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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.24 no.1 São Paulo  2014

 

ORIGINAL RESEARCH

 

Segurança contra incêndio em unidades básicas de saúde

 

 

Amaury Machi JuniorI; André QuiaiosII; José Nuno DominguesII; Ana FerreiraII; Susana PaixãoII; Nelson Leite SáII; Ligia Ajaime AzzalisIII; Virginia Berlanga Campos JunqueiraIII; Odair Ramos da SilvaI; Maria Teresa Conceição VicenteII; Fernando Luiz Affonso FonsecaI, III

IEnvironmental Health Management - Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP, Brasil
IIEnvironmental Health Degree - Escola Superior de Tecnologias da Saúde de Coimbra - Instituto Politécnico de Coimbra, Coimbra, Portugal
IIIDepartamento de Ciências Biológicas - Instituto de Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas - Universidade Federal de São Paulo, Diadema, SP, Brasil

 

 


RESUMO

Hoje em dia reconhece-se a necessidade de uma modernização dos Estados e respectivos aparelhos administrativos. No contexto normativo e referente à prevenção de incêndios, o Corpo de Bombeiros foi à entidade mais atuante na criação de legislações e normas, baseando-se nos trágicos acontecimentos e na experiência adquirida no atendimento diário de ocorrências. O incêndio pode atacar qualquer local onde existam ou não atividades humanas sendo que os estabelecimentos assistenciais de saúde (EAS) não estão isentos deste infortúnio e infelizmente existe a possibilidade real de que possam acontecer novas tragédias relacionadas com incêndios dado que a carga de incêndio. O objectivo deste estudo foi o de avaliar o nível de conhecimento que os funcionários de Unidades Básicas de Saúde possuem em relação à temática Segurança contra Incêndio e confrontar os resultados com o exigido legislação vigente confrontando os achados com o Decreto Estadual 5.6819/11 devido à não obrigatoriedade de constituição de brigada de incêndio nas unidades básicas de saúde, com menos de 750 m², piso térreo, constituindo a grande maioria das edificações do sistema de Saúde Brasileiro. O método de investigação é um qualitativo observacional e descritivo por amostra de conveniência em nove Unidades Básicas de Saúde no município de Santo André, São Paulo, Brasil, com o objetivo de aprofundar o nível de conhecimento que os funcionários possuem em relação à temática Segurança contra Incêndio.

Palavras-chave: sistemas de combate a incêndio, conhecimento de combate a incêndios, unidades básicas de saúde, profissionais de saúde.


 

 

INTRODUÇÃO

Ao longo da história mundial muitos são os exemplos de incêndios de elevadas proporções, com graves consequências econômicas e patrimoniais. Destacam-se os grandes incêndios de Londres e de Chicago que são inquestionavelmente dois dos mais marcantes, tendo provocado a destruição quase total de ambas as cidades e a perda de um elevado número de vidas humanas.

Em Portugal, o incêndio do Chiado, ocorrido em Lisboa no ano de 1988, é sem dúvida o exemplo mais marcante, tendo mesmo impulsionado a criação da primeira legislação Portuguesa dedicada a esta problemática, o Decreto-Lei nº 426/89 de 6 de Dezembro - Medidas Caute-lares de Segurança contra Risco de Incêndio em Centros Urbanos Antigos1. Recentemente no Brasil, o incêndio na boate Kiss em Santa Maria, vitimou centenas de pessoas. Não havia data certa ou local certo, mas o incidente era previsível2.

As Unidades Básicas de Saúde desempenham um importante papel no atendimento a saúde da população, visto que atendem cerca de 80 % da população e efetuam a respetiva triagem, na medida em que são a porta de entrada preferencial do Sistema Único de Saúde (SUS)3.

Os cargos dos profissionais que atendem nas unidades básicas de saúde são: médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde, recepcionistas e auxiliares. As pessoas usuárias e circulantes no estabelecimento são: pacientes, funcionários, terceiros, alunos e público em geral.

As fragilidades daqueles que estão a receber assistência médica nas unidades de saúde, diante do fogo, fazem com que se tornem vítimas fáceis da voracidade de um incêndio, bem como trabalhadores e visitantes. O incêndio pode atacar qualquer local onde existam ou não atividades humanas sendo que os estabelecimentos assistenciais de saúde (EAS) não estão isentos deste infortúnio.

A reação ao fogo dos materiais utilizados no revestimento/acabamento de paredes e tetos e dos incorporados aos sistemas construtivos deve ser considerada por meio da verificação do maior ou menor potencial que eles possuem para contribuir para o desenvolvimento do fogo. Naturalmente deve ser dispensada especial atenção no momento da escolha de materiais compõem os sistemas construtivos, de modo que se possa selecioná-los conforme seu desempenho diante do fogo, prevenindo- se, assim, os riscos de ignição, crescimento e propagação do fogo e, consequentemente, aprimorando a salvaguarda da vida humana e dos bens4.

A precaução contra incêndio constitui-se de medidas que se destinam a prevenir a ocorrência do princípio do incêndio. As medidas de proteção contra incêndio são medidas que integram elementos de sistema global, tais como, limitação do crescimento do incêndio, limitação da propagação do incêndio, evacuação segura do edifício, precaução contra o colapso estrutural e rapidez, eficiência e segurança nas operações de combate e resgate (5) e são também as que visam a proteção da vida humana, da propriedade e dos bens materiais dos danos causados pelo incêndio instalado no edifício.

No contexto normativo referente à prevenção de incêndios, o Corpo de Bombeiros foi a entidade mais atuante na criação de tais legislações e normas, baseando-se nos trágicos acontecimentos e na experiência adquirida no atendimento diário de ocorrências. (4)

O Decreto Estadual 5.6819/11 (6) não obriga nem contempla a constituição de brigada de incêndio nas unidades básicas de saúde com área menor ou igual a 750 m2 e altura inferior ou igual a 12 metro, que constituem a grande maioria das edificações.

Com este artigo pretende-se indagar e refletir acerca do nível de conhecimento que os profissionais que trabalham numa UBS detêm acerca de medidas de segurança contra incêndio.

 

MÉTODO

O método de investigação é um estudo descritivo por amostra de conveniência em nove Unidades Básicas de Saúde no município de Santo André, São Paulo, Brasil. Trata-se de estudo observacional do tipo trasnversal que tem o objetivo de aprofundar o nível de conhecimento que os funcionários possuem em relação à temática Segurança contra Incêndio. Foram utilizados questionários previamente estruturados com base no Decreto Estadual nº 56.819/11 - Regulamento de segurança contra incêndio das edificações e áreas de risco do Estado de São Paulo. Os mesmos eram aplicados nos trabalhadores das unidades básicas de saúde durante o período de trabalho por 30 minutos no ano de 2013. Os resultados obtidos foram tabulados em planilha Excel. Esses resultados foram mostrados calculando-se frequência relativa e absoluta a partir do programa em forma de gráficos e tabelas. O referido estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Prefeitura do Município de Santo André sob o número 26/2013.

 

RESULTADOS

Os profissionais da saúde formam um grupo especial de trabalhadores, com características próprias, de predomínio do sexo feminino e com uma divisão fragmentada de tarefas assente em uma estrutura hierárquica rígida e número quase sempre insuficiente de trabalhadores7.

Em relação às idades, a pesquisa aponta que 51% dos trabalhadores analisados possuem idade acima dos 40 anos. Esta informação gera certa preocupação, pois este público (feminino e acima de quarenta anos) pode apresentar certas limitações quando do combate ao incêndio com extintores de gás carbónico e agua, devido ao peso dos mesmos.

 

 

Uma informação que marcou o estudo está relacionada com o fato de que muitos profissionais desconheciam o telefone do Corpo de Bombeiros. Durante a tabulação dos dados, vários profissionais informaram que o número do Corpo de Bombeiros era o 192, telefone do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência - SAMU, que talvez se deva ao fato de trabalharem na área da saúde.

 

 

A grande maioria dos trabalhadores pesquisados, nunca tinha participado de treinamentos de segurança contra incêndio. O setor que cuida de treinamentos na área da saúde, varia de município a município e é chamado de educação continuada. De forma global, os treinamentos abordados pela educação continuada são voltados à saúde e segurança do paciente.

 

 

Devido à baixa participação nos treinamentos de segurança contra incêndio, cerca de 74 % dos profissionais entrevistados afirmam que não sabem manipular um extintor de incêndio, 24% afirmam saber utilizar os extintores de incêndio e 2% não responderam. Muitos dos profissionais informaram que não sabem da diferença entre os extintores, mesmo identificando a existência de tamanhos e estilos diferentes (Figura 3).

 

 

Apesar da não obrigatoriedade de hidrantes nas unidades básicas de saúde o questionário completou ainda uma análise se os trabalhadores saberiam utilizar este equipamento em caso de incêndio. Cerca de 83% desconhecem o modo de utilizar o equipamento, 4% afirmam saber utilizar o hidrante, enquanto 3% não responderam (Figura 4).

 

 

 

 

Como não houve treinamentos, nem reciclagem em relação a segurança contra incêndio, 58% dos funcionários não sabem como proceder em caso de incêndio, 38% afirmaram saber agir em caso de incêndio e 4% não expuseram.

 

 

Uma das questões perguntava se o funcionário acreditava que o seu local de trabalho se poderia incendiar. Apesar de a pergunta parecer lógica constata-se que 4% acreditam que seu local de trabalho está seguro quanto a este sinistro. A grande maioria, 94% afirmaram que a sua unidade de trabalho pode pegar fogo sendo que 2% não responderam a esta questão.

Apesar de uma pequena percentagem não acreditar que a sua unidade de saúde se possa incendiar, todos são unânimes em afirmar a importância de treinamentos de combate a incêndio.

 

DISCUSSÃO

É necessária a implementação de normas baseadas em desempenho no Brasil, como resultado de uma demanda gerada pela inserção em uma economia globalizada e pela busca da otimização da relação auto-benefício, os resultados desse trabalho sugerem uma implementação gradual com um período relativamente longo de convivência entre normas prescritivas e normas baseadas em desempenho por forma a minimizar um eventual risco de dano à vida humana, ao meio ambiente e ao património para um nível de investimento em segurança4.

Beyler afirma que o maior desafio da segurança contra incêndio no século XXI será o da redução de custos. Reforça ainda que no Brasil, nas últimas décadas, tem-se observado uma constante preocupação com o custo de implantação de níveis mínimos aceitáveis de segurança contra incêndio nas edificações8.

As medidas de segurança podem assumir-se sob as formas de proteção ativa e de proteção passiva. As medidas regulamentadas têm como objetivos a limitação das massas combustíveis, a limitação da combustibilidade dos materiais, a rapidez de evacuação e a garantia da estabilidade suficiente para permitir a evacuação dos ocupantes e o combate ao incêndio (5). Um amplo treinamento por parte dos profissionais de projeto e das autoridades fiscalizadoras constitui também um aspeto importante para concretizar essa realidade. (4,5).

Este estudo revelou resultados preocupantes quanto ao nível de preparação nas Unidades Básicas de Saúde Brasileiras. Aos profissionais devem ser facultadas todas as condições necessárias para a salvaguarda de vidas humanas bem como de bens materiais instalados nestas infra-estruturas.

Apesar das unidades proporcionarem aos profissionais as condições materiais de prevenção e combate a incêndio necessárias para a adequada resolução os resultados não revelaram conhecimento operacional nem prática.

O Decreto Estadual 56.819/11 (6) ao tratar das unidades básicas de saúde, preconiza que existam extintores para combate ao princípio de incêndio, sinalização para a evacuação da unidade de saúde, informação sobre os equipamentos de combate existentes por meio de pictogramas e saídas de emergências desobstruídas para a fuga de toda a população em caso de sinistro mas não abrange as questões pedagógicas.

Existe uma grande diversidade de cargos profissionais presentes numa Unidade Básica de Saúde o que implica uma grande coordenação ao nível de formação para que possa ser abrangida a todos os profissionais5,9.

Como se comprova pela observação dos resultados existem 117 funcionários (74%) que não tem conhecimento de utilizar um extintor. Acrescenta-se que 92 funcionários (58%) não sabem como proceder em caso de incêndio o que revela um grave precedente na organização do Sistema Único de Saúde pelo que mais de metade da totalidade dos funcionários da amostra recolhida não teria discernimento para orientar em caso de sinistro.

Em caso de sinistro e por se tratar de unidade de saúde existirão pacientes que deambulam, na sua maioria pessoas idosas e crianças, logo os mais indicados a agir em caso de incêndio serão os funcionários que conhecem a estrutura física da unidade de saúde, a localização dos equipamentos de combate a incêndio e as rotas de fuga.

O estudo revela ainda que 110 funcionários (70%) nunca participaram em treinamentos pelo que apesar de conhecerem as infra-estruturas não seriam capazes de identificar e pôr em prática medidas de evacuação por forma a salvaguardar bens materiais e vidas humanas.

A existência de equipamentos de combate a incêndio deve estar associada ao conhecimento prático do seu uso e este será fornecido por meio de um treinamento de brigada de incêndio, o qual equivocadamente não se encontra previsto no decreto estadual.

Os dados recolhidos indicam que apesar de todos os funcionários entrevistados acreditarem na importância dos treinamentos de combate a incêndio nas unidades básicas de saúde, assim que confrontados com normas legais todos afirmam ter noção da disparidade existente entre a legislação existente e a que deveria existir.

Constatam ter consciência de que as suas unidades estão propensas a um incêndio, mas no entanto poucos possuem conhecimentos relativamente ao que fazer na hora do sinistro. Acrescenta-se que os profissionais que alegam ter instruções e formação para estes casos foram orientadas em empresas passadas.

O baixo conhecimento dos trabalhadores destas unidades relativamente a questões relacionadas à prevenção de incêndio e à carga de incêndio considerada nas Unidades Básicas de Saúde em alguns sectores são pontos críticos para a salvaguarda e protecção de vidas humanas.

Finalmente, a saúde é muitas vezes definido como um resultado de interações complexas. Mais de duas décadas atrás, houve definição que "Saúde é um estado sustentável"10, que é algo em constante movimento e, dependendo da constante atenção, cuidados e manutenção ativa. Em particular, que a realização de uma boa qualidade de saúde pública depende da nossa capacidade de fazer as escolhas certas em relação ao ambiente que determina o estado de saúde atual de uma população, mas também para fazer as escolhas certas e tomar as medidas adequadas para impedir que ameaças previsíveis. Como podemos definir a qualidade da saúde pública, em determinado momento deve ser compatível com as gerações futuras em desfrutar de saúde de forma equivalente. Profissionais de saúde pública também deve integrar a sustentabilidade na definição de saúde pública11,12.

Assim, verifou-se que os profissionais de saúde possuem limitações no que diz respeito ao conhecimento de procedimentos e atitudes sobre a temática incêndios e medidas de segurança para evitá-los. É fundamental, para melhorar as práticas profissionais e consequentemente a segurança e saúde de profissionais e pacientes, que se continue a investir neste tema em estudo. Com este conhecimento poder-se-á atuar, de forma segura, sem pôr em risco a sua própria vida e minimizando danos patrimoniais e salvaguardando vidas humanas.

 

REFERÊNCIAS

1. DL 426/89 - Medidas Cautelares de Segurança contra Risco de Incêndio em Centros Urbanos Antigos Ministério da Administração Interna e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. Diário da República, 1.ª série, Decreto Lei n.º426 de 6 de Dezembro de 1989. Lisboa. pp:5309-5313.         [ Links ]

2. Grupo de Fomento à Segurança contra Incêndios (GSI), A Tragédia em Santa Maria e as questões sobre segurança contra incêndios no Brasil; São Paulo, 2013        [ Links ]

3. Portal Brasil, Disponível em http://www.brasil.gov.br/saude/2011/09/usuarios-do-sus-serao-atendidos-em-unidades-proximas-a-seus-domicilios. Fontes: Ministério da Saúde, Relatórios de UBS, Departamento de Atenção Básica, Sistema único de Saúde, Setembro 2013        [ Links ]

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Manuscript submitted Aug 01 2013
Accepted for publication Dec 28 2013

 

 

Corresponding author: profferfonseca@gmail.com