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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.23 no.1 São Paulo  2013

 

ORIGINAL RESEARCH

 

O estresse em crianças e adolescentes com asma

 

 

Marco Aurélio MendesI; Clemax Couto Sant'AnnaII; Maria de Fátima Bazhuni Pombo MarchIII

IPrograma de Pós-graduação em Clínica Médica da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
IIProfessor Associado de Pediatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro
IIIProfessor Associado de Pediatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVOS: verificar a presença do estresse em crianças e adolescentes com asma e avaliar a associação do estresse com variáveis clínicas e psicossociais.
MÉTODO: estudo transversal com crianças e adolescentes asmáticos entre 7 e 12 anos de idade, atendidos em ambulatório de pneumologia pediátrica. Utilizou-se a Escala de Estresse Infantil, o Critério de Classificação Econômica Brasil e questionário padronizado para coleta de informações. A análise estatística foi realizada através do teste qui-quadrado, curva ROC, teste exato de Fisher e Mann-Whitney, sendo utilizado o modelo de regressão logística após análise univariada.
RESULTADOS: o estresse foi detectado em 38 % (19/50) dos pacientes, com predomínio de reações psicológicas. Foram encontradas associações com significância estatística entre o estresse e dificuldades escolares (p = 0,026), classe sócio-econômica C2 e D (p=0,013) e sintomas da doença há sete anos ou menos (p = 0,0037). Estas associações permaneceram após a regressão logística. Não foram encontradas associações com significância estatística entre a gravidade da asma e o estresse.
CONCLUSÕES: houve estresse em mais de um terço dos casos de crianças e adolescentes com asma. Houve maior frequência de estresse em crianças e adolescentes de classes sócio-econômicas desfavorecidas e naqueles que apresentavam sintomas de asma em período inferior ou igual a 7 anos e com dificuldades escolares.

Palavras-chave: estresse psicológico; estresse fisiológico; asma; qualidade de vida; sintomas afetivos.


 

 

INTRODUÇÃO

A asma é uma doença inflamatória crônica das vias aéreas freqüentemente reversível, espontaneamente ou com tratamento, caracterizada por hiperresponsividade brônquica (HR) e limitação variável ao fluxo aéreo1.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), existem aproximadamente 235 milhões de asmáticos em todo o mundo, sendo a asma considerada a doença crônica mais comum em crianças2. No Brasil, 110.245 menores que 14 anos foram internados nas unidades hospitalares participantes do SUS no ano de 20103.

O estresse é uma resposta complexa do organismo envolvendo reações físicas e psicológicas, que ocorre quando precisamos nos adaptar às situações e eventos que ameacem a estabilidade física e mental. Quando intenso ou prolongado, pode favorecer a manifestação de diversos sintomas e doenças através de mudanças fisiológicas, sendo não apenas uma reação imediata, mas também um processo desenvolvido ao longo do tempo, envolvendo fatores externos, como eventos ou mudanças no ambiente e fatores internos, como temperamento, visão de mundo e crenças. Atribui-se ao endocrinologista Hans Selye, a divulgação do termo estresse não apenas na comunidade científica mas entre a população em geral4 .

A associação da asma com fatores emocionais vem de longa data passando por Hipócrates, William Osler e pelos referenciais psicanalíticos da psicossomática clássica. Após a segunda metade do século XX, o conceito de atopia, a importância do papel dos alergenos e a contribuição da genética, passaram a dominar a atenção dos pesquisadores no campo. O conhecimento atualmente disponível sobre a asma, porém, não é suficiente para explicar a alta prevalência da doença em todo o mundo, fazendo com que fatores emocionais e psicossociais voltassem a receber maior atenção com aumento no número de estudos descrevendo associações entre o estresse e a asma5.

Nas crianças e adolescentes, características depressivas como irritabilidade, sono e apatia, bem como ansiedade, dores abdominais, pesadelos, agressividade, dificuldades de relacionamento e aprendizagem,estão entre os sintomas mais freqüentes do estresse. Além disto, as complicações inerentes ao tratamento da doença crônica, como a asma, podem levar a relações parentais de superproteção na família, gerando inadequação e vulnerabilidade, favorecendo a resposta de estresse6. O estresse entre as crianças com asma pode afetar a qualidade de vida dos doentes, impactando no sucesso e na adesão ao tratamento7.

A associação entre o estresse e altos níveis de cortisol foi exaustivamente estudada desde Hans Selye e o cortisol elevado se tornou praticamente sinônimo de estresse na literatura científica. Esta relação começou a mudar com a descrição realizada por Yehuda e colaboradores do hipocortisolismo em pacientes com transtorno de estresse pós-traumático (TEPT) e posteriormente em pacientes com estresse crônico, síndrome da fadiga crônica, fibromialgia, dor pélvica e asma8,9.

No Brasil, existem poucos estudos sobre o estresse infantil sendo este comumente negligenciado pelos profissionais de saúde e pelas famílias10.

Assim, os objetivos são verificar a presença do estresse em crianças e adolescentes com asma e avaliar a associação do estresse com variáveis clínicas e psicossociais.

 

MÉTODO

Trata-se de estudo observacional, transversal e descritivo, realizado com 50 crianças e adolescentes asmáticos, no período entre maio de 2010 a agosto de 2011, no ambulatório de pneumologia do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Antes do atendimento aos pacientes, os pais e os próprios pacientes foram convidados a participar da pesquisa. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi lido e assinado pelas cuidadoras e as eventuais dúvidas foram esclarecidas pelo pesquisador. Pacientes com idade acima de 10 anos, leram e assinaram Termo de Assentimento.

O termo cuidadora neste estudo foi definido como aquela que assume a responsabilidade principal e não-remunerada do cuidado domiciliar de uma pessoa, e que mora no mesmo domicílio que a criança11.

Considerou-se a definição da OMS para os limites cronológicos da adolescência (entre 10 e 19 anos de idade) e criança (<10 anos)12.

Os critérios de inclusão para os pacientes foram: ter diagnóstico de asma confirmado por médico do ambulatório de pneumologia e idade entre 7 e 12 anos. Os critérios de exclusão foram: ter outras doenças crônicas, ocorrência de internação hospitalar nas últimas três semanas, comprometimento cognitivo ou incapacidade de responder aos instrumentos da pesquisa.

Para o cálculo do tamanho amostral mínimo, adotou-se a prevalência do estresse de 23,7 %, conforme identificado em estudo anterior com crianças asmáticas10. Considerou-se a precisão desejada de 20 % com nível de significância de 5 %, o que resultou no tamanho mínimo da amostra de 17 pacientes.

Os instrumentos utilizados no estudo são descritos a seguir.

Escala de Stress Infantil

A ESI é composta por 35 itens em escala Likert de 0 a 4 pontos, preenchidos pelo próprio paciente, visando avaliar a presença do estresse em indivíduos com idades entre 6 e 14 anos. Foi desenvolvida por Lipp e Lucarelli em 1997, revista em 2004 e aprovada pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI) do Conselho Federal de Psicologia (CFP)13. É um instrumento simples com tempo de duração aproximada de 15 minutos, podendo também ser respondido por indivíduos não alfabetizados.

A ESI está divida em quatro fatores relacionados à resposta do estresse: reações físicas (ex.: item 12 - "tenho diarréia"); reações psicológicas (ex.: item 5 - fico "preocupado com coisas ruins que podem acontecer"); reações psicológicas com componente depressivo (ex.: item 13 - "sinto que tenho pouca energia para fazer as coisas"); reações psicofisiológicas (ex.: item 1 - "estou o tempo todo me mexendo e fazendo coisas diferentes")13.

Critério de Classificação Econômica Brasil

O Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB-2008) da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP), foi utilizado para avaliação da classe sócio-econômico da amostra. A classe é verificada através da soma de pontos obtidos pela presença de itens domiciliares e características da residência, bem como do grau de instrução do chefe de família. São consideradas oito classes, em ordem decrescente: A1, A2, B1, B2, C1, C2, D e E14.

Questionário Padronizado

Foi utilizado questionário padronizado para a coleta de dados com a cuidadora, sobre a família e a criança. As seguintes variáveis foram avaliadas: idade e sexo da criança, idade da cuidadora, número de pessoas no domicílio ("Quantas pessoas moram na sua casa?"), tipo de residência ("Sua residência é própria, alugada ou cedida por alguém?"), situação profissional da cuidadora ("Você está trabalhando fora de casa atualmente?) e dificuldades escolares ("Seu filho (a) já repetiu algum ano? Você acredita que ele tem alguma dificuldade na escola?"), série escolar, classificação da asma baseada nas Diretrizes Brasileiras para o Manejo da Asma1 (intermitente, persistente leve, persistente moderada e persistente grave), presença de alergenos no domicílio (resposta afirmativa as seguintes perguntas: "Há algum fumante na sua casa? Animais ? Mofo nas paredes, tapetes , roupas ou lençóis ?") e tempo do diagnóstico da doença ("Quando você percebeu que seu filho tinha asma?").

Análise Estatística

A análise estatística foi realizada através do programa SPSS, versão 17.0, sendo os dados numéricos expressos através de medidas de tendência central (média e mediana) com a variabilidade verificada através do cálculo do desvio-padrão (DP) e os dados categóricos expressos na forma de freqüência (n) e percentuais (%).O nível de significância adotado foi de 5 %.

Para verificação de possíveis associações com significância estatística, utilizou-se o teste qui-quadrado, o teste exato de Fisher e o teste de Mann-Whitney. Foram eleitas para o modelo de regressão logística as variáveis com significância estatística na análise descritiva bem como aquelas consideradas pelas revisões bibliográficas realizadas como sendo de importância clínica em relação ao estresse infantil e a asma. A curva ROC (receiver operator characteristic) foi construída com o objetivo de identificar o ponto de corte para a associação do estresse infantil com a variável tempo de sintomas da doença.

Aspectos Éticos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de ética m Pesquisa do IPPMG/UFRJ, sob o número 02/09 em 14/07/2009.

Crianças e adolescentes identificados com sintomas de estresse através da ESI foram encaminhadas para o Serviço de Psicologia do IPPMG. Suas cuidadoras receberam lista com telefones dos serviços de psicologia aplicada e psicoterapia gratuitos no Rio de Janeiro. Conversou-se sobre a importância da ida ao psicólogo para auxiliar a criança no manejo do estresse.

 

RESULTADOS

Foram estudados 50 pacientes com asma, com idades entre 7 e 12 anos, bem como suas cuidadoras.

Em relação ao sexo, 58 % (29/50) dos pacientes eram do sexo feminino. A média de idade foi de 9,26 anos (± 1,63 DP).

A idade média das cuidadoras foi de 36,89 ± 8,41 DP anos (mediana=36). Quanto à situação profissional, 54% (27/50) estavam empregadas em trabalhos formais ou informais e 46 % (23/50) eram mulheres que se encontravam em casa, cuidando dos filhos e da família. Do total das famílias, 58% (29/50) tinham o pai e a mãe da criança vivendo juntos, 78% (39/50) habitavam em residências próprias e 80 % (40/50) tinham residências com até cinco pessoas morando no mesmo domicílio. Segundo os critérios do CCEB18: 40 % (20/50) pertenciam à classe C1; 24 % (12/50) à classe C2; 22 % (11/50) à classe D e 14 % (7/50) à classe B2.

Visou-se identificar o ponto ótimo (cut-off) que melhor discriminasse a associação do tempo de evolução da doença com o estresse infantil. Segundo a curva ROC, o melhor ponto de corte foi de 7 anos, com área sob a curva de 0,72 (IC 95%: 0,58 - 0,86), conforme ilustra a figura 1.

Foram realizados agrupamentos das variáveis para verificação de associações com o estresse (Tabela 1). Observou-se a associação entre as variáveis dificuldades escolares, classe socioeconômica, tempo de sintomas da doença, e o estresse.

Foi utilizado o método da regressão logística para selecionar as variáveis com maior valor preditivo em relação ao estresse infantil (Tabela 2). Foram consideradas como possíveis fatores de risco as seguintes variáveis: sexo, dificuldades escolares, classe sócio-econômica, classificação da asma, tempo de diagnóstico da doença e presença de fumantes no domicílio. As variáveis que se encontraram associadas na Tabela 1 permaneceram relacionadas após a regressão logística.

Os escores dos fatores da ESI foram, respectivamente, os seguintes: média 21,68 ± 5,01 DP - reações psicológicas; média 14,58 ± 3,41 DP - reações psicofisiológicas; média 12,68 ± 6,49 DP - reações psicológicas com componente depres-sivo e média 12 ± 4,93 DP - reações físicas.

 

DISCUSSÃO

É de conhecimento dos clínicos a relação entre experiências negativas de vida e a exacerbação da asma. Eventos negativos graves na vida das crianças asmáticas, especialmente quando em conjunto com estressores crônicos como pobreza, alcoolismo e doença mental na família entre outros, aumentam a probabilidade de novas exacerbações de asma15.

Chen e Miller9 desenvolveram modelo baseado na hipótese do hipocortisolismo com o objetivo de explicar o paradoxo entre asma e estresse. Com o processo de estresse crônico, além da diminuição do número de receptores de cortisol, estes passam a apresentar menor sensibilidade, tendo como resultado maior resistência às propriedades anti-inflamatórias dos glicocorticóides. O mesmo processo contra regulatório ocorre com a exposição prolongada a altos níveis de epinefrina e noraepinefrina, o que leva à diminuição da sensibilidade aos receptores adrenérgicos nos pulmões e tecidos linfóides, aumentando a expressão dos linfócitos Th2 que produzem citocinas relacionadas ao início bem como na manutenção do processo inflamatório.

Os resultados encontrados no presente estudo demonstram elevada frequência de estresse em crianças e adolescentes com asma, superior à encontrada em estudos com escolares realizados com a ESI no Brasil16,17 ,bem como no único estudo de nosso conhecimento sobre a utilização da ESI em pacientes com asma10.

Pertencer à classe sócio-econômica desfavorável (C2+D), a ocorrência de dificuldades escolares e a existência de sintomas da doença em período igual ou inferior a sete anos estiveram relacionados ao estresse infantil.

Considerando-se que os quadros de asma intermitente e asma persistente leve, envolvem menor número de crises e idas à emergência do que a asma persistente moderada e grave foi realizado os agrupamento de asma intermitente com persistente leve e asma moderada com persistente grave. Não foram encontradas associações significativas entre gravidade da asma e o estresse. A associação entre o estresse infantil à gravidade da asma tem sido tema de controvérsia na literatura9. Estudo de Calam, Gregg e Goodman18, revelou que crianças com asma em boa condição de saúde, não apresentaram risco de desenvolvimento de transtornos psicológicos, ao contrário daquelas em más condições de saúde. As dificuldades emocionais apresentadas foram relacionadas à má condição de saúde e não apenas à asma. Bussing et al.19detectaram maior prevalência de transtornos de ansiedade em crianças asmáticas. Não foram encontradas associações significativas entre o estresse e o sexo, apesar de a literatura descrever maior freqüência desta variável em crianças do sexo feminino10.

O grupo com asma e estresse apresentou maior freqüência de dificuldades escolares (p=0,026). Esta associação tem apresentado resultados díspares na literatura, provavelmente pelas diferentes formas de se conceitualizar e mensurar o problema. 20.

As faltas à escola em consequência da doença e das constantes visitas aos médicos podem gerar dificuldades no acompanhamento das matérias, no desenvolvimento do pensamento abstrato, na organização dos cadernos e materiais escolares levando a e problemas de aprendizagem13,10,20. O receio de ser reprovado na escola em função das consequências da doença permeia o imaginário do paciente, facilitando a entrada da ansiedade que por sua vez pode prejudicar ainda mais o desempenho escolar 21.

Pacientes com menor tempo de diagnóstico ou de aparecimento dos primeiros sintomas de asma estiveram mais estressados do que aqueles que com maior tempo de doença, à semelhança do descrito por Berenchtein10. A existência deste fator de adaptação específico à doença encontrada em nosso estudo é reforçada pela não observância de associações entre a idade e o estresse (p=0,812). O conhecimento da criança e do adolescente sobre a asma em função da experiência adquirida ao longo do tempo de convívio com a doença pode facilitar o manejo dos sintomas e levar à maior previsibilidade e controle, resultando em menor impacto sobre sua saúde emocional e física. Estudo qualitativo sobre o cotidiano de crianças e adolescentes com doenças crônicas relacionou o maior conhecimento e autonomia dos pacientes e da família à minimização da angústia e a criação de estilo de vida mais adaptado à realidade da doença22.

O modelo cognitivo-comportamental vem sendo considerado cada vez mais relevante no tratamento das doenças crônicas, em relação ao bem-estar psicológico dos pacientes e na adesão e no sucesso do tratamento23. A ênfase destacada do modelo na psicoeducação sobre a doença e no papel das interpretações dos indivíduos sobre a realidade pode auxiliar no desenvolvimento da autonomia e no melhor conhecimento das crianças e adolescentes asmáticos, favorecendo a adaptação mais rápida à doença.

Não encontramos associações entre estresse e entre as variáveis faixa etária e série escolar, embora 26,3 % dos pacientes estressados tivessem idades entre 7 e 8 anos e a maioria deles pertencessem às séries escolares iniciais. O momento de entrada na escola é crucial para o paciente asmático. As já mencionadas restrições impostas pela doença como evitar correr, pular, realizar atividades físicas, ou mesmo a exposição social decorrente da externalização dos sintomas como cansaço e tosse, podem levar a dificuldades de relacionamento social e ao isolamento, fazendo com que o paciente asmático se sinta excluído e muitas vezes diferente dos demais21. Desta maneira, abre-se caminho para a entrada em cena de sentimentos de vergonha, timidez excessiva, irritabilidade, dentre outros comuns no estresse infantil.

Alati et al.12 descreveram associações entre a asma aos 5 e 14 anos e problemas de comportamento internalizantes como ansiedade, depressão, isolamento e queixas somáticas ao analisarem dados de 5135 crianças e adolescentes provenientes de uma coorte australiana. A asma aos cinco anos de idade também se revelou fator de risco significativo para a presença de distúrbios de comportamento na adolescência. Feitosa et al.24 estudando 869 crianças brasileiras entre 6 e 12 anos de idade, na cidade de Salvador, descreveram maior prevalência de problemas comportamentais em crianças asmáticas em relação às não-asmáticas.

A presença de fumantes e de alergenos no domicilio foi referida por um percentual expressivo de cuidadoras, indicando desconhecimento, resistência ou impossibilidade na adoção de práticas de controle ambiental no tratamento da doença. Não foram encontradas associações entre a existência de fumantes, mofo e animais em casa em conjunto ou separadamente e o estresse. Apesar do controle ambiental ser ainda considerado importante componente no controle da asma e conseqüentemente, nas demais variáveis relacionadas à doença, sua importância vêm sendo recentemente questionada5.

Pacientes pertencentes às classes menos favorecidas estavam mais estressados do que os de classes mais elevadas. Este achado sugere a oportunidade da criação de programas específicos para estas crianças e suas famílias. A adesão ao tratamento, tão necessária no caso de doenças crônicas como a asma, é muitas vezes prejudicada em função das dificuldades financeiras decorrentes não apenas da necessidade da medicação como do custo da reorganização do ambiente doméstico com a redução da exposição aos fatores que podem desencadear crises 22,25.

Mesmo reconhecendo a importância dos resultados encontrados, é possível que estudos com maior número de casos e investigando o estresse nos cuidadores, tragam novos esclarecimentos sobre o tema, pois a literatura mostra provável associação entre o estresse nos cuidadores e nas crianças e adolescentes com doenças crônicas26.

A presença de dificuldades escolares em pacientes asmáticos estressados, alerta para a intervenção interdisciplinar, incluindo profissionais da área da educação. A atenção deve ser redobrada com pacientes asmáticos das séries iniciais e com diagnóstico recente da doença.

O processo de desenvolvimento humano é resultante da interação entre fatores biológicos, sociais e culturais. A criança deve ser vista de forma completa e integrada ao ambiente, à sua família e ao momento histórico no qual está inserida, sendo o psiquismo o núcleo organizador desses diferentes aspectos27,28. A alta prevalência do estresse encontrada neste estudo destaca o impacto dos fatores emocionais no dia a dia das crianças e adolescentes com asma, sugerindo intervenções e programas de políticas públicas que levem em consideração estes fatores, bem como a inclusão do psicólogo nas equipes de saúde.

 

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Endereço para correspondência:
marcs@terra.com.br

Manuscript submitted Jun 06 2012
accepted for publication Nov 28 2012.

 

 

Trabalho realizado no ambulatório de pneumologia do Instituto de Pediatria e Puericultura Martagão Gesteira (IPPMG). Rua Bruno Lobo, 50, 20 andar. CEP 21941-590, Cidade Universitária, Campus do Fundão, Rio de Janeiro, RJ. Baseado em Dissertação de Mestrado intitulada "O estresse em crianças e adolescentes com asma atendidos em ambulatório de pneumologia pediátrica".
Apresentada em 2013, na Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro.