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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.23 no.2 São Paulo  2013

 

ORIGINAL RESEARCH

 

Questionário de qualidade de vida de crianças com paralisia cerebral (CP QOL-Child): tradução e adaptação para língua portuguesa

 

 

Lígia Maria Presumido BraccialliI; Ana Carla BraccialliII; Andréia Naomi SankakoIII; Maria Luiza da Costa DechandtIV; Vanessa da Silva AlmeidaV; Sebastião Marcos Ribeiro de CarvalhoVI

IDocente do Departamento de Educação Especial da Faculdade de Filosofia e Ciências, Unesp de Marília - bracci@marilia.unesp.br
IIFisioterapeuta da AACD - Rio Preto, São José do Rio Preto
IIIDoutora em Educação -Faculdade de Filosofia e Ciências, Unesp de Marília
IVFisioterapeuta - Faculdade de Filosofia e Ciências, Unesp de Marília
VBolsista FUNDAP do Programa de Aprimoramento em Fisioterapia na Faculdade de Filosofia e Ciências, Unesp de Marília
VIDocente do Departamento de Psicologia da Educação da Faculdade de Filosofia e Ciência, Unesp de Marília

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi verificar a confiabilidade da versão em português do Brasil do instrumento Cerebral Palsy: quality of life questionnaire for children: primary caregiver questionnaire (CP QOL-Child: primary caregiver) traduzido e adaptado culturalmente. Para tanto, foi realizada a tradução e a adaptação cultural do instrumento e a seguir foram realizados os procedimentos para verificar a confiabilidade. O questionário traduzido e adaptado culturalmente foi respondido por 30 cuidadores de crianças com paralisia cerebral e realizada a análise inter e intraobservadores. Os dados permitiram identificar que consistência interna variou de 0,649 a 0,858, a confiabilidade intraobservador de 0,625 a 0,809 e a confiabilidade interobservador 0,498 a 0,903. A análise realizada sugere que o instrumento utilizado tem aceitabilidade psicométrica.

Palavras-chave: qualidade de vida; paralisia cerebral; instrumento de avaliação.


 

 

INTRODUÇÃO

Paralisia Cerebral (PC) é a mais comum causa de deficiência motora na infância1-3 com incidência em países desenvolvidos de 2 - 2,5/1000 crianças nascidas vivas4-6 no Brasil, está estimada em 7 para cada 1000 nascidos vivos7. A prevalência da PC na Europa, no período entre 1976-1990, foi de 2,08 por 1000 crianças nascidas vivas8.

A PC caracteriza-se por desordens no movimento e na postura que causam limitações nas atividades, atribuídas a alterações não-progressivas que ocorrem no cérebro fetal ou infantil. As desordens motoras frequentemente estão acompanhadas por alterações sensoriais e cognitivas, na comunicação, percepção, no comportamento e/ou nas crises convulsivas9. Para os autores citados anteriormente, algumas manifestações associadas a PC podem mostrar-se mais significativas em alguns indivíduos ou em determinados períodos; enquanto outras manifestações podem ser mais evidentes ou mais problemáticas em estágios diferentes da vida da criança.

Apesar do tratamento médico e de reabilitação, diversas limitações motoras podem reduzir a funcionalidade, as habilidades motoras10, a saúde11 e a qualidade de vida dessas crianças12.

Para verificar o impacto da terapia na funcionalidade e no desempenho motor de crianças com PC, tem havido a preocupação em desenvolver instrumentos padronizados que realizem medidas objetivas e apropriadas do que se pretende medir13.

As medidas de avaliação que têm sido usadas incluem escalas de avaliação da espasticidade, testes de habilidades motora grossa e fina que avaliam as mudanças na função, e a análise da marcha para demonstrar alterações no padrão14. Mais recentemente, a necessidade de conhecer os efeitos da patologia sobre as condições de saúde e bem-estar por meio do olhar do próprio indivíduo ou de seu cuidador tem resultado em inúmeros esforços para desenvolver instrumentos para avaliar o impacto na qualidade de vida (QV) dessas crianças15.

Estudo desenvolvido por Wallander, Schimitt e Koot16 identificou que de 20.000 artigos sobre qualidade de vida publicados entre 1980 e 1994, apenas 13% se referiam a crianças, com a faixa etária menos estudada a situada entre os 6 e 12 anos.

Avaliar QV de crianças tem sido um desafio, uma vez que, normalmente elas têm sido consideradas como respondentes não confiáveis. No entanto, há crescentes evidências de que as crianças possam realizar o autorrelato de QV de forma confiável se o seu desenvolvimento emocional, sua capacidade cognitiva e o seu nível de leitura forem considerados17.

As limitações existentes nos instrumentos em vigor, que medem QV em crianças, têm estimulado o desenvolvimento de escala de QV específica para crianças com paralisia cerebral18. Para medir qualidade de vida de crianças com PC, no entanto, é importante superar diversos obstáculos metodológicos, principalmente, aqueles referentes às barreiras de comunicação e à vasta gama de comprometimento dessa população, além da falta de instrumentos específicos validados19.

Um instrumento específico para medir qualidade de vida de criança com PC deve abordar os sentimentos em relação aos equipamentos adaptados utilizados e os sentimentos em relação aos médicos, intervenções terapêuticas ou cirúrgicas10, satisfação no acesso aos serviços, disponibilização de recursos de tecnologia assistiva e aceitação na comunidade14 temas esses que estão além do escopo de um instrumento genérico, omitindo, assim, opiniões potencialmente importantes de aspectos da vida diária desses indivíduos.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que as medidas de QV em crianças, sempre que possível, seja feita por meio de autorrelato. Tem sido mostrado que as criancas, mesmo as menores, são capazes de realizar autorrelato. No entanto, existe a preocupação que, devido a problemas de desenvolvimento, crianças muito novas, a severidade da doença ou deficiência e o deficit cognitivo os relatos podem não ser confiáveis. Quando as crianças não conseguem realizar autorrelato, a avaliação de qualidade de vida pode ser realizada por seus pais, pois acredita-se que eles tenham um conhecimento profundo de seus filhos e que possam fornecer informações reais sobre eles. É agora amplamente reconhecido que o autorrelato e o relato de cuidadores ambos constituem informações complementares importantes relativas à QV da criança20.

Viehweger et al.12 relatam a importância de complementar a autoavaliação da criança com PC com a avaliação dos cuidadores devido a possível alteração cognitiva presente em alguns casos, embora a natureza das informações coletadas sejam diferentes entre si.

Atualmente, existe clareza da necessidade de um instrumento específico válido e confiável para avaliar o bem-estar de crianças com PC. O Questionário de Qualidade de Vida para Criança com Paralisia Cerebral (CP QOL-CHILD) foi desenvolvido para avaliar o bem-estar em vez do mal-estar dessas crianças. Três aspectos importantes em relação ao design do questionário devem ser destacados: (1) se baseia na Classificação da Funcionalidade e Incapacidade (CIF), (2) foi desenvolvido por especialistas internacionais, e (3) reconhece a importância de obter o ponto de vista da criança e cuidadores. O questionário é composto por duas versões sendo a primeira versão o CPQOL-Child Primary Caregiver Questionnaire (4-12 years) e a segunda versão o CP QOL-Child Child Report Questionnaire (9-12 years). O formulário respondido pelos cuidadores pode ser utilizado para crianças com idade a partir de 4 anos para garantir o diagnóstico claro da PC. Crianças com idade superior a 12 anos não foram incluídas, pois seria necessária a inclusão de novas questões, tais como imagem corporal, sexualidade, pressão da escola e emprego que surgem durante a adolescência14.

A versão CP QOL-Child Primary Caregiver Questionnaire (4-12 years) apresenta 66 questões e deve ser respondida pelos pais/cuidadores de crianças com paralisia cerebral, os quais relatam a sua percepção sobre a qualidade de vida de seu filho pelos domínios: bem-estar social e aceitação, funcionalidade, participação e saúde física, bem estar emocional e autoestima, acesso a serviços, dor e impacto da deficiência e saúde da família. A versão CP QOL-Child Child Report Questionnaire (9-12 years) apresenta 53 questões distribuídas pelos domínios: bem-estar social e aceitação, funcionalidade, participação e saúde física, bem-estar emocional e autoestima, acesso a serviços e dor e impacto da deficiência. Essa versão deve ser respondida pelas crianças com PC, ou seja, constitui o autorrelato da criança21.

Disponibilizar um instrumento padronizado e validado para o português do Brasil possibilitará mensurar a qualidade de vida de crianças com paralisia cerebral e servirá de parâmetro para verificar como as políticas públicas nas áreas de educação e saúde contribui para o bem estar dessa população. Em relação à educação, possibilitará verificar quais os domínios de qualidade de vida são influenciadas quando é proporcionada a inclusão escolar de alunos com paralisia cerebral. Tal instrumento também poderá verificar a eficácia de ações terapêuticas e preventivas desenvolvidas e utilizadas com essa população.

Nessa perspectiva, esse estudo tem como objetivo verificar a confiabilidade da versão em português do instrumento Cerebral Palsy: quality of life questionnaire for children: primary caregiver questionnaire (CP QOL-Child: primary caregiver) traduzido e adaptado culturalmente.

 

MÉTODO

Inicialmente foi solicitado aos autores da CP QOL-Child na School of Health and Social Development da Deakin University da cidade de Victoria na Austrália, a autorização para realizar a tradução, adaptação cultural e validação para a língua portuguesa do instrumento.

Após a aprovação dos autores, o projeto foi encaminhado ao Comitê de Ética em Pesquisa da Instituição de origem desta pesquisa para análise e obteve parecer favorável Nº 278/2009.

Participantes

Participaram dessa fase do estudo 30 cuidadores de crianças com paralisia cerebral, do sexo masculino e feminino com média de idade 34,3 ± 10,7 anos. Utilizou-se como critério de inclusão dos participantes no estudo serem pais ou cuidadores primários de crianças com diagnóstico de paralisia cerebral com idade entre os 4-12 anos Os pais ou responsáveis dos participantes, que concordaram em participar do estudo, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Procedimentos

A versão original inglesa do CP QOL-CHILD foi previamente traduzida e adaptada culturalmente para o português. O processo de tradução e adaptação cultural seguiu recomendações internacionais21-24.

Assim, algumas etapas foram cumpridas: 1) tradução para o português; 2) tradução conciliada; 3) retrotradução 4); tradução final; 5) pré teste; 6) adaptação cultural21.

Primeiramente dois tradutores independentemente traduziram o CP QOL-Child do inglês para o português. Ambos tinham como requisito: 1) o conhecimento do inglês e do português; 2) e como língua nativa o português. As seguintes orientações foram dadas aos tradutores: (1) usar linguagem natural e aceitável para o mais amplo público; 2) realizar uma tradução clara, simples e compreensível; 3) evitar períodos longos e com muitas cláusulas; 4) sempre focar equivalência conceitual, em vez de tradução literal; 5) considerar a idade dos respondentes do questionário, assim como, a forma como estes irão compreender os itens; 6) não utilizar gíria ou termos de difícil compreensão; 7) Evitar duplo negativo25.

Na segunda etapa, tradução conciliada, as duas traduções foram comparadas e resultou em uma tradução inicial conciliada que consistiu em uma versão consensual com a adequação e reconciliação dos itens das duas traduções iniciais. Nessa etapa solicitou-se a colaboração de uma equipe de pesquisadores com experiência em pesquisa com crianças com paralisia cerebral. Esses pesquisadores tinham como função documentar suas avaliações item por item, escolher a melhor tradução, e caso nenhuma das duas fossem adequadas sugerir outra tradução. Eles foram orientados a focarem nas diferenças culturais e linguísticas que poderia causar dificuldades quando a versão em inglês foi transformada para o português.

Na terceira etapa, foi realizada a retrotradução, fase fundamental para assegurar que os conteúdos, do ponto de vista conceitual, não tenham se modificado na fase de tradução26. Neste momento, solicitou-se a um tradutor nativo e fluente do inglês que realizasse a retrotradução, isto é, retornou a tradução conciliada do questionário para a língua inglesa. A retrotradução foi encaminhada aos autores do questionário original CP QOL-Child com o objetivo de identificar e corrigir as discrepâncias existentes no que se refere à equivalência semântica, idiomática e conceitual.

Na quarta etapa, foi realizada a revisão e a comparação da versão retrotraduzida corrigida pelos autores do questionário com a versão original inglesa com o objetivo de gerar a tradução final que foi utilizada na etapa seguinte de pré-teste.

A versão final em português foi utilizada com um grupo de seis cuidadores de crianças com paralisia cerebral para verificar se todos os itens eram compreensíveis e satisfatórios. As questões que não apresentaram boa compreensão foram novamente discutidas e reformuladas por um painel de pesquisadores e utilizadas com um outro grupo de seis cuidadores, para testar a equivalência cultural do instrumento até que todos os itens fossem compreendidos por 90% dos entrevistados27.

Após finalização do processo de tradução e adaptação cultural do instrumento, foi verificada a confiabilidade do instrumento, que consiste em verificar a capacidade de precisão de uma medida12. Se um instrumento de medida tem sempre os mesmos resultados quando aplicado a alvos estruturalmente iguais, pode-se confiar no significado da medida e dizer que a medida é fiável28.

A confiabilidade da versão do CP QOL-Child: primary caregiver questionnaire para o português foi avaliada por meio de três entrevistas.

Foi verificada a confiabilidade inter e intraobservadores. A confiabilidade interobservador foi avaliada com base em medições feitas em um mesmo momento por entrevistadores diferentes e a intraboservadores por meio de teste e reteste que consistiu em preencher o questionário duas vezes, com um tempo suficiente entre eles para excluir o efeito de memória, mas não muito tempo, para evitar a mudança de qualidade de vida12. Utilizaram-se tais procedimentos uma vez que, apesar de o preenchimento do questionário ser auto-aplicável, alguns participantes do estudo eram analfabetos e foi necessária a realização da leitura dos itens do instrumento.

Verificou-se, também, a consistência interna do instrumento, que consistiu em verificar se as medidas repetidas dentro de uma mesma escala (os vários itens para medir a dimensão) são convergentes, o que significa que eles estão direcionados para a mesma direção. Verifica-se se os itens de cada dimensão forma um todo coerente, o que significa que a correlação aproximada interna entre os itens é relativamente forte12.

Os participantes do estudo responderam a versão em português do instrumento CP QOL-Child: questionário para cuidadores três vezes realizadas por dois entrevistadores: E1 e E2. O entrevistador 1 (E1) realizou a primeira avaliação. Após um intervalo de 30 a 60 minutos, o entrevistador 2 (E2) fez a segunda avaliação. Em um período máximo de 14 dias, após a segunda avaliação, uma terceira avaliação foi feita pelo entrevistador 1 (E1). Os participantes responderam, também, a um questionário que continha informações sobre: sexo da criança e do cuidador; grau de parentesco do respondente com a criança; idade da criança e do cuidador, nível de classificação da criança no Sistema de Classificação da Função Motora Grossa (GMFCS), grau de instrução do cuidador.

Análise estatística

Foi realizada análise estatística descritiva para caracterização demográfica da população do estudo. Os coeficientes de correlação intraclasse (ICC) e alfa de Cronbach foram utilizados para avaliação da confiabilidade e consistência interna do instrumento25,29. O coeficiente de correlação intraclasse foi considerado excelente quando ICC > 0,75; satisfatório quando 0,4 < ICC < 0,75 e pobre ICC < 0,430 e foram considerados significativos valores de p < 0,05.

Para o valor de alfa de Cronbach, com o propósito de comparar grupos de indivíduos, recomenda-se medidas com confiabilidade acima de 0,5 28.

 

RESULTADOS

Os dados referentes às características demográficas das crianças com paralisia cerebral indicam uma predominância de crianças do sexo masculino e com nível no GMFCS V (tabela 1)

 

 

Em relação às características dos participantes houve uma predominância de respondentes do sexo feminino, geralmente mães e com nível de escolaridade médio completo (tabela 2).

 

 

A confiabilidade do questionário para cuidadores CP QOL Child - questionário para cuidadores foi adequada, com coeficiente alfa Cronbach maior que 0,5, para todos os domínios, para os dois avaliadores. Apenas os domínios família e dor tiveram valores inferiores a 0,7 (tabela 3).

Os resultados relativos à confiabilidade intra e interobservador para cada domínio da versão em português do Brasil CP QOL- Child - questionário para cuidadores foi significativa para todos os domínios. A confiabilidade intraobservador foi considerada excelente para funcionalidade, participação, acesso a serviços e dor (ICC > 0,75) e satisfatório para bem estar social, bem estar emocional e família (0,4 < ICC < 0,75). A confiabilidade interobservador foi considerada excelente para funcionalidade, participação; dor e família (ICC < 0,75) e considerado satisfatório para acesso a serviços e bem estar emocional (0,4 < ICC < 0,75) (tabela 4).

 

DISCUSSÃO

O estudo possibilitou disponibilizar a versão em português do Brasil do questionário CP QOL-Child - versão para os cuidadores que é um instrumento específico para avaliar a qualidade de vida de crianças com paralisia cerebral.

A metodologia utilizada seguiu recomendações de especialistas21-24 a fim de garantir uma versão do instrumento em língua portuguesa adequadamente transcrita e ajustada aos aspectos culturais da população brasileira, mas equivalente à versão original em língua inglesa.

Apesar dos critérios rigorosos estabelecidos em relação aos aspectos demográficos da amostra de cuidadores, com objetivo de garantir a representatividade da população brasileira, tem que ser considerado que o presente estudo foi realizado em uma região específica do país. O Brasil caracteriza-se por ser um país multicultural com diferenças regionais importantes que podem influenciar na compreensão da perguntas e respostas emitidas pelos participantes, assim a necessidade de realização de estudos nas diferentes regiões do país31.

As propriedades psicométricas da versão brasileira do CP QOL-Child apresenta confiabilidade para avaliação da qualidade de vida de crianças com paralisia cerebral na faixa etária de quatro a 12 anos, por meio do relato de seus cuidadores, assim como a versão original.

Considerando que crianças com PC, geralmente, podem apresentar outras alterações associadas, tais como dificuldades de comunicação e déficit cognitivo, além das limitações de movimento e postura, e em consequência, nem sempre têm condições de realizar o autorrelato, disponibilizar um instrumento que possa ser respondido por seus pais ou cuidadores mostra-se vantajoso. No processo de avaliação de criança com alterações no desenvolvimento, seja física, de comunicação, de aprendizagem ou cognitiva é essencial o relato de um representante da criança, pois ele poderá fornecer mais informações sobre as condições de saúde e bem-estar desses indivíduos, mesmo que isso implica em risco potencial de aumentar a subjetividade dos achados15. Para White-Koning et al.20, apesar do autorrelato ser primordial, naquelas situações nas quais as crianças não conseguem se expressar devido ao impacto da deficência nas habilidades funcionais, a avaliação da qualidade de vida pode ser feita por meio de informações obtidas de seus pais, uma vez que eles conhecem profundamente seus filhos. Soares et al 32 expressam a importância do cuidador para a complementação de informações sobre uma criança, pois esses são os que melhor a conhecem.

Estudo realizado por Waters et al.29 sobre as propriedades psicométricas da versão original do CP QOL - Child: primary caregiver questionnaire encontrou resultados semelhantes aos apresentados nesse estudo sobre a análise da consistência interna, para os domínios "Dor e impacto da deficiência" e "Saúde da família". Waters et al29 também encontraram menores valores para o coeficiente alfa Cronbach para esses dois domínios.

Quanto ao baixo valor obtido no ICC no teste-reteste (0,652) para o domínio "Saúde da Família" pode ser justificado pelo fato de o questionamento ser direcionado à saúde financeira, física e de trabalho do cuidador, situação essa que pode ter se alterado no período de 14 dias, tempo necessário entre a primeira e terceira avaliação, uma vez que o ICC interobservador teve um índice alto (0,903). O domínio Bem estar emocional e Autoestima que apresentou valor 0,625 na avaliação intraobservador, também, refere-se à avaliação subjetiva que pode apresentar alterações em espaço de tempo pequeno. No entanto, o valor obtido para o domínio "Acesso a serviços" na avaliação interobservador pode indicar haver uma dificuldade de compreensão desse domínio pelos participantes do estudo.

Pesquisadores têm indicado a necessidade de realizar estudos, com amostra maior sobre quais fatores e sob quais condições podem promover a qualidade de vida relacionada à saúde em crianças e adolescentes com PC33. Pesquisadores têm indicado que fatores como acessibilidade, aspectos familiares34, o acesso à reabilitação e a disponibilidade de recursos de tecnologia assistiva35 podem interferir ou promover a percepção de qualidade de vida por indivíduos com deficiências. .

Uma vez que essas crianças têm necessidades e características bastante peculiares é indicado que a avaliação de qualidade de vida seja realizada por meio de instrumentos específicos. Morales36 em seu estudo salienta a necessidade de utilização de instrumento específico principalmente para avaliar o construto psicossocial, que proporcionaria contribuições mais evidentes sobre o impacto dos diferentes tipos PC na qualidade de vida.

Nessa perspectiva, a Organização Mundial da Saúde tem preconizado a tradução e adaptação cultural de instrumentos de avaliação existentes, pois facilita a comparação de dados de estudos realizados em diferentes países e a comunicação entre os pesquisadores37.

Assim, a versão brasileira do CP QOL-Child: questionário para cuidadores primários pode ser considerado um instrumento adequado, confiável e de fácil aplicação para avaliar qualidade de vida de crianças com paralisia cerebral por meio de relatos de cuidadores.

Ressalta-se a importância de finalizar o processo de validade do instrumento por meio da análise psicométrica do CP QOL-Child: autorrelato da criança, pois esse instrumento disponibilizará informações complementares importantes relativas à QV desses indivíduos.

 

AGRADECIMENTOS

A Elizabeth Waters e sua equipe pela autorização para tradução e análise das propriedades psicométricas do instrumento. Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro Processo nº 474184/2009-9.

 

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