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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.22 no.2 São Paulo  2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Violência doméstica e sexual em mulheres e suas repercussões na fase do climatério

 

Impact of domestic and sexual violence on women's health

 

 

Sandra Dircinha Teixeira de Araujo MoraesI, III; Angela Maggio da FonsecaI, III; Vicente Renato BagnoliI; José Maria Soares JúniorI; Eli Mendes de MoraesI, III; Erika Mendonça das NevesI, III; Marina de Araújo RosaIII; Caio Fabio Schlechta PortellaIII; Edmundo Chada BaracatI, II

ISchool of Medicine-General Hospital - University of São Paulo
IIHead professor of Department of Gynecology-School of Medicine-General Hospital - University of São Paulo
IIINucleo de Estudos sobre Violência e Humanização da Assistência à Saúde - NEVHAS

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: a violência doméstica e, particularmente, a sexual pode implicar em maior ocorrência de comorbidades no climatério.
OBJETIVO: avaliar as repercussões no climatério da violência domestica e sexual.
MÉTODO: estudo transversal em 124 mulheres menopausadas, entre 40 e 65 anos, que sofreram violência doméstica e/ou sexual, e um grupo controle (mulheres na menopausa que não sofreram violência n=120). As expostas à violência foram divididas em três grupos: 1-violência sofrida na infância e/ou adolescência, 2-fase adulta, 3-ambas as fases, e aplicou-se questionário sobre violência doméstica e sexual. Correlacionou-se a intensidade dos sintomas climatéricos medido pelo Índice Menopausal de Kupperman (IK), tipo de violência sofrida, fase da vida exposta à violência, comorbidades apresentadas no climatério e percepções da mulher sobre a forma com que os diversos profissionais acolheram ou não nos eventos traumáticos. No grupo controle avaliamos IK e numero de comorbidades.
RESULTADOS: aquelas que sofreram violência na infância/adolescência apresentam media de 5,1 comorbidades; na fase adulta 4,6; e em ambas as fases 4,4, com mediana de 5,0 em todas as fases; sem violência (controle) 2,8. As que sofreram violência sexual apresentam mais comorbidades em relação aquelas que sofreram outros tipos de violência. Houve associações significativas entre ter sofrido qualquer tipo de violência em ambas às fases e IK grave e ter sofrido violência sexual em qualquer fase da vida, e IK no mínimo moderado.
CONCLUSÃO: mulheres que sofreram violência doméstica e sexual apresentam mais comorbidades e IK elevado em relação ao grupo controle.

Palavras-chave: violência doméstica; violência sexual; menopausa; comorbidades no climatério; Índice de Kupperman.


ABSTRACT

INTRODUCTION: domestic violence and, particularly, sex can result in higher incidence of comorbidities in the climacteric.
OBJECTIVE: to assess the effects of menopause on sexual and domestic violence.
METHODS: sectional study in 124 postmenopausal women between 40 and 65, who suffered domestic violence and / or sexual, and a control group (124) composed (climacteric women who did not suffer violence) (N=120). Those who exposed to violence were divided into three groups 1 violence experienced in childhood and adolescence 2- adult phase 3- both phases. Subsequently a questionnaire on domestic and sexual violence was applied.Correlation was established for the intensity of climacteric symptoms measured with Menopausal Kupperman Index (MKI), type of violence experienced, stage of life exposesd to violence comorbidities during menopause, and women's perceptions about the quality of assistance received from the various professionals after the traumatic events. In the control group MKI and number of comorbidities were evaluated.
RESULTS: those who have experienced violence in childhood/adolescence have average of 5.1 comorbidities; adulthood 4.6, and 4.4 in both phases, with a median of 5.0 in all phases, without violence (control) 2.8. The victims of sexual violence have more comorbidities compared those who underwent other types of violence. There were significant associations between having suffered any kind of violence in both phases and MKI serious and have suffered sexual violence at any stage of life, and MKI at least moderate.
CONCLUSION: women who have experienced domestic and sexual violence have more comorbidities and MKI high compared to the control group.

Key words: domestic violence; sexual violence; menopause; climacteric co morbidities; menopausal Kupperman Index.


 

 

INTRODUÇÃO

O conhecimento sobre a ocorrência de violência cometida contra a mulher e as repercussões na sua saúde na fase do climatério, no contexto nacional e internacional, ainda é escasso e constitui um grave problema de saúde pública. A questão aparece pouco nos diagnósticos e nas condutas realizadas nos serviços de saúde devido, entre outras causas, pela dificuldade dos atores em externar à violência sofrida e limitações da equipe de saúde em prover a adequada assistência à saúde integral da mulher, em especial na fase do climatério.1-4

A violência doméstica e, particularmente, a violência sexual pode implicar em maior ocorrência de diversos problemas de saúde física, reprodutiva e mental, como também acarreta maior uso dos diversos serviços de saúde por parte das mulheres.1,5,6,7

Embora as pesquisas existentes8, 9,10 tenham contribuído para a melhoria da qualidade da investigação cientifica da violência sofrida pelas mulheres, muitos instrumentos permanecem limitados por uma variedade de deficiências metodológicas1,4,5,7,11. Essas medidas referentes às violências sofridas na infância/adolescência ignoram os aspectos dimensionais dos eventos traumáticos12,13.

Entre esses estão sua freqüência, severidade ou duração que podem exercer um papel crucial tanto no impacto psicológico como no físico da pessoa vitimada.14 Muitos instrumentos focam unicamente o abuso sexual e ou físico, subestimando outras formas de vitimização como os maus-tratos emocionais e a negligência emocional1,15,16. Na literatura13,17 os achados existentes têm focado mais a infância/adolescência e a fase reprodutiva da vida adulta3,15 das mulheres e mesmo assim não quantificam o impacto da violência na saúde destas mulheres.

Para a mulher na fase do climatério não se encontrou instrumentos satisfatórios que quantifiquem as consequências da violência doméstica e/ou sexual avaliadas nesta fase da vida. Só foi localizado trabalhos 6,16,18 empregando questionários na avaliação da qualidade de vida de mulheres adultas e estes não contemplam alguns traumas como por exemplo a negligencia emocional.

Assim, o objetivo deste estudo é verificar as repercussões da violência doméstica e sexual na saúde feminina no período do climatério.

 

METODO

Trata-se de estudo transversal realizado com mulheres que buscaram atendimento no Serviço de Serviço de Ginecologia Endócrina e Climatério do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Brasil no período de março a setembro de 2010.

Após informação dos objetivos da pesquisa, na sala de pré consulta, enfatizou-se que, se alguma delas em algum momento da vida tivesse sofrido qualquer tipo de violência domestica ou sexual que procurasse a pesquisadora, auxiliar de pesquisa ou a uma das voluntarias que colaboram no referido ambulatório. Foi explicado para as mesmas os tipos mais comuns de violência e a importância do devido acolhimento a estas pessoas, objetivando uma melhor qualidade de vida.

Os médicos ginecologistas do ambulatório de climatério foram orientados a perguntar individualmente e de modo privado durante a consulta se elas já tinham sofrido algum tipo de violência. Em caso afirmativo esta era convidada a participar da pesquisa (124 mulheres) Também foi feito grupo controle de mulheres no climatério que não sofreram violência, (120) advindas do mesmo serviço. As mulheres que sofreram violência eram convidadas a participar de atividades em grupo e/ou psicoterapia individual com um psicólogo experiente em atender stress pós trauma na mesma instituição.

Critérios de inclusão: mulheres com pelo menos um ano de amenorreia e níveis de FSH > 45m U/ml e estradiol < 20pg/ml, que sofreram violência doméstica e/ ou sexual em qualquer período de suas vidas

Critérios de exclusão: mulheres histerectomizadas; mulheres com câncer em tratamento; usando antidepressivos; fazendo terapia de reposição hormonal ou fitoterapia, assim como distúrbios psiquiátricos; doenças endocrinológicas descompensadas (diabetes e desordens da tireoide); doenças cardiovasculares em tratamento.

A pesquisa consistiu em registrar por meio do instrumento, "Questionário para avaliar impactos na saúde da mulher na fase do climatério, vítimas de violência doméstica e/ou sexual", sua história de agressão passada ou atual, sinais e sintomas clínico-ginecológicos (anamnese e exames clínico e ginecológico) no momento da consulta, buscando identificar associações entre as variáveis da história de agressão e comorbidades no climatério diagnosticadas até um ano antes da consulta/entrevista.

Algumas questões abordam experiências na fase adulta e em ambas as fases (infância/adolescência e fase adulta) e são pontuados também por meio de uma escala Likert, com possibilidades de respostas variando de 1 - nunca, 2 - poucas vezes, 3 às vezes, 4- muitas vezes, 5 - sempre ou 1 - totalmente de acordo 2 - parcialmente de acordo 3 - em dúvida 4 - parcialmente em desacordo 5 - totalmente em desacordo. Houve questões de múltipla escolha, sim ou não e questões onde se poderia assinalar mais de uma alternativa.

Durante o atendimento mediu-se o índice de Kupperman2 (IK). Este foi analisado de duas formas: considerando o escore total e categorizado em leve (d"19 pontos), moderado (20 a 35) e severo > 35 pontos. Estas mulheres foram classificadas quanto ao tipo de violência sofrida: (física, sexual, psicológica e negligência física) de acordo com a classificação de traumas da OMS15 e negligência emocional1 detectada através do referido questionário já validado.

O questionário consta de 13 questões-chave e 21 subitens das questões-chave, totalizando 34 questões. Suas questões estão divididas em cinco grupos, que avaliam: Local onde mora (zona rural ou zona urbana) e com quem (pais fisiológicos, padrasto, outros), inicio da violência (fase da vida), frequência, tipo e autor da violência, se procurou assistência à saúde e/ou denunciou a violência, comorbidades e relação com a violência sofrida, índice de Kuppermann, percepção da mulher referente à violência sofrida e estado atual da saúde, vida sexual e estado de espírito atual, percepções destas mulheres sobre a atuação dos profissionais de saúde referente à contribuição da quebra do pacto do silencio e atendimento integral a elas.

Analise estatística

Para análise dos dados foi utilizada a estatística descritiva, frequências e porcentagens de ocorrência de cada uma das alternativas das questões. Para as variáveis: tipo de violência, idade que sofreu, agente perpetrador da violência, utilizou-se as proporções. O teste estatístico do qui quadrado e a medida de risco Odds Ratio foram utilizados para fazer a comparação entre os grupos e alguns fatores como: local de moradia, procura por serviços de saúde.

Foi utilizado o teste t para amostras independentes, a fim de verificar a existência ou não de diferenças significativas, entre as médias das variáveis de estudo, nas mulheres vitimas de violência doméstica e/ou sexual em nível de significância de 5% (p < 0,05).

Foram realizadas analise estatística descritiva para o Índice Menopausal de Kupperman, o número de comorbidades e o IMC em cada categoria de Fase de vida. Os testes de Kruskal-Wallis ou Mann-Whitney foram utilizados, para verificar possíveis associações entre as distribuições do Índice de Kupperman, número de comorbidades, IMC e características da vida sexual atual.

Aprovação Ética

Esta pesquisa possui autorização Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (protocolo nº 180/09). A pesquisa garantiu o anonimato das pacientes, resguardando-lhes o direito de desistirem da pesquisa a qualquer momento. Paras as situações emergentes e/ou de risco havia mecanismos de intervenção para essas vítimas, tais como: atendimento imediato por psicólogo e ou encaminhamento para psiquiatra.

 

RESULTADOS

As mulheres tinham entre 40 e 65 anos de idade, media etária 55,8 anos (± 6,6), sendo 62,1 % da raça branca, 37,1% afro descendentes e 0,8% da raça amarela e sofreram violência doméstica e/ou sexual em qualquer fase da vida. A média etária da menarca foi de 13,1 anos (± 2), primeira relação 19,5 anos (±5,8), menopausa 45,4 anos (± 7) e a Índice de Massa Corpórea 28,5 (± 5,7).

A figura 1 descreve os tipos e frequência de violência sofrida. As figuras 2 e 3 descrevem os achados das repercussões da violência doméstica e sexual na saúde feminina no período do climatério.

 

 

 

 

 

 

 

DISCUSSÃO

As mulheres inclusas nesta pesquisa sofreram violência exclusivamente na infância/adolescência 20 (16,12%) mulheres, 52 (41,9%) exclusivamente na fase adulta e 52 (41,9%) sofreram violência ao longo da vida (em ambas as fases). Sofreu violência sexual em alguma fase da vida 74(59,7%). Quanto ao tipo de violência sofrida em qualquer fase da vida: Violência Física 94(75,8%), Violência Sexual 74(59,7%) Violência Psicológica 98 (79,03%) Negligência Física 94(75,8%); Negligência Emocional 39(31,41%), conforme figura 1.

Na fase adulta em 88% o agressor foi o marido/companheiro. Na infância 86,3% o agressor foram os pais fisiológicos. 2,4% padrasto/madrasta, 7,3% patrões, 3 % outros. Têm vida sexual ativa 36 (29%) e destas 20(72,3%) consideram-na insatisfatória. São tabagistas 19 (15%) e 4 (3,1%) etilistas.

Estas mulheres apresentam no mínimo três comorbidades na fase do climatério: violência sofrida na infância/adolescência apresenta media de 5,1 comorbidades; na fase adulta 4,6; e em ambas as fases 4,4, com mediana de 5,0 em todas as fases. As do grupo controle (não expostas à violência) tiveram 2,8 comorbidades.

Naquelas que sofreram violência doméstica e/ou sexual encontrou-se: osteoporose: 15,5%; depressão/transtornos psíquicos: 69,4%; hipertensão arterial: 54,0%; doença reumática e doenças articulares: 47,7%; afecções alérgicas: 37,9%; fibromialgia: 33,1%; varizes em membros inferiores: 29,8%; labirintite: 29,8%; diabetes: 15,3%; hérnia de disco: 14,5%; câncer de útero/ovário/mama: 13,7%, sendo que o de mama representa 47,05% destes cânceres; outros cânceres: 2,4%.

Quanto a intensidade dos sintomas climatéricos 53,2% das mulheres apresentam IK moderado, 25,8% IK leve e 21% IK grave. Maiores porcentagens do Índice de Kupermann (IK) grave foi observado naquelas que apresentaram violência em ambas as fases da vida (29,3%), IK moderado na Infância/adolescência (75%) e na fase adulta IK leve (33%) (Figura 2).

Aquelas que sofreram violência doméstica e/ou sexual na fase de desenvolvimento (infância e adolescência) os sintomas climatérios (aferidos pelo Índice Menopausal de Kupperman) esteve associado à frequência da violência sofrida (Figura 3)

Quanto ao estado de espírito das mulheres no momento da entrevista, 51,6% da amostra encontrava-se intensa e moderadamente triste/deprimida, 17,7% pouco triste/deprimida, 20,9% encontravam-se intensa e moderadamente alegre/feliz, sentiam-se indiferentes 7,3%, não souberam responder 2,5%.

A violência sofrida influenciou negativamente o modo de viver e agir de 90,3% das mulheres estudadas. Entre os vários episódios de violência que a mulher sofreu, o que mais comprometeu a sua saúde física e psicológica foi a categoria "Ter apanhado/sofrido por parte de um homem que é pai do meu filho" (38,7%), seguido de "Ter sofrido vários traumas/violências por alguém que me pegou para criar ou me adotou." (33,1%), "Ter sofrido humilhação, xingamentos, calúnias..." (25%), "Ter apanhado/sofrido por parte de pessoa que amei e/ou amo ainda" (24,2%), e "Ter sofrido abuso/estupro por alguém próximo por alguém próximo, conhecido e/ou da família" (17,7%). Não procuram por serviços de saúde quando sofrem violência 80,6% da amostra.

Quanto à ação dos profissionais de saúde na abordagem da violência, 75% das mulheres relataram que teriam pedido ajuda se o profissional tivesse abordado a violência durante atendimento e 17,7% disseram que não contariam a violência sofrida, mesmo se fossem questionadas. Estas mulheres sugeriram que: 58,1% "os profissionais precisam dar mais abertura para as pessoas falarem, precisam passar mais segurança", 20,2% "Os profissionais tem que estimular as mulheres a não aceitar a violência e denunciar esta violência".

Não há associação entre ter sofrido violência sexual (qui quadrado) e apresentar Índice de Kuppermann moderado e leve, porém naquelas que sofreram Violência Sexual houve uma maior associação com Índice de Kupperman Grave (p=0,001). Quanto ao tabagismo, não há diferença entre as distribuições do número de comorbidades e Índice de Kupperman nas fumantes e não fumantes (p = 0,094) e (p = 0,181) respectivamente.

Entre aquelas mulheres que só apresentaram violência física, a doença mais frequente foi a depressão e doenças crônicas de fundo imunológico (39,5%), bem como naquelas que sofreram apenas violência sexual apresentavam níveis de depressão e fibromialgia significativamente mais altos neste grupo (p < 0,001).

Mundialmente, o domínio do mais forte sobre o mais fraco, sempre deixou claro o seu grau de importância, seja ele no capital universal, na sociedade, nas politicas e na família. O poder e essa busca de excessos nas atitudes do ser humano, podem ir além dos limites considerados como normais ao nosso próprio ser, o que se soma a pouca importância dada as crianças, adolescentes e mulheres, e às consequentes repercussões destas atitudes, sobretudo dos adultos, sobre a saúde de suas vítimas.

A violência baseada no gênero, dentro do vinculo familiar e fora dele, leva a mulher a vários transtornos físicos, psíquicos, sociais, seja por vergonha de se expor, por medo de romper este elo familiar, ou por ameaça, fazendo com que a pessoa agredida fique em silencio, o que infelizmente sugere que milhões de mulheres estão sofrendo com este tipo de violência e vivendo as suas consequências.

Os resultados obtidos neste estudo refletem não apenas diferenças entre os tipos de violência e conseqüências na saúde da mulher no climatério, que estão sendo avaliados, mas também ressalta a magnificância da violência sexual ocorrida em qualquer fase da vida. A pratica sexual, que deve merecer significativa atenção, pode apresentar-se em diversas formas de relacionamentos, como a busca excessiva de prazeres egoístas, gerando novas situações e modalidades, não importando se isso vai além do respeito à ética e a moral ao próximo, seja de vinculo familiar ou não. Algumas mulheres sofrem violência sexual por parte de seus maridos/companheiros pois são obrigadas a se relacionarem sexualmente sob ameaças e ou violência física submetendo-se não raras vezes às praticas sexuais indesejadas.

A interferência do profissional de saúde em janelas de oportunidade é imprescindível na ruptura do processo da violência. A negligência emocional, relatada por aproximadamente um terço das mulheres estudadas pode ser facilmente percebida nas consultas medicas, especialmente as de ginecologia, quando o profissional durante a anamnese, diante do achado de ser divorciada ou separada, questiona as causas desta separação. Dependendo do vinculo médico-paciente a mulher abre seu coração e a seguir pode se perguntar: atualmente, como anda o coração, a sexualidade, os sentimentos, se você pudesse o que você mudaria em sua vida?

Ao anotar a idade da mulher, o profissional pode fazer comentários perguntando, por exemplo, como ela e o parceiro comemoram o seu aniversario, e poderá ter como resposta o fato do companheiro esquecer rotineiramente a data deste evento e de outros importantes para a mulher, detectando a negligencia emocional, que assim como a violência sexual, continua passando despercebido pelos diversos profissionais de saúde, acarretando serias implicações sobre a saúde da mulher.

Na abordagem do processo da violência, é conveniente levar em consideração determinantes sociais como o acesso aos serviços de saúde e de segurança, estado civil, ambiente domiciliar, atividades extra domésticas que realiza, e outros. Os serviços de saúde, portanto, tornam-se espaços privilegiados onde os profissionais podem romper o pacto do silêncio e o ciclo da violência.

A busca por compreender a relação de traumas/violências ocorridas ao longo da vida e a gênese/agravação de determinadas comorbidades, pode auxiliar no direcionamento da formação, tanto inicial quanto continuada, das diversas categorias/especialidades de profissionais que interagem no atendimento à mulher em qualquer fase da vida1. A formação acadêmica não prioriza discussões sobre esta temática, o aprimoramento e a capacitação ficam na dependência, principalmente, da necessidade e interesse do profissional21. A insuficiência de conhecimento para suspeitar do problema ou fazer o diagnostico, não gera a notificação, e sem notificação não há tratamento e acompanhamento adequados, não é possível intervir integralmente, tampouco prevenir a violência.

Pode-se observar que mulheres que sofreram violência doméstica e sexual apresentam mais comorbidades e Indice Menopausal de Kupperman elevado em relação as não expostas à violência.

Um instrumento de mensuração/avaliação das conseqüências da violência na qualidade de vida das mulheres deve envolver processos e etapas que precisam ser bem estruturados e fundamentados para que não haja prejuízo na análise dos dados obtidos. O questionário utilizado neste trabalho mostrou-se coerente ao ser possível propor várias linhas de raciocínio complementares e como elas convivem conjuntamente no ideário das respondentes. Muitas mulheres após o término do questionário expressaram alivio e certo conforto, por terem tido a oportunidade e a confiança de se abrir com alguém sobre esse trauma, mesmo que tenham chorado durante a aplicação do mesmo. A partir desta etapa sentem-se mais seguras e confiantes na terapêutica proposta.

 

CONCLUSÃO

Entre os tipos de violência, a sexual é a que acarreta piores conseqüências para a saúde feminina na fase do climatério. A freqüência da violência doméstica ou sexual na fase de desenvolvimento esta associada a maiores pontuações no Índice Menopausal de Kupperman.

As mulheres que sofrem violência doméstica ou sexual em qualquer fase da vida apresentam maior número de comorbidades como: depressão e transtornos psiquiátricos, vida sexual insatisfatória, fibromialgia, doença reumática e artralmialgia persistência dos distúrbios do sono, hipertensão arterial, afecções alérgicas, labirintite, câncer de útero/ovário/mama, em comparação com aquelas que não sofreram violência.

O presente estudo não pretendeu provar uma relação causal entre a violência e o desenvolvimento de comorbidades pela mulher no climatério. Levanta, no entanto, importantes hipóteses para o desenvolvimento de futuros trabalhos que contemplem uma melhor compreensão da violência e a gênese das comorbidades associadas, incluindo as implicações na qualidade de vida destas mulheres.

 

AGRADECIMENTOS

Ao CNPq/DECIT, ao Serviço de Ginecologia Endócrina e Climatério do Hospital das Clinicas da Faculdade de Medicina da USP, todas as mulheres participantes, que de forma voluntária e solícita, contribuíram para a realização deste estudo, à todos os assistentes do Serviço de Ginecologia Endócrina e Climatério do Hospital das Clinicas FM-USP, Brasil, á Francisca Evrard ,Maria Elisa Lippe, Luiz Carlos de Abreu e Eleonora Menegutti, que muito colaboraram de diferentes maneiras nesta pesquisa.

 

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