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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.22 no.2 São Paulo  2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Desafios das práticas integrativas e complementares no SUS visando a promoção da saúde

 

Challenges of complementary and medicine in the SUS aiming to health promotion

 

 

Paula Cristina IschkanianI; Maria Cecília Focesi PelicioniII

IMestre em Ciências pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - Brasil. Agência financiadora: CNPq
IIProfessora Associada. Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As medicinas tradicional e complementar, além de promoverem a redução dos custos, têm se mostrado eficazes e investido na promoção da saúde e na educação em saúde, contribuindo para evitar que a doença se instale e que suas consequências sejam muito graves.
OBJETIVOS: investigar os conhecimentos, opiniões e representações sociais dos gestores e profissionais de saúde sobre essas Práticas Integrativas e Complementares (PIC) no Sistema Único de Saúde (SUS) e identificar as dificuldades e desafios que se apresentaram em sua implantação, utilização e divulgação nos Serviços de Saúde.
MÉTODO: a pesquisa foi realizada na zona norte de São Paulo/SP, em uma Unidade Básica de Saúde e em um Ambulatório de Especialidades. Optou-se pela abordagem qualitativa tendo como instrumentos, a análise documental e a entrevista com roteiro pré-estabelecido direcionada aos gestores e aos profissionais de saúde destas unidades. As entrevistas ocorrem entre os meses de julho a agosto de 2010 sendo obtido um total de 35 entrevistas.
RESULTADOS: os resultados mostraram que os gestores não estavam preparados para a implantação da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no SUS, que apenas cinco dos 26 entrevistados conheciam a PNPIC, que ainda prevalece o modelo biomédico nos atendimentos, que o fornecimento de material e aquisição de insumos utilizados em algumas das PIC tem se constituído em grande problema na unidade, que a divulgação das PIC não tem sido suficiente para que profissionais e usuários as conheçam. Nem todos os profissionais que atuavam no Ambulatório de Especialidades onde as PIC têm sido oferecidas têm valorizado essas atividades. As Práticas Integrativas e Complementares não têm ocupado o papel que deveriam e/ou poderiam dentro do SUS para a promoção da saúde.
DISCUSSÃO: A saúde, ao deixar de ser centrada na biologia, amplia a forma de pensar as possíveis intervenções em seus problemas. Cada vez mais pesquisadores concentram-se no estudo das PIC. No contexto global, observa-se a crise dos paradigmas da medicina moderna. Apoiada na visão biológica, tal medicina fortaleceu um sistema médico que excluiu os saberes tradicionais; uma prática médica voltada mais para o indivíduo do que para a comunidade; que subestima a promoção da saúde; é tecnicista; e se desenvolveu para a especialização e fragmentação em partes ao invés de olhar o ser humano como um ser integral.
CONCLUSÕES: é essencial que o município de São Paulo/SP incentive e crie condições para o oferecimento das PIC em todas as suas unidades, aprimorando sua divulgação e apoiando a inserção de profissionais não médicos, desde que apresentem formação adequada, pois práticas como homeopatia, acupuntura, antroposofia e fitoterapia já são consideradas especialidades médicas. As PIC integradas ao SUS, certamente poderão contribuir, e muito, para a promoção da saúde.

Palavras-chave: promoção da saúde; saúde pública; práticas integrativas e complementares.


ABSTRACT 

The complementary and alternative medicines (CAM) besides promoting the reduction of costs, have also proven to be effective as well as they have invested in health promotion and health education, as a means of preventing the disease to take control and possibly result in serious consequences.
OBJECTIVE: to investigate the knowledge, opinions and social representations of managers and health professionals about those practices (CAM) in Public Health System (SUS) as well as to identify the difficulties and challenges that are present in their implementation, use and disclosure in the Health Services.
METHODS: the survey was carried out in a Basic Health Unit and Specialty Clinic in the northern area of São Paulo/SP, Brazil. We chose the qualitative approach with its instruments, documentary analysis and interviews based upon pre-established guidelines directed to managers and health professionals of these units. The total of 35 interviews took place between the months of July to August 2010.
RESULTS: the results support the thesis that managers are not prepared to implement the National Policy on Complementary and Integrative Practices (NPCIP) inSUS: only five out of the twenty six respondents were aware of the National Policy (NPCIP); the biomedical model sessions still prevails; material supply and acquisition of raw materials used in some of the CAM have become a major issue in the unit; the disclosure of the CAM has not been enough so as to be fully known by professionals and users alike. Furthermore, most of the professionals working in the Specialty Clinic where the CAM has been offered have undervalued those activities. The Complementary and Alternative Medicine have not played the role they should and/or could in the SUS for the Promotion of Health yet.
CONCLUSIONS: it is pivotally necessary that the City of São Paulo/SP encourages and creates conditions for taking the CAM into all Health Units, so as to improve, disclose and support the inclusion of non-medical professionals, provided that they have proper training since practices such as Homeopathy, Acupuncture, Anthroposophy and Phytotherapy are already considered as medical specialties. Included in Public Health System (SUS),the Complementary and Alternative Medicine can certainly contribute a lot for the Promotion of Health.

Key words: complementary and alternative medicine; public health promotion.


 

 

INTRODUÇÃO

A medicina moderna praticada no Sistema Único de Saúde (SUS) tem sido questionada quanto a sua possibilidade de atender a demanda que se apresenta.

Antes da Reforma Sanitária no Brasil há pouco mais de duas décadas, a saúde não era considerada um direito social. Na área da saúde destacava-se o serviço privado, privilegiando quem podia pagar pelos serviços de saúde além dos trabalhadores formais, que por serem segurados pela Previdência tinham direito à saúde pública.

Denominou-se Movimento da Reforma Sanitária toda a trajetória percorrida por um movimento social advinda da luta de um conjunto de atores sociais mobilizados em busca da mudança de um modelo até então, excludente. Aproveitou-se o período de abertura política para fortalecer os princípios democráticos e construir um modelo de atenção à saúde mais amplo e sustentável. As reivindicações que nortearam o movimento foram apresentadas, fundamentalmente, por meio dos Secretários Municipais de Saúde brasileiros e catalisadas na 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em 19861.

O SUS foi criado em 1988, e divulgado na Constituição Federal Brasileira para oferecer atendimento igualitário, cuidar e promover a saúde de toda a população. Constituído por um projeto social único materializou-se por meio de ações de promoção, prevenção e assistência à saúde dos brasileiros.

A emenda Constitucional nº29, aprovada em 2000, modificou o Art. 198 da Constituição Brasileira assegurando que as ações e serviços públicos de saúde integrassem uma rede regionalizada e hierarquizada e constituíssem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais e III - participação da comunidade2.

Em pouco mais de 20 anos de existência, o SUS ampliou o acesso à assistência à saúde para grande parte da população brasileira, antes excluída, ou dependente da ação de instituições assistenciais e filantrópicas. Em 2009, foram realizados 721 milhões de atendimentos ambulatoriais e 11 milhões de procedimentos de média e alta complexidade e internações3.

Apesar disso, o novo Índice de Valores Humanos (IVH) divulgado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 2010 revelou que em termos de saúde, o Brasil teve um desempenho mais baixo do que as áreas do trabalho e da educação. Na avaliação foi considerado o tempo de espera para atendimento médico ou hospitalar, a facilidade ou não de compreensão da linguagem usada pelos profissionais de saúde e o interesse da equipe médica percebido pelo paciente4.

O paradigma cartesiano biomédico tem prevalecido na medicina moderna, o qual aparece em menor escala em outros sistemas médicos como o da medicina tradicional e complementar.

Para Luz, 19965 formas simplificadas e não invasivas, consumo de medicamentos oriundos de produtos naturais e uma proposta ativa de promoção da saúde fazem parte desses sistemas terapêuticos e práticas de medicação e cuidado, desde a segunda metade da década de 1970. Neste período, além do sucesso da homeopatia abrir cada vez mais espaço a uma perspectiva naturista, o Movimento Contracultura e uma posição anti-tecnológica referente à saúde defendiam as terapêuticas provenientes da natureza sem que isso significasse apenas uma rejeição da medicina especializada e tecnificada, anti-natural, invasiva e iatrogênica, mas reafirmava a presença de uma força curativa advinda do meio natural.

As medicinas tradicional e complementar, além de promoverem a redução dos custos, têm se mostrado eficazes e investido na promoção da saúde e na educação em saúde, contribuindo para evitar que a doença se instale e que suas consequências sejam muito graves.

Assim sendo, vista como uma nova cultura da saúde, a promoção da saúde tende a promover um diálogo mais abrangente e integral, diferente do modelo atual biologicista, voltado para as especialidades e para a fragmentação do conhecimento, e é capaz de estimular a ruptura da ciência moderna pautada nos microrganismos e no meio como determinante das doenças5.

O SUS têm se mostrado favorável ao uso de recursos terapêuticos que sejam mais eficazes em muitas das instâncias de tratamento e economicamente mais acessíveis. Sobretudo, no que se refere às Práticas Integrativas e Complementares (PIC) ou popularmente conhecidas como alternativas.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) denominou o conjunto de práticas e saberes, de Medicinas Complementares e Alternativas/Medicinas Tradicionais (MAC/MT) aqui chamados de PIC. Tais práticas visam estimular o uso de métodos naturais de prevenção e recuperação, com ênfase no desenvolvimento do vínculo terapêutico, integração do ser humano com a natureza, visão ampliada do processo saúde-doença e a promoção do cuidado6 colaborando como coadjuvante de tratamentos alopáticos.

Cerca de 80% dos países do hemisfério Sul tem utilizado alguma forma de Medicina Tradicional e Complementar como parte dos cuidados básicos de saúde7.

Dada a necessidade de integrar a medicina moderna às práticas de saúde não convencionais na atenção à saúde, o Ministério da Saúde aprovou em 2006, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares - PNPIC.

Esta política veio atender, sobretudo, à necessidade de se conhecer, apoiar, incorporar e implementar experiências que já vêm sendo desenvolvidas na rede pública de muitos municípios e estados respondendo ao mesmo tempo ao desejo de parte da população, manifesto nas recomendações de Conferências Nacionais de Saúde, desde 1988.

Pretendeu-se com a criação da PNPIC assegurar o acesso aos usuários do SUS às medicinas tradicionais e complementares entre as quais, destacam-se aquelas do âmbito da medicina tradicional chinesa: a acupuntura, a homeopatia, a fitoterapia, a medicina antroposófica e o termalismo-crenoterapia8.

As diretrizes essenciais para a implantação da PNPIC apresentam aspectos relevantes para a pesquisa e são apresentadas a seguir:

A primeira diretriz considera a estruturação e fortalecimento da atenção em PIC no SUS, mediante sua inserção em todos os níveis de atenção com ênfase na atenção básica, no desenvolvimento multidisciplinar, na implantação de ações e fortalecimento do que já existe, estabelecimento de mecanismos de financiamento, elaboração de normas técnicas e operacionais e a articulação com a Política Nacional de Atenção à Saúde dos povos indígenas e demais políticas do Ministério da Saúde. A segunda diretriz refere-se ao desenvolvimento de estratégias de qualificação em PIC para profissionais do SUS, em conformidade com os princípios e diretrizes estabelecidos para a educação permanente e a terceira orienta as ações de divulgação e informação dos conhecimentos das PIC para os profissionais de saúde, gestores e usuários do SUS, considerando as metodologias participativas e o saber popular e tradicional9.

Embora exista uma Política Pública que determine a utilização das PIC, percebeu-se que algumas limitações e desafios têm impedido que a sua implantação ocorra de modo mais efetivo.

Em fevereiro de 2011, a Coordenação Nacional de PIC ligada ao Ministério da Saúde, elaborou um relatório de gestão 2006/2010 das PIC no SUS no qual consideraram extremamente relevantes para implantação da Política Nacional: (i) a formação e qualificação de profissionais em número adequado para atuarem no SUS; (ii) o monitoramento e avaliação dos serviços, considerando as diretrizes gerais da política, a institucionalização da avaliação da atenção básica, as especificidades de cada componente e os níveis do sistema; (iii) o fornecimento dos insumos (medicamento homeopático/fitoterápicos/agulhas para acupuntura); (iv) a estruturação dos serviços na rede pública; (v) o desenvolvimento/adequação de legislação específica para os serviços no SUS e (vi) o investimento em pesquisa e desenvolvimento para integrar saberes e práticas nas diversas áreas do conhecimento, desenvolvendo assim projetos humanizados, integrais e transdisciplinares.

Mesmo estando em crescimento, foram reconhecidas as dificuldades relativas à adoção das PIC com bases essencialmente nas medicinas tradicionais devido às suas diferenças com a prevalecente medicina moderna.

Em função deste cenário considerou-se importante pesquisar a situação das PIC como estratégia de promoção da saúde e verificar as opiniões de gestores e profissionais de saúde em dois serviços da Prefeitura Municipal de São Paulo.

Assim, os objetivos deste estudo são: investigar os conhecimentos, as opiniões e as representações sociais dos gestores e profissionais de saúde sobre as PIC para a promoção da saúde e identificar as dificuldades e desafios que se apresentaram na implantação, utilização e divulgação das PIC nesses serviços de saúde da Zona Norte do município de São Paulo.

 

MÉTODO

Neste estudo foi utilizada a metodologia qualitativa. Esta abordagem de investigação trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis9.

Possibilita a utilização de técnicas e recursos instrumentais adequados à compreensão dos valores culturais e das representações sociais de um determinado grupo e permite saber como se dão as relações entre os atores que atuam numa temática específica10.

A abordagem qualitativa é um campo do conhecimento que se desenvolve por meio de práticas interpretativas por excelência, para o qual o qualitativo é eminentemente holístico e indutivo e toma como referenciais o entendimento, a compreensão, a construção de sentido e a intencionalidade11.

Foram escolhidos como instrumentos de investigação, a pesquisa documental12 que se fundamenta na exploração de fontes que não receberam qualquer tratamento analítico e na entrevista baseada em roteiro pré-estabelecido. A entrevista permite a captação imediata e corrente da informação social, tratamento de escolhas nitidamente individuais, além de incluir informantes que não poderiam ser atingidos por outros meios de investigação14.

A coleta de dados foi realizada em dois serviços de saúde públicos da Prefeitura Municipal de São Paulo: uma unidade básica de saúde (UBS) que não oferecia PIC à comunidade e um ambulatório de especialidades (AE) unidade em situação oposta, isto é, que oferecia PIC aos usuários.

No total, foram realizadas 35 entrevistas. Sendo 11 delas na UBS e 24 no AE. A população foi composta, portanto, pelos gestores das unidades (três tendo em vista que um encontrava-se em férias) e pelos profissionais de saúde ali lotados (técnicos e administrativos) com atribuições distintas: médicos, psicólogas, dentistas, enfermeiros, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, agentes de saúde pública, auxiliares de enfermagem, auxiliares administrativos e auxiliares técnicos.

 

RESULTADOS

Quanto aos Gestores

As gestoras entrevistadas na UBS relataram conhecer a PNPIC considerando de extrema importância agregá-las ao tratamento convencional, além de promover a sua formalização na rede pública, apesar de julgarem difícil sua aplicação. A gestora do AE mencionou nunca ter ouvido falar na PNPIC, no entanto, relatou conhecer um pouco das PIC, reconhecendo a homeopatia, a acupuntura, os florais de Bach, a terapia ortomolecular e as práticas corporais chinesas. Em sua opinião, hoje existe maior abertura para inserção das terapias alternativas como exigência da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo e como uma opção para o usuário que nem sempre fica satisfeito com a consulta médica convencional.

O não oferecimento das PIC na UBS foi atribuído a uma decisão da supervisão técnica de saúde responsável, na opinião de uma delas, por "distribuir [as PIC entre as Unidades] considerando a estrutura física e os profissionais adequados, que hoje se encontram em número reduzido mesmo para o atendimento convencional".

Foi relatada também a necessidade de mudança cultural tanto dos profissionais de saúde quanto dos usuários do serviço e de se aplicar o modelo do Programa Saúde da Família (PSF) em todas as dimensões da atenção à saúde, de modo que houvesse uma alternativa diferente do modelo biomédico.

Conforme depoimento de uma delas: "percebe-se uma rejeição dos médicos às PIC, ao que é científico e ao que não é. Muitos deles julgam a meditação, por exemplo, como uma prática mística, o que para mim, não é" (...) "esse tipo de atendimento requer uma mudança cultural que é lenta, mas está tendo mais abertura: [é preciso] entender que o espaço/tempo para esses atendimentos também deve ser diferente".

Com relação ao uso de tratamentos alternativos no cuidado de sua própria saúde ou de seus familiares, as gestoras da UBS confirmaram utilizar a homeopatia. Enquanto uma delas mencionou também ter usado a acupuntura e uma alimentação mais natural, a outra relatou ser adepta da prática da dança circular e da meditação no dia a dia, não só por acreditar nos seus benefícios, mas por achar que "faz parte" de uma vida mais saudável.

Para a gestora do AE a formação médica pautada no modelo biologicista não contribui para a utilização das PIC, apesar de eventual e empírico interesse de alguns profissionais como relatado por ela: "a gente que é médico é bastante resistente né? Por que assim...qual a necessidade? Não sei...não tive necessidade [de usar as PIC], mas com certeza quando começa uma dorzinha lá... uma dorzinha aqui é assim... alguém fala....faz isso que melhora... a gente faz...vai aprendendo também no dia a dia...".

Quanto aos Profissionais de Saúde

Dos nove profissionais de saúde que foram entrevistados na UBS, nenhum tinha conhecimento da PNPIC e oito deles disseram nunca ter ouvido falar sobre as PIC. Em contrapartida, todos os entrevistados do AE conheciam pelo menos duas das práticas oferecidas naquela unidade e todos afirmaram que indicariam as PIC para algum paciente, cliente, familiar ou amigo. Porém, dos 23 profissionais de saúde entrevistados, apenas três relataram conhecer a PNPIC, mas nenhum deles tinha um conhecimento mais amplo dos objetivos e tampouco das diretrizes preconizadas por ela.

Ao substituir a nomenclatura das PIC para Terapias Alternativas durante a entrevista realizada com os profissionais de saúde da UBS, 60% relataram usar ou já ter usado principalmente por seus familiares a homeopatia, acupuntura, dança circular ou sênior, argila, plantas medicinais ou práticas corporais chinesas: Lian Gong e Tui Ná. Além de terem expressado alguma simpatia, mencionaram ter tido alguma experiência positiva ou conhecer alguém que tivesse se beneficiado com seu uso.

Com exceção de um dos entrevistados, todos declararam acreditar nos efeitos terapêuticos dessas PIC para a melhoria de suas condições de saúde ou de outras pessoas e achavam possível agregá-las à medicina moderna apesar de não considerar isso fácil, conforme declarações a seguir:

"Já usei e observo a transformação nas pessoas que usam, (parece) que acionam, descortinam a visão de mundo que o modelo formal e restrito não conseguiu mexer. [Esse] modelo de intervenção limita. Quando se fecha no protocolo de atendimento [se] restringe outras possibilidades. Na Medicina Tradicional Chinesa pode-se perceber outro tipo de comportamento, outra aparência, outro semblante". E, ainda: "As pessoas só não participam porque não tem opção. Se aqui na UBS tivesse, as pessoas usariam. Os médicos têm restrição, e no serviço público precisa-se de encaminhamento, mas os clínicos [atualmente] não encaminham, eu acho que eles deveriam indicar mais".

No AE, a maioria dos entrevistados tinha opiniões favoráveis quanto ao uso das PIC considerando-as excelentes ou ótimas, muito importantes, procedentes e válidas, exercendo papel principal no modelo de atendimento ou ainda como uma possibilidade futura.

Pode-se dizer que outra parte dos profissionais consideravam as práticas como complementares ao tratamento convencional, ora auxiliando ou ajudando principalmente nos processos de dor e regulação das funções vitais, ora colaborando ou melhorando a qualidade de vida dos usuários e dos profissionais de saúde. Em suas falas destaca-se:

"Elas ocupam o papel principal dentro de uma unidade de saúde porque na verdade, vão dar para o paciente a visão de que a saúde é de propriedade dele mesmo...que ele não depende do outro ou do medicamento, mas de autocuidado diário e que essas práticas alternativas remetem à conscientização e oferecem uma série de ganhos não só motores, mas psíquicos, de memória, de atenção... tem uma série de benefícios...você vai estar trabalhando diretamente com a prevenção, o cuidado e a manutenção da saúde".

A prática de menor visibilidade na opinião deles foi a homeopatia. Isso pode indicar a falta de expressividade da homeopatia neste AE. Durante a coleta dos dados, no período das entrevistas compreendido entre os meses de julho a setembro, os atendimentos de homeopatia estiveram suspensos porque um dos dois médicos estava de férias e o outro de licença. A prática de maior representatividade para os entrevistados foi a acupuntura, na qual factivelmente têm se observado maior investimento do SUS. Segundo Informe da Atenção Básica n°53 do Ministério da Saúde em 2008, foram ofertadas no SUS, 396.012 consultas em acupuntura com um repasse federal de US$2.095.301 e mais de 240 mil procedimentos em medicina tradicional chinesa/acupuntura contra 295.348 consultas de homeopatia com um repasse federal de US$ 22.726.70913.

Todos os entrevistados do AE acreditavam ser possível agregar as PIC ao modelo de atendimento convencional no SUS. Grande parte as considerou complementares ao tratamento alopático em diversos quadros clínicos, inclusive, nas doenças crônicas ou em casos de dor e ansiedade.

Sobre o papel das PIC para a promoção da saúde, a maioria respondeu que as consideravam importantes para melhorar a saúde das pessoas, além de evitar o aparecimento de patologias tornando-se assim, mais difícil adoecer, era vista portanto como uma forma de complementar o serviço de saúde convencional.

Na opinião dos respondentes "a população precisa de assistência, mas também descobrir que saúde não é só tratamento com medicação".

Em relação à percepção dos profissionais sobre os benefícios, resistências e dificuldades quando da aplicação das PIC no AE, as entrevistas mostraram que os profissionais de saúde que qualificados para aplicar alguma PIC e que participaram da pesquisa eram médicas acupunturistas (três), fisioterapeutas (dois), terapeuta ocupacional (um) e psicóloga (um).

Os principais benefícios do uso das PIC citados pelos entrevistados foram a diminuição do estresse, a ação tranquilizante, analgésica e anti-inflamatória. Com relação à acupuntura foi enfatizado o bem estar físico e emocional proporcionados. No uso das práticas corporais chinesas referiram melhora na qualidade de vida com as técnicas de respiração, regulação da pressão arterial, controle do diabetes e aumento da flexibilidade das articulações.

Quanto às dificuldades foram lembrados a falta de espaço físico, de apoio da gestão local e de maior valorização [das práticas]. Para a realização dos atendimentos de acupuntura, foram citados: a falta de salas disponíveis, de maca, de aquecedor, de agulhas e outros insumos, de aparelhos mais sofisticados [à laser] e de ventosas.

 

DISCUSSÃO

A saúde, ao deixar de ser centrada na biologia15, amplia a maneira de pensar das possíveis intervenções em diferentes problemas. Cada vez mais pesquisadores concentram-se no estudo das PIC. No contexto global, observa-se a crise dos paradigmas da medicina moderna. Apoiada na visão biológica, tal medicina fortaleceu um sistema médico que excluiu os saberes tradicionais; uma prática médica voltada mais para o indivíduo do que para a coletividade; que subestima a promoção da saúde; é tecnicista e se desenvolveu para a especialização e fragmentação em partes ao invés de olhar o ser humano como um ser integral. Baseia-se em uma lógica hospitalocêntrica, com foco nos procedimentos, cirurgias, supervalorizando os medicamentos, o que acaba por fortalecer as indústrias farmacêuticas e de tecnologia médica. "Muito se tem dito e escrito sobre a crise da medicina, desde a década de 1970, atribuindo-lhe origens ora predominantemente econômico-financeiras ou políticas, ora corporativas ou éticas"16.

Pelicioni, 20054 conclui que "o modelo biomédico adotado durante os últimos anos não trouxe para a saúde pública tantos avanços quanto se esperava". Uma nova maneira de abordar a saúde pública cuja visão de promoção da saúde seja mais ampla e abrangente de modo a considerar os estilos e condições de saúde, a qualidade de vida, a capacitação para autonomia e maior participação dos usuários no processo saúde/doença.

As opiniões das gestoras incitam aspectos importantes a serem analisados. Primeiro, a falta de conhecimento da PNPIC justamente na unidade escolhida por oferecer as PIC pode causar um impedimento para o sucesso destas práticas onde já se atende parte da demanda. Segundo, causa estranhamento o processo de implantação das PIC, no que diz respeito à falta de articulação e/ou diálogo com as gestões municipal, estadual e federal.

A gestora que conhecia a Política dirigia uma unidade na qual esta não havia sido implementada. Por outro lado a unidade onde a mesma fora implantada não possuía muitos conhecimentos sobre ela. Mesmo assim os depoimentos colhidos revelaram claramente sua percepção sobre a limitação do modelo biomédico e identificaram características do cuidado que poderiam facilmente ser contempladas pelas PIC e outras racionalidades médicas.

Parece que não tem havido muita disposição para o reforço, a ampliação e divulgação das PIC no AE, pois ao ser indagada sobre a participação nas reuniões institucionais, periodicamente realizadas pela Coordenadoria responsável pelas PIC no SUS, a gestora informou que não tem participado. Apesar de ser convidada e ter acesso às reuniões preferiu encaminhar outro profissional da unidade, normalmente uma das médicas acupunturistas. Esta decisão pode estar também contribuindo para a invisibilidade das PIC no SUS tornando vulnerável a implantação de novos projetos nessa linha. Durante a entrevista ficou evidente que essa gestora não tem exercido suas atribuições a favor das PIC.

Não se sabe, ao certo, se a falta de conhecimento das PIC e da própria PNPIC por parte dos entrevistados na UBS se deu por ineficiência dos meios de divulgação na rede pública de saúde, pela descrença dos profissionais de saúde nas racionalidades médicas decorrente de sua formação, discriminação ou preconceito de forma geral ou se foi por favoritismo ao modelo biomédico por parte dos gestores.

Na UBS que não oferecia as PIC, as gestoras entrevistadas conheciam a PNPIC como também relataram usar e indicar a homeopatia, a acupuntura, uma alimentação mais natural, a prática da dança circular e da meditação cotidianamente para familiares e amigos.

Apesar dos depoimentos das gestoras, no gerenciamento da unidade prevaleceu a postura de uma gestão passiva evidenciando um despreparo para a implantação dos novos modelos assistenciais e gerenciais em saúde.

A aplicação da PNPIC não foi entendida como uma ação fácil a ser realizada e os principais motivos foram a falta de formação e qualificação compatíveis com o atendimento de práticas não convencionais.

Grande parte acreditava nos efeitos terapêuticos das PIC, para a melhoria das condições de saúde achando possível agregá-las à medicina moderna. Em relação à PNPIC nenhum dos profissionais de saúde entrevistados conhecia.

Alguns dos relatos mostraram a promoção da saúde como complementar ao serviço de saúde convencional, embora não a tenham relacionado com a forma ampliada e positiva de pensar na saúde.

Por outro lado, no AE, que oferecia as PIC, a gestora declarou que desconhecia a PNPIC e conhecia muito pouco as PIC em geral, diferentemente dos profissionais da sua equipe que além de afirmarem conhecer, relataram ser favoráveis a elas, considerando-as complementares ao tratamento convencional e à melhoria da qualidade de vida das pessoas.

Assim como na UBS, a maioria dos profissionais entrevistados no AE usa ou já utilizou alguma PIC para cuidar da sua saúde ou de seus familiares. Mesmo aqueles que declararam não usar, reconheceram seus benefícios e por isso, também as indicariam.

Todos acreditaram ser possível agregar as PIC ao atendimento convencional, mas para isso, a questão da formação e da qualificação dos profissionais foi considerada um ponto importante ainda que apresentasse muitas dificuldades e desafios em sua implantação. O fornecimento de material e aquisição de insumos utilizados em algumas das PIC tem se constituído em grande problema na unidade.

A divulgação das PIC para a comunidade local tem sido bastante restrita impedindo que as pessoas as conheçam e utilizem.

As PIC para a promoção da saúde não têm ocupado o papel que deveriam e/ou poderiam dentro do SUS. O fato da Agenda de Compromissos pela Saúde não contemplar a PNPIC, torna mais difícil a sua implantação.

Além do baixo desempenho da saúde revelado pela pesquisa do PNUD já mencionada, acredita-se que este possa estar relacionado à falta de prioridade do governo em investimentos nessa área. Pesquisa realizada pelas autoras acerca das PIC no SUS obteve como um dos principais resultados identificar o despreparo dos gestores, responsáveis pelo gerenciamento das unidades de saúde, com destaque para o AE, para administrarem o serviço junto com outro modelo, que não o biomédico, atendendo à demanda da população e oferecendo um serviço mais eficiente e de qualidade com a oferta de terapêuticas não convencionais.

Assim, apesar do movimento e interesse da Coordenação Nacional das Práticas Integrativas e Complementares ligada ao Ministério da Saúde que trabalha a favor das PIC e das ações para o fortalecimento de sua Política Nacional ainda percebe-se uma resistência a essa proposta talvez fruto da hegemonia do modelo biomédico também sobre os profissionais de saúde não médicos que exercem suas práticas no SUS.

Visando contribuir para o fortalecimento e a implantação das PIC no SUS, recomenda-se que a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo/SP: incentive e crie condições para o seu oferecimento em todas as suas unidades de saúde; apóie a inserção de profissionais não médicos, desde que apresentem formação e qualificação adequadas na execução de PIC que visem a promoção da saúde da população brasileira; que a Coordenadoria de Saúde Regional Norte/SP, por meio da Coordenação de Medicinas Tradicionais procure: aprimorar sua divulgação, monitorar e implantar as PIC nas unidades; garantir o fornecimento de matérias e insumos; que os gestores federal, estadual e municipal estimulem a criação de novos programas. As PIC integradas ao SUS certamente poderão estimular e contribuir para a promoção da saúde da população brasileira.

 

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