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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.23 no.1 São Paulo  2013

 

ORIGINAL RESEARCH

 

Perfil clínico-epidemiológico da tuberculose na infância e adolescência

 

 

Edson Vanderlei ZombiniI; Carlos Henrique David de AlmeidaII; Fernanda Palma Curvelo Vilar Silva; Elza Sumie YamadaIV; Naomi Kawaoka KomatsuV; Sumie Matai de FigueiredoV

IMédico Pediatra do Hospital Infantil Cândido Fontoura - Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo; Pós-graduando, nível doutorado, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo; Professor de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Nove de Julho
IIMédico Pediatra do Hospital Infantil Cândido Fontoura - Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo
IIIDoutoranda do 6º ano de medicina da Faculdade de Medicina da Universidade Nove de Julho
IVMédica Pediatra, especialista em alergia; Professora de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Nove de Julho
VPrograma de Controle de Tuberculose - Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A existência de tuberculose na infância é um bom indicador da extensão da doença bacilífera e da ineficiência do controle do agravo na população adulta.
OBJETIVO: descrever o perfil clínico e epidemiológico de crianças e adolescentes que evoluíram clinicamente com tuberculose. Método: Realizou-se um estudo retrospectivo de levantamento de dados de prontuários envolvendo todos os pacientes com o diagnóstico de tuberculose, assistidos na unidade de internação e ambulatório de pneumologia de um Hospital Infantil da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, SP, Brasil, no período de 31/07/2005 a 31/07/2010.
RESULTADOS: Foram diagnosticados 45 casos de tuberculose, a maioria na faixa etária de menores de 4 anos de idade e adolescentes, todos vacinados com BCG ID. A forma clínica mais comum foi a pulmonar seguida da pleural e meníngea. Dos casos atendidos, 98% procuraram o hospital espontaneamente para investigação diagnóstica. Tosse e febre foram os sintomas mais relatados. Dos casos levantados, 18 (40%) possuíam contatos intradomiciliares com adultos portadores de tuberculose pulmonar. As características radiológicas mais encontradas foram a opacidade e o derrame pleural. Dos casos investigados 32,5% apresentaram positividade para identificação de micobactéria. A maioria dos pacientes era fortes reatores à prova tuberculínica. A tuberculose na infância é um aspecto negligenciado, na maioria das vezes, na avaliação de comunicantes de um adulto com tuberculose pulmonar bacilífera. Frequentemente as crianças são assistidas quando apresentam sintomas da doença já instalada. O controle de comunicantes é uma forma precoce e eficiente de diagnosticar e tratar crianças com tuberculose, reduzindo o sofrimento e diminuindo a chance de aparecimento de formas graves da doença.

Palavras-chave: tuberculose; epidemiologia; criança; adolescente; perfil clínico.


 

 

INTRODUÇÃO

A tuberculose é uma doença infectocontagiosa grave que acompanha a humanidade há milênios.

O apogeu desta enfermidade ocorreu na Europa no século XVIII. Nesta época, o êxodo rural, decorrente das alterações climáticas com prejuízo das lavouras, e o vislumbre de trabalho nas fábricas, no apogeu da Revolução Industrial, levaram a uma elevação da população urbana com consequente aglomeração nas cidades, aumentando a pobreza e a morbi-mortalidade por diversas doenças, inclusive a tuberculose.

No Brasil, a doença espalhou-se inicialmente na zona rural. Foi introduzida pelos colonizadores portugueses à população indígena, mão de obra oportuna na época do descobrimento e posteriormente à população de escravos, mão de obra substituta. As condições insalubres que viviam, o esgotamento físico pelo trabalho e a má alimentação eram fatores que predispunham estas populações ao adoecimento1.

O processo de industrialização, tardio no Brasil, fez com que a tuberculose só se tornasse um problema de saúde pública nos centros urbanos no século XX em que um grande contingente humano se formou nas cidades na busca de oportunidade de trabalho e profissionalização nas indústrias com aumento da pobreza na periferia destes centros urbanos.

Apesar do isolamento e identificação do agente etiológico, Mycobacterium tuberculosis, desde 1882 e o uso de quimioterapia específica a partir do início do século XX, a doença continua sendo um grande problema de saúde pública, principalmente nos países em desenvolvimento. A deterioração da situação sócio-econômica com o aumento da pobreza e aglomeração, o aumento de populações marginalizadas, a dificuldade de acesso aos serviços de saúde com prejuízo na descoberta de novos casos da doença, os movimentos migratórios, o envelhecimento da população, o avanço do número de casos de AIDS com sua estreita ligação com a tuberculose e o aparecimento de germes multi-resistentes fazem com que este agravo esteja longe de ser eliminado.

A forma pulmonar é a apresentação clínica mais freqüente da doença independente da faixa etária; aquela com baciloscopia positiva é responsável pela transmissibilidade da doença.

O fato da micobactéria ter grande afinidade pelo oxigênio e necessitar deste para se desenvolver faz com que os pulmões sejam o alvo preferido para a localização deste agente infeccioso.

A propagação do bacilo da tuberculose ocorre por meio de gotículas contendo os bacilos expelidos por um doente com tuberculose pulmonar bacilífero ao tossir, espirrar ou falar.

A disseminação da doença associa-se às condições de vida da população. A grande concentração humana, a precariedade de infra-estrutura urbana, a fome, a miséria e a falta de acessibilidade ao sistema de saúde são facilitadores da propagação desta enfermidade.

Algumas condições que debilitam o sistema imunitário, como por exemplo, a infecção pelo HIV, o diabetes, o uso de drogas imunossupressoras, desnutrição, doenças renais crônicas, podem contribuir para adoecimento.

Dentre as medidas de controle da tuberculose figuram a prevenção, o diagnóstico precoce e o tratamento correto dos doentes.

As crianças apresentam algumas particularidades relacionadas à doença. Esta é frequentemente mais grave do que em adultos e, comparativamente, ocorre maior proporção de acometimento extrapulmonar e formas disseminadas2.

A identificação do agente por meio de bacterioscopia e cultura de escarro são prejudicadas pela dificuldade técnica em se obter material nas crianças por meio de expectoração e também pelas lesões, na maioria não cavitárias, serem pouco bacilíferas.

Justifica-se este estudo em virtude da dificuldade do isolamento do agente etiológico da tuberculose na faixa pediátrica. O conhecimento do perfil clínico e epidemiológico desta enfermidade neste grupo específico pode ser facilitador no estabelecimento do diagnóstico.

Assim, o objetivo é descrever o perfil clínico e epidemiológico de crianças e adolescentes que evoluíram clinicamente com tuberculose.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo retrospectivo, descritivo, de abordagem quantitativa de levantamento de dados de prontuários envolvendo todos os pacientes com o diagnóstico de tuberculose, assistidos na unidade de internação e ambulatório de pneumologia de um Hospital Infantil da Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo no período de 31/07/2005 a 31/07/2010.

Os dados obtidos dos prontuários foram transcritos em um instrumento de coleta de dados de interesse nesta pesquisa para posterior análise. Este contemplava as seguintes informações: registro hospitalar, data de nascimento, sexo, sintomas clínicos no momento do diagnóstico, tipo de exposição (intra ou extradomiciliar), alterações radiológicas, alterações liquóricas nos casos de meningoencefalite por tuberculose, alterações do líquido pleural nos casos de tuberculose pleural, estado vacinal (BCG), resultado da baciloscopia e/ou cultura para BK, terapêutica utilizada, evolução do caso, e resultado da sorologia para HIV. O pprotocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Nove de Julho é 446397/2011.

 

RESULTADOS

No período do estudo foram diagnosticados neste hospital 45 casos de tuberculose, sendo desses 44 novos casos e um retratamento.

A maioria dos pacientes era do sexo masculino e pertenciam à faixa etária de menores de 4 anos de idade e adolescentes (tabela 1).

 

 

A forma clínica mais comum de apresentação da tuberculose foi a pulmonar com 33 (72%) dos casos. Das formas extrapulmonares, cinco casos (11%) foram diagnosticados como tuberculose pleural, seguidos da forma meníngea com três casos (7%) e da forma miliar e pericárdica com 2 casos cada (4%).

Dos quarenta e cinco casos atendidos, quarenta e quatro procuraram o hospital espontaneamente para investigação diagnóstica e 1 encaminhado da Unidade Básica de Saúde para a investigação por se tratar de comunicante de tuberculose intradomiciliar.

Os sintomas clínicos mais comumente relatados nas formas pulmonares da tuberculose foram: tosse (38%), febre (31%), dispneia (8%), adinamia e astenia (6%), sudorese (5%), emagrecimento (4%), dor torácica e hemoptise (1%).

Nas formas não pulmonares de tuberculose os sintomas mais comuns foram: febre (30%), tosse (20%), emagrecimento (20%). Demais sintomas como: estrabismo, astenia, dispnéia, convulsão, dor torácica e adenomegalia foram relatados em 5% dos pacientes.

Todos os pacientes deste estudo foram vacinados com uma dose da vacina BCG.

Dentre os 45 casos analisados, 20 (45%) referiam contatos intradomiciliares com adultos portadores de tuberculose pulmonar; 02 (4,5%) referiam contatos extradomiciliares. Nos demais casos não havia história de contato prévio com tuberculose.

Quarenta casos (89%) foram submetidos a coleta de material (lavado gástrico ou escarro) para o isolamento do agente infeccioso. Estes incluam 33 casos de tuberculose pulmonar, 5 casos de tuberculose pleural e 2 casos de tuberculose miliar. Desses, 16 (32,5%) casos apresentaram positividade para identificação de micobactéria (Quadro 1). Cabe ressaltar que todos os isolamentos foram feitos nas formas pulmonares da doença. Foram realizados coleta de lavado gástrico em 15 pacientes. Destes 3(20%) resultaram positivos na identificação de BAAR na baciloscopia.

 

 

As características radiológicas mais frequentemente encontradas nos casos de tuberculose diagnosticados foram: opacidade (36%), derrame pleural (20%), cavitação (18%), infiltrado bilateral (12%), adenomegalia perihilar (8%) e padrão miliar (6%) dos casos.

O teste tuberculínico, auxiliar no diagnóstico de tuberculose, foi realizado em 10 casos do total de 33 casos de tuberculose pulmonar. Destes, 9 casos apresentavam medida igual ou superior a 15mm e um caso entre 10 e 15mm. Nos casos de apresentação extrapulmonar, os 5 casos no qual o teste foi realizado, os resultados foram superiores a 15mm (tabela 2).

Dos pacientes, quatro apresentavam co-infecção HIV/TB, todos com a forma pulmonar da doença.

A porcentagem de cura dos casos estudados foi de 91%. Três casos evoluíram para óbito. Destes, 2 pacientes apresentavam co-infecção com HIV e um apresentou hepatite fulminante durante o tratamento.

 

DISCUSSÃO

A tuberculose é a doença infecciosa mais comum na espécie humana ocorrendo em diferentes proporções em todo o mundo. Cerca de um terço da população mundial encontra-se infectada com o bacilo de Koch2.

No ano de 2009 estimava-se que existiam 9,4 milhões de casos novos de tuberculose no mundo. A maior parte destes casos (55%) ocorreu na Ásia seguidos da África (30%) e em menores proporções na Europa (4%) e nas Américas (3%). A tuberculose é responsável por 1,7 milhões de mortes a cada ano3.

Cerca de 50% dos casos de tuberculose registrados nas Américas encontram-se no Brasil e no Peru.

O Brasil ocupa o 19º. Lugar entre os 22 países responsáveis por 80% do total de casos de Tuberculose no mundo. Estima-se que haja no país 57 milhões de infectados pelo bacilo da tuberculose e a cada ano surgem 72 mil casos novos deste agravo, representando uma taxa de incidência de 37,5/100.000 hab. A mortalidade é de 4,5 mil óbitos/ano4,5.

No ano de 2009 foram notificados no Estado de São Paulo 17.698 casos de tuberculose (casos novos e retratamento). A taxa de incidência era de 37,9/100.000hab. Dos 15.768 casos novos notificados naquele ano, 82% correspondia a forma pulmonar, sendo que a maioria dos doentes (97%) tinha idade igual ou superior a 15 anos. A taxa de cura era de 70%, aquém da taxa recomendada pela OMS que preconiza uma taxa de cura de no mínimo 85%. A taxa de abandono é de 10% 6.

No Município de São Paulo em 2009 foram notificados 5853 casos novos de tuberculose. A taxa de incidência de 53,2/100.000hab. A forma pulmonar correspondeu a 81% do total dos casos sendo que a maioria dos doentes (96%) tinha idade superior a 15 anos. A taxa de cura em menores de 15 anos de idade foi de 87,9% e em maiores de 15 anos de idade foi de 73%. A taxa de abandono no município é de 8,6%.

O risco do indivíduo adoecer, após o primeiro contato (primo-infecção) com a micobactéria, é cerca de 10% na população geral. Na faixa pediátrica este risco é de 43% nas crianças menores de 1 ano de idade; 24% naquelas entre 1 e 5 anos e de 15% nos adolescentes2,7.

A prevenção é feita por meio do BCG, prioritário em crianças até os 4 anos de idade, evitando que se infectado o indivíduo não evolua para as formas graves da doença, particularmente a meningoencefalite por tuberculose. Outra medida para a prevenção é a quimioprofilaxia com o uso de isoniazida. Esta impede o estabelecimento da infecção (prevenção da infecção latente ou quimioprofilaxia primária) ou que a infecção latente progrida para a doença clinicamente ativa (tratamento da infecção latente ou quimioprofilaxia secundária)4.

Estima-se que no início dos anos 2000 havia no mundo, um milhão de casos registrados de tuberculose em crianças de 0 a 14 anos. A cada minuto duas crianças morrem de tuberculose no mundo. Em países em desenvolvimento, a tuberculose é a doença que mais mata crianças8.

No ano de 2005, do total de casos notificados de tuberculose no Brasil, 9,7% ocorreram na faixa etária pediátrica12.

É corrente o conhecimento da grande dificuldade em se estabelecer o diagnóstico de tuberculose na infância. Isto decorre da impossibilidade, na maioria das vezes, de confirmação bacteriológica da doença, quer pelas características das lesões pulmonares nesta faixa etária, não cavitárias, com pequeno numero de bacilos; quer pela dificuldade técnica na obtenção de escarro, uma vez que as crianças até a idade escolar não conseguem expectorar.

Frequentemente valemos de dados indiretos para o diagnóstico deste agravo. A história clínica, a epidemiologia de contato com adulto doente, os achados radiológicos e a interpretação do teste tuberculínico são úteis no diagnóstico9,10.

Neste estudo a maior parte dos pacientes era do sexo masculino e pertencia às faixas etárias de menores de 4 anos de idade e adolescentes. Em ambas as faixas etárias a forma pulmonar foi a apresentação mais freqüente da doença.

Segundo Sant'anna et al.9, as crianças com menos de 2 anos de idade têm o dobro das taxas de adoecimento em relação às crianças maiores, isto se deve à imaturidade do seu sistema imunológico.

Outra faixa etária que se destaca na alta incidência de tuberculose são os adolescentes. Tal fato deve-se às mudanças de comportamento muito comum nesta faixa etária. O horário de sono e a alimentação irregular, a atividade física exuberante, a labilidade emocional, pode de certa forma comprometer a resistência imunológica. Além disto, a ampliação do universo de convívio e o lazer em conglomerados, aumenta a possibilidade de exposição ao bacilo da tuberculose.

A doença na infância apresenta-se com sinais e sintomas inespecíficos que dificulta o diagnóstico e retarda o tratamento. As manifestações clínicas apresentam um amplo espectro clínico, desde formas oligossintomáticas com irritabilidade, emagrecimento discreto e pouca tosse, até formas mais graves, com importante queda do estado geral, chegando à caquexia, frequentemente levando à morte10,11.

A maioria dos pacientes envolvidos neste estudo procurou o serviço médico por apresentarem-se sintomáticos. Os sintomas mais referidos nas formas pulmonares da doença foram: tosse e febre. Estes são comuns a várias patologias que acometem o trato respiratório.

Maciel et al.10, em estudo realizado em dois hospitais infantis do Estado do Espírito Santo, revelou que de todos os sintomas encontrados, a tosse persistente foi citada em 75% dos pacientes.

A febre é outro sintoma que chama a atenção na maioria dos casos. Habitualmente, esta se apresenta de intensidade moderada, vespertina, persistente por mais de 15 dias. Ainda, segundo este autor, a presença de sudorese profusa noturna é um sintoma frequente e a hemoptise é rara11.

A forma pulmonar na faixa etária pediátrica difere do adulto, pois costuma ser não bacilífera, isto é, negativa ao exame bacteriológico, pelo reduzido número de bacilos nas lesões. Devido a essa característica as crianças adquirem a tuberculose através de contato com doentes bacilíferos, normalmente adultos e/ou adolescentes. Portanto, a tuberculose na infância é considerada um evento sentinela, refletindo a freqüência da doença nos adultos em determinada comunidade7.

Dezoito (40%) dos pacientes acometidos pela tuberculose tinham história de contato com adulto portador de tuberculose pulmonar. No entanto, apenas um destes veio encaminhado para o controle de comunicantes, os demais recorreram ao serviço já com sintomatologia da doença.

Quando existe o contato com doente bacilífero intradomiciliar, a possibilidade de um indivíduo menor de 15 anos de idade vir a se infectar é em torno de 73% e a chance de adoecimento é dez vezes maior, sendo que cerca de 30% desenvolvem a doença12.

Devido o risco elevado da criança que convive com o adulto bacilífero se infectar, fica evidente o papel importante do controle de comunicantes no diagnóstico de tuberculose na infância.

A pesquisa bacteriológica para o isolamento do Mycobacterium tuberculosis deve sempre ser realizada por meio do exame de escarro nas crianças que já conseguem expectorar, a partir dos 6 anos de idade, ou através do lavado gástrico nas crianças menores.

O lavado gástrico é um valioso procedimento para o diagnóstico bacteriológico da TB infantil, devido à dificuldade de se obter secreções na criança. A taxa de isolamento em cultura para M. tuberculosis no lavado gástrico na literatura varia de 20 a 52% 13,10.

O grande inconveniente na realização do lavado gástrico é que este procedimento necessita ser realizado em ambiente hospitalar. Maciel et al.10, analisando a positividade na identificação bacteriológica de lavados gástricos colhidos em ambulatório e em unidade hospitalar, concluiu que não há diferença significativa entre as amostras coletadas em relação à positividade para o Micobacterium tuberculosis.

Neste estudo, a positividade do lavado gástrico e cultura de secreção por meios bacteriológicos convencionais (baciloscopia e cultura) foi de 32.5%

Os achados radiológicos da tuberculose são muito variados. Os mais comuns são: adenomegalias hílares e/ou paratraqueais; pneumonias, as vezes associadas a adenomegalias mediastinais e cavitações e infiltrado nodular difuso (miliar)14,11.

A variedade na apresentação radiológica da tuberculose dificulta o pensar precocemente na doença quando deparamos com um quadro de pneumonia na infância. No entanto, o diagnóstico diferencial de tuberculose deverá ser pensado toda vez diante de um quadro de pneumonia de evolução lenta, sendo tratada com antibióticos para germes comuns, sem melhora após duas semanas.

As imagens radiológicas dos casos de tuberculose envolvidos neste estudo foram muito diversificadas. A freqüência maior de imagens de opacidade e derrane pleural não auxilia no diagnóstico da doença, uma vez que são muito mais comuns a outros patógenos. Cabe ressaltar que na descrição das histórias e exames físicos dos pacientes com derrame pleural de causa tuberculosa, todos apresentavam-se com o estado geral preservado, não prostrados. Esta dissociação clínico-radiológica deve levantar a suspeita de tuberculose.

A prova tuberculínica (PT) é auxiliar no diagnóstico de tuberculose quando associado com algum outro dado sugestivo da doença (sintomas clínicos e epidemiologia).13 Em crianças com idade igual ou menor de 10 anos, um resultado de prova tuberculínica igual ou superior a 5mm em não vacinados com BCG ou vacinados há mais de dois anos, bem como um resultado superior a 10mm em vacinados com BCG há menos de dois anos são indicativos de infecção por M. tuberculosis. Diante desta situação, segundo o Ministério da Saúde do Brasil, está recomendado a quimioprofilaxia com isoniazida para diminuir o risco de desenvolvimento de doença ativa. Em adolescentes e em adultos a relação risco-benefício da quimioprofilaxia com isoniazida deve ser avaliada devido a possibilidade de hepatotoxicidade4.

Há um consenso que o BCG intradérmico é eficaz contra formas graves de tuberculose primária. A eficácia da vacina BCG, em trabalhos realizados em países subdesenvolvidos, em relação à proteção às formas graves, miliar e meningoencefalite, oscilou entre 82,4% e 99,6% e para as demais formas entre 16% a 88%11,15.

Todos os pacientes deste estudo foram vacinados com uma dose de BCG. Aqueles que foram submetidos à prova tuberculínica apresentaram leituras sugestivas de infecção/doença atual.

A alta cobertura vacinal dos pacientes deste estudo poderia explicar a baixa freqüência de casos de meningoencefalite e miliar encontrados.

A apresentação extrapulmonar da doença são mais freqüentes na infância. Algumas localizações são mais freqüentes, tais como: ganglionar, preferencialmente os gânglios cervicais unilateral podendo fistulizar; pleural; ossos, principalmente da coluna vertebral (Mal de Pott), cursando com dor no segmento atingido, paraplegias e gibosidades e meninges, cursando com febre prolongada acompanhada de irritabilidade, paralisia de pares cranianos, sinais de irritação meníngea e hipertensão intracraniana. Nos casos de meningoencefalite o líquor mostra-se claro, com glicorraquia baixa, proteínas elevadas e predomínio de mononuclea-res14,11.

Nos casos de derrame pleural por tuberculose, foram encontrados as seguintes alterações no líquido pleural: aumento de proteínas sugestivas de exsudato, pleiocitose as custas de monocitose e em um dos casos em que foi dosado a enzima adenosina diaminase (ADA) esta resultou aumentada.

Os achados laboratoriais do líquido cefalorraquidiano, nos casos diagnosticados como meningoencefalite por tuberculose, foram: baixos níveis de glicorraquia, aumento de proteínas e pleiocitose as custas de monócitos.

É corrente a descrição das alterações, tanto do líquido pleural quanto do líquor, nos casos de tuberculose pleural e da meningoencefalite por tuberculose14.

A epidemia da infecção pelo vírus da imunodeficiência humana HIV/ AIDS representa um fenômeno global, cuja forma de ocorrência nas diferentes regiões do mundo depende dentre outros determinantes, do comportamento humano individual e coletivo16.

Na infecção pelo HIV, devido à imunodeficiência celular progressiva, há grande risco para o desenvolvimento de tuberculose ativa.

Em relação à investigação de co-infecção TB/HIV, existe a necessidade que em todos os casos de TB infantil seja realizada a pesquisa de antecedentes nas transfusões sanguíneas e fatores de risco para HIV entre os pais. Recomenda-se sorologia para HIV a todos os casos diagnosticados de tuberculose.

Nesse estudo 4 casos apresentavam co-infecção, com idades entre 11 e 16 anos, todos com história de transmissão vertical do HIV.

A tuberculose continua sendo um grande problema de saúde pública, particularmente nos países em desenvolvimento. É exemplo da interdependência existente entre as inequidades sócio-econômicas e a situação de saúde e a qualidade de vida de uma população.

Apesar de causar considerável mortalidade e morbidade, a tuberculose na infância é um aspecto negligenciado, na maioria das vezes, na avaliação de comunicantes de um adulto com tuberculose pulmonar bacilífera. Frequentemente as crianças são assistidas quando apresentam sintomas da doença já instalada.

A existência de tuberculose na infância é um bom indicador da extensão da doença bacilífera e da ineficiência do controle do agravo na população adulta, uma vez que as crianças se infectam a partir de adultos do seu convívio com a forma pulmonar da doença.

O controle de comunicantes é uma forma precoce e eficiente de diagnosticar e tratar crianças com infecção latente, reduzindo o risco de tuberculose ativa, e naqueles com tuberculose, reduz o sofrimento e a chance de aparecimento de formas graves da doença.

A adoção de medidas capazes de reverter as injustiças sociais e promover o acesso universal da população às ações de saúde é urgente para reverter o quadro desta doença no mundo.

 

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Endereço para correspondência:
edsonzombini@ig.com.br

Manuscript submitted Feb 08 2012
accepted for publication Aug 30 2012.