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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.23 no.2 São Paulo  2013

 

ORIGINAL RESEARCH

 

Aspectos culturais para a oferta da chupeta às crianças

 

 

Elâine Cristina Vargas DadaltoI; Edinete Maria RosaII

IDoutoranda em Psicologia pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Mestre em Odontopediatria pela UFRJ e Professora de Odontopediatria da UFES
IIDoutora em Psicologia Social pela USP, Professora do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da UFES

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Um objeto ou fenômeno cultural expressa a experiência histórica de muitas gerações precedentes. O uso de chupetas pelas crianças tem gerado muitos debates do ponto de vista biológico, entretanto deve ser analisada também com profundidade a sua representação como um objeto social, produto da cultura.
OBJETIVO: verificar aspectos relacionados à apropriação da cultura nos trabalhos que analisaram hábitos de sucção de chupeta.
MÉTODO: Foram consultadas as bases de dados MEDLINE, LILACS, SciELO, Biblioteca Cochrane e Portal da CAPES, e selecionados artigos datados de 2002 a 2011.
RESULTADOS: Foram encontrados 26 trabalhos referentes ao hábito de sucção de chupeta, considerando os aspectos culturais. O uso de chupeta tem sido muito frequente, mesmo quando as mães receberam orientações prévias de profissionais para não ofertar a chupeta ao recém-nascido.
CONCLUSÃO: Os resultados dos trabalhos pesquisados ressaltaram o processo de apropriação da cultura quando é analisado o uso da chupeta pelas crianças.

 Palavras-chave: chupetas; cultura; hábitos; comportamento de sucção; criança.


 

 

INTRODUÇÃO  

A cultura é uma parte essencial da constituição de cada pessoa e de cada sociedade compondo uma complexa estrutura humana, produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social. A potencialidade para operações complexas já existe nos estágios mais precoces do desenvolvimento individual, entretanto, existem muitos sistemas psicológicos de transição, que "estão entre o biologicamente dado e o culturalmente adquirido". O uso de instrumentos e a fala humana, por si só, colocam a infância no centro da pré-história do desenvolvimento cultural. Assim, todas as funções do desenvolvimento aparecem primeiro no nível social e, depois, no individual1.

A relação entre sujeito psicológico e contexto cultural na teoria de Vygotsky não é um sistema estático ao qual o indivíduo se submete. Ao contrário, cada indivíduo é absolutamente único e, por meio de seus processos psicológicos, está em constante processo de recriação e reinterpretação de informações, conceitos e significados e recria sua própria cultura2.

O contexto cultural permite uma acumulação de informações que se refletem em crenças, práticas e rituais, variando desde a mera exposição de certos desempenhos até instruções formais dirigidas. "Entre outras coisas, a cultura dispensa o indivíduo de aprender por ensaio, tudo de novo, a cada geração, ao mesmo tempo em que permite a adição de novas aprendizagens decorrentes das experiências de cada um"3.

As aptidões e caracteres especificamente humanos são adquiridos no decorrer da vida por um processo de apropriação da cultura criada pelas gerações precedentes. No caso dos objetos, para sua apropriação é necessário desenvolver uma atividade que reproduza, pela sua forma, os traços essenciais da atividade. Um instrumento, por exemplo, é produto da cultura material, de forma determinada, que tem os traços característicos da criação humana e, assim, é ao mesmo tempo um objeto social4.

A apropriação da cultura é o processo mediador entre o processo histórico de formação do gênero humano e o processo de formação de cada indivíduo como um ser humano. No significado de um objeto ou fenômeno cultural está acumulada a experiência histórica de muitas gerações e durante essa história o objeto vai sofrendo transformações e aperfeiçoamento por exigência da atividade social. Ao se apropriar de um produto cultural, o indivíduo está se relacionando com a história social, uma vez que os produtos culturais são sínteses da atividade humana5.

A relação entre natureza humana e cultura permite o acúmulo de informações que se reflete em crenças e práticas. Os sistemas de crenças parentais, por estarem diretamente vinculados ao estilo de cuidado dispensado à criança, têm emergido como um campo de estudo relevante para a compreensão do desenvolvimento humano e base científica para projetos de promoção da saúde, da educação e na área social6.

O uso de chupeta pelas crianças é um tema que tem gerado muitos debates na literatura da área de saúde do ponto de vista biológico, entretanto deve ser analisada também com profundidade a sua representação como um objeto social, produto da cultura. Assim, o objetivo é verificar aspectos relacionados à apropriação da cultura sobre o hábito de sucção de chupeta em recém-nascidos e crianças.

 

MÉTODO

Para realizar o levantamento da produção científica disponibilizada em artigos, referentes ao uso de chupeta pelas crianças e verificar a abordagem de aspectos culturais, foram consultadas as bases de dados MEDLINE - Literatura Internacional em Ciências da Saúde, LILACS - Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde, SciELO - Scientific Eletronic Library Online, Biblioteca Cochrane e Portal de Periódicos da CAPES, considerando o período de 2002 a 2011.

Foram obtidos 505 registros de referências a partir do descritor pacifiers, entretanto, na análise dos respectivos resumos verificou-se que muitas pesquisas estavam relacionadas ao material de confecção da chupeta, desinfecção, aspectos biológicos específicos como relação com a redução da morte súbita do lactente, interferência no aleitamento materno, chupeta usada para alívio da dor em pequenos procedimentos cirúrgicos, entre outros. Como critério de inclusão para que a referência fosse selecionada era que o trabalho se enquadrasse na categoria de estudo do hábito de sucção de chupeta pelas crianças, indexado com os descritores pacifiers, culture, habits, sucking behavior e child, tendo sido selecionados 45 estudos. Esses artigos foram analisados individualmente para verificar a presença de aspectos relacionados à cultura.

 

RESULTADOS

A pesquisa da produção científica teve como resultado 26 artigos que apresentaram dados sobre aspectos culturais em trabalhos referentes ao hábito de sucção de chupeta, publicados no período de 2002 a 2011. Entre esses artigos, foram analisados trabalhos com metodologia quantitativa e abordagem qualitativa, tendo sido também incluídos artigos não específicos sobre uso de chupeta, mas que analisaram aspectos culturais relacionados a esse objeto. Esses trabalhos estão descritos nos tópicos a seguir e relacionados nas Tabelas 1 e 2.

Contexto histórico e atual do uso de chupeta

A precursora da chupeta moderna surgiu no século 19 e era uma espécie de rolha feita de chifre ou madeira com um bico de borracha adaptado, criada em substituição à tradição antiga de dar pequenas bolsas feitas de linho para a criança sugar. Essas bolsas eram preenchidas com mingau de aveia, farelo de pão ou açúcar e frequentemente embebidas em cerveja ou licor. Após a Segunda Guerra Mundial, a produção em massa provocou a expansão de produtos de plástico7. Atualmente as chupetas estão generalizadas e parece não ter limite para as variações: personalizada, específica para o gênero, que brilha no escuro ou com personagens de desenho animado, entre outras8. Na maioria dos casos, a compra tem sido feita pelas mães, nas farmácias, devido à facilidade de acesso pela proximidade de suas casas9.

O percentual elevado de uso pode estar relacionado à insistência dos familiares para que o bebê "pegue" a chupeta e sem a imposição de limites para o uso, origina-se o hábito, que pode levar a alterações funcionais que interferem no processo de crescimento e desenvolvimento facial10.

Para exemplificar a alta prevalência de uso de chupeta em culturas ocidentais, pode ser citado o trabalho de Cotrim, Venancio e Escuder11 (Estado de São Paulo - Brasil). Entre as 22.188 crianças de até quatro meses de idade avaliadas pelos autores, 61,3% haviam feito uso de chupeta nas últimas 24 horas. Çaglar e cols.12 consideraram a chupeta como muito popular na maioria dos países pesquisados (Brasil, México, Noruega, Suécia, Turquia e Estados Unidos), com exceção de Niigata, no Japão, cuja prevalência foi zero. Lindsten e Larsson13, comparando duas gerações de crianças suecas, observaram que o hábito de sucção de chupeta foi mais comum em crianças nascidas entre 1995 e 1997 (72%) do que entre aquelas nascidas em 1967 (55%).

Por outro lado, em uma comunidade indígena da Amazônia central brasileira, os índios Waimiri Atroari conservaram o seu modo de vida tradicional e se mantiveram livres de hábitos tais como fumo, uso de bebidas alcoólicas e uso de chupeta14. Da mesma forma, em uma pesquisa realizada nos Emirados Árabes, outras crenças e hábitos culturais determinaram o comportamento das mães para acalmar o lactente, e incluíram amamentação no peito, segurar e carregar o bebê, permitir que ele sugue o dedo, chá de ervas, mamadeira noturna, balançar o bebê, uso de faixas, dar banho e massagem. Cerca de 92% das mães preferiram não fazer uso de chupetas, cuja razão principal foi para permitir o desenvolvimento saudável dos dentes15.

Entre meninas iranianas a prevalência de uso de chupeta foi baixa e limitada aos dois primeiros anos de vida, quando comparadas com outras populações e culturas, entretanto a prevalência de sucção de dedo foi muito similar a outros estudos. Esses resultados sugerem que a etiologia da sucção de dedo permanece a mesma independente da diversidade cultural, enquanto que a diferença na prevalência de sucção de chupeta entre as populações e culturas requer investigação adicional sobre a etiologia deste hábito16.

A ritualização na oferta e remoção da chupeta

Geib17 discute sobre a influência cultural na biologia do sono como guia para as decisões parentais a respeito da posição e do método de dormir, da oferta de alimento e do compartilhamento ou não da cama. Dessas decisões emergem os hábitos de sono na infância, incluindo quantidade de sono, tempo de choro da criança, despertar da mãe, assim como uso de chupetas ou objetos.

Para facilitar o processo que gradualmente integra o indivíduo dentro da complexidade cultural, os adultos criam rituais de passagem para diferenciar as fases da vida, como a introdução de chupeta na primeira infância e o momento de sua retirada. Nos países nórdicos, a idade de três anos é considerada limite para a remoção da chupeta, porque a própria ideologia cultural demanda a respeito da autonomia da criança; é quando inicia a fase pré-escolar e começa a preocupação por ter ensinado um mau hábito do qual ela está dependente. O uso de chupeta, portanto, gera sentimentos de ambivalência e depende das concepções sobre infância criadas pela cultura. Os rituais criam fases de vida curtas e novas, para compensar a ambivalência, estabelecer novas relações e transferir a responsabilidade do âmbito individual para o coletivo7.

Para remoção de hábitos de sucção de dedo e/ou chupeta, os relatos mais frequentes nas famílias observadas por Martins e cols.18 (Mutum-MG) foram diálogo com a criança, troca por presente e conscientização sobre os efeitos do hábito. Métodos mais radicais como jogar a chupeta fora ou passar substância amarga no dedo ou na chupeta foram relatos menos frequentes. Uma porcentagem pequena de crianças interrompeu o hábito espontaneamente.

Aspectos culturais relativos às concepções e experiências prévias da mãe sobre o uso de chupeta

Quanto à intenção de primíparas em adquirir e utilizar a chupeta em seus recém-nascidos, Melo e cols.19 verificaram que 88,1% delas já tinham comprado ou ganhado este objeto e 60,8% responderam que iriam utilizá-lo, sendo que destas, 59,8% responderam que iriam iniciar o uso quando chegassem em casa e 8% dos bebês já estavam usando na maternidade.

Aliboni, Alfie e Pastrana20 observaram que os filhos cujos pais ou mães haviam usado chupeta na sua infância tiveram maior probabilidade de uso, estatisticamente significante; no caso dos pais, o risco do filho também apresentar o hábito foi 4,2 vezes maior e no caso do uso ter sido feito pelas mães o risco foi 5,25 vezes.

A chupeta foi o hábito mais prevalente, observado na pesquisa de Serra-Negra e cols.21, tanto entre as mães na sua infância (46,6%) quanto pelas crianças (65,4%), na atualidade. Em 78,9% dos casos de sucção de chupeta pelas mães houve coincidência, estatisticamente significante, com esse hábito pela criança. O risco da criança também usar chupeta foi 3,4 vezes maior do que para filhos de mães que não apresentaram esse hábito.

Na interação com o recém-nascido, a concepção prévia da mãe acerca da chupeta pode se modificar. Entre a resposta inicial se a mãe pretendia ou não oferecer a chupeta e o acompanhamento da amostra no trabalho de Pansy e cols.22, quando as mães já tinham introduzido ou não a chupeta, cerca de um terço delas mudaram de opinião com relação a este tema, tanto devido à rejeição do lactente quanto pela necessidade de acalmá-lo.

Caracterização cultural na decisão das mães sobre a oferta da chupeta

Para compreender e descrever os elementos que compõem a decisão materna de oferecer a chupeta à criança, um estudo baseado nos pressupostos da teoria das representações sociais foi conduzido por Sertório e Silva23 (São Paulo, Brasil). A questão norteadora das entrevistas foi: "O que a levou a dar a chupeta para o seu filho?" Os resultados apresentaram três ideias centrais: 1) a chupeta simboliza a criança; 2) A chupeta é um calmante para a criança e uma ajuda para a mãe; 3) O uso de chupeta é passado pelas gerações. As autoras concluíram que existe uma representação social sobre a chupeta que pode ser usada como explicação causal para o comportamento e para a ação das mães na oferta desse artefato, como uma antecipação de propiciar conforto à criança. A capacidade da mãe de apaziguar o filho é um elemento capaz de qualificá-la na sua identidade de mãe.

A chupeta é utilizada em alta frequência, mesmo em população orientada para evitar o seu uso, como entre recém-nascidos em um hospital reconhecido como Hospital Amigo da Criança. Neste a recomendação é para que as mães não introduzam chupetas e mamadeiras para os recém-nascidos, pois estes correm um risco maior de desmamar antes dos seis meses e, assim, não receber os benefícios do aleitamento materno, em comparação àqueles que não utilizam esses bicos artificiais. Em uma população com essas características, o uso da chupeta foi pelo menos tentado em 87,8% das crianças ao longo do primeiro mês de vida e 61,6% a usavam com um mês24.

No trabalho de Pinto e cols.25 (Recife-PE, Brasil), que consistiu de um estudo piloto em que entrevistaram 40 mães de crianças de zero a quatro anos de idade, 82% daquelas que relataram que o uso da chupeta é prejudicial à saúde e aos dentes permitiam que seus filhos a usassem.

Apesar das mães terem recebido orientações durante o período gestacional para não oferecer a chupeta a seus filhos, 55% dos lactentes entre dois e sete meses de idade estavam usando chupeta, quando da visita domiciliar realizada para o trabalho de Simioni, Comiotto e Rêgo26. Ainda segundo esses autores, o motivo principal foi a supressão do choro, uma vez que a criança se acalma. Uma das mães falou que não queria dar chupeta devido às instruções da palestra, mas o filho estava usando devido à insistência do pai. "Dei porque o pai falou que quando ela tivesse maior e chorando em casa doente aí já tinha a chupeta como consolo. Ele ficava falando."

A pesquisa de Santos Neto e cols.27 (Vitória-ES, Brasil) sobre fatores associados ao surgimento da respiração bucal foi realizada em acompanhamento à visita domiciliar do agente comunitário de saúde nas residências de mães com recém-nascidos, em intervalos trimestrais e semestrais. Nestas visitas, as mães foram habitualmente orientadas com relação aos cuidados com o recém-nascido inclusive sobre hábitos de sucção. Mesmo assim, a prevalência do hábito de sucção de chupeta ficou entre 30 e 50% nos dois primeiros anos de vida.

Os resultados de Marques, Cotta e Araújo28 (Cajuri-MG, Brasil) sugerem que as mães foram orientadas sobre a inadequação da chupeta, porque afirmam que não é bom dar este objeto à criança, mas elas optaram pela sua utilização por permitir-lhes a realização de outras atividades e por acalmar e entreter a criança. A representação social identificada foi que "a chupeta é uma ajuda para a mãe". Uma observação durante a pesquisa de campo se refere à frustração das mães que tentaram introduzir a chupeta e a criança não pegou, considerando que "perderam uma ajuda" importante no cuidado com o lactente.

Em um contexto de abordagem hospitalar de puérperas sobre os primeiros cuidados com recém-nascidos de risco, uma das entrevistadas na pesquisa de Iserhard e cols.29 disse que não concorda com a recomendação profissional do não-uso da chupeta e que ela vai dar a chupeta para o filho em casa, porque a criança fica mais calma, pensamento decorrente de sua vivência anterior com outro filho e como professora de educação infantil.

No estudo de Fófano e cols.30 61,6% das mães relataram ter recebido alguma orientação profissional sobre os malefícios do uso de chupeta, e mesmo assim não houve relação estatisticamente significante com a oferta ou não da chupeta. Vale ressaltar que a prevalência de uso de chupeta neste estudo foi alta (85,8%).

Influência da cultura na orientação dos profissionais de saúde sobre a oferta da chupeta

A influência da cultura também pode ser observada entre profissionais da área de saúde. Um estudo realizado com profissionais, mães de crianças menores de 5 anos de idade, que trabalham no Programa de Saúde da Família (Recife-PE, Brasil), demonstrou que suas dificuldades em manter o aleitamento materno exclusivo e a prática frequente da introdução de bicos artificiais, inclusive chupeta, são comparadas com a realidade nacional, apesar de ser um grupo de mulheres responsáveis pelo aconselhamento junto à comunidade31.

A oferta da chupeta é motivo de controvérsia entre os profissionais de saúde, que podem recomendar ou desaconselhar seu uso com base em experiências pessoais e nem sempre em evidência científica, o que tem levado algumas instituições representativas de profissionais de saúde a elaborar recomendações sobre uso de chupeta, inclusive com a análise de que é necessário compreender melhor o papel das chupetas na sua provável interferência do ponto de vista biológico, assim como também estudar as diferenças de seu efeito nas diversas culturas32.

Avaliando as respostas de profissionais de saúde da Inglaterra sobre o uso de chupeta, Whitmarsh8 observou que 55% dos profissionais baseavam sua prática em percepções que poderiam ter sido influenciadas culturalmente, socialmente ou pela mídia, o que sugere um discurso relativo ao uso de chupeta, que se difunde via mídia. O discurso dos especialistas tem sido privilegiado e criado um regime de "verdade", uma vez que nas pesquisas os pontos de vista dos pais não têm sido considerados como válidos, omitindo-se os participantes principais do sistema. A autora concluiu com um desafio para se encontrar uma percepção alternativa de uso de chupeta que possa ser inserida no contexto dos primeiros anos.

Assim, a chupeta como objeto cultural e sua oferta pelos adultos e uso pelas crianças como fenômeno cultural sofreu transformações e aperfeiçoamentos ao longo dos séculos, a partir das tradições antigas de dar artefatos feitos em tecido para o lactente sugar. O uso de chupeta tem sido muito frequente em países ocidentais9,11-13 e relatado pelas mães como um costume que "toda criança tem"21 e que "a chupeta simboliza a criança e seu uso é passado pelas gerações"23, associado à representação social de que a chupeta é um "calmante para a criança"23,29 e uma "ajuda para a mãe"23,28. Muitas mães compram ou ganham este objeto antes mesmo de irem para a maternidade19. O objetivo das mães é acalmar o filho, com a convicção de que a não oferta da chupeta é sinônimo de falta de cuidado e amor30.

Os resultados dos trabalhos pesquisados ressaltaram o processo de apropriação da cultura criada pelas gerações precedentes quando se analisa o uso da chupeta pelas crianças7-13,17-31, bem como a influência de outros hábitos culturais quando esse objeto não é utilizado, fato observado em uma comunidade indígena da Amazônia14, e nos Emirados Árabes15.

Algumas pesquisas têm demonstrado que apesar das mães terem recebido orientação de profissionais para não ofertar a chupeta ao recém-nascido, pela interferência no aleitamento materno, sua utilização é bastante frequente24,26,29,30. Lindsten e Larsson13 discutem que atualmente as mães da Suécia estão bem informadas sobre aleitamento materno, mas a vida moderna torna difícil para a mulher seguir a tradicional forma de criar os filhos, carregando-os o tempo todo e permitindo-lhes a oportunidade de mamar o quanto quiserem.

Dessa forma, observa-se que a simples transmissão de informações como método educativo não consegue por si só modificar padrões de comportamento e hábitos que têm fundo cultural e já estão enraizados nos costumes da população. A atividade educativa deve partir da captação dos valores dos sujeitos e buscar, a partir daí, a adequação das ações, com o objetivo de motivar os indivíduos a agir, respeitando suas particularidades26. Em um sentido mais amplo, a promoção de comportamentos saudáveis a partir da atividade educativa constitui um dos alvos da área de saúde pública para melhorar a saúde e a qualidade de vida das pessoas33.

As mães e familiares devem ser alertados sobre a necessidade de estabelecer primeiro o aleitamento materno e observar se o lactente terá necessidade extra de sucção, como nos casos de sucção de língua ou de dedos, por exemplo. Antes de ofertar a chupeta, os responsáveis devem verificar se o choro está relacionado à necessidade de sucção ou a outras causas. Se a família optar pela introdução da chupeta deve ser esclarecido sobre a necessidade de impor limite para seu uso, especialmente devido às consequências para a arcada dentária e funções bucais como respiração, deglutição e fonação.

 

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