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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.23 no.1 São Paulo  2013

 

ORIGINAL RESEARCH

 

Crianças tetraparéticas e cuidadores: caracterizando o perfil e a acessibilidade à tecnologia assistiva

 

 

Tatiana Cristina AlcassaI; Rosangela FilipiniII, IV; Jesus Carlos Delgado GarciaII, IV; Sandra Terezinha AmaranteII, IV; Fernando AdamiIII, IV; Maria Claudia de Brito LuzIII, IV; Renata Macedo Martins PimentelIV; Ligia Ajaime AzzalisV; Virginia Berlanga Campos JunqueiraV; Fernando Luiz Affonso FonsecaV

IPós-graduação em Tecnologia Assistiva, FMABC, Santo André, SP, Brasil
IICoordenação do curso de Pós-graduação em Tecnologia Assistiva, FMABC, Santo André, SP, Brasil
IIICurso de Gestão em Saúde Ambiental, FMABC, Santo André, SP, Brasil
IVLaboratório de Delineamento de Estudos e Escrita Científica. Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP
VCurso de Gestão em Saúde Ambiental, FMABC, Santo André, SP; Brasil, Departamento de Ciências Biológicas - Universidade Federal de São Paulo, Diadema, SP, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O trabalho teve como objetivo descrever o perfil dos cuidadores e das crianças com tetraparesia segundo suas características, aspectos sociodemográficos e acessibilidade, por meio de um questionário desenvolvido e aplicado durante as sessões de fisioterapia, realizadas no setor de neurologia infantil do Centro de Reabilitação Municipal de Santo André. Foram entrevistados 19 cuidadores de crianças tetraparéticas com diagnóstico de Paralisia Cerebral. A análise dos resultados mostrou que os cuidadores, em sua maioria, eram as mães das crianças selecionadas e que estas dedicavam-se, integralmente, aos cuidados de seus filhos, abdicando-se de suas atividades profissionais ou educacionais. Enquanto, que as crianças apresentavam importante comprometimento motor (GMFCS V), dependentes para muitas atividades funcionais necessitando de algumas Tecnologias Assistivas. Verificou-se, ainda, pouco conhecimento, por parte dos cuidadores, em relação a esta terminologia que associado à falta de recursos financeiros podem trazer prejuízos no processo de autonomia, participação e inclusão social destas crianças.

Palavras-chave: paralisia cerebral; crianças; equipamentos de auto-ajuda.


 

 

INTRODUÇÃO

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 23,9% da população brasileira apresentam algum tipo de deficiência1. Cerca de 7% dessa população apresenta uma deficiência motora. Transpondo esses dados para população do município de Santo André que, de acordo, com Censo 2010, possui um número de 676.407 habitantes, temos, aproximadamente, 47.348 pessoas com algum tipo de deficiência motora, estando entre estas as crianças com diagnóstico de Paralisia Cerebral (PC).

A Paralisia Cerebral é uma desordem do movimento e postura devido a um defeito ou lesão do cérebro imaturo2. Os indivíduos com PC apresentam um espectro variado de incapacidades que afeta primariamente o desenvolvimento do controle motor e postural. Interferindo na realização das atividades motoras e na qualidade do movimento, impactando na forma como é realizada a mobilidade e outras atividades funcionais3.

A etiologia da PC pode ser dividida em pré natais, perinatais e neonatais e, ainda as pós natais. Pode ser classificada pelo seu tipo clínico, ou seja, espástica (75%); atáxicas (2%); discinéticas, coreoatetóides, distônicas (9 a 22%) e mista (9 a 22%). E, ainda, classificada quanto à topografia ou anatomia, sendo: tetraparesia, diparesia e hemiparesia4.

Para melhor compreensão diagnóstica funcional e linguagem comum entre a equipe de reabilitação pode ser utilizada uma escala de classificação motora para indivíduos com PC. O Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (GMFCS)5 foi desenvolvido especialmente para indivíduos com PC. Esta escala classifica a função motora de crianças desde o nascimento até a idade de 18 anos. É dividida em cinco grupos etários distintos: até dois anos, entre dois e quatro; quatro e seis; seis e doze e doze e dezoito anos, descritos em cinco níveis. A utilização dessa escala facilita o entendimento da condição motora da criança com PC em suas diversas fases e idades favorecendo estratégias terapêuticas com o objetivo de propiciar sua participação social e independência, mesmo que com a utilização de dispositivos de suporte para marcha, cadeira de rodas e recursos de mobilidade3,6.

Na rotina diária das crianças tetraparéticas observa-se maior dispensa de tempo de seus cuidadores quando comparado com crianças com desenvolvimento típico. O uso de tecnologias assistivas tende a aliviar essa rotina3.

A Tecnologia Assistiva é um termo utilizado para identificar todo o arsenal de recursos e serviços que contribuem para proporcionar ou ampliar habilidades funcionais de pessoas com deficiência e consequentemente promover vida independente e inclusão7.

Neste estudo será considerado como recursos de tecnologia assistiva: cadeira de rodas adaptada, cadeira de posicionamento, cadeira de banho, estabilizador da postura em pé e órteses de posicionamento. Esses recursos devem fazer parte do dia a dia da criança tetraparética possibilitando um melhor posicionamento, funcionalidade e participação. Alguns fatores podem interferir no acesso a estes recursos, devendo-se levar em consideração as condições sociais, econômicas e culturais destas famílias8.

A utilização de uma tecnologia adequada pode transformar barreira em facilitador e possibilita a participação das crianças com Paralisia Cerebral em suas casas, na escola e na comunidade.

Assim, o objetivo é descrever o perfil dos cuidadores e as crianças com tetraparesia segundo suas características, aspectos sociodemográficos e acessibilidade.

 

MÉTODO

Foi desenvolvido um estudo transversal, realizado no Centro de Reabilitação Municipal de Santo André, no setor de neurologia infantil. A população deste estudo foi constituída por 19 crianças tetraparéticas com diagnóstico de Paralisia Cerebral, classificadas pela Escala GMFCS nos níveis III, IV e V.

Este estudo utilizou-se de questionário para a coleta de dados. Este foi composto de questões que abordavam o conhecimento sobre as características das crianças, aspectos sociodemográficos e acessibilidade à tecnologias assistivas. O questionário foi respondido pelos pais ou responsáveis legais das crianças selecionadas.

A solicitação de coleta foi encaminhada ao responsável pela Instituição, campo da pesquisa e, após sua aprovação e assinatura da Ficha de Rosto para Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria de Saúde da Prefeitura Municipal de Santo André, filiado ao Conselho Nacional de Pesquisa com Seres Humanos (CONEP) (protocolo 30/2011).

Foi aplicado um pré-teste para análise da clareza do instrumento, com duração de quinze minutos, antes da efetivação da coleta de dados. Previamente foi esclarecido aos sujeitos da pesquisa o objetivo da mesma, sua participação voluntária, a garantia de sigilo de suas respostas e pedido o preenchimento do "Termo de Consentimento Livre e Esclarecido".

A coleta foi efetuada pela própria pesquisadora, que acompanhou o preenchimento do questionário, solucionando as dúvidas dos sujeitos.

A apresentação dos dados foi realizada por meio de tabelas, que demonstraram quantitativamente os dados coletados. A análise utilizou-se de tabela de frequência simples para descrever os cuidadores e as crianças segundo as variáveis independentes. A digitação dos dados foi feita no programa Excel e a análise, no Stata 11.0.

Os sujeitos que foram pesquisados neste estudo não sofreram danos antes, durante ou depois da coleta de dados. Os benefícios foram traduzidos em conhecimentos para a sociedade, ciência e profissionais da área.

 

RESULTADOS

O estudo realizado demonstrou que 94,7% dos questionários foram respondidos por mães das crianças com tetraparesia. Em relação, a faixa etária, 52,7% das crianças estudadas encontram-se entre 2e 9 anos sendo 52,6% do sexo masculino.

Segundo Escala Classificatória da Função Motora Grossa (GMFCS), 57,9% das crianças selecionadas para este estudo, apresentam-se em grau V. 63,2% destas iniciaram reabilitação em seu primeiro ano de vida.

Em relação ao município de residência, 89,7% localizam-se em Santo André e 94,7% possuem casas como forma de moradia. Quanto ao número de moradores por residência, 63,1% das famílias dividem seu domicílio entre 2 e 4 pessoas, e 57,9% destas possuem renda familiar entre 2 e 3 salários mínimos.

Em relação a escolaridade dos cuidadores destas crianças, 52,6% dos entrevistados apresentam ensino médio completo.

Quando perguntado aos cuidadores, sobre o conhecimento do termo Tecnologia Assistiva (TA), 94,7% destes revelaram desconhecimento. Após esclarecimento dos cuidadores, verificou-se que 89,5% das crianças estudadas utilizavam algum tipo de TA e, ainda, que 79% destes já foram orientados em relação ao uso destas tecnologias e posicionamentos.

A TA mais utilizada é a cadeira de rodas, respondido por 79% dos entrevistados, o que demonstra facilitar o participação, visto que 79% das crianças frequentam escola e espaços comunitários, 94,7% responderam frequentar parques ou igrejas.

Quanto à presença de barreiras arquitetô-nicas, 79% dos domicílios havia presença de escadas, no entanto, 57,9% dos entrevistados responderam não ser este o principal motivo para não utilização de TA.

Com referência a falta de recurso financeiro para a aquisição de outras tecnologias, 68,4% dos entrevistados responderam ser esse o principal motivo para a não aquisição, o que se justifica pela renda destas famílias e o valor de custo destas TAs. Além disso, foi verificado que 89,5% dos cuidadores entrevistados deixaram de trabalhar ou estudar para se dedicarem aos cuidados das crianças estudadas.

 

DISCUSSÃO

O estudo foi realizado com 19 crianças tetraparéticas, podendo ser considerado um número pequeno de sujeitos para uma pesquisa, entretanto verificou-se que a incidência de tetraparesia como diagnóstico topográfico em crianças com seqüela de Paralisia Cerebral é menor que 50% (cerca de 9 a 43% dos casos)4.Ainda, como justificativa, foi encontrado trabalho realizado com número de sujeitos igual a 109. Isso possibilita uma reflexão em relação a gravidade do quadro e as sequelas apresentadas nos casos de tetraparesias.

Os dados obtidos nos questionários mostraram que 52,6% dos entrevistados apresentavam nível médio completo, contrapondo aos dados do IBGE1, onde cerca de42,3% da população do Estado de São Paulo possuem tal nível de escolaridade. No entanto, quando questionados sobre o conhecimento do termo Tecnologia Assistiva (TA), 94,7% destes desconheciam esta terminologia, justificando assim o fato de a TA ser uma área de conhecimento relativamente nova no Brasil, que foi instituída como Comitê de Ajudas Técnicas,10 em setembro de 2006.

Com referência a renda familiar, 57,9% destas possuem rendimentos entre 2 e 3 salários mínimos, contrapondo a média nacional1 que é de 10,6%, segundo censo de 2010. Porém, 68,4% dos entrevistados revelaram a falta de recurso financeiro como o principal motivo para a não aquisição de TA11.Isso reforça a necessidade de maior investimento nesta área, tanto do ponto de vista do desenvolvimento de TA no Brasil, como também em políticas públicas que facilitem o acesso a estas tecnologias.A TA mais utilizada é a cadeira de rodas, respondido por 79% dos entrevistados, o que demonstra facilitar aparticipação destas crianças, visto que muitas destas freqüentam escola e espaços comunitários12-14,15.

De acordo com o estudo realizado e por meio das análises feitas, conclui-se que os cuidadores das crianças, em sua maioria, são as próprias mães e que estas dedicam-se, integralmente, aos cuidados e tratamentos realizados pelos seus filhos, tendo abandonado suas atividades profissionais ou educacionais. As crianças, apresentam quadro motor grave, sendo dependentes para muitas atividades, o que representa necessitarem de algumas tecnologias assistivas, no entanto a mais utilizada e adquirida é a cadeira de rodas, facilitando frequentarem escolas e espaços comunitários.

 

Tabela 1

 

 

Tabela 2

 

Estas crianças e genitoras residem no município de Santo André, possuem uma renda mensal de 2 a 3 salários mínimos e compartilham seus lares com mais 2 pessoas.

A tecnologia assistiva está presente no cotidiano dessas famílias, no entanto, é uma área pouco conhecida pela maioria das mães das crianças com tetraparesia. Este desconhecimento associado à falta de recurso financeiro são dificultadores no processo de autonomia, participação e inclusão social dessas crianças.

 

REFERÊNCIAS

1. IBGE: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em: http://www.ibge.gov.br.         [ Links ]

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3. Cury VCR, Brandão MB. Reabilitação em Paralisia Cerebral. Rio de Janeiro: Medbook, 2011.         [ Links ]

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10. CAT: Comitê de Ajudas Técnicas. Disponível em: http://www.mj.gov.br/sedh/ct/corde/dpdh/corde/comite_at.asp        [ Links ]

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Endereço para correspondência:
profferfonseca@gmail.com

Manuscript submitted Oct 16 2012
accepted for publication Dec 30 2012.