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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.24 no.2 São Paulo  2014

 

ORIGINAL RESEARCH

 

Reflexões acerca do adolescer e da saúde no ambiente escolar

 

 

Maria Augusta Rocha BezerraI; Maria Veraci Oliveira QueirozII; Karla Nayalle de Souza OliveiraIII

IMestre em Saúde da Criança e do Adolescente da Universidade Estadual do Ceará (UECE). Docente do Curso de Bacharelado em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí. End: BR 343, Km 3,5, Bairro Meladão, Campus Amilcar Ferreira Sobral, CEP: 64.800-00, Floriano, Piauí, Brasil
IIDoutora em Enfermagem. Docente do Curso de Graduação em Enfermagem da UECE. End: Rua Barbosa de Freitas, nº 941, Apto. 1101. Bairro Meireles, Fortaleza, Ceará, Brasil
IIIEspecialista em Enfermagem em Saúde do Trabalhador. Professora do Curso Técnico em Enfermagem da Universidade Federal do Piauí (UFPI). End: BR 135, Km03, Bairro Planalto Horizonte, Campus Professora CinobelinaElvas, CEP: 64900-000, Bom Jesus, Piauí, Brasil

 

 


RESUMO

A adolescência constitui importante fase do desenvolvimento humano, é marcada por características biopsicológicas peculiares relacionadas ao crescimento corporal, à maturação sexual e aos relacionamentos interpessoais, apresenta o contexto social como fator significante para a formação do adolescente/jovem como sujeito de valores e atitudes.
OBJETIVO: identificar a abordagem dos temas saúde e adolescência junto a adolescentes de Escola Técnica Federal e discutir temáticas indicadas pelos sujeitos por meio de programa educativo, favorecendo reflexões para melhor vivenciar o adolescer.
MÉTODO: o estudo teve como referencial teórico metodológico a pesquisa-ação, desenvolvida em escola federal, de Bom Jesus-PI, entre maio e junho/2010, tendo participado nove adolescentes.
RESULTADOS: os resultados evidenciaram que os estudantes apresentaram diferentes significados em relação à adolescência, ressaltando mudanças físicas e psicológicas. Demonstraram dúvidas acerca desta fase; consideraram os pares como as principais fontes de informação acerca da adolescência e saúde, embora percebessem a escola como local ideal para obtenção desses conhecimentos.
CONCLUSÃO: enfatiza-se a necessidade premente de envolvimento de docentes e escola em debates sobre questões relativas ao adolescer e saúde, pois neste ambiente, adolescentes permanece a maior parte do tempo.

Palavras-chave: adolescente, saúde escolar, promoção da saúde.


 

 

INTRODUÇÃO

A adolescência constitui importante fase do desenvolvimento humano,émarcada por características biopsicológicas peculiares relacionadas ao crescimento corporal, à maturação sexual e aos relacionamentos interpessoais, apresenta o contexto social como fator significante para a formação do adolescente/jovem como sujeito de valores e atitudes1. O estado de adolescência se prolonga de acordo com as projeções que os adolescentes/jovens recebem de adultos e os limites de exploração impostos pela sociedade2.

Nessa perspectiva, a adolescência é parte de um fenômeno cultural muito mais amplo que as variações de idade estabelecidas, tanto pela Organização Mundial de Saúde (OMS) quanto pelo Ministério da Saúde (que segue sua proposição) e Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), uma vez que não apresenta características evidentes de início e término. Todavia, alegando a necessidade de delimitações para planificação, a adolescência é definida pela OMS como o período de vida compreendido entre 10 e 19 anos e pelo ECA, de 12 a 18 anos3.

Ao se fomentar a discussão, a adolescência pode ser entendida como período marcado por constantes transformações e maturações psicofisiológicas, de contradições, ambivalências,turbulência, repleto de paixões, dorido, caracterizado por conflitos relacionais com o meio familiar e social4. Dentre as situações vulneráveis mais comuns, citam-se a gravidez não planejada, as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DST), a experimentação de drogas, a exposição aos acidentes em decorrência do comportamento desafiador, além de diferentes formas de violência5.

Nesse sentido, é imprescindível que questões inerentes à saúde do adolescente sejam desenvolvidas além dos setores específicos, unidades básicas de saúde e hospitais, tendo em vista a relevância da abordagem nos diversificados espaços, nos quais o adolescente vive e convive com seus pares.

Portanto, faz-se necessário desenvolver ambientes em que adolescentes possam não apenas receber informações, como também discorrer sobre si, discutir questões e expressar sentimentos, ou seja, possam ser vistos com singularidade. Embora seja importante focalizar o sujeito, junto a outros, os adolescentes poderão ter mais facilidade de expressão, já que os amigos (pares) são apontados, pela maioria das pesquisas, como o grupo com quem os adolescentes se sentem mais à vontade para conversar sobre as temáticas da adolescência6.

Os resultados apresentados nas pesquisas enfatizam a importância de que ações com adolescentes sejam realizadas em grupo,para que estes percebam a necessidade de transformação da realidade e da mudança de comportamentos para aderirem a hábitos saudáveis e atitudes positivas7. Além disso, de acordo com o Ministério da Saúde as atividades grupais tem primazia nessa faixa etária, pelo caráter terapêutico que o grupo assume, tornando-se um espaço privilegiado para a promoção da saúde8.

Assim, entre os lugares possíveis para abordagem de nuances que envolvem a questão do adolescer, bem como aspectos que podem influenciar este processo, encontra-se a escola, local de referência para a implementação de programas que visem à educação e conscientização, inclusive no tocante à saúde, inserida nos Parâmetros Curriculares Nacionais, pelo Ministério da Educação, em 1997, como tema transversal a ser trabalhado, mediante possibilidades, nas disciplinas curriculares.

A escola tem papel fundamental no desenvolvimento do adolescente, contribui com a formação global do adolescente/jovem e da sociedade. Papel que extrapola o ato de ensinar e envolve o educar crianças e adolescentes/jovens, desenvolvendo identidade e subjetividadedestes9. Portanto, no contexto da interlocução entre adolescência, saúde e espaço escolar, emergiram os questionamentos norteadores da pesquisa: como estes adolescentes percebem a si e o processo de adolescer? Como a escola aborda as temáticas da adolescência e de saúde?

Este estudo possibilitou aos adolescentesexperenciaremum processo reflexivo que favoreceu a promoção de visão crítica acerca da adolescência e das questões pertinentesà saúde. A despeito de a pesquisa ter sido realizada em instituição de ensino médio integrado ao técnico, tradicionalmente voltada à profissionalização, permitiu-se enfatizar que os adolescentes, além de jovens em processo de profissionalização, encontravam-se em formação. Aose promover discussões sobre a implementação efetiva de temas transversais em instituições de ensino, suscita-se de forma inovadora propostas que venham instigar docentes a exercerematividades que abordem as temáticas adolescência e saúde.

Assim, o objetivo é identificar a abordagem dos temas saúde e adolescência junto a adolescentes e relacionar assuntos indicados pelos sujeitos por meio de programa educativo

 

MÉTODO

Pesquisa de abordagem qualitativa, tendo como método a pesquisa-ação, realizada em escola federal, de Bom Jesus, Piauí. A Instituição Federal de Ensino Técnico e Tecnológico, no período da coleta de dados, decorrida de maio a junho de 2010, possuía um total de 378 alunos divididos, em três cursos técnicos (Agropecuária, Enfermagem e Informática), desenvolvidos tanto na modalidade concomitante quanto subsequente.

Os sujeitos do estudo foram adolescentes (conforme proposição da OMS, de 10 a 19 anos) que cursavam o 2º ano do Ensino Médio, concomitantemente ao 1º ano do Curso Técnico em Agropecuária, Enfermagem ou Informática. Participaram da pesquisa nove adolescentes que escolheram as seguintes temáticas para serem abordadas: adolescência e saúde e escolha/formação profissional. Este artigo apresenta o recorte do tema gerador: adolescência e saúde.

Os critérios de inclusão foram: estar regularmente matriculado em uma das séries do ensino médio e em um dos cursos técnicos referidos e aceitarem participar da pesquisa de forma voluntária e com o consentimento do responsável, por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O levantamento dos temas geradores, que culminou com a exposição de problemas emergentes, relacionados à adolescência e saúde, foi realizado por meio de entrevistas individuais, utilizando roteiro semiestruturado. Este instrumento constou de questões norteadoras que facilitaram a expressão de dificuldades, emitidas pelos sujeitos pesquisados. A coleta destes dados teve a duração de uma semana, permitindo a cada adolescente a exposição de dúvidas. Uma vez elaborado o levantamento do universo temático, procedeu-se ao desenvolvimento das atividades educativas, momento em que se desenvolveram planos de ensino relativos aos temas geradores e avaliação do processo. Este plano, que resultou no Programa Educativo, considerando os temas propostos, foi implementado, iniciando-se com as situações-problemas codificadas para, em seguida, serem decodificadas pelos sujeitos pesquisados/educandos e pesquisador/educador. O debate em torno dos temas propiciou ao grupo a reflexão.

Desenvolveram-se várias atividades, sendo possível a adaptação dos planos para abordagem de oficinas pedagógicas com textos e recortes, estimulando a busca pela reflexão e construção do conhecimento e das habilidades. A avaliação do processofoi realizada por meio da leitura dos registros dos adolescentes, da satisfação com as estratégias referidas nos discursos e na última etapa do Programa Educativo por meio de respostas a questionamentos.

O programa educativo foi dividido em seis dias, constando de oito momentos, com média de duração de cada encontro de duas horas. Dividiram-se os momentos do programa em: apresentação, interação, investigação, teorização, sensibilização/problematização, aprendizagem/vivência e avaliação10.

Para coleta de dados, utilizaram-se as técnicas de observação assistemática, com registro em diário de campo e realização de entrevista para abordagem inicial do grupo de adolescentes com os quais se pretendia trabalhar e investigaçãodas temáticas de interesse dos participantes.

Na análise do material empírico, em um primeiro momento, compilaram-se as informações colhidas previamente no planejamento dos encontros. A organização dosdados obtidos seguiu as temáticas sugeridas pelos participantes.Na análise, foram interpretados os significados elaborados pelos adolescentes acerca de suas experiências, como nuances relativas à adolescência e saúde.

A partir das análises, emergiram-se quatro categorias: Significados da adolescência; Dúvidas sobre a adolescência; Diálogos sobre as questões da adolescência e saúde; e Abordagem das questões da adolescência e de saúde na escola.

Este estudo obedeceu aos princípios éticos da pesquisa com seres humanos, conforme Resolução 196/9611, sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí, sob parecer nº 0088/2011. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelos participantes e por seus responsáveis.

 

RESULTADOS

Significados da adolescência

Nesta temática, os adolescentes discorreram sobre si e expressaram a acepção de adolescência baseada em suas relações sociais, vivências do cotidiano, sentimentos, preocupações e percepções desta fase.

O grupo investigado foi constituído de sete alunos do curso técnico em Enfermagem, um do curso de Informática e outro do curso de Agropecuária. A faixa etária predominante encontrava-se entre 15 e 16 anos, a maioria do sexo feminino; consideravam-se, no que diz respeito à orientação sexual, heterossexuais; residiam na zona urbana, em geral, com os pais, com renda familiar mensal de no máximo dois salários mínimos. Os adolescentes percebiam a si e o processo de adolescer.

[...] uma fase em que surgem muitas dúvidas ao adolescente, é a fase que você descobre muitas coisas boas e outras ruins. (A1)

[...] uma fase de descobertas, onde os adolescentes costumam ser chamados de aborrecentes. (A2)

[...] uma fase em que estamos mudando o nosso pensamento, a maneira como agimos. (A4)

Uma fase de mudanças físicas e psicológicas [...]. (A8)

No desenvolvimento do Programa Educativo, foi solicitado a cada adolescente que imaginasse a parte do corpo que mais descrevia a adolescência para eles e, em seguida, que a desenhasse em folha de papel. Inicialmente, os participantes mostraram-se tímidos, posteriormente brincaram uns com os outros sobre o que estavam desenhando e, por fim, incorporaram-se à dinâmica e envolveram-se na discussão posterior.

Foi orientado que os sujeitos colocassem os desenhos virados para baixo e os girassem no sentido horário, até que fossem solicitadosa parar. Seguidamente, cada adolescente com o desenho de outro participante em mãos, descreveu o que havia entendido da figura impressa, comentando e mostrando o que a pessoa conseguiu transmitir através da imagem mental.

Eu acho que o adolescente tem que ter estilo, com um cabelo legal [...] mas eu sei que na realidade ele é lindo mesmo é por dentro [emocionada]. (A9)

Eu acho que ela desenhou uma bunda porque é o que os meninos gostam; outro dia tava passando com uma amiga e os meninos disseram olha a KLB aí, aí eu falei KLB? E eles disseram, sim, Que Lapa de Bunda. (A6)

[...] isso é porque a televisão diz que é bonito, ter corpão! (A5)

Dúvidas sobre a adolescência

No concernente às dúvidas sobre a adolescência, foi solicitado que os sujeitos relatassem/redigissem dúvidas que tivessem sobre o adolescer, na perspectiva de, posteriormente, promover diálogo aberto e esclarecedor sobre incertezas existentes. Os adolescentes demonstraram dúvidas, principalmente, sobre sexo e sexualidade.

Sexo e sexualidade, gravidez indesejada. (A1)

Gravidez indesejada, [o] que é melhor fazer se os pais não aceitarem aborto. (A3)

[...] sexualidade, queria entender os homossexuais, como isso ocorre e como pode isso acontecer. (A7)

Diálogos sobre as questões da adolescência e saúde

A partir das dúvidas apresentadas pelos adolescentes, investigaram-se as fontes de referência e de confiança destes adolescentes/jovens no concernente aos aspectos relativos à vida e ao adolescer.

Com amigos; porque me sinto mais à vontade. (A2)

Com outros adolescentes [...], porque eles me entendem mais. (A9)

Com minhas primas de maior, porque elas têm mais experiências e também porque tenho vergonha de discutir com meus pais. (A1)

Abordagem das questões da adolescência e de saúde na escola

A insuficiente referência a professores como fontes de informação sobre os assuntos relativos ao adolescer figurou-se como fator preocupante, apesar de os estudantes terem explicitado, quase de forma unânime, a importância de debater tais assuntos nas instituições de ensino. Isto demonstra que os docentes, mesmo compartilhando a maior parte do dia com os alunos (visto o caráter integral de ensino da instituição em questão), não estabeleceram ainda um vínculo efetivo com os adolescentes.

Na tentativa de elucidar os motivos da dificuldade do estabelecimento do diálogo entre professores e estudantes, buscou-se por questionar tal perspectiva com os participantes, no intuito de verificar de que forma ocorria a comunicação.

No tocante à problemática citada, quando incitados a apresentar opiniões sobre a abordagem de temáticas referentes ao adolescer na instituição de ensino, os sujeitos pesquisados relataram ter recebido informações a respeito das questões envolvendo adolescência e/ou saúde no ambiente escolar. Sobre os temas que teriam sido trabalhados, destacaram-se: sexo e sexualidade (referidos pelos participantes A1, A6, A9); saúde sem especificação (mencionado pelo sujeito A2); álcool e drogas (referidos pelos adolescentes A4, A6) e alimentação (destacado pelo estudante A7).

No que concerne às disciplinas, nas quais as temáticas teriam sido comentadas, foram enfatizadas pelos adolescentes: Microbiologia (disciplina do curso Técnico em Enfermagem referida pelo participante A1); Biologia (nas aulas do Ensino Médio mencionada pelos sujeitos A2, A8, A9); Redação (nas aulas do Ensino Médio citada pelos adolescentes A3, A4, A6); Nutrição (curso Técnico em Enfermagem destacada pelo estudante A7); dentre várias disciplinas (referida pelo participante A5).

 

DISCUSSÃO

Os relatos revelaram a adolescência com diferentes significações, estas relacionadas, de modo geral, à transformação, fossem ao sentido de mudança do corpo, de descobertas, das relações interpessoais ou do pensar e agir diferente, condição que acontece naturalmente nesta fase e inclui descobertas de si mesmo e do mundo.

Percebeu-se, também, nos discursos que, mesmo de forma simples, os adolescentes apresentaram concepções sobre esta fase. Aaquisição desse conhecimento decorreu por meio da literatura utilizada nas disciplinas cursadas ou dos recursos da mídia presentes nos dias atuais.

Os adolescentes perpassam por processo dinâmico e complexo de maturação. As transformações corporais, o surgimento de habilidades cognitivas e o novo papel na sociedade são determinantes para o questionamento de valores dos adultos que os cercam. Assim, o meio externo e as interações sociais influenciam diretamente nos pensamentos dos adolescentes, preponderando comportamentos e atitudes destes12.

No desenvolvimento do Programa Educativo, no primeiro encontro destinado à implementação, buscou-se por conhecer a percepção dos estudantes acerca da adolescência, por meio da utilização de adequação da técnica Imagem Mental13(ANEXO 1). O objetivo da atividade foi ilustrar a temática, motivando reflexões, tornando evidente o que haviam exposto na experiência anterior.

A utilização da dinâmica baseada na construção de desenhos não teve a pretensão de investigar, psicologicamente, o que as ilustrações representavam, mas facilitar o diálogo e a reflexão sobre o tema em discussão - a adolescência.

Os estudantes caracterizaram, em desenho, face, nádegas e olhos como os segmentos corporais mais representativos da adolescência. Nos relatos dos adolescentes, as escolhas deveram-se à percepção de que, para eles, as mudanças ocorridas nesta fase estavam relacionadas, principalmente, a estas regiões, devido à importância dada pela mídia à exploração do corpo.

No que diz respeito ao corpo, todo adolescente tem em sua mente um corpo idealizado. Quanto mais este corpo se distanciar do real, maior será a possibilidade de conflito, comprometendo sua auto-estima14. Desse modo, o adolescente mantém constante preocupação com a imagem, buscando o ideal de beleza imposto pelasociedade, isto é, o corpo magro. Por conseguinte, atualmente, observa-se crescimento da busca pela beleza e dos modelos propostos pelos segmentos da moda, de bens e serviços em torno do corpo perfeito15.

O modelo ideal de corpo difundido pela sociedade contemporânea exige para as meninas corpos magros, esbeltos e para meninos, corpo forte e musculoso. Assim, aqueles que fogem a este ideal estão fadados a conviver com fracassos e insatisfações. A insatisfação pode repercutir no modo como este adolescente se relaciona com seu corpo, no sentido de aceitá-lo e incorporá-lo como nova e definitiva entidade16.

O estigma social, que dita um corpo magro e simétrico como sendo o padrão de beleza, faz com que os adolescentes busquem para si esse estereótipo considerado perfeito, podendo, a partir disso, serem gerados problemas relacionados à imagem corporal17.

A sexualidade é um dos aspectos da vida do homem e da mulher, constituindo um dos mais importantes acontecimentos na vida. Diante disso, a propagação cada vez mais constante na mídia do sexo e erotismo propicia a precocidade da iniciação sexual, bem como sua banalização18.

Na adolescência, este interesse torna-se ainda mais acentuado, uma vez que é justamente nesta fase que adolescentes/jovens apresentam dúvidas sobre questões relacionadas ao corpo e à sexualidade e, em geral, por não encontrarem materiais educativos atualizados ou com linguagem objetiva e simples, ou lugar ou pessoas que possam aclarar dúvidas13.

Os amigos, ou seja, outros adolescentes surgem como as principais fontes de informação e troca de conhecimentos sobre adolescência. É com os pares, nas conversas entre estes, que aprendem mais sobre adolescência. Outros os citaram indiretamente, como irmãos e primos que, em geral, encontravam-se em faixa etária próxima, e eram percebidos como iguais.

Salienta-se, desse modo, a importância que os adolescentes atribuem aos amigos no que se refere às conversas sobre a adolescência e assuntos afins, como as relativas à sexualidade. Osparticipantes da pesquisa expressaram em momentos diversos o fato de que os amigos eram as fontes principais de esclarecimentos de dúvidas e apoio em momentos difíceis. Para os adolescentes participantes, isso se deve ao fato de que, por terem idade muito próxima entre si, os amigos entendem melhor os problemas da adolescência do que qualquer outra pessoa. Contudo, para a maioria dos adolescentes, nesse momento, os pais não deixam de ter importância e valor, porém outras instâncias e outros grupos assumem valor fundamental na vida dos adolescentes/jovens14.

Merece destaque a insuficiente referência por parte dos entrevistados aos professores como fonte de informação, tal constatação implica na necessidade de conscientização e preparo de educadores para lidarem adequadamente com questões do adolescer no cotidiano de alunos, uma vez que perpassam maior tempo com os educandos, demandando instrumentalização para abordagem de temas relacionadosà adolescência18.

Nos últimos anos, no Brasil, iniciativas governamentais têm procurado articular, de forma sistematizada e definitiva, ações entre os setores saúde e educação, as quais vêm encontrando dificuldades para implementação de estratégias eficazes, mesmo estando a saúde inserida nos temas educacionais transversais a serem abordados em instituições de ensino (inclusive a Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica) por docentes.

Os discursos apresentados revelaram, ainda, que apesar de os alunos terem referido a discussão das temáticas do adolescer, nas aulas do ensino médio ou no curso técnico frequentado, muitos não souberam especificar ou não se lembraram do que havia sido tratado.

Além disso, outro ponto a merecer atenção quanto às disciplinas em que os temas foram abordados referiu-se àqueles mais mencionados com conteúdo programático similar à saúde, como as específicas do curso Técnico em Enfermagem e a disciplina Biologia. Porém, vale destacar, como mudança favorável da atuação da escola, a inclusão dos tópicos aborto e uso de álcool e outras drogas na disciplina Redação.

Existe predominância da explanação das demandas da adolescência, quando esta ocorre na escola, na disciplina de Ciências/Biologia, porém os temas trabalhados não são tratados como transversais18.

O educador, sobrecarregado de tarefas, não se sente apto ou capacitado a exercer tarefas preventivas ligadas à saúde. Há dificuldades de interagir com profissionais da saúde, pois não há profissionais disponíveis da Unidade de Saúde mais próxima da escola e quando os cursos de saúde são oferecidos, destinam-se aos professores de Biologia ou Ciências, o que reforça a fragmentação entre a Saúde e Educação19.

Ainda, assim, as escolas, gradativamente, procuram inserir, em sua prática pedagógica, questões fundamentais para a promoção da saúde20. Esta inserção é essencial, pois a escola é espaço privilegiado por congregar, por período importante, crianças e adolescentes em etapa crítica de crescimento e desenvolvimento21.

Os resultados do estudo demonstraram, portanto, a necessidade de inserir temas acerca da adolescência no ambiente escolar. É preciso apontar, no entanto,ressalvas. Primeiramente, por tratar-se de estudo qualitativo, que busca significações para os sujeitos da pesquisa, permitindo a reflexão, considera-se que, sob esta perpectiva, os objetivos traçados para a atividade foram alcançados, tendo sido possível sensibilizar alunos para a necessidade de discutir questões relativas à saúde e ao adolescer, não somente com pares e em espaços de lazer, como também na escola, com professores, conforme verbalizado ao final das atividades. Entretanto, a investigação, embora tenha promovidoreflexões que poderão subsidiar educadores a melhorar as práticas de ensino, apresenta limitações neste aspecto, demonstrando a urgência de estudos que possam contemplar estes sujeitos, pois escola e professores devem estar preparados para implementação dos temas abordados neste estudo no cotidiano escolar.

Dessa forma, em futuras investigações, metodologias qualitativas e participativas (como a utilizada nesta pesquisa) direcionadas ao outro polo do processo (escola/professor) poderão auxiliar na compreensão de outros aspectos relevantes para a promoção da saúde de estudantes em espaço escolar.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os sujeitos atribuíram à adolescência sentidos de mudanças do corpo e descobertas, elucidando conteúdos teóricos e do senso comum. Revelaram-se dúvidas sobre esta fase e questões envolvendo saúde, em especial, sexo e sexualidade. Destacaram que outros adolescentes eram as pessoas com quem mais discutem e aprendiam sobre os temas envolvendo o adolescer e a saúde. Mesmo referindo que na escola eram abordados assuntos da adolescência, o estudo apontou aproximação incipiente da instituição no que diz respeito à exploração destas temáticas no contexto escolar.

Os adolescentes participantes consideraram a escola como o melhor local para serem abordados e discutidos os aspectos que envolviam a adolescência e saúde. Enfatizaram a importância de que estas instituições de ensino deveriam ser capacitadas e professores instrumenta-lizados e envolvidos, de fato, no tratamento destas questões, uma vez que educadores passam a maior parte do tempo com estes sujeitos.

Este estudosinalizou a necessidade de desenvolver estratégias conjuntas (setor saúde, escola e comunidade) para implementação efetiva dos temas transversais nas instituições de ensino, conforme proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais, de forma a habilitar docentes a exercerem atividades que abordem temas relativos à adolescência e saúde.

 

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Manuscript submitted Aug 01 2013
Accepted for publication Dec 28 2013

 

 

Extraído da dissertação Adolescentes de uma escola técnica e o sentido da formação profissional: enfoque na pesquisa-ação, apresentado para o Mestrado Profissional em Saúde da Criança e Adolescente, na Universidade Estadual do Ceará, em 2011.
Corresponding author: mariaaugusta@ufpi.edu.br