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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.23 no.2 São Paulo  2013

 

EDITORIAL

 

Saúde perinatal e medicina translacional

 

 

José Luiz FigueiredoI; Claudio VinegoniII; Luiz Carlos de AbreuIII

IDivision of Cardiovascular Medicine, Brigham and Women's Hospital, Harvard Medical School, Boston, MA, USA
IICenter for Systems Biology, Massachusetts General Hospital, Harvard Medical School, Boston, MA, USA
IIIDepartment of Morphology and Physiology, School of Medicine of ABC, Santo Andre, SP, Brazil

Endereço para correspondência

 

 

Durante a vida fetal, os tecidos e órgãos do corpo passam por um período crítico de desenvolvimento, que coincide com o período de rápida divisão celular. Frente à falta de nutrientes e à hipóxia, a primeira adaptação fetal, é a diminuição da taxa de divisão celular, que ocorre tanto pelo efeito direto da desnutrição celular quanto pela alteração hormonal e dos fatores de crescimento1. Uma redução no número de células e alterações na estrutura e funcionamento de órgãos, bem como as alterações permanentes na metilação do DNA e da expressão genética, têm também sido considerados como mecanismos moleculares responsáveis pela programação fetal1.

Por outro lado, observações epidemiológicas levaram à hipótese de que o risco de desenvolver algumas doenças crônicas, não transmissíveis na idade adulta, é influenciado não só por fatores genéticos e estilo de vida adulto, mas também por fatores ambientais que atuam no início da vida2. Os processos ambientais que influenciam a propensão à doença na idade adulta parece ter início nas fases periconceptual, fetal e infantil. Curtos períodos de desnutrição podem reduzir permanentemente o número de células em determinados órgãos na fase de desenvolvimento fetal, o que pode causar mudança na distribuição de tipos de células, na atividade metabólica e na estrutura do órgão2. Existe evidência crescente de que o metabolismo materno e as condições intrauterinas podem programar o desenvolvimento e crescimento da criança1,2.

O crescimento intrauterino restrito (CIUR) ocorre quando o feto não atinge o tamanho determinado pelo seu potencial genético. Este é um problema clínico que atinge em torno de 7-15% das gestações3 e está associado ao aumento da morbidade e mortalidade perinatal, assim como o peso de nascimento o qual pode ser entendido como um indicador das condições gestacionais, e mais especificamente do crescimento intrauterino4-8. Baixo peso, desproporção no perímetro cefálico, comprimento e peso ao nascer são marcadores de falta de nutrientes em determinadas fases da gestação8,9. Essas alterações, que refletem adaptações fetais para sustentar o seu desenvolvimento, podem permanentemente "programar" a estrutura do corpo, sua função e assim determinar uma doença na fase adulta. Assim se define a programação do feto ou a hipótese de Barker1,2,9.

Crianças de baixo peso ao nascer, independentemente de sua origem social, têm um risco aumentado de apresentar doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2 em relação aos seus pares de maior peso10,11. Embora os fatores relativos ao peso adulto e estilo de vida possam ser fatores de confusão adicional, a associação do baixo peso ao nascimento com doenças crônicas parece persistir após a sua exclusão. Há relação direta entre o baixo peso ao nascer e doença crônica, mesmo após a correção das variáveis de confusão relevantes, incluindo o consumo de álcool, os níveis de exercícios físicos e as condições socioeconômicas10,11.

A mortalidade no período perinatal reflete de maneira geral os fatores vinculados à gestação e ao parto, assim, um número expressivo de mortes por causas evitáveis por ações dos serviços de saúde podem ser evitados. A atenção ao binômio materno-infantil é imprescindível para o sucesso de um adequado crescimento e desenvolvimento do indivíduo12. Nos achados de Costa et al8, observa-se que há incidência de 25% de peso insuficiente entre os recém-nascidos a termo e uma grande proporção de pequenos para a idade12. Os autores realizaram estudo observacional, e relatam que a incidência de peso ao nascimento insuficiente (PNI) foi de 1/4 do total de nascimentos12. No Brasil, 68,6% das mortes de crianças com menos de um ano acontecem no período neonatal (até 27 dias de vida), sendo a maioria no primeiro dia de vida e parece ter relação com eventos adversos no período gestacional e com o baixo peso12.

Há também evidencias que o tipo de parto é fator corroborador para as implicações dos desfechos futuros, ou estimulador dos fatores epigenéticos de manifestação das complicações do desenvolvimento e crescimento humano, sendo que os desfechos adversos para a saúde da criança mais comuns associados às cesáreas de emergência ou eletivas de gestações a termo são doenças do aparelho respiratório, que elevam consideravelmente a mortalidade perinatal11.

As pesquisas epidemiológicas abordam aspectos como a altura da mãe, peso, etnia e variáveis de paridade, as quais são conhecidas por responder por 20-35% da variabilidade do peso de nascimento a termo11. Pesquisas que abordam o recém-nascido pequeno para a idade gestacional (RN PIG) e a restrição de crescimento intrauterino são bem definidas, entretanto, aquelas que relacionam pequenos para a idade gestacional são quiescentes. Logo, face às dificuldades inerentes a pesquisa com grandes grupos populacionais e a miscigenação entre os povos, é cada vez mais imperiosa a realização de modelos animais para se estudar os efeitos do baixo peso sobre a prole e suas consequências em imediato e em longo prazo no crescimento e desenvolvimento.

Medicina translacional, conceitualmente envolve o conjunto do conhecimento concebido nas bancadas dos laboratórios biomédicos, testados em animais, que serão levados para a clínica, em busca da melhoria no diagnóstico e no tratamento das doenças. As pesquisas com animais (translacionais) são importantes pois quando desenvolvidas com critérios e protocolos rígidos simulam, com grande acurácia, o que poderá acontecer nos seres humanos. Como a grande maioria da mortalidade perinatal esta relacionada com fatores que ocorreram durante a gestação, faz-se necessários modelos animais que possam simular e ao mesmo tempo tentar entender o que acontece nesse período.

Um modelo animal de restrição de crescimento ou de uma cesárea precoce poderá servir para verificar os efeitos, ainda na fase neonatal do baixo peso, do peso insuficiente e das cesáreas mal indicadas sobre o tecido biológico. A utilização de marcadores arteriais luminescentes poderão identificar as alterações desses vasos desde as primeiras semanas de gestação e, fornecer informações que poderão ocorrer nos demais órgãos após o nascimento. Em particular, recentes avanços na otica óptica de pequenos animais, combinado com o uso de microscopia fluorescente, o desenvolvimento de novos contrastes moleculares aprimorados, e novos planos disponíveis para compensar a função dos instrumentos, tem surgido possibilidades de melhor observação biológica e fisiológica da célula in vivo. A combinação de técnicas de imagem, incluindo métodos radiológicos, tais como RNM, TC-X e TC PET, associado com microscopia fluorescente pode ajudar na elucidação de processos fisiopatológicos envolvidos na restrição do crescimento intrauterino, o que leva a novas contribuições para a compreensão atual.

Portanto, é imprescindível que haja pesquisa básica, com abordagem por imagem e outros recursos, com envolvimento de equipe multidisciplinar, com vista a minimizar os desfechos ambientais e intervencionistas sobre o parto. Assim, a contribuição da publicação de Costa et al9, evidencia que o problema é atual e relevante no campo da Saúde Pública e que os investimentos devem ser frequentes e em ampla área do conhecimento, tendo a Medicina Translacional papel importante na resolutividade de questões vivenciada por todos aqueles que exercem a pesquisa e a clínica no dia-a-dia.

 

REFERÊNCIAS:

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9. Baker, D.J.P. Maternal nutrition, fetal nutrition and diseade in later life. Nutrition.[S.l.], v.13, p. 807-813, 1997.         [ Links ]

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12. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: crescimento e desenvolvimento / Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. - Brasília : Ministério da Saúde, 2012. 272 p.: il. - (Cadernos de Atenção Básica, nº 33) ISBN 978-85-334-1970-4). P.23-26.         [ Links ]