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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.22 no.2 São Paulo  2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Influência do sobrepeso e da obesidade na postura, na praxia global e no equilíbrio de escolares

 

Influence of overweight and obesity on posture, overall praxis and balance in schoolchildren

 

 

Andrezza Aparecida AleixoI; Elaine Leonezi GuimarãesII; Isabel Aparecida Porcatti de WalshII; Karina PereiraI, II

ICurso de Pós-Graduação em Educação Física. Universidade Federal do Triângulo Mineiro - Uberaba/MG
IIInstituto de Ciências da Saúde. Departamento de Fisioterapia Aplicada. Universidade Federal do Triângulo Mineiro - Uberaba/MG

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente estudo teve como objetivo avaliar escolares com sobrepeso ou obesidade, na faixa etária de seis a doze anos de idade, quanto ao equilíbrio, à praxia global e às alterações posturais na coluna e nos membros inferiores decorrente da sobrecarga. Participaram do estudo 34 escolares (27 meninas e sete meninos) matriculados em uma escola estadual de Uberaba/MG, com diagnóstico de sobrepeso ou obesidade infantil segundo Índice de Massa Corporal (IMC). Para avaliação da praxia global e do equilíbrio foi utilizada a Bateria Psicomotora de Fonseca; e da postura uma ficha de avaliação baseada em Kendall. A análise dos dados baseou-se na estatística descritiva simples através do método de porcentagem, e nos testes paramétricos de Kolmogorov-Smirnov para verificar normalidade da amostra e t Student para verificar a diferença entre os grupos, considerando o nível de significância de 5% ( p< 0,05). Os resultados demonstraram alterações posturais em ambos os grupos, equilíbrio estático se apresentou sem diferença significativa. No equilíbrio dinâmico houve diferença significativa, caracterizando o grupo sobrepeso com perfil psicomotor hiperpráxico, enquanto os obesos mostraram-se eupráxicos. Na avaliação da praxia global, houve diferença significativa entre os grupos em três subfatores: coordenação óculo-pedal (p = 0,022); dissociação de membros superiores (p = 0,042) e de membros inferiores (p = 0,045). Quanto à dissociação de membros inferiores e superiores, verificou-se perfil psicomotor eupráxico no grupo com sobrepeso e dispráxico nos obesos. Quanto à coordenação óculo-pedal, ambos mostraram-se dispráxicos. Os resultados obtidos indicam que o sobrepeso e a obesidade infantil podem alterar a postura, o equilíbrio e a praxia global.

Palavras-chave: criança; obesidade; postura; equilíbrio postural; sobrepeso; fisioterapia.


ABSTRACT

This study aimed to evaluate overweight or obese school children aged 6-12 years on postural changes on the spine and lower limbs due to overload, balance and overall praxis. Study participants were 34 students (27 girls and seven boys) enrolled in a school of Uberaba / state of Minas Gerais, with a diagnosis of overweight or obesity according to the infant Body Mass Index (BMI). For praxis and global balance evaluation was used Fonseca psychomotor battery while posture was assessed through an evaluation form based on Kendall. Data analysis was based on descriptive statistics through the percentage method. The Kolmogorov-Smirnov parametric tests was used to verify the normality of the sample and the "t-Student" test to detect differences between groups, considering the significance level of 5% (p <0 , 05). The results showed postural changes in both groups, static balance without significant difference and a significant difference for the dynamic equilibrium there was significant difference characterizing the overweight group with hyperpraxic psychomotor profile, while the obese group was eupraxic. The overall praxis assessment showed significant difference between the groups in three sub-factors: eye-foot coordination (p = 0.022), dissociation of the upper limbs (p = 0.042) and the lower limbs (p = 0.045). The dissociation of lower and upper limbs was found in overweight subjects with eupraxic psychomotor profile while obese patients were dyspraxic. The eye-foot coordination analysis presented dyspraxia in both groups. The results indicatethat overweight and obesity in children may alter posture, balance and overall praxis.

Key words: children; obesity; posture; postural balance; overweight; physiotherapy.


 

 

INTRODUÇÃO

A obesidade é uma doença multifatorial, que ocorre pela associação de fatores genéticos, ambientais e comportamentais, apresentando-se atualmente em índices superiores à própria desnutrição, sendo considerada uma epidemia1,2.

O Brasil passa por uma transição nutricional e constata a diminuição da subnutrição, caracterizada pelo baixo peso, pequena altura das crianças e baixa estatura dos adultos. O mesmo autor também relata que em 1975 havia, no Brasil, um pouco mais de 8% de subnutridos e cerca da metade de obesos (4%), e que esse quadro se inverteu em dados mais recentes que apontam 9% de obesidade e 3% de subnutridos3.

Na infância, a obesidade pode causar dificuldades de socialização, alterações cardiorrespiratórias, hipertensão arterial, aumento da circunferência abdominal, doença hepática gordurosa não-alcoólica, síndrome dos ovários policísticos (SOP), alterações respiratórias, distúrbios ortopédicos e também alterações no desenvolvimento motor normal (DMN). Isso em comparação com as crianças de peso ideal para a idade 1,4-8.

Crianças obesas apresentam vários fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e a síndrome metabólica é uma realidade para muitas dessas, estando presente em 17,3% das crianças obesas em seu estudo. Afirmam ainda que tal fato pode levar ao aparecimento mais precoce de diabetes mellitus tipo II e doenças ateroscleróticas9.

As lesões hepáticas que acompanham a obesidade infantil são decorrentes da combinação entre a resistência insulínica e o estresse oxidativo. Tais lesões se iniciam com a infiltração gordurosa no fígado, podendo progredir para esteatoepatite (20% dos casos) e cirrose hepática (2% dos casos). Em adolescentes com SOP, a prevalência de obesidade é de 55 a 73%. O risco de desenvolvimento de diabetes mellitus tipo II em pacientes com SOP é 3-7 vezes maior que o de mulheres normais, também devido à resistência insulínica1.

Observou-se que vários dos fatores de risco para doenças cardiovasculares, incluindo a hipertensão arterial, que pode levar à aterosclerose coronariana e hipertrofia ventricular esquerda, iniciam-se na infância10. Outro estudo confirmou que crianças que apresentaram circunferência da cintura aumentada, caracterizando a obesidade ou sobrepeso, apresentaram 2,8 vezes mais chances de ter níveis pressóricos elevados do que as crianças com a medida da circunferência da cintura adequada para seu peso e idade11.

Um dos problemas respiratórios na obesidade é a síndrome Obesidade-Hipoventilação Alveolar (Síndrome de Pinckwickian), quando ocorre aprisionamento aéreo e hipoventilação alveolar crônica. O paciente apresenta quadro de sonolência, cansaço fácil aos esforços e pode ainda apresentar edema, perceptível em membros inferiores. Esses pacientes apresentam distúrbios do humor e cefaleia noturna ou matinal12.

Distúrbios ortopédicos também são frequentes na obesidade, devido à sobrecarga nas articulações, sendo a dos joelhos a mais envolvida. O deslizamento da epífise da cabeça do fêmur também é comum13.

O excesso de massa corporal, na criança obesa ou com sobrepeso, pode acarretar diminuição da estabilidade e necessidade de busca de mecanismos de adaptação de postura. Sendo assim, podem apresentar modificação do eixo de equilíbrio habitual, resultando em aumento da lordose lombar, com protrusão do abdome e inclinação anterior da pelve (anteversão). Com o passar do tempo, surgem encurtamentos e alongamentos excessivos, que em combinação com a inclinação anterior da pelve levam à rotação interna dos quadris e ao aparecimento dos joelhos valgos e dos pés planos1,14.

Diante disso, as crianças obesas ou com sobrepeso encontram dificuldades para participar de atividades físicas, seja pela vergonha da exposição de sua aparência corporal ou pela própria dificuldade de realizar os exercícios, o que as induz à escolha de atividades com baixo gasto calórico, reduzindo assim o nível de atividade física5,15. Tal fato pode acabar por exacerbar as alterações posturais, as dispraxias e a falta de equilíbrio nessas crianças.

Coordenação ou praxia global está associada à atividade consciente, sua programação, regulação e verificação. Associa-se a áreas mais anteriores do córtex, como a zona pré-motora, cuja principal missão é a realização e a automação dos movimentos globais complexos que se desenrolam em certo período de tempo e exigem a atividade conjunta de vários grupos musculares. Sua avaliação permite não só detectar o rendimento motor mas também a qualidade da integração sensorial e psicomotora que evidencia a integridade do cérebro, desde o tronco cerebral aos hemisférios cerebrais. Falha nesse mecanismo retrata dispraxia16.

A dispraxia significa lentidão ou ineficiência da planificação de ações independentemente de uma inteligência normal ou de uma motricidade funcional. Significa ainda uma disfunção integrativa sensorial e psicomotora16. Crianças que apresentam alteração na praxia global são consideradas dispráxicas e apresentam dificuldades de aprendizagem ou disfunções cerebrais mínimas16,17. A praxia global é a colocação simultânea de grupos musculares diferentes, com vistas à execução de movimentos amplos e voluntários, envolvendo principalmente o trabalho de membros inferiores, superiores e do tronco16. D'Hondt et al.18 relatam que a obesidade e o sobrepeso têm impacto negativo na habilidade motora e no equilíbrio postural, quando esses são desafiados simultaneamente.

A falta de treino e movimentação ampla pode ainda causar atraso no desenvolvimento neuropsicomotor normal (DNPMN) comparada às crianças de peso ideal para a idade. Isso ocorre porque a motricidade e a inteligência se desenvolvem como resultado da interação de fatores genéticos, culturais, ambientais e psicossociais, sendo o desenvolvimento infantil influenciado por fatores intrínsecos e extrínsecos4,17,19.

Considerando a possibilidade de que o excesso de massa corporal influencia no equilíbrio e na praxia global durante a realização de atividades motoras globais, o objetivo do presente estudo foi verificar a influência do sobrepeso e da obesidade de escolares nas atividades de equilíbrio e praxia global.

 

MÉTODO

Inicialmente foi realizado o levantamento do número de escolares matriculados da educação escolar ao sétimo ano do ensino fundamental de uma escola estadual da cidade de Uberaba-MG, totalizando 432 alunos. Foram triados 268, que apresentavam idade entre seis e 12 anos. Desses, 74 apresentaram diagnóstico de sobrepeso (percentil maior que 85 e menor ou igual a 97) e obesidade infantil (percentil maior que 97 e menor ou igual a 99,9) (Organização Mundial de Saúde - OMS)20, sem nenhuma outra doença de base. Participaram efetivamente do estudo 34 escolares, os quais foram avaliados quanto às alterações posturais, ao equilíbrio e à praxia global através da Bateria Psicomotora (BPM) de Fonseca16. A avaliação postural foi baseada em Kendall21.

Para classificação do sobrepeso e da obesidade foi utilizado o cálculo do índice de massa corpórea (IMC), que é a relação do peso (Kg) dividido pela altura2 (m2), através de medidas antropométricas (peso e estatura) e análise do percentil na curva por idade e sexo da OMS20. As medidas de peso foram obtidas em quilogramas, por meio de balança mecânica BR9010 marca Camry. A estatura foi medida por meio de fita métrica, fixada na parede, com as crianças descalças em posição ortostática, braços ao longo do corpo e pés unidos.

Para avaliação dos escolares, inicialmente foi realizada anamnese, sendo possível identificar: se a criança praticava alguma atividade física regular, sua frequência e duração; se existiam outros casos de obesidade na família; se sentia alguma dor e em qual local do corpo, quando realizava essas atividades físicas; e qual a brincadeira ou atividade que mais gostava. Foram verificados sinais vitais como pressão arterial, frequência cardíaca e frequência respiratória em repouso.

Para a avaliação do equilíbrio e praxia global foi utilizada a Bateria Psicomotora (BMP) de Fonseca16 nos seguintes aspectos: coordenação óculo-manual, coordenação óculo-pedal, dismetria e a dissociação. Referente ao equilíbrio foi avaliado: a imobilidade, o equilíbrio estático e o dinâmico, sendo pontuados de um a quatro. A pontuação um referenciou o perfil apráxico, realização imperfeita, incompleta e descoordenada (fraco); dois, o dispráxico, realização com dificuldades de controle (satisfatório); três, o eupráxico, realização controlada e adequada (bom) e quatro, o hiperpráxico, realização perfeita, econômica, harmoniosa e bem controlada (excelente).

Para a praxia global foi avaliada a coordenação óculo-manual, quando a criança deveria lançar quatro vezes uma bola de tênis numa caixa de papel, colocada em cima de uma cadeira a uma distância de dois metros e meio; a coordenação óculo-pedal, quando a criança deveria chutar quatro vezes a bola de tênis, estando a dois metros e meio do alvo de modo que a bola passasse por entre as pernas da cadeira; a dismetria foi avaliada observando a incoordenação na realização das duas tarefas descritas anteriormente; e a dissociação foi observada pedindo para a criança realizar vários batimentos de mãos e pés e em seguida, realizar a tarefa de saltar e bater palmas ao mesmo tempo.

O equilíbrio foi avaliado observando os fatores: imobilidade, quando a criança deveria permanecer 60 segundos com os pés unidos na postura em pé e as mãos apoiadas na face lateral da coxa; equilíbrio estático, a criança deveria permanecer com os olhos fechados e as mãos no quadril durante 20 segundos, imóvel, primeiro com um pé à frente do outro (ponta do pé-calcanhar), depois na ponta dos pés e em seguida com apoio unipodal escolhendo o pé de maior equilíbrio (dominante); e equilíbrio dinâmico, quando a criança deveria ficar em pé, com as mãos no quadril e percorrer uma linha reta de três metros com um pé na frente do outro (ponta do pé-calcanhar); com as mãos no quadril realizando as seguintes tarefas: andar para frente e para trás, para lateral direita e lateral esquerda, percorrer três metros saltitando apenas com apoio unipodal podendo escolher para iniciar o pé de maior equilíbrio e, de olhos fechados, deveria percorrer uma distância de três metros com os pés juntos, saltando para frente e depois para trás.

A avaliação postural foi baseada em Kendal21, observando-se a criança em posição ortostática e braços ao longo do corpo nas vistas anterior, lateral e posterior verificando: protrusão e inclinação de cabeça, protrusão de ombros, hipercifose dorsal, hiperlordose lombar, hiperextensão de joelhos, assimetria na altura das fossas poplíteas, valgo ou varo de joelhos, pés planos, protrusão de abdome e anteversão da pelve.

Os dados referentes à idade, ao sexo, aos sinais vitais e aos valores antropométricos foram analisados através de estatística descritiva simples por meio do método de percentagem.

As variáveis quantitativas praxia global e equilíbrio foram analisadas por meio do programa GraphPad InStat, sendo inicialmente submetidas ao teste Kolmogorov-Smirnov para verificação da distribuição normal. Uma vez detectada a normalidade dos dados, as variáveis foram comparadas entre os grupos sobrepeso e obesidade por meio do teste t Student considerando o nível de significância de 5%.

Trata-se de um estudo prospectivo, transversal e analítico, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Triângulo Mineiro, sob o protocolo næ% 1492/2009, realizado em uma escola estadual da cidade de Uberaba-MG, no período de setembro a dezembro de 2009.

 

RESULTADOS

De acordo com os dados observados, verificou-se que dos 432 escolares, 268 (62,03%) apresentaram idade de seis a 12 anos, sendo identificados entre eles 74 (27,61%) escolares com sobrepeso ou obesidade. Dentre os 34 escolares com alteração no valor normal de IMC, 11 (32,35%) apresentaram-se com sobrepeso e 23 (67%64) com obesidade.

A Tabela 1 apresenta os dados referentes à idade e às características antropométricas dos 34 escolares.

 

 

Quanto aos sinais vitais, verificou-se que a frequência respiratória foi em média de 19,85 (±2,93) rpm, a frequência cardíaca de 82,17 (±10,65) bpm e a pressão arterial média de 80,61 (±9,69) mmHg.

De acordo com o questionário de identificação de hábitos, nenhum escolar relatou realizar atividade física além das oferecidas nas aulas de Educação Física e apenas 14,70% relataram sentir dor ou desconforto em pernas e costas ao realizarem exercícios físicos. A frequência semanal da atividade física variou entre duas vezes (73,52% dos escolares) e três vezes (26,47% dos escolares), com duração de 50 minutos. Já 5,88% dos escolares avaliados relataram não gostar de praticá-los.

Foi questionado ainda se outras pessoas da família praticavam exercícios físicos e qual modalidade. Responderam sim 32,35%, predominantemente caminhada e academia. 76,52% dos escolares relataram ter parentes próximos com sobrepeso ou obesidade.

Quando questionados sobre seu equilíbrio, 29,41% relataram que caem muito e 67,64% que têm pouco equilíbrio ou apresentam instabilidade em pé e tornozelo.

Quanto às alterações posturais, pode-se observar na Tabela 2 que 63,6% dos escolares com sobrepeso apresentaram protrusão de cabeça, 63,6% protrusão de ombro, 72,7% diferença de altura de ombros, 54,5% hiperlordose lombar e 54,5% diferença de altura da fossa poplítea. No grupo com obesidade, 82,6% apresentaram diferença na altura de ombros, 65,2% hiperlordose lombar, 47,8% hiperextensão de joelhos, 86,9% diferença de altura da fossa poplítea, 65,2% joelhos valgos, 78,3% protrusão de abdome e 47,8% anteversão pélvica.

 

 

A Tabela 3 retrata os resultados referentes ao equilíbrio e à praxia global dos grupos avaliados. No subfator imobilidade e equilíbrio estático não foi encontrada diferença significativa entre obeso e sobrepeso. No equilíbrio dinâmico, houve diferença significativa em quatro subfatores: marcha controlada (p = 0,049), pés juntos para frente (p = 0,009), pés juntos para trás (p = 0,044) e pés juntos com olhos fechados (p = 0,034). O grupo com sobrepeso apresentou perfil psicomotor hiperpráxico para marcha controlada, pés juntos para frente e pés juntos para trás, enquanto os obesos mostraram-se eupráxicos. No subfator pés juntos com olhos fechados, ambos apresentaram perfil psicomotor eupráxico.

 

 

Na avaliação da praxia global, foi encontrada diferença significativa entre os dois grupos em três subfatores: coordenação óculo-pedal (p = 0,022); dissociação de membros superiores (p = 0,042) e dissociação de membros inferiores (p = 0,0448). Os subfatores dissociação de membros inferiores e superiores no grupo com sobrepeso apresentaram perfil psicomotor eupráxico, já os obesos apresentaram-se dispráxicos. Os dois grupos mostraram-se dispráxicos quanto à coordenação óculo-pedal.

 

DISCUSSÃO

O presente estudo verificou que dos 432 alunos matriculados, 74 (27,61%) apresentavam sobrepeso ou obesidade. O excesso de peso na população brasileira tem alcançado altos índices, a ponto de ser considerada uma epidemia2,22. Juntamente com o declínio da desnutrição infantil, o Brasil vê um acréscimo de excesso de peso de 16,7% entre a faixa etária pediátrica3. Pierine et al.23 verificaram uma prevalência de 33% de alunos com sobrepeso e obesidade, de acordo com a classificação do IMC, sem diferença entre os sexos. Já Simon et al.24 observaram prevalência de excesso de peso de 35,4% em uma mostra de 806 escolares, mostrando que as prevalências de excesso de peso não diferem segundo sexo e idade das crianças.

Alterações posturais foram observadas em ambos os grupos, com maior frequência em coluna e membros inferiores, quando 14,7% relataram dor ou desconforto em pernas e costas ao realizar atividade física. Estudos indicam que a obesidade gera uma sobrecarga à coluna, causando alterações nas suas curvaturas normais, sendo que na maioria dos casos elas se apresentam mais acentuadas, bem como alterações posturais dos membros inferiores, que são bastante incidentes14. Observam-se, associadas à obesidade, alterações posturais pelo excesso de massa corporal, diminuição da estabilidade e aumento das necessidades mecânicas para adaptação corporal25. Wearing et al.26 verificaram que crianças obesas apresentam uma variedade de alterações biomecânicas nas extremidades inferiores e que pode estar associada à dor musculo-esquelética em crianças e adolescentes, mas que, no entanto, os dados são limitados.

Entre os 34 escolares avaliados, 61,7% apresentaram hiperlordose lombar, 64,7% protrusão de abdome e 32,3% anteversão de pelve, corroborando com os achados de Fisberg2. Esse autor observou um elevado número de alterações posturais, como hiperlordose lombar, protrusão da cabeça, anteversão pélvica, rotação medial do quadril, joelhos valgos e pés planos, ocasionados pela exagerada massa corporal, sobrecarregando assim o sistema musculo-esquelético. Filippin et al.27 encontraram resultados parecidos e afirmaram que o excesso de massa corporal no obeso contribui para uma diminuição da estabilidade e da necessidade de busca de mecanismos de adaptação da postura. Evidenciaram ainda que crianças obesas podem apresentar modificação do eixo de equilíbrio habitual, resultando em aumento da lordose lombar, com protrusão do abdome e inclinação anterior da pelve (anteversão).

O índice de joelhos valgos e pés planos encontrados foi de 58,8% e 35,2%, respectivamente. Estudos indicam que com o passar do tempo surgem encurtamentos e alongamentos excessivos que, em combinação com uma inclinação anterior da pelve, levam à rotação interna dos quadris e ao aparecimento dos joelhos valgos e dos pés planos1.

Encontraram-se relatos de quedas frequentes em 29,41% e de pouco equilíbrio em 67,64% dos escolares avaliados. Para Brun e Neto5, crianças com obesidade apresentam maior dificuldade em equilíbrio, organização temporal e esquema corporal. A avaliação do equilíbrio abrange o controle postural e revela o nível de integridade de importantes centros e circuitos neurológicos, sem os quais nenhuma atividade pode ser realizada16.

Na avaliação do equilíbrio dinâmico, verificou-se o perfil psicomotor hiperpráxico no grupo de sobrepeso e perfil eupráxico nos obesos. Apesar de ambos estarem dentro da normalidade, o sobrepeso apresentou melhor desempenho, corroborando com a teoria de que crianças com excesso de massa corporal apresentam alteração de seu equilíbrio5,28.

Ao se analisar o perfil nas tarefas de praxia global, foi constatada diferença significativa em ambos os grupos no subfator dissociação de membros inferiores e superiores, apresentando perfil psicomotor eupráxico no grupo com sobrepeso e perfil dispráxico no grupo com obesidade. Sendo assim, confirma-se que crianças com excesso de massa corporal apresentam alteração na coordenação dinâmica global conforme descrito por Hall29 e Bueno30, que constataram que o equilíbrio é responsável pela noção e distribuição de peso em relação ao espaço, ao tempo e ao eixo de gravidade, sendo a base de toda coordenação dinâmica global.

Quanto à prática de atividade física, 5,88% dos escolares avaliados relataram não gostar. Tal fato pode estar relacionado às dificuldades encontradas para a realização delas, como relatam Pazin et al.15 que, ao pesquisarem o atraso no desenvolvimento motor de crianças obesas, constataram maior déficit em organização temporal, espacial e equilíbrio, relacionando a inatividade à obesidade, à dificuldade para realização de determinadas atividades, à escolha de atividades com baixo gasto calórico, à vergonha da exposição de sua aparência corporal, bem como às características do estilo de vida em si.

Quanto à ocorrência de obesidade na família, mais de 75% dos escolares avaliados relataram conviver com parentes (pai, mãe, avós, tios e irmãos) com obesidade, podendo-se inferir a presença de fatores genéticos e/ou mau hábito alimentar entre os grupos avaliados, uma vez que a prática de atividade física foi relatada ser constante de duas a três vezes na semana por 50 minutos. Vitolo31 relata que quando há pessoas obesas na família, a probabilidade da criança desenvolver a obesidade é muito maior. Relatam ainda que se o pai e a mãe forem obesos, ela terá 80% de possibilidade de ser obesa.

Com relação aos sinais vitais verificados antes das avaliações, todos os escolares se mostraram dentro da normalidade, como mostra Sarnento32 e Mion et al.33. Vale ressaltar a importância de sua verificação devido à estreita ligação entre eles e os diversos fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares na infância e na fase adulta34. A associação entre hipertensão arterial e obesidade apresenta relação direta em diversos estudos10,35, bem como a medida antropométrica da circunferência abdominal quando elevada nas crianças, que também tem evidenciado alto o risco de desenvolverem doenças coronarianas11.

Considerando os resultados obtidos, pode-se concluir que os escolares com sobrepeso e obesidade apresentam-se dentro do padrão de normalidade para a avaliação da praxia global e do equilíbrio, embora o grupo de sobrepeso tenha apresentado melhor desempenho que os obesos durante a avaliação, como perfil hiperpráxixo para os escolares com sobrepeso e eupráxico para os obesos no equilíbrio dinâmico, e perfil eupráxico para os escolares com sobrepeso e dispráxico para os obesos em praxia global.

Apesar do estudo apresentar um fator limitante, que é a ausência de um grupo de controle, foi possível verificar diferenças entre o grupo de escolares com obesidade e sobrepeso, podendo inferir que o excesso de massa corporal pode influenciar no equilíbrio e na praxia global durante a realização de atividades motoras globais e nas atividades de vida diária.

 

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