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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.23 no.1 São Paulo  2013

 

ORIGINAL RESEARCH

 

Ações intersetoriais de prevenção de acidentes na educação infantil: opiniões do professor e conhecimentos dos alunos

 

 

Edinalva Neves NascimentoI; Sandra Regina Gimeniz-PaschoalII; Luciana Tavares SebastiãoIII; Natália de Paula FerreiraIV

IPós- Graduanda da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho". Av. Higyno Muzzi Filho, 737. Campus Universitário. CEP: 17525-900. Marília-SP
IIDocente da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquista Filho". Av. Higyno Muzzi Filho, 737. Campus Universitário. CEP: 17525-900. Marília-SP. Departamento de Fonoaudiologia
IIIDocente da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquista Filho". Av. Higyno Muzzi Filho, 737. Campus Universitário. CEP: 17525-900. Marília-SP. Departamento de Fonoaudiologia
IVGraduanda da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquista Filho". Av. Higyno Muzzi Filho, 737. Campus Universitário. CEP: 17525-900. Marília-SP. Departamento de Fonoaudiologia

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

As políticas públicas de saúde e de educação privilegiam a escola para atividades de prevenção de doenças e promoção da saúde.
OBJETIVO: este estudo descreve uma ação intersetorial de prevenção de acidentes infantis, as opiniões do professor e conhecimentos dos alunos envolvidos.
MÉTODO: foi realizado em uma Escola Municipal de Educação Infantil do interior paulista. Participaram 30 alunos do Pré II, entre cinco e seis anos, e a professora, mediante Termo de Consentimento assinado. As ações ocorreram na sala de aula. Foram utilizados questionários com a professora e materiais didáticos com as crianças, elaborados por estagiárias de Fonoaudiologia, que também conduziram as ações na escola.
RESULTADOS: os resultados mostraram ampliação de conhecimentos sobre riscos para acidentes infantis e formas de prevenção pelas crianças e professora.
CONCLUSÕES: a atividade educativa foi avaliada positivamente pelos dois segmentos de participantes, sendo sugestiva para outras turmas e/ou escolas, com a parceria de profissionais da saúde e da educação.

Palavras-chave: prevenção de acidentes; promoção da saúde; educação infantil; Fonoaudiologia.


 

 

INTRODUÇÃO

As políticas públicas atuais na área da saúde consideram o ambiente escolar um local privilegiado para a realização de atividades preventivas e promotoras da saúde.

Em 2002 o Ministério da Saúde informou que o período escolar é fundamental para se trabalhar a promoção da saúde e realizar ações de prevenção de doenças e fortalecer os fatores de prevenção, envolvendo os setores da educação e da saúde1.

A Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa (SGEP) do Ministério da Saúde propôs, em 2003, a articulação dos programas de saúde existentes do próprio Ministério, buscando identificar estratégias pedagógicas que pudessem reorientar os processos de educação em saúde de forma a torná-los mais críticos e reflexivos. Essa busca resultou no fortalecimento da parceria já existente entre os Ministérios da Saúde e da Educação, o que, por sua vez, desencadeou a formulação de diretrizes para a Política Nacional de Educação em Saúde na Escola2.

Esses dois Ministérios instituíram em 2006 a política pública denominada Programa Saúde na Escola (PSE), cujo objetivo é reforçar a promoção da saúde dos alunos e construir uma cultura de paz nas escolas. As ações em saúde previstas no âmbito do PSE consideram a atenção, promoção, prevenção e assistência e são realizadas no contexto das redes públicas de ensino e de saúde, pautadas nos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Neste Programa foram propostos dezessete temas para serem trabalhados pelas equipes parceiras. O artigo ora apresentado envolve o tema de número IX, a saber, a redução da morbimortalidade por acidentes e violências3.

Os acidentes e as violências são importantes ameaças para a saúde e bem-estar de crianças e adolescentes no mundo4. Além do risco à vida, sua ocorrência traz complicações clínicas intensivas, internações hospitalares, seqüelas físicas e emocionais que podem permanecer pelo resto da vida5,6.

Dentre todos os tipos de acidentes, a literatura6- 7 indica que as quedas são os principais responsáveis pelas injúrias em crianças. Podem ocorrer da própria altura, de móveis, de bicicletas, de escadas, de árvores e de outros locais8,5,9. Em relação à faixa etária, tais acidentes ocorrem com maior freqüência entre crianças de 3 a 5 anos de idade10.

As recomendações do governo federal propõe a identificação dos riscos no ambiente escolar e a elaboração de projetos voltados para a promoção da segurança e prevenção de acidentes na escola e entorno11.

Assim, o objetivo desta pesquisa é descrever ação intersetorial de prevenção de acidentes infantis e desvelar opiniões de professores e de alunos no cenário educacional sobre a acidentes infantis.

 

MÉTODO

Trata-se de estudo descritivo, realizado no período de agosto a novembro de 2007 junto a uma Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) de Marília, interior do Estado de São Paulo.

A seleção da escola, dentre as vinte quatro escolas municipais de educação infantil, considerou a presença das estagiárias do Curso de Fonoaudiologia da FFC e a autorização do dirigente da instituição. Neste estudo as estagiárias de Fonoaudiologia representam o setor da saúde e os integrantes da escola o setor da educação promovendo, assim, uma ação intersetorial.

O projeto de pesquisa foi inicialmente encaminhado para apreciação da Secretaria Municipal de Educação e, posteriormente, ao Comitê de Ética da Faculdade de Filosofia e Ciências (FFC) da Universidade Estadual Paulista, Campus de Marília, tendo sido aprovado sob o protocolo 2458/2007.

A atividade foi desenvolvida com uma turma do Pré II que contava na época do estudo com 30 alunos com idades entre cinco e seis anos. Participou também da pesquisa a professora responsável por essa turma. A opção por trabalhar com tais alunos justifica-se tanto pela maior incidência de acidentes, em especial de quedas, em crianças nessa faixa etária, quanto pelo fato de a professora e os alunos terem sido receptivos em participar da atividade.

A seguir será realizada a descrição dos materiais didáticos confeccionados pelas estagiárias de Fonoaudiologia para o desenvolvimento das atividades educativas.

Um dos materiais didáticos confeccionados foi uma maquete com o cenário da estória dos "Três Porquinhos" adaptada, contendo uma árvore, três casinhas (de tijolo, de madeira e de palha), além de três porquinhos e do lobo mau, todos em situações de acidentes. A base da maquete foi em isopor com 100 centímetros de comprimento e 50 centímetros de largura. A árvore, as casas e os objetos (tesoura, bicicleta e escada) foram confeccionados também em isopor e coloridos com tinta guache. Os personagens foram desenhados em papel sulfite branco, coloridos com caneta hidrocor e fixados na maquete com o auxílio de palitos de sorvete.

As cenas de acidentes com os porquinhos ilustravam as seguintes situações: o corte no dedo, quando um dos porquinhos ao cortar a palha com tesoura com ponta e sem ajuda de um adulto; a queda da bicicleta ao andar sem rodinha no asfalto com pedras e buracos; a queda da árvore ao subir para brincar nos galhos, bem como a queda da janela sem proteção. Os acidentes com o lobo mau ilustraram as situações de queda da escada ao tentar subir no telhado da casinha de tijolo; a queimadura ao entrar pela chaminé da casa de tijolo e cair dentro do caldeirão de água fervendo; a perfuração da mão com pregos ao empurrar a casinha de madeira; a queda do telhado na cabeça ao derrubar a casinha de palha. Para a representação dos machucados dos porquinhos e do lobo mau foram desenhadas estrelas na cor amarela e gotas na cor vermelha em papel sulfite, fixadas na maquete em palitos de dente.

 

 

 

 

 

 

Um livro com a versão segura da estória foi feito com cartolina contendo cinco páginas. Este livro ilustrava situações preventivas e comportamentos de segurança para os acidentes mostrados na maquete. Por exemplo, os porquinhos pediram a ajuda da mãe para cortar a palha; andaram em bicicleta com rodinhas e no gramado; construíram a casinha de madeira com cola (e não pregos pontiagudos) para evitar perfuração das mãos. O lobo mau tocou a campainha das casinhas, pediu um pedaço de pão e foi embora. Nesta versão da estória, o lobo não subiu no telhado das casas, o que preveniu o acidente envolvendo a queda e a queimadura.

Juntamente às ilustrações do livro foram inseridas as seguintes sentenças informativas que seriam destacadas no momento da contagem da estória:

  • Sempre quando formos utilizar objetos pontiagudos devemos pedir ajuda a um adulto;
  • O porquinho decidiu andar de bicicleta na grama. Se ele cair não se machucará, pois a grama ajudará a amortecer sua queda;
  • Não devemos utilizar materiais pontiagudos e cortantes como prego, tesoura com ponta, estilete, faca, etc.;
  • As árvores não foram feitas para subir e sim para dar flores, frutos e sombra;
  • É perigoso subir em lugares altos e desprotegidos de telas e grades;
  • Sempre devemos descer e subir os degraus das escadas bem devagar e com muita atenção. Se a escada tiver corrimão, devemos segurar nele firmemente. Não subir ou descer com muita bagagem, por exemplo, mochilas e sempre que possível devemos dar a mão a um adulto.
  • Não devemos brincar com fogo. Precisamos tomar muito cuidado com os cabos das panelas, água fervendo, fogo aceso e com óleo quente.

 

 

 

 

Além da maquete e do livro foi utilizado um painel confeccionado com papel pardo e pincel atômico. Nesse painel foram anotadas as informações relatadas pelas crianças durante a discussão da estória. Também foram utilizados papel sulfite, lápis preto e colorido para as crianças desenharem situações de acidentes. Utilizaram-se ainda fantoches representativos dos personagens da estória. Esses fantoches eram confeccionados de tecido e estavam disponíveis na brinquedoteca do Centro de Estudos da Educação em Saúde (CEES) da UNESP de Marília para utilização pelos estagiários.

 

PROCEDIMENTOS

Previamente ao trabalho educativo com os alunos, foi aplicado um questionário com a professora. Este questionário inicial foi apreciado pelos pesquisadores do Grupo de Pesquisa "Educação e Acidentes" (EDACI), os quais apresentaram sugestões em relação à estrutura e conteúdo das questões. Por fim, o instrumento foi composto por sete questões abertas que visavam investigar os seguintes aspectos: a realização anterior de qualquer outro tipo de atividade educativa sobre acidentes infantis na escola, tanto pelo professor quanto por outro profissional; o conhecimento do educador em relação às Leis Municipais 6.435/200612 e 6.508/200713 que abordam o tema sobre acidentes; a opinião do professor sobre os profissionais aptos a propor práticas educativas sobre o tema em questão, bem sua opinião sobre a parceria entre o professor e o fonoaudiólogo no desenvolvimento de uma atividade educativa intersetorial. Este questionário foi avaliado por dois juízes com experiência em pesquisa na temática de acidentes infantis, de forma a adequar o instrumento de coleta de dados ao segmento que seria investigado.

As atividades foram realizadas na sala de aula, em horário acordado com a professora de forma a não interferir no planejamento das atividades escolares da turma e das demais classes que utilizavam a sala em sistema de rodízio de horários.

Finalizada esta etapa da pesquisa, deu-se início ao desenvolvimento das práticas educativas sobre prevenção de acidentes infantis com os alunos da turma selecionada.

Serão apresentadas as atividades realizadas em cada encontro.

Primeiro encontro

O objetivo deste encontro foi identificar o conceito dos alunos envolvidos em relação aos acidentes infantis, bem como identificar suas vivências pessoais em relação a este problema. Visou ainda o levantamento das situações de risco para acidentes e quedas infantis. As informações relatadas pelas crianças foram anotadas no papel pardo para seu registro e posterior retomada.

Concluído este levantamento cada aluno recebeu uma folha de papel sulfite branco e lápis preto e colorido para a realização de desenhos representativos dos objetos e situações relatadas no momento anterior. Esta atividade visou à sistematização das situações discutidas com o grupo de alunos.

Considerando os aspectos mencionados pelos alunos, as estagiárias de Fonoaudiologia realizaram exposição dialogada com as crianças com o objetivo de informá-los sobre como evitar as situações indicadas.

Este primeiro encontro teve a duração de aproximadamente uma hora.

Segundo encontro

O objetivo deste encontro foi a exposição dos aspectos relacionados aos comportamentos e situações de risco para acidentes infantis, bem como as estratégias de cuidado que devem ser adotadas para sua prevenção. Destaca-se que esta exposição foi feita de forma lúdica considerando a idade e escolaridade dos alunos envolvidos.

Neste dia foi realizada a contagem e recontagem da estória dos Três Porquinhos, adaptada à prática educativa em andamento. Foram inseridas na estória situações e comportamentos de risco para acidentes infantis, especialmente quedas. A estória mostrou as conseqüências de um acidente, como, por exemplo, a dor e a diminuição da agilidade motora dos três porquinhos ao fugir do lobo mau. Para a contagem da estória foram utilizados os fantoches dos três porquinhos e o do lobo mau, além da maquete explicitada anteriormente.

A estória foi contada pelas estagiárias e recontada pelos alunos, destacando-se as situações de perigo e as medidas de segurança que poderiam ser realizadas.

Em seguida foi apresentado aos alunos um livro feito de cartolina e com desenhos que mostravam a versão segura da estória. Novamente foi realizada a contagem e a recontagem, destacando-se as vantagens obtidas pelos três porquinhos e pelo lobo mau ao se protegerem contra acidentes.

Os relatos das crianças durante a discussão e a recontagem da estória foram anotados no painel.

Este segundo encontro teve a duração de aproximadamente uma hora e meia.

Terceiro encontro

O objetivo deste encontro foi a avaliação dos resultados das atividades realizadas nos dois primeiros encontros.

As estagiárias apresentaram o painel contendo os relatos das situações de risco e de acidentes apontadas pelas crianças no primeiro dia. A seguir questionaram os alunos sobre como as ações deveriam ter sido realizadas para evitar as quedas e outros acidentes. Buscou-se propiciar a reflexão das crianças sobre medidas preventivas que deveriam ser adotadas na escola e no lar. As informações de segurança foram registradas em outro painel.

Concluída esta atividade, cada aluno recebeu novamente uma folha de papel sulfite branco e lápis preto e colorido. Foi solicitado que realizassem um novo desenho, desta vez, representativo das medidas preventivas discutidas. Esta atividade visou também à sistematização das situações abordadas com o grupo de alunos, enfocando a prevenção de acidentes infantis.

Este terceiro e último encontro teve a duração de aproximadamente uma hora.

É importante ressaltar que a professora responsável pela turma participou de todos os encontros e atividades realizadas. Finalizado o trabalho educativo, esta educadora respondeu um novo questionário que, assim como aquele aplicado antes do início das atividades com os alunos, continha sete questões abertas e foi avaliado por dois juízes. Este instrumento de coleta de dados buscou, desta vez, analisar a opinião do professor sobre o trabalho educativo desenvolvido, bem como sobre os materiais utilizados. Buscou ainda analisar a visão da educadora sobre o envolvimento dos participantes dos diferentes segmentos (professor, alunos e estagiárias de Fonoaudiologia) nas atividades e, ainda, sua opinião a respeito da parceria de trabalho estabelecida com as estagiárias de Fonoaudiologia.

 

RESULTADOS

Obtidos mediante a aplicação do questionário. Esta informação foi contemplada em Método, no primeiro parágrafo de "Procedimentos"

De acordo com os dados obtidos neste questionário, verificou-se que a professora não havia participado de qualquer tipo de atividade relacionada à prevenção de acidentes infantis. Além disso, esta educadora disse não ter conhecimento sobre as leis municipais 6.435/200612 e 6.508/200713 que tratam da necessidade de ações de prevenção de acidentes no ambiente escolar.

Em relação à opinião do professor sobre os profissionais aptos a propor práticas educativas sobre o tema, a respondente referiu achar que esta seria uma atividade para ser desenvolvida por profissionais da saúde.

Questionada sobre a parceria entre o professor e o fonoaudiólogo no desenvolvimento de um trabalho educativo sobre acidentes infantis, respondeu que as estagiárias de Fonoaudiologia poderiam ser parceiras na execução de um mini-curso sobre o tema, justificando pelo fato dessas estagiárias conversarem e contarem histórias de forma prazerosa e informativa. Disse ainda achar que embora a turma fosse "numerosa e falante", o mini-curso traria resultados positivos.

Obtidos a partir do desenvolvimento das ações educativas com os alunos

No primeiro encontro, quando questionados sobre o conceito de acidentes, os alunos apresentaram as seguintes respostas: fazer dodói; quando o carro bate e morre; carro de bombeiro; ficar internado no hospital; acidente de moto, carro, ônibus e bicicleta; acidentes com pessoas; cair de avião; tirar sangue; bater numa árvore e atropelamento. Os alunos relataram ainda algumas situações de acidentes infantis como: carro atropelar bicicleta; bater com o carro porque o motorista estava correndo e queimadura no fogão.

Solicitados a relatar suas vivências em quedas, as crianças responderam: "eu já cai da árvore"; "meu amigo caiu da janela"; "eu corro em chão molhado", "meu tio caiu da escada e quebrou o braço".

Em relação às situações de risco para acidentes, conforme explicitado no item Metodologia, à medida que os alunos apontavam tais situações, as estagiárias de Fonoaudiologia realizavam exposição dialogada com o objetivo de informar a classe sobre comportamentos seguros.

Quando relatado pelas crianças que elas subiam e desciam escadas correndo, foi explicada a importância de andar devagar e com muita atenção, segurar no corrimão, evitar subir e descer com muita bagagem e, se possível, segurar na mão de um adulto.

Frente ao relato de experiências de quedas de lugares altos (árvores, janelas, guarda-roupa, escorregador, muro e mesa), bem como de cadeiras, bicicletas e ônibus, as estagiárias ressaltaram a relevância de se evitar tais acidentes considerando suas possíveis conseqüências como: machucar a cabeça, o braço, a perna ou mesmo a morte.

Mediante o relato de situações de quedas em chão molhado, as estagiárias explanaram sobre os diferentes tipos de chão e convidaram as crianças a imaginar que estavam andando sobre eles. O primeiro foi o chão de pedras, ressaltando-se que não se pode correr sobre ele e sim andar devagar e firme. Depois foi trabalhado o chão molhado, destacando-se que as crianças precisam evitá-lo ou dar passos curtos e andar devagar. Por fim, mencionaram o gramado que oferece maior segurança.

É importante destacar que neste primeiro encontro as crianças mostraram-se bastante participativas quando requisitadas a fornecerem exemplos pessoais.

No segundo encontro até mesmo durante a atividade de contagem de estória, os alunos relataram, espontaneamente, algumas situações que evitariam os acidentes mencionados na estória. Este comportamento indica que a atividade desenvolvida no encontro anterior havia contribuído para despertar a atenção sobre situações de risco para acidentes e estratégias de prevenção.

Os alunos realizaram os seguintes comentários: "eu só uso tesoura sem ponta", quando foi apresentada a situação em que o porquinho utilizou uma tesoura com ponta e cortou o dedo; "eu não subo mais em árvore", quando o porquinho subiu na árvore, caiu e quebrou o braço; "ele caiu da bicicleta porque não tem rodinha", referindo-se ao porquinho que tinha caído de bicicleta no buraco.

Assim como no primeiro encontro, as crianças também tiveram uma participação ativa, desta vez, escutando a estória e recontando-a adequadamente.

No terceiro encontro que objetivou a avaliação dos conhecimentos construídos, as crianças relataram que para não cair de escadas como a da escola, era necessário "segurar na mão da mamãe", "andar devagar" e "não usar mochila pesada porque cai pra trás".

Quando as estagiárias apresentaram o painel confeccionado no primeiro encontro e solicitaram opiniões sobre ações que poderiam evitar quedas na escola e no lar, foram obtidas as seguintes respostas:

Chão molhado: "andar devagar e de chinelo para não escorregar".

Gramado: "pode correr".

Bicicleta: "andar de bicicleta na grama para não machucar.

Escada sem corrimão: "subir a escada do escorregador segurando"; "não pode subir em escadas correndo"; "tomar cuidado para não prender a mão".

Escada com corrimão: "tem que subir segurando"; "não pode subir e descer correndo"; "cai pra frente e para trás".

Balanço: "não balançar alto"; "não passar atrás do balanço"; "segurar nas correntes".

Janela sem grade: "não pode subir nas janelas porque cai"; "tem que ficar com a janela fechada".

Janela com grade: "quando tem grade pode olhar porque não cai".

Cadeira, mesa e árvores: "não pode subir nas cadeiras porque ela é pra sentar"; "não pode subir em árvores porque cai"; "árvores dão flores e frutos".

Objetos cortantes: "não pode por a mão no ventilador"; "não pode por a mão no liquidificador"; "não pode por a mão na batedeira porque corta, sai sangue e tem que ir pro hospital".

A análise dos desenhos realizados no primeiro e terceiro encontro representativos de conceitos e situações de risco para acidentes, bem como de medidas preventivas, observou-se que as figuras que tiveram maior ocorrência foram: o porquinho cortando o dedo com a tesoura pontiaguda; acidente de carro; queda de árvores e de escada, bem como os porquinhos felizes na casa de tijolos.

Obtidos mediante a aplicação do questionário com a professora pós-atividade educativa

A professora referiu que suas expectativas iniciais foram alcançadas. Ponderou que o material educativo utilizado foi bem elaborado, principalmente a maquete, ressaltando que as crianças adoraram.

Em relação ao envolvimento dos participantes dos diferentes segmentos, avaliou que participou das atividades como ouvinte, interferindo somente quando os alunos não se comportavam. Mencionou a dedicação das estagiárias de Fonoaudiologia e o grande interesse e participação das crianças.

No tocante à sua opinião a respeito da parceria de trabalho estabelecida com as estagiárias de Fonoaudiologia, ponderou que essa parceria no desenvolvimento de um projeto sobre prevenção de acidentes infantis deveria ser ampliada de forma a envolver toda a escola e a comunidade.

 

DISCUSSÃO

A Lei nº. 8069 de 1990 apresenta o Estatuto da Criança e do Adolescente. Consta do Artigo 7º que "a criança tem direito à proteção e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso em condições dignas de existência" 14.

A proteção e a promoção à saúde estão também previstas na Constituição Federal de 198815 e na Lei Orgânica de Saúde nº. 8080 de 199016. Há mais de vinte anos a legislação nacional prevê a atuação preventiva no cuidado em saúde, mas apesar deste tempo as práticas educativas ainda são pouco valorizadas pelos gestores, profissionais da saúde e comunidade.

Em 2001 o Ministério da Saúde implantou a Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências. A Portaria nº. 737 de 2001 foi aprovada pela Comissão Intergestora Tripartite (CIT) e pelo Conselho Nacional de Saúde (CNS) com o objetivo de incentivar ações conjuntas, articuladas e sistematizadas para a redução dos efeitos dos acidentes e violências no país17.

A formulação das leis municipais nº. 6435/200612 e 6508/200713 sobre prevenção de acidentes infantis em Marília retomou a importância das atividades preventivas para a preservação da saúde das crianças. Nesta mesma época surgiu o Programa Saúde na Escola que também contemplou em suas diretrizes a prevenção de acidentes e violências no âmbito escolar2.

Os problemas de saúde oriundos dos acidentes infantis ultrapassam as barreiras do município e do país, sendo também observados em diferentes lugares do mundo. Uma Revisão Bibliográfica de 71 artigos publicados entre os anos de 1997 e 2007 mostrou dados epidemiológicos do Irã, Arábia Saudita, Egito, Kuwait, Paquistão, Tunísia, Jordânia, Iraque, Afeganistão, Marrocos, Omã e Emirados Árabes Unidos. Nestes países a maior ocorrência de acidentes infantis é na faixa etária de 0 a 5 anos. A maior parte deles acontece dentro da própria residência18.

A análise dos dados de um sistema de informação do Canadá denominado "Canadian Hospitals Injury Reporting and Prevention Program (CHIRPP) também revelou a epidemiologia dos acidentes infantis neste país. Entre os anos de 1999 e 2002 foram socorridas 5876 crianças acidentadas, sendo que 3141 sofreram quedas do mesmo nível ou de outros locais. Um total de 1160 crianças tinham entre 1 e 3 anos de idade19.

Embora os acidentes infantis aconteçam predominantemente dentro dos lares, o ambiente escolar não está isento de riscos para quedas e outros tipos de acidentes, especialmente durante as brincadeiras. Estudo realizado no Brasil e em Portugal mostrou que na escola as crianças preferem brincar com atividades de categoria motora justapostas às cognitivas. Desta forma, o risco se torna maior20.

A participação de graduandos da área da saúde foi fundamental para o favorecimento de uma cultura de intersetorialidade desde a formação inicial com uma temática proposta pelos Ministérios da Saúde e da Educação.

A prevenção de acidentes na infância é de responsabilidade de qualquer área profissional. Profissionais da saúde de Fortaleza, Ceará, realizaram diferentes atividades de promoção da saúde, incluindo prevenção de acidentes, em uma escola de ensino infantil. As autoras relataram que a ação intersetorial foi fundamental, mas ainda existe um desafio em relação à integração com a equipe pedagógica, uma vez que os temas da saúde ainda são vistos como de responsabilidade unicamente dos profissionais da saúde21.

Embora as práticas educativas realizadas visassem trabalhar a prevenção de acidentes infantis, pode-se afirmar que tais práticas objetivaram ainda a promoção da saúde, na medida em que propiciou aos alunos conhecimentos que contribuem para a adoção de comportamentos individuais e coletivos saudáveis no tocante às situações de brincar com segurança.

Segundo Czeresnia22 a promoção da saúde abrange tanto o ambiente quanto os aspectos físicos, psicológicos e sociais. Além disso, as estratégias de promoção se voltam para a transformação das condições de vida e demandam atuação intersetorial.

Ressalta-se que o trabalho ora apresentado envolveu a atuação de profissionais formados e em formação dos setores saúde e educação e fortaleceu a escola trabalhada em seu papel de Escola Promotora da Saúde.

As Escolas Promotoras da Saúde são aquelas que buscam a construção de ambientes saudáveis e práticas de educação e saúde em sua integralidade. Consolidam-se com metodologias participativas e envolvem a comunidade em ações integradas com os diferentes setores, inclusive entre a saúde e educação2.

A educação em saúde é uma das estratégias sugeridas pelo Ministério da Saúde para a realização das práticas promotoras da saúde. Ela é definida como um conjunto de práticas pedagógicas de caráter participativo e emancipatório, que perpassa vários campos de atuação e tem o objetivo de sensibilizar, conscientizar e mobilizar para o enfrentamento de situações individuais e coletivas que interferem na qualidade de vida23.

Neste sentido, a educação em saúde configura-se como uma ferramenta potente para o trabalho de prevenção de acidentes infantis. O professor e profissionais de saúde podem lançar mão dessa ferramenta e utilizar estratégias educativas como estórias infantis e atividades lúdicas nos parques e demais áreas externas da escola, identificando os riscos junto com as crianças e refletindo sobre possíveis mudanças no meio e no comportamento.

Cardoso, Reis e Iervolino24 relatam que para que a escola se torne promotora da saúde é necessário um planejamento de ações interdisciplinares e intersetoriais entre as Secretarias da Saúde e da Educação, a fim de planejarem temas transversais que podem ser contemplados no currículo. No entanto, para isso é preciso capacitar os professores, sendo sugestivo, por exemplo, a articulação entre a Unidade de Saúde da Família e as Escolas da área de abrangência

Paes e Gaspar25 afirmaram que é essencial a compreensão dos profissionais de saúde sobre a importância da prevenção das injúrias, pois se atuarem de forma sistêmica, ampliando a ação para além da área estritamente de saúde, em um processo intersetorial, as possibilidades de redução dos índices de acidentes passarão a ser reais.

Tais práticas estão alicerçadas nas políticas públicas de saúde e educação vigentes há alguns anos, bem como em políticas recentes que também abordam essa temática, a saber, a Portaria nº. 227 de 201126 que reitera e fortalece a Portaria nº. 737 de 200117. Dentre os objetivos desta Portaria datada de 2011, consta do Artigo 6° o apoio a programas e projetos pré-escolares e escolares, com vistas a contribuir com o desenvolvimento das crianças em situação de risco, bem como vulnerabilidade às violências. Consta ainda a realização de intervenções em ambientes e entornos escolares.

Além da importância da atuação intersetorial, para fortalecer ou transformar a escola em um espaço de produção de saúde, faz-se necessária a inclusão dessa temática no projeto político-pedagógico da escola23.

Espera-se que o trabalho ora apresentado contribua para a disseminação da experiência aqui relatada e para fomentar discussões sobre a importância da execução de práticas educativas intersetoriais voltadas à prevenção de acidentes e estimular novas ações nesta direção.

 

CONCLUSÃO

Este trabalho apresentou uma ação intersetorial de prevenção de acidentes infantis realizada em ambiente escolar, envolvendo um dos temas preconizados pelas políticas públicas vigente no Brasil sobre a temática educação e saúde. As opiniões da professora e das crianças mostraram que os procedimentos realizados podem ser replicados em outras séries e/ou escolas.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
ediquata@gmail.com

Manuscript submitted Aug 22 2012
accepted for publication Dec 30 2012.