SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.24 issue1Growth parameters of Sri Lankan children during infancy: a comparison with World Health Organization multicentre growth reference studyChaotic global parameters correlation with heart rate variability in obese children author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.24 no.1 São Paulo  2014

 

ORIGINAL RESEARCH

 

Perfil alimentar e nutricional de lactentes atendidos em unidade básica de saúde no Rio Grande do Norte

 

 

Amanda de Conceição Leão MendesI; Dayanna Joyce Marques QueirozII; Andressa Názara Lucena MeloII; Thaiz Mattos SureiraIII; Nila Patrícia Freire PequenoIV

IEspecialista em Saúde Materno-infantil pelo programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Materno-Infantil, Hospital Universitário Ana Bezerra, Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Brasil, Nutricionista graduada pela Universidade Federal do Pará (UFPA)
IINutricionista, Residência Integrada Multiprofissional em Saúde Materno-Infantil, Hospital Universitário Ana Bezerra, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
IIIProfessora do Curso de Nutrição, Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi/ FACISA, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
IVProfessora do Departamento de Nutrição, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil

 

 


RESUMO

OBJETIVOS: Verificar o perfil de aleitamento materno, introdução de alimentos, hábitos alimentares, estado nutricional de lactentes e relacionar o tempo de aleitamento materno exclusivo (AME) e anemia materna.
MÉTODO: Estudo transversal com 22 lactentes de 6 a 24 meses. As mães responderam a um questionário semiestruturado e o lactente foi submetido à avaliação antropométrica. A análise estatística foi realizada por meio do teste Qui-quadrado, considerando-se o nível de significância p < 0,05.
RESULTADOS: 22,73% apresentaram excesso de peso, o tempo médio de (AME) foi de 123,2 dias (DP ± 68,9 dias), 63,63% por tempo inferior a 6 meses. A duração do AME foi associada significativamente ao sexo feminino (p = 0,042) e ao número de consultas de pré-natal (p = 0,002), 36,4% das mães apresentaram anemia na gestação, que foi associada ao saneamento básico (p = 0,03) e ao número de consultas de pré-natal (p = 0.002). Os alimentos mais frequentes introduzidos antes dos seis meses foram respectivamente, suco de frutas (27,3%), açúcar (21%), fruta (13,63%), arroz ou macarrão (9%), carne ou frango ou ovo (5,3%) verduras e legumes (5%) e feijão (4,8%).
CONCLUSÃO: A prática do AME apresenta-se baixa, o crescente aumento da introdução precoce de alimentos mostra-se preocupante, sendo fundamental a criação de estratégias de incentivo e apoio a amamentação, assim como a prevenção de excesso de peso nessa faixa etária.

Palavras-chave: aleitamento materno, nutrição do lactente, estado nutricional.


 

 

INTRODUÇÃO

Os dois primeiros anos de vida da criança são caracterizados por crescimento acelerado e importantes aquisições no processo de desenvolvimento, representando um período crítico de vulnerabilidade aos agravos sociais, econômicos e ambientais. Deficiências nutricionais ou condutas inadequadas quanto à prática alimentar nessa fase podem influenciar os riscos de morbimortalidade, o crescimento e o desenvolvimento infantis1.

A Organização Mundial de Saúde (OMS)2 recomenda o aleitamento Materno Exclusivo (AME) até os seis meses de idade, sem nenhuma complementação de líquidos ou outros alimentos, pois o leite materno (LM) contém todos os nutrientes essenciais para a criança, contribuindo com o seu pleno desenvolvimento e crescimento. Somando-se a isso, a imunidade proporcionada pelo leite materno é imprescindível ao recém-nascido (RN) protegendo-o de diversas doenças e infecções.

Após o sexto mês de vida o aleitamento materno deve ser complementado com outras fontes alimentares, porque apenas o leite materno não é suficiente para suprir as necessidades nutricionais da criança, sendo ofertado até 2 anos ou mais de idade2.

A partir dos seis meses de idade a maioria das crianças atinge um estágio de desenvolvimento neurológico (mastigação, deglutição, digestão e excreção) que as habilitam a receber outros alimentos que não o leite materno. Assim, tanto a introdução precoce como tardia do alimento complementar, acarreta repercussões negativas à saúde da criança3.

O período entre 6 e 24 meses de idade é considerado crítico para a promoção de uma nutrição adequada, uma vez que nessa fase há maior prevalência de desnutrição e deficiências de determinados micronutrientes4. A introdução da alimentação complementar é de elevado risco para o lactente, tanto pela grande possibilidade de oferta de alimentos inadequados, quanto pelo risco de desmame total. Portanto, esta introdução deve ser gradual, fornecendo alimentos ricos em energia e micronutrientes3.

Entre as crianças brasileiras, tem sido observado padrão alimentar caracterizado pela substituição precoce do leite humano pelo leite de vaca e, ainda, pela adição de outros alimentos com baixa biodisponibilidade de ferro5.

Dessa forma, o objetivo deste estudo é verificar o perfil de aleitamento materno, introdução de alimentos, hábitos alimentares, estado nutricional de lactentes e relacionar o tempo de aleitamento materno exclusivo (AME) e anemia materna.

 

MÉTODO

Estudo descritivo e de caráter transversal, no qual a amostra é do tipo não probabilística. Foram incluídos no estudo lactentes de 6 a 24 meses de idade de ambos os sexos que nasceram a termo ( 37 semanas gestacionais); com peso ao nascer 2.500 gramas; sem síndromes e anomalias congênitas; nascidos de parto único; idade materna 20 anos e responsáveis residentes na cidade de Santa Cruz-RN. Foram utilizados como critérios de exclusão: lactentes menores de 6 meses ou maiores de 24 meses; pré-termos (< 37 semanas gestacionais); baixo peso ao nascer (< 2.500 g); portadores de síndromes e anomalias congênitas; nascidos de partos gemelares ou idade materna < 20 anos.

A coleta de dados foi realizada em uma Unidade Básica de Saúde na cidade de Santa Cruz. A média de atendimento mensal na consulta de Crescimento e Desenvolvimento (CD) desta unidade era de 40 lactentes, enquadraram-se dentro dos critérios de inclusão 22 lactentes de 6 a 24 meses de idade. O período de coleta compreendeu o mês de dezembro de 2012. Inicialmente as mães responsáveis foram abordadas e receberam informações detalhadas do estudo, enfatizando-se os objetivos, metodologia e possíveis riscos envolvidos e posteriormente assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Após a obtenção do TCLE as mães responderam a um questionário semiestruturado com perguntas referentes a nível socioeconômico e ambiental, histórico da gestação, morbidades e suplementação de ferro na gestação e no pós-parto, assim como questões referentes ao aleitamento materno, introdução e consumo alimentar. Posteriormente o lactente foi submetido à avaliação antropométrica, com aferição de peso, comprimento e perímetro cefálico.

Os dados do lactente referentes ao nascimento como peso, comprimento, perímetro cefálico e APGAR foram coletados por meio dos cartões de vacina da criança. Para a avaliação de peso, comprimento e perímetro cefálico foram utilizados balança digital pediátrica, infantômetro e fita métrica inelástica, respectivamente.

O peso e o comprimento dos lactentes foram avaliados segundo a relação Peso/idade (P/I), Comprimento/idade (C/I), Peso/Comprimento (P/C) e Índice de Massa Corpórea /Idade (IMC/I) e analisados segundo a classificação de escore Z da OMS por meio do programa ANTRHO (2007)6.

Os dados foram analisados utilizando-se o programa estatístico Epi Info versão 3.5.27. As análises estatísticas foram realizadas por meio do teste Qui-quadrado considerando-se o nível de significância estatística de p < 0,05.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos do Hospital Universitário Onofre Lopes (HUOL) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (processo nº 59134/2012 e 201.409/2013).

 

RESULTADOS

A amostra foi composta por 22 lactentes, o sexo masculino mostrou-se mais frequente com 59% (n: 13). A tabela 1 refere-se às características ao nascimento e atuais da criança onde a média de idade encontrada foi de 13,8 meses (DP ± 5,1 meses) com mínimo de 6 e máximo de 24 meses.

Em relação ao estado nutricional (tabela 2) segundo os parâmetros Peso/Comprimento (P/C), Peso/idade (P/I) e IMC/idade (IMC/I) observou-se respectivamente, 18,18% de sobrepeso, 9% de excesso de peso e 9,1 % de obesidade. Considerando-se os valores de sobrepeso e obesidade de acordo com o IMC/I tem-se 22,73% de crianças com excesso de peso.

No que diz respeito ao aleitamento materno, nenhuma criança estava em Aleitamento Materno Exclusivo (AME), 63,63% (n:14) apresentavam-se em aleitamento materno misto. O tempo médio de AME foi de 123,2 dias (DP ± 68,9 dias) com mediana de 150 dias e máximo de 240 e mínimo de 2 dias. Observou-se maior frequência para 180 dias 31,8% (n:7), no entanto, quando distribui-se o tempo em menor que 180 e maior ou igual a 180 dias, verifica-se maior frequência para o período menor que 180 dias de AME com 63,63% (n:14) dos lactentes.

A tabela 3 traz a associação das características maternas, socioeconômicas, ambientais, de pré-natal e sexo do lactente com o tempo de AME. Verificou-se relação significativa somente para o sexo (p = 0,042) e para o número de consultas pré-natal (p = 0,002).

No tocante às características maternas, a média de idade foi de 26,5 anos (DP ± 6 anos), com máximo de 46 e mínimo de 20 anos. Verificou-se que 45,5 % (n: 10) eram casadas, 36,4 % (n:8) tinham o ensino médio incompleto, 59, 1% (n: 13) residiam com até 3 moradores incluindo o lactente, 63,6% (n:14) moravam em casa própria, 77, 3 % (n:17) referiram renda de até 1 salário mínimo (Tabela 3), 72,72% (n:16) recebiam auxilio de programas de transferência de renda do governo Federal, destas 100% recebiam bolsa família. Quanto ao saneamento básico (Tabela 4) 77,3% (n:17) afirmaram possuir.

Em relação ao pré-natal e dados obstétricos, 54,54% (n: 12) eram primíparas, 100% (n:22) referiram realização de pré-natal, sendo a média de consultas de 8,5 (DP ± 3,1), o tipo de parto apresentou-se homogêneo 50% (n:11) normal e 50% (n:11) cesárea.

Quando perguntado sobre diagnóstico de anemia durante a gestação 63,6% (n:14) negaram e 36,4% (n:8) referiram anemia neste período (Tabela 4), 100% (n:22) relataram suplementação de ferro e ácido fólico durante a gestação e 59% (n: 13) referiram suplementação de ferro no pós-parto.

A tabela 4 relaciona algumas características socioeconômicas, ambientais e de pré-natal com o diagnóstico de anemia durante a gestação. Observou-se associação significativa para as variáveis presença de saneamento básico (p = 0,03) e número de consultas de pré-natal 6 (p = 0,002).

Quanto à introdução de outro tipo de leite, todas as crianças avaliadas tiveram contato com leite não materno. No momento da avaliação 77,27% (n: 17) usavam leite de vaca na sua forma em pó ou fluida, 18,18% (n:4) ingeriam fórmulas artificiais e 4,5% (n:1) leite de cabra. A idade média de introdução de outro tipo de leite foi de 149,2 dias (DP ± 90,5 dias). A introdução da fórmula artificial se deu em média com 91,8 dias (DP±70,7 dias), quanto ao leite de vaca na sua forma fluida a média compreendeu 193,8 dias (DP±88,9 dias) e quanto ao leite de vaca em pó a média de introdução foi de 130 dias (DP ± 62 dias) e o leite de cabra foi ofertado somente para 1 criança aos 3 dias de vida.

Em relação à alimentação complementar no momento da entrevista, 100% (n:22) ingeriam suco de frutas, fruta e arroz ou macarrão, 86,36% (n:19) consumiam carne ou frango ou ovo como parte do cardápio e utilizavam açúcar nas preparações, 91% (n:20), 95,45% (n:21) e 95,45% (n:21) consumiam verduras/legumes, feijão e guloseimas, respectivamente. As frequências de consumo alimentar relatadas pelas mães estão expressas na figura 1.

 

 

Os alimentos mais frequentes introduzidos antes dos seis meses depois do leite não materno foram, respectivamente o suco de frutas, com idade média de 178,6 dias (DP ± 55,9 dias) 27,3% (n:6/22); o açúcar com média de introdução de 205,3 dias (DP ± 75,7 dias) 21% (n:4/19); a fruta com introdução média de 190,2 dias (DP±47,7 dias) 13,63% (n: 3/22); o arroz ou macarrão com média de 218,2 dias (DP ± 51,7 dias) 9% (n:2/22); as proteínas como carne, frango e ovo com idade média de 233,7 dias (DP ± 74,6 dias) 5,3% (n:1/19); as verduras e legumes com média de 207 dias (DP±51,4 dias) 5% (n:1/20) e por fim o feijão com idade média de introdução de 220 dias (DP ± 54,8 dias) 4,8% (n:1/21).

Já quanto à introdução de guloseimas como biscoitos, refrigerantes, pastel, pipoca, salsicha, entre outros, nenhuma criança entrou em contato antes dos seis meses, a média geral de idade foi de 254,3 dias (DP ± 70,8 dias) com máximo e mínimo de 360 e 180 dias, respectivamente.

 

DISCUSSÃO

O excesso de peso vem afetando crianças cada vez mais jovens, tornando-se ainda mais grave enquanto problema de saúde pública8. Neste estudo o percentual de risco de sobrepeso, sobrepeso e obesidade mostrou-se alto, evidenciando uma transição nutricional entre os lactentes, onde há um aumento da frequência de casos de sobrepeso/obesidade e diminuição de casos de desnutrição.

Resultados semelhantes quanto ao excesso de peso foram encontrados no estudo de Souza e Farias9 com crianças de escolas públicas no Rio Branco - Ac, 17,6 % apresentaram sobrepeso, sendo 17,3 % entre o sexo masculino e 17,8 % para o feminino. Orlonski et al.,10 avaliaram 335 escolares em uma unidade de ensino integral e também constataram excesso de peso em 27,8 % das crianças. Outro estudo realizado com 3957 crianças de 1 mês a 5 anos de idade, recrutadas no dia nacional de vacinação também apresentou prevalência de excesso de peso com 9,8% das crianças com este diagnóstico11.

Esses resultados mostram um aumento alarmante do excesso de peso nas últimas décadas entre a população infantil. Barros et al.,12 afirmam que em 1974 o excesso de peso entre a faixa etária pediátrica apresentava valores de 4,9% aumentando para 14% nos anos de 1996-97, fato considerado preocupante para a saúde pública visto que crianças obesas podem se tornar adultos obesos, acarretando várias doenças não só na infância como na fase adulta.

A maioria das crianças avaliadas estava em aleitamento materno, condizente com a pesquisa de Vieira et al., 13 com 2319 lactentes menores de 12 meses avaliados durante o dia nacional de vacinação onde foi encontrada uma frequência de 69,2% das crianças menores de 1 ano em aleitamento materno. Outra pesquisa encontrou resultados menores (50%) das crianças avaliadas de 6 a 24 meses atendidas pelo programa de saúde da família em Acrelândia- Acre apresentavam-se em aleitamento materno¹.

Dados relativos à II pesquisa de aleitamento materno nas capitais brasileiras e Distrito Federal foram apresentados por Venancio et al.,14, onde crianças menores de 12 meses fizeram parte do estudo durante a campanha de multivacinação, totalizando 34.366 crianças, verificou-se 58,7% de prevalência de aleitamento materno entre os lactentes de 9 a 12 meses entre as capitais e o Distrito Federal. Quanto às regiões, a região norte apresentou o melhor resultado com 76,9% de aleitamento materno, a região sul apresentou a pior situação com 49,5%, já a região nordeste ficou com 59,1% apresentando melhor resultado do que a região sudeste com 51,4%. Outro estudo realizado por Wenzel et al15 com uma amostra de 2958 crianças de zero a 1 ano de idade nas regiões brasileiras, encontraram que 58% das crianças com até 6 meses eram amamentadas. A região que apresentou maior frequência de aleitamento materno em lactentes com até 6 meses foi a norte com 63% e a pior foi a sudeste com 51%, já para aquelas crianças com mais de 6 meses a frequência geral de aleitamento materno foi de 35 % e entre as regiões, a norte ficou com 44% e a centro-oeste com 28%, representando o melhor e o pior resultado, respectivamente.

O tempo de duração médio e mediana do AME e o percentual de AME até 180 dias reafirmam as características brasileiras de desmame precoce5. Esses dados corroboram com outros estudos, entre as regiões brasileiras todas ficaram com números menores que 50%, com a maior prevalência para a região norte com 45,9% e a região nordeste com a menor prevalência com 37%14. Simon et al.,16 avaliaram as práticas de aleitamento materno em crianças de escolas particulares no município de São Paulo e encontraram que somente 21,4 % das crianças mamaram exclusivamente até os seis meses de idade.

No entanto, o valor médio e mediano de AME encontrado neste estudo mostrou-se maior do que em outros estudos. Entre as capitais brasileiras e Distrito Federal o valor mediano é de 54,1 dias14, outro estudo encontrou mediana de 90 dias17.

Estes resultados mostram-se distantes do recomendado pela OMS2, havendo necessidade de uma estratégia adequada para o fortalecimento da prática do aleitamento materno na população estudada.

A associação significativa (p=0,042) do sexo feminino com o menor tempo de AME mostrou-se diferente dos resultados encontrados por Victora et al.,18 em Pelotas, onde crianças do sexo feminino receberam aleitamento materno por maior tempo. Caminha et al19 também consideraram o sexo feminino como fator protetor para o aleitamento materno exclusivo.

Estes autores sugerem que possivelmente as mães e/ou trabalhadores de saúde acreditam que os meninos possam necessitar de maiores aportes nutricionais e, desta forma devam receber alimentos complementares primeiro do que as meninas, contribuindo para o fator protetor do sexo feminino19, no entanto, isto não foi observado neste estudo. Estes achados requerem maiores investigações.

A associação significativa (p=0,002) do menor tempo de AME com o número de consultas de pré-natal 6 também mostrou divergência com outros estudos, pois acredita-se que o número maior ou igual a 6 consultas de pré-natal seja facilitador do AME. Alguns estudos encontraram que mulheres que realizaram menos de cinco consultas amamentaram por menos tempo os seus filhos, enquanto que as que tiveram um número maior de consultas também aumentaram o tempo de duração do AME20-21.

O estudo de Chaves et al.,20 também encontrou dados divergentes na sua pesquisa, onde o menor tempo de aleitamento materno foi relacionado ao número de consultas menor que 5 e maior que 9 consultas comparados as mulheres que realizaram entre 5 e 9 consultas. Estes dados quanto à associação entre maior número de consultas de pré-natal e menor tempo de aleitamento materno não conseguem ser explicados de forma satisfatória. No entanto, pode-se especular sobre um maior grau de ansiedade e insegurança nessas mulheres ou até mesmo uma deficiência de informações durante o pré-natal, para tanto é necessário maior estudo desse grupo de pacientes.

Sabe-se que a escolaridade materna e a renda familiar apresentam-se como determinantes nos estudos epidemiológicos. No entanto, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas (p = 0,34) e (p = 0,61), respectivamente com o tempo de aleitamento materno exclusivo.

O diagnóstico de anemia apresentado na gravidez foi menor do que o apresentado em gestantes da região semi-árida de Alagoas, onde 50% delas apresentavam anemia e somente 17,6% faziam uso de suplementação de ferro22 diferente deste estudo em que todas as mães relataram uso de suplementação de ferro e ácido fólico durante o pré-natal, fato este que pode ter contribuído para o menor número de casos de anemia. Este número expressivo de uso do suplemento de ferro está de acordo com o que o Ministério da Saúde 23 recomenda, onde o uso de suplementação de ferro é incentivado a partir da 20a semana até o final da gestação. Vale ressaltar as diferenças metodológicas dos estudos, este estudo não realizou análises hematológicas, somente foi relatado pela mãe o diagnóstico.

A associação significativa (p = 0,03) do não desenvolvimento de anemia com o maior saneamento básico e com o número de consultas de pré-natal 6 (p = 0,002) consolida a ideia de que o saneamento básico adequado somado a um número de consultas de pré-natal satisfatória com possibilidades de acesso a informação e a suplementação adequada aparecem como fatores protetores para o desenvolvimento de anemia. Pois condições de saneamento precárias são agravantes para o desenvolvimento dessa patologia, assim como, o número reduzido de consultas pré-natal que implicam possivelmente em não diagnóstico da patologia e consequente não tratamento o que proporciona aumento do número de casos e complicações maternas e fetais.

Vitolo et al.,24 não encontraram associação significativa quanto ao número de consultas de pré-natal e anemia. Em contrapartida encontraram associações significativas para escolaridade, renda e número de moradores no domicilio, diferentemente do que foi encontrado neste estudo, onde estas variáveis não apresentaram relação significativa (p 0,05).

No que diz respeito à introdução de leite não materno, os lactentes avaliados apresentaram características de introdução precoce, a média geral de introdução foi muito abaixo do que a recomendada pelo Ministério da Saúde25 que orienta a introdução de leite de vaca no mínimo com 360 dias e para as fórmulas artificiais somente em casos especiais em que haja a impossibilidade de aleitamento materno e com avaliação expressa de médico ou nutricionista. Nenhum outro alimento ou leite industrializado modificado é capaz de oferecer ao lactente todos os nutrientes do leite materno26.

Apesar de conhecida a importância do aleitamento materno os índices de frequência e duração do aleitamento materno vêm contrariando a eficácia dos esforços de inúmeros programas oficiais e não governamentais, de incentivo ao aleitamento materno em todo o país 26. Somando-se a isso, além do leite não materno observou-se a introdução precoce de todos os alimentos pesquisados, fato verificado neste estudo e em outros 27-28.

Dados do estudo de Torigoe et a.l,29 apontaram que lactentes acompanhados em ambulatório de nutrição na cidade de São Paulo em sua primeira consulta apresentaram introdução de alguns alimentos inadequados antes do primeiro ano de vida como o açúcar de adição 22,2% e o queijo petit suisse 11,1 %.

A ingestão de outros alimentos além do leite materno antes dos 6 meses de idade é considerada desnecessária e pode intervir negativamente na formação dos hábitos alimentares, trazer risco para o trato digestivo, para as vias respiratórias e para a função renal, assim como contribuir para a superalimentação, proporcionando aumento de sobrepeso e obesidade17.

A introdução precoce de alimentos complementares aumenta a morbimortalidade infantil devido a uma menor ingestão dos fatores de proteção presentes no leite materno, tornando a criança mais vulnerável a doenças infecciosas e a desnutrição, além de interferir na absorção de nutrientes importantes do leite materno, como o ferro e o zinco, e favorecer o risco de alergia alimentar29.

Somente a partir do sexto mês de vida a criança já tem desenvolvidos os reflexos necessários para a deglutição, como o reflexo lingual, já manifesta excitação à visão do alimento, já sustenta a cabeça, facilitando a alimentação oferecida por colher, e tem-se o início da erupção dos primeiros dentes, o que facilita na mastigação30.

Em contrapartida constatou-se que no momento da entrevista ainda não tinha sido introduzido na alimentação de algumas crianças carne ou frango ou ovo, verduras/legumes e feijão. Fato encontrado também no estudo de Garcia et al.,¹ onde 29,6% das crianças de 6 a 8 meses ainda não recebiam nenhuma refeição de sal e 20% dessas crianças recebiam apenas líquidos. No estudo de Brunken et al.,28 uma parcela das crianças pesquisadas também não ingeriam frutas aos 12 meses e aos 8 meses tinham crianças que não ingeriam carne, feijão e sopa, em outra pesquisa17 houve atraso no oferecimento de frutas, legumes e ovos para algumas crianças.

Quanto à frequência consumida dos alimentos pesquisados, vale ressaltar que não foram analisados em termos quantitativos, mas apenas em termos qualitativos, verificando-se o número de vezes que o alimento estava presente no cardápio durante o dia e constatou-se a frequência de consumo de alguns alimentos como verduras/legumes, proteínas (carne, frango) e arroz ou macarrão abaixo do recomendado para a maioria das crianças avaliadas, onde espera-se que estes alimentos estejam presentes pelo menos duas vezes durante o dia25.

Especula-se que a introdução tardia e o baixo consumo de alguns alimentos estão permeados de medos, dúvidas e informações contraditórias, constituindo fatores culturais, crenças e tabus que comprometem a alimentação da criança. É importante salientar que da mesma forma, que a alimentação complementar precoce é prejudicial, a introdução tardia de alimentos complementares e o seu baixo consumo não são desejáveis, uma vez que podem causar deficiências nutricionais, consequentemente com desaceleração do crescimento e diminuição da imunidade da criança30.

Constatou-se com este estudo que mesmo diante de campanhas nacionais que visam à promoção e o incentivo à amamentação exclusiva até os seis meses e complementada até os dois anos de idade, esta prática ainda apresenta-se baixa, apesar de ter alcançado valores superiores quando comparadas a algumas cidades brasileiras e distrito federal. O crescente aumento da introdução precoce de alimentos mostra-se preocupante e pode ter contribuído para o excesso de peso e risco de sobrepeso encontrado entre os lactentes avaliados.

 

REFERÊNCIAS

1. Garcia MT, Granado FS, Cardoso MA. Complementary feeding and nutritional status of 6-24-month-old children in Acrelândia, Acre State, Western Brazilian Amazon. Cad Saúde Pública. 2011 Feb; 27(2):305-16.         [ Links ]

2. World Health Organization. Indicators for assessing infant and young child feeding practices: conclusions of a consensus meeting held 6 - 8 November 2007. Washington, D. C., p.1-3. 2008.         [ Links ]

3. Cancelier ACL, Lemos TC, Bonfante TM, Faverzani RM, Carvalho VD. Situação alimentar de crianças entre zero e dois anos atendidas em Programa de Saúde da Família no sul do estado de Santa Catarina. Arquivos Catarinenses de Medicina Vol. 38, n.1. 2009; 1806-4280.         [ Links ]

4. Giugliani, ERJ, VICTORA CG. Alimentação Complementar. J. Pediatr., Rio de Janeiro. v.76, supl. 3, p. 253-262, 2000.         [ Links ]

5. Oliveira AS, Silva RCR, Fiaccone RL, Pinto EJ, Assis AMO. Effect of length of exclusive breastfeeding and mixed feeding on hemoglobin levels in the first six months of life: a follow-up study. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro. 2010 Feb; 26(2):409-417.         [ Links ]

6. World Health Organization (WHO). Anthro for personal computeres, version 2, 2007: software for assessing growth and development of the word's children. Geneva; 2007. Available at: http://www.who.int/childgrowth/software/en/. Accessed in August 2012.         [ Links ]

7. Software Epi info versão 3.5.2 de 2010. Available at: <http://wwwn.cdc.gov/epiinfo/html/downloads.htm>. Accessed in Feb. 2011.         [ Links ]

8. Nascimento VG, Salvador EP, Silva JPC, Bertoli CJ, Blake MT, Leone C. Overweight in preschool children: analysis of a possible intervention. Journal of. Human Growth and Development. 2012; 22(1): 11-16.         [ Links ]

9. Souza OF, Farias ES. Underweight and overweight in school children from Rio Branco, Acre state, Brazil. Journal of Human Growth and Development. 2011; 21(3): 878-882.         [ Links ]

10. Orlonski S, Dellagrana RA, Rech CR, Araújo EDS. Nutricional status and associated factors of low stature in children attended by a regular school of integral time. Journal of Human Growth and Development. 2009; 19(1): 54-62.         [ Links ]

11. Vitolo MR, Gama CM, Bortolini GA, Campagnolo PD, Drachler ML. Some risk factors associated with overweight, stunting and wasting among children under 5 years old. J Pediatr (Rio J). 2008; 84(3):251-257.         [ Links ]

12. Barros VO, Silva ML, Gonçalves CC, Tavares JS, Silva ME, Guedes ATL, Monteiro, APC. Perfil alimentar de crianças com excesso de peso atendidas em unidades básicas de saúde da família em Campina Grande-PB. Alim. Nutr., Araraquara, v. 22, n. 2, p. 239-24. 2011; 2179-4448.         [ Links ]

13. Vieira GO, Silva LR, Vieira TO, Almeida JAG, Cabral VA. Feeding habits of breastfed and non-breastfed children up to 1 year old. J Pediatr (Rio J). 2004;80:411-6.         [ Links ] .

14. Venancio SI, Escuder MM, Saldiva SR, Giugliani ER. Breastfeeding practice in the Brazilian capital cities and the Federal District: current status and advances. J Pediatr (Rio J). 2010; 86(4):317-324.         [ Links ]

15. Wenzel D, Souza SB. Prevalence of breastfeeding in Brazil according to socioeconomic and demographics conditions. Journal of Human Growth and Development. 2011; 21(2): 251-258.         [ Links ]

16. Simon VGN, Souza JMP, Leone C, Souza SB. Practice and duration of breastfeeding of children registered in private schools in São Paulo, SP. Journal of Human Growth and Development. 2009; 19(3): 393-402.         [ Links ]

17. Bernardi JLD, Jordão RE, Barros Filho AA. Alimentação complementar de lactentes em uma cidade desenvolvida no contexto de um país em desenvolvimento. Rev Panam Salud Publica. 2009; 26(5):405 - 11.         [ Links ]

18. Victora CG, Matijasevich A, Santos IS, Barros AJD, Horta BL, Barros FC. Breastfeeding and feeding patterns in three birth cohorts in Southern Brazil: trends and differentials. Cad Saúde Pública. 2008; 24(supl 3): 409-416.         [ Links ]

19. Caminha MFC, Filho MB, Serva VB, Arruda IKG, Figueiroa JN, Lira PIC. Time trends and factors associated with breastfeeding in the state of Pernambuco, Northeastern Brazil. Rev Saúde Pública 2010; 44(2): 240-8.         [ Links ]

20. Chaves RG, Lamounier JA, César CC. Factors associated with duration of breastfeeding. J Pediatr (Rio J). 2007; 83(3): 241-246.         [ Links ]

21. Caldeira AP, Goulart EMA. Breastfeeding in Montes Claros, Minas Gerais: a representative sample study. J Pediatr 2000; 76(1): 65-72.         [ Links ]

22. Ferreira HS, Moura FA, Júnior CRC. Prevalence and factors associated with anemia in pregnant women from the semiarid region of Alagoas, Brazil. Rev Bras Ginecol Obstet. 2008; 30(9):445-51.         [ Links ]

23. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Pragmáticas Estratégicas. Área Técnica de Saúde da Mulher. Pré-natal e puerpério: atenção qualificada e humanizada. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2005.         [ Links ]

24. Vitolo MR, Boscaini C, Bortolini GA. Baixa escolaridade como fator limitante para o combate a anemia entre gestantes. Rev Bras Ginecol Obstet. 2006; 28(6): 331-9.         [ Links ]

25. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Saúde da criança: nutrição infantil: aleitamento materno e alimentação complementar/Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. - Brasília: Ministério da Saúde, 2009.         [ Links ]

26. Passanha, A, Cervato Mancuso, AM, Silva MEMP. Protective elements of breast milk in the prevention of gastrointestinal and respiratory diseases. Journal of Human Growth and Development. 2010; 20(2): 351-360.         [ Links ]

27. Oliveira V, Silva AF, Muratori LG, Ribeiro LC, Chicourel EL. Práticas alimentares de crianças atendidas pelo serviço de atenção ao desnutrido do município de Juiz de Fora - MG. Rev APS. 2012 jan/mar; 15(1): 55-66.         [ Links ]

28. Brunken GS, Silva SM, França GV, Escuder MM, Venâncio SI. Risk factors for early interruption of exclusive breastfeeding and late introduction of complementary foods among infants in midwestern Brazil. J Pediatr (Rio J). 2006; 82(6): 445-51.         [ Links ]

29. Torigoe CY, Asakura L, Sachs A, Silva CVD, Abrão ACFV, Santos GMS et al. Influence of the nutritional intervention in complementary feeding practices in infants. Journal of Human Growth and Development. 2012; 22(1): 85-92.         [ Links ]

30. Euclydes MP. Alimentação Complementar. In: Nutrição do lactente: base científica para uma alimentação saudável. Minas Gerais: Viçosa, 2005. 3ª ed., p. 401-484.         [ Links ]

Manuscript submitted Aug 01 2013
Accepted for publication Dec 28 2013

 

 

Corresponding author: amandalmendes@yahoo.com.br