostraram que disfunção visual estava significativamente associada somente ao desempenho na Leitura de forma que crianças com anormalidades na função visual desempenharam pior que crianças com função visual normal.

 

DISCUSSÃO

Este estudo mostrou que o desempenho de escolares brasileiros do segundo segmento do ensino fundamental nos subtestes Ditado, Aritmética e Leitura do TDA3 foi significativamente diferente nas duas formas (Azul e Marrom). O subteste Ditado da forma Azul foi significativamente mais fácil do que o correspondente da forma Marrom e, inversamente, o subteste Leitura da forma Marrom foi significativamente mais fácil do que o correspondente da forma Azul. Sexo, etnia, ocupação parental e história de repetência escolar se associaram significativamente ao desempenho dos três subtestes de ambas as formas. Além disso, idade, a interação idade e sexo, e dominância manual para escrever, mas não disfunção auditiva e visual, se relacionaram significativamente ao desempenho nos três subtestes da forma Azul. A presença de disfunção auditiva e visual, entretanto, se associaram significativamente ao desempenho dos subtestes da forma Marrom, enquanto que idade, a interação de idade e sexo, e a dominância manual para escrever não se relacionaram com o desempenho nos subtestes. Sexo se mostrou significativamente associado com tipos de erro no subteste Ditado de ambas as formas.

Embora os estudos-piloto tenham mostrado que as formas Azul e Marrom do TDA3 eram equivalentes, os dados aqui apresentados não suportaram a hipótese de equivalência das duas formas. Portanto, devem ser usadas somente para a medida inicial e reavaliação das habilidades acadêmicas se o examinador determinar os escores padronizados (escores z) independentemente para cada forma para documentar alterações no desempenho acadêmico da criança. A não equivalência das formas alternativas do TDA3 foi enfatizada por outros autores24.

O presente trabalho também indicou uma associação significativa de sexo e ditado de forma que meninas desempenharam melhor que meninos. Além disso, meninos cometeram mais erros de acentuação nas formas Azul e Marrom e mais erros de omissão de sílabas na forma Marrom em comparação com meninas. O achado que meninas apresentaram um desempenho superior aos meninos no subteste Ditado de ambas as formas do TDA3 é consistente com dados anteriormente publicados em relação ao desempenho de instrumentos de exame neuropsicológico1,11.

Este estudo indicou que a etnia da criança se associou significativamente com o desempenho nos subtestes Ditado, Aritmética e Leitura de ambas as formas do TDA3. Os achados da forma Azul mostraram que crianças de origem européia e as de origem multiétnica desempenharam o subteste Ditado melhor do que crianças de origem africana. Além disso, crianças de etnia européia desempenharam o subteste Aritmética melhor do que crianças de etnia africana ou multiétnica e desempenharam o subteste Leitura melhor do que crianças de etnia africana. As informações da forma Marrom indicaram que crianças de etnia européia desempenharam o subteste Ditado melhor do que as de etnia africana e as de origem multiétnica. Além disso, crianças de etnia européia e as de origem multiétnica desempenharam os subtestes Aritmética e Leitura melhor do que as de etnia africana. Merece ênfase que a etnia foi decidida pelo autor somente tendo por base a inspeção visual da criança. Embora este método de atribuição de etnia possa ser criticado, ele é consistente com práticas atuais25,26. Deve-se mencionar que a etnia não mostrou relação significativa com o desempenho em diversos instrumentos de exame neuropsicológico conforme descrito em estudos anteriores1,10,11. Portanto, a associação de etnia e desempenho neuropsicológico não é clara.

A situação sócio-econômica da criança avaliada pela ocupação dos seus pais e mães se mostrou associada ao desempenho global nos subtestes Ditado, Aritmética e Leitura das duas formas do TDA3. Crianças de pais e mães com níveis ocupacionais mais elevados apresentaram um melhor desempenho em comparação com crianças de pais e mães com níveis ocupacionais mais baixos nos subtestes Ditado e Leitura da forma Marrom. Na forma Azul, entretanto, testes posthoc conservadores usados na análise dos dados não indicaram associação significativa entre ocupação parental e desempenho nos três subtestes. Embora os achados relacionados à forma Marrom possam ser esperados27, estudos anteriores mostraram que a condição sócio-econômica não se correlacionou com o desempenho em outros instrumentos de exame neuropsicológico1,11, como observado nos dados relativos à forma Azul do TDA3. Portanto, a correlação entre nível sócio-econômico e desempenho neuropsicológico ainda não pode ser considerada definida.

O presente estudo também demonstrou que crianças com história de repetência escolar desempenharam pior que aquelas que não tinham história de repetência escolar em cada dos três subtestes da forma Azul. Na forma Marrom, no entanto, esta diferença no desempenho foi observada somente no Ditado e Leitura. Portanto, pode-se concluir que os dados aqui apresentados apresentam validade relativa a critério no sentido que crianças sem história de repetência escolar foram melhores do que crianças com história de repetência.

O trabalho também apresentou o achado de que crianças com dominância manual destra para escrever desempenharam os subtestes Ditado e Aritmética da forma Azul melhor do que as que escreveram com a mão esquerda. Entretanto, não houve associação entre mão usada para escrever e desempenho nos três subtestes da forma Marrom. Diferenças na frequência de canhestrismo não poderiam explicar os achados porque foi equivalente nas duas formas (Azul, 9,14% e Marrom, 10,75%). Além disso, uma diferença de dificuldade não explicaria a relação entre dominância manual e desempenho nos subtestes Ditado e Aritmética da forma Azul porque tal diferença em dificuldade entre as formas Azul e Marrom não foi demonstrada no subteste Aritmética. Por isso, o achado de associação entre dominância manual e desempenho em alguns subtestes do TDA3 precisaria ser mais pesquisado.

A associação de disfunção auditiva e visual com o desempenho nos subtestes Ditado, Aritmética e Leitura do TDA3 foi demonstrada somente na forma Marrrom. As razões da especificidade destes achados não são evidentes. Diferença de dificuldade no desempenho das duas formas não esclareceria os achados porque o desempenho no subteste Aritmética foi equivalente nas duas formas. Portanto, seria necessário que se elaborasse outros estudos para determinar a relação entre dificuldades na função auditiva e visual, e desempenho acadêmico de forma definitiva.

É possível que o perfil do desempenho acadêmico de escolares brasileiros aqui apresentado na realidade esteja associado a aspectos mais fundamentais das habilidades da linguagem que não puderam ser examinadas pelos instrumentos utilizados no presente trabalho como, por exemplo, decodificação fonológica, consciência fonológica e acesso lexical. Este estudo foi recentemente iniciado.

Em conclusão, o presente estudo demonstrou que sexo, etnia, ocupação parental e história de repetência escolar se correlacionaram significativamente ao desempenho do Ditado, Aritmética e Leitura de ambas as formas. Além disso, idade e dominância manual mostraram efeitos significativos no desempenho global dos subtestes da forma Azul e crianças que apresentavam disfunção auditiva ou visual desempenharam os subtestes da forma Marrom pior do que as crianças que apresentavam função auditiva e visual normal.

 

AGRADECIMENTOS

O autor agradece à Angela Guedes (NIT-UFF) pelo apoio no uso do pacote SAS, Rubem Goulart (NTI-UFF) pela manutenção do sistema de informática, e Tatianna R. Santos e Alana X. Batista pela ajuda na preparação do manuscrito. O autor também agradece às crianças que participaram do estudo, seus professores e aos funcionários do IEPIC (Instituto de Educação Prof. Ismael Coutinho).

 

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