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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.24 no.2 São Paulo  2014

 

ORIGINAL RESEARCH

 

Associação entre maturação sexual, excesso de peso e adiposidade central em crianças e adolescentes de duas escolas de São Paulo

 

 

Jéssica Rodrigues de OliveiraI; Maria Fernanda Petroli FrutuosoII; Ana Maria Dianezi GambardellaIII

IDoutoranda, Programa de Nutrição em Saúde Pública, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, Av. Dr Arnaldo, 715 - 01246-904, São Paulo, Brasil
IIDepartamento de Ciências da Saúde, Universidade Federal de São Paulo, Av. Ana Costa, 95 - 11060-001, Santos, Brasil
IIIDepartamento de Nutrição, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil, Av. Dr Arnaldo, 715 - 01246-904, São Paulo, Brasil

 

 


RESUMO

O objetivo foi analisar a associação entre maturação sexual relativamente acelerada, excesso de peso e adiposidade central em crianças e adolescentes. Foi realizado um estudo longitudinal com 617 crianças e adolescentes de 8 a 18 anos de idade. Foram realizadas três coletas de dados de peso, estatura, perímetro da cintura. O excesso de peso foi classificado com base nos valores críticos do índice de massa corporal (IMC) para crianças e adolescentes brasileiros. O estágio de maturação sexual (EMS) foi autoavaliado nas três coletas pelas crianças e adolescentes. Os indivíduos foram distribuídos em quartis de idades segundo EMS e sexo. Foram comparados os indivíduos com maturação relativamente acelerada com os demais indivíduos. Os dados foram analisados por meio de análises de regressão linear e logística. Foi observada associação negativa entre escore z do IMC e idade de início da maturação sexual em meninos, não sendo observada associação no sexo feminino. A maturação sexual relativamente acelerada associou-se positivamente com excesso de peso e com valores de escore z do IMC. Meninas com maturação relativamente acelerada apresentaram maior adiposidade central. A pesquisa concluiu que a maturação sexual acelerada associou-se com o excesso de peso e maior incremento no IMC em ambos os sexos evidenciando a importância da identificação do estágio de maturação sexual na avaliação nutricional de crianças e adolescentes.

Palavras-chave: adolescente, puberdade precoce, desenvolvimento sexual, índice de massa corporal, sobrepeso, gordura abdominal.


 

 

INTRODUÇÃO

Atualmente, observa-se no Brasil um elevado número de indivíduos obesos em praticamente todos os estratos de idade e ainda pode-se constatar tendência de concentração entre indivíduos de classes sociais menos favorecidas. Projeções realizadas no início da década pela Organização Mundial de Saúde (OMS) indicavam a obesidade como maior problema de saúde pública da atualidade e desde então, tem atraído cada vez mais, a atenção de especialistas preocupados com a alta incidência da doença¹.

A tendência secular de aumento da obesidade era registrada na Europa (Inglaterra, Finlândia, Alemanha, Holanda, Suécia, entre outros) e região central do Pacífico (Austrália e Samoa) já no início da década. Na África e Ásia, a obesidade apresentava baixa prevalência, sendo mais comum em populações urbanas1.

Adolescentes são alvos de estudos em todo o mundo devido às profundas mudanças biopsicossociais ocorridas nesta fase e à proximidade com a maturidade biológica, podendo oferecer assim oportunidades para a prevenção de problemas de saúde na idade adulta.

Em 2002, a Organização Panamericana de Saúde apontava que cerca de um quarto das crianças e adolescentes de países da América Latina como Chile, Peru e México estavam acima do peso2. Dados mais recentes apontam que o excesso de peso em adolescentes norte-americanos dobrou nas duas últimas décadas3,4. No Brasil, a prevalência de excesso de peso em adolescentes entre 10 e 19 anos triplicou nos últimos 30 anos5-7.

O índice de massa corporal (IMC) é amplamente utilizado na avaliação nutricional de indivíduos e populações devido à sua praticidade e baixo custo, quando comparado a outros métodos. Atualmente, os diferentes critérios para a classificação nutricional de adolescentes baseiam-se em valores de referência do IMC segundo idade e sexo, não existindo associação com o estágio de maturação sexual que melhor caracteriza a fase de desenvolvimento desta população. Adicionalmente, as mudanças ocorridas durante a puberdade ocasionam alterações antropométricas e na composição corporal dos adolescentes com impacto importante no estado nutricional8.

O desenvolvimento puberal segue cronologia fisiológica de eventos devido às modificações no padrão de secreção de alguns hormônios. A ativação do eixo hipotalâmico-hipofisário-gonadal desencadeia, sob estímulo das gonadotrofinas, a secreção de esteróides sexuais (predominantemente testosterona nos meninos e estradiol nas meninas) que são responsáveis pelas modificações morfológicas do período puberal. A produção destes hormônios resulta no aparecimento de caracteres sexuais secundários marcando o início da puberdade9. O efeito de alterações durante o início da puberdade provoca, também, um contraste no desenvolvimento emocional diferente entre os sexos10.

Na década de 70, com base em estudos populacionais sobre a idade de ocorrência da menarca, Frish & Revelle11 sugeriram que um peso de aproximadamente 48 kg fosse necessário para o desenvolvimento normal e, particularmente para o início do processo pubertário e o evento da menarca ("hipótese do peso crítico"). Desde então, pesquisas em todo o mundo tem buscado associar o processo de maturação sexual com variáveis antropométricas e estado nutricional, porém os resultados são controversos.

Classicamente, tem-se definido puberdade precoce como o aparecimento de caracteres sexuais antes dos 8 anos de idade na menina e dos 9 anos no menino12,13. Adair & Gordon-Larsen14, estudando uma amostra de meninas entre 13 e 19 anos de diferentes etnias, participantes do National Longitudinal Study of Adolescent Health, observaram prevalência de excesso de peso significativamente maior entre adolescentes que apresentaram maturação sexual precoce. A maturação sexual precoce dobrou o risco de desenvolver excesso de peso nestas adolescentes.

No entanto, um número limitado de estudos foi realizado com meninos para verificar a relação entre maturação sexual precoce e obesidade. Este fato pode ser atribuído basicamente a dificuldade de mensuração da maturação sexual em meninos nos estudos epidemiológicos. A idade da menarca é o indicador de maturação sexual mais utilizado em estudos populacionais pela facilidade na obtenção e seu baixo custo. Em contrapartida, meninas mais jovens e meninos em todas as faixas etárias não podem ser incluídos no estudo. Segundo alguns autores, este método ainda conduz a erros de estimativa, uma vez que a idade de ocorrência é coletada em anos e os dados fornecidos pelas meninas são passíveis de erros, principalmente se foram inquiridas quando a menarca ocorreu a longo tempo15,16.

Identificar e compreender a influência da maturação sexual no desenvolvimento da obesidade é fundamental para a formulação de políticas de prevenção e tratamento nesta faixa etária, além de auxiliar no desenvolvimento de referências antropométricas apropriadas para a avaliação do estado nutricional de crianças e adolescentes. Neste sentido, o objetivo é verificar a influência da maturação sexual relativamente acelerada no excesso de peso e adiposidade central em crianças e adolescentes.

 

MÉTODO

Foi realizado um estudo longitudinal com estudantes de 8 a 18 anos de idade, de ambos os sexos, que participaram de 3 coletas de dados, durante o período de um ano, com intervalo de 6 meses entre as mesmas. A primeira coleta foi realizada em agosto/setembro de 2001, a segunda, em março/abril e a última, em setembro/outubro, ambas em 2002. Foram estudados indivíduos matriculados em uma escola pública e uma privada do Município de São Paulo, com o intuito de obter populações de diferentes níveis sócioeconômicos.

O cálculo do tamanho amostral foi realizado considerando-se um nível de significância de 95% e um poder da amostra (1-β) de 80%. Baseando-se em estudos anteriores, estimou-se uma prevalência de indivíduos com maturação precoce de 25% com um valor de OR de 2 em relação ao desfecho (obesidade). Assim, tamanho da amostra para atender os critérios estimados foi de 605 indivíduos. Foram acrescentados ainda, aproximadamente 10% para compensar possíveis perdas na amostra.

A coleta de dados foi realizada por uma única pesquisadora, por meio de entrevistas e por mensuração antropométrica, nas próprias instituições, sendo os dados registrados em formulários pré-testados. A escolaridade materna foi obtida em anos completos de estudo, por meio de questionário enviado aos pais junto com o Termo de Consentimento.

A idade foi calculada em meses, mediante a diferença entre a data de nascimento e a data da entrevista. Para a mensuração do peso corporal foi utilizada balança eletrônica do tipo plataforma com capacidade para 150kg e precisão de 100g (Tanita TFB-521®). A estatura foi mensurada utilizando-se estadiômetro (Seca®) fixado à parede com escala em milímetros (mm). O perímetro da cintura foi aferido ao final da expiração, com fita métrica inelástica e escala em milímetros (mm), no ponto médio entre a crista ilíaca e a face externa da última costela. Foram realizadas duas medidas de estatura e três de perímetro da cintura e considerada a média dos valores obtidos, conforme proposto por Lohman et al.17. Calculou-se o IMC dividindo-se o peso pela estatura ao quadrado de cada indivíduo.

A presença de sobrepeso e obesidade foi verificada com base nos valores críticos do IMC para crianças e adolescentes brasileiros. Este critério proposto por Conde & Monteiro18 baseia-se em curvas que consideram os indicadores clássicos da população adulta e retroagem para as idades menores, construídas a partir de dados originários da Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição (PNSN) de 1989.

O estágio de maturação sexual foi auto-avaliado pelos indivíduos a partir da comparação com fotos de 5 etapas que caracterizam o desenvolvimento sexual da criança e do adolescente, conforme critério proposto por Tanner19. O desenvolvimento dos pêlos pubianos (P1, P2, P3, P4, P5) foi avaliado em ambos os sexos, segundo características, quantidade e distribuição. Para o sexo masculino, considerou-se o estágio de desenvolvimentos dos genitais (G1, G2, G3, G4, G5) e para o feminino o desenvolvimento das mamas (M1, M2, M3, M4, M5), avaliados conforme o tamanho, características e forma. O estágio 1 corresponde ao crescimento e desenvolvimento pré-puberal, enquanto os estágios 2 a 4 correspondem à progressão da puberdade até a maturação completa (estágio 5).

Os indivíduos foram distribuídos em quartis de idade (meses) ajustados para cada estágio de Tanner, separados por sexo. Assim, considerou-se com maturação relativamente acelerada aqueles que se encontrassem no 1º quartil de idade para cada estágio de maturação sexual durante as três coletas de dados. Posteriormente, os demais quartis foram agrupados para comparação com o 1º quartil durante as análises.

Foram realizados procedimentos similares para pêlos pubianos e genitália/mama e verificou-se a concordância entre os dois critérios na classificação da maturação sexual precoce. A concordância e o valor de kappa foi de 79,3% e 0,46 para os meninos e 86,1% e 0,64 para as meninas, respectivamente. Assim, optou-se pela utilização dos dados de maturação sexual obtidos na classificação dos estágios de desenvolvimento dos genitais masculinos e mamas para as meninas, uma vez que apresentam maior confiabilidade na detecção da ativação do eixo hipota-lâmico-hipofisário-gonadal e são recomendados pelo World Health Organization Expert Committee como indicadores da maturação sexual para uso internacional20.

Análise estatística

A prevalência de sobrepeso e obesidade foi avaliada segundo sexo e status de maturação sexual (relativamente acelerada ou não). O teste t de Student foi utilizado para verificar diferenças nas medidas antropométricas entre os indivíduos maturados ou não precocemente.

Foram calculados valores de escore z do IMC para comparação segundo sexo, faixa etária e EMS. Para estes cálculos, foram utilizados os parâmetros LMS obtidos na construção da curva de referência do IMC para a população brasileira, proposta por Conde e Monteiro (2006). Neste método, os dados são resumidos em três curvas suavizadas (L, M e S) específicas para a idade. As curvas M e S correspondem à mediana e aos coeficientes de variação do IMC em cada estrato. O parâmetro L é o coeficiente (Box-Cox) empregado com o objetivo de obter distribuição normal dos valores do IMC em cada estrato21. Assim, foram calculados os valores de escore z para o IMC a partir da equação:

Foram realizadas análises de regressão logística para verificar a relação entre a maturação relativamente acelerada e o sobrepeso e obesidade dos indivíduos. Posteriormente, utilizando a regressão linear múltipla, observou-se a associação entre a maturação sexual relativamente acelerada e IMC e perímetro da cintura. Todas análises foram estratificadas por sexo e ajustadas por idade, estatura e escolaridade materna. A colinearidade foi testada examinando-se o fator de inflação da variância (FIV). Nenhuma variável apresentou colinearidade perfeita (FIV < 10). Em geral, a correlação entre as variáveis foi menor que 0,15. Para os cálculos estatísticos foi utilizado o programa Stata 10.123 e nível de significância de 5%.

O presente estudo encontra-se de acordo com as normas da Resolução nº.196 de 10/10/1996 do Conselho Nacional de Saúde, que regulamenta as pesquisas envolvendo seres humanos, e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo.

 

RESULTADOS

Foram coletados inicialmente dados de 660 crianças e adolescentes. Após a terceira coleta, foram acompanhados um total 617 crianças e adolescentes, sendo 40,7% (n=251) meninos e 59,3% (n=366) meninas. Observou-se maior perda entre o sexo masculino quando comparada ao feminino e as perdas foram, em sua maioria, de alunos que saíram da escola.

As características da população estudada estão apresentadas na Tabela 1. Meninos apresentaram maior ganho de peso e estatura no período estudado, com diferenças estatisticamente significante entre os sexos. Analisando o estado nutricional dos estudantes no início do estudo, observa-se maior prevalência de excesso de peso no sexo feminino (27,4% vs. 23,8% no sexo masculino). Em contrapartida, meninos apresentaram maior prevalência de obesidade (8,5% vs. 7,3% em meninas). Maior aumento das prevalências de excesso de peso e obesidade, no intervalo entre as coletas, também foi observado no sexo masculino.

Comparados com os maturados mais tardiamente, os meninos com maturação relativamente acelerada eram significativamente mais baixos (149,3cm vs. 157,9cm) e menos pesados (46,8kg vs. 51,8kg) no início do estudo. Em relação às meninas, assim como observado entre os meninos, as que apresentaram maturação relativamente acelerada eram significativamente mais baixas (152,2cm vs. 154,8cm), porém não apresentaram diferenças significativas em relação ao peso (48,1kg vs. 49,5kg). Em ambos os sexos, os indivíduos que maturaram relativamente mais cedo apresentaram maior ganho de peso e estatura no período. Menores valores de IMC também forma observados em meninos com maturação relativamente acelerada. Não foram observadas diferenças estatísticas entre sexos para os valores de perímetro da cintura (Tabela 2).

A Figura 1 apresenta as médias de escore z do IMC segundo estágio de desenvolvimento sexual e sexo. Observa-se que entre os meninos púberes e pós-púberes há um declínio dos valores médios de escore z com o aumento da idade. Meninos que iniciaram a maturação sexual em idades mais jovens apresentam maiores valores de escore z do IMC (2,67DP).

Em contrapartida, os meninos que não iniciaram o processo de maturação sexual apresentam valores médios semelhantes de escore z do IMC independente da idade (0,93DP na faixa etária de 8 a 10 anos; 0,81DP de 10 a 12 anos e 0,84DP de 12 a 14 anos). No sexo feminino esta tendência não se apresenta tão evidente, uma vez que meninas púberes e pós-púberes apresentam maiores valores de escore z nas idades mais jovens (1,37 DP) e os menores valores são observados nas meninas com faixa etária entre 10 e 12 anos (0,94 DP). Em relação às meninas pré-puberes, assim como nas demais, os valores mais baixos de escore z são na faixa etária entre 10 e 12 anos (0,05 DP).

Na análise de regressão logística observa-se que a maturação sexual relativamente acelerada está associada com o aumento do risco para sobrepeso e obesidade em ambos os sexos. Quando ajustado por idade, a maturação sexual perdeu sua significância como fator de risco para o desenvolvimento de sobrepeso no sexo masculino (Tabela 3).

A Tabela 4 apresenta os resultados da regressão linear múltipla. Adolescentes com maturação sexual relativamente acelerada apresentaram, em média, maior incremento no escore Z do IMC e no perímetro da cintura no período de estudo, com significância estatística apenas no sexo feminino.

 

DISCUSSÃO

Atualmente, o índice de massa corpórea (IMC) tem sido amplamente utilizado para a identificação de adiposidade em adolescentes por ser de fácil obtenção, baixo custo e apresentar boa correlação com a gordura corporal, sendo recomendado pela OMS1. Entretanto, ainda não existe consenso em relação ao ponto de corte do IMC mais adequado para a classificação do estado nutricional nesta faixa etária23. Neste sentido, no presente trabalho optou-se pela utilização da referência nacional por se tratar de curvas delineadas a partir de um conjunto de dados originários de uma pesquisa de representatividade nacional.

Outro ponto importante é a utilização do método LMS na modelagem das curvas tornando-as menos arbitrárias e internacionalmente mais aceitas, além de considerarem os pontos de corte utilizados na classificação de sobrepeso e obesidade na idade adulta (IMC = 25 e 30 kg/m2, respectivamente) e retroagem para as idades mais jovens25.

No caso de crianças e adolescentes brasileiros, a utilização dos centis 85 e 95, ao invés daqueles baseados no desfecho do IMC adulto, implicaria em obter, valores mais altos para a prevalência de obesidade nas meninas e, prevalências de desnutrição, excesso de peso e obesidade maiores no sexo masculino26.

A classificação da maturação sexual suscita alguns aspectos para discussão. Um primeiro ponto seria a auto-avaliação do estágio de maturação sexual. A simplicidade do método, aliada a situações que dificultam a avaliação objetiva realizada pelo examinador, fez com que um elevado número de pesquisas com a finalidade de correlacionar a autoavaliação com o exame feito por profissionais treinados fossem realizadas. Todavia, a auto-avaliação não apresenta consenso na literatura no que diz respeito à confiabilidade para a determinação do EMS, uma vez que o método implica em possíveis erros de classificação, intencionais ou não. Estudos nacionais e internacionais apontam valores de kappa (concordância) entre a auto-avaliação e a avaliação objetiva de 0,34 a 0,81 (48 a 86%) para as meninas 0,29 a 0,88 (51 a 76%) para os meninos27-32.

Neste sentido, para melhorar a acurácia da auto-avaliação da maturação sexual, as crianças e adolescentes foram distribuídos em grupos pequenos, de mesmo sexo, e receberam informações sobre adolescência, desenvolvimento físico e maturação sexual e, em seguida, explicações sobre a auto-avaliação e o preenchimento do formulário que foi feito de forma individual. Com o intuito de facilitar e auxiliar na auto-avaliação, foram fornecidas informações sobre as características que diferenciam os estágios de maturação sexual.

Outro ponto a ser discutido é a classificação da maturação sexual precoce. O ponto de corte clássico para a avaliação da puberdade precoce foi definido com base numa distribuição normal da idade de início da maturação e um intervalo de 95% de confiança de estudos epidemiológicos realizados com crianças britânicas há 40 anos12,13. Todavia, a incidência de puberdade precoce difere bastante entre os sexos. Muitas meninas, mas um número muito reduzido de meninos apresentam o desenvolvimento de caracteres sexuais secundários antes dos 8 e 9 anos, respectivamente. Esta diferença pode ser atribuída a inúmeras razões como às características inerentes ao sexo e a fisiologia dos indivíduos, à tendência secular de diminuição da idade de início da maturação sexual, mais evidente no sexo feminino, constatada pela diminuição da idade da menarca em populações de países industrializados e em desenvolvimento33.

Alguns autores e órgãos internacionais têm proposto uma revisão destes parâmetros de idade e a utilização do percentil 25 da distribuição de idade do início da maturação da própria população para classificação de puberdade precoce33-35.

A ausência de informações referentes ao início do processo de maturação sexual de todos indivíduos impediu a utilização dos pontos de corte existentes. Neste sentido, o presente estudo, de delineamento longitudinal, optou pela classificação de indivíduos com "maturação relativamente acelerada", realizada a partir de quartis de idade. Por não se tratar de uma amostra representativa da população, o método status quo também não pode ser empregado.

A variabilidade inter e intraindividual em relação ao tempo de maturação sexual também pode promover erros na classificação da maturação precoce, uma vez que um indivíduo maturado precoce pode apresentar uma progressão compensatória e não ser classificado como precoce nos estágios mais avançados, assim como indivíduos não maturados precoce podem apresentar um progresso mais lento da maturação e ser classificado como precoce no estágio seguinte. Assim, para cada coleta, a divisão em quartis da idade para cada estágio de maturação segundo sexo foi um método viável a ser utilizado onde foram classificados com maturação relativamente acelerada àqueles jovens que se encontrassem no 1o quartil de idade para seu EMS atual nas três coletas, sendo os demais classificados sem maturação relativamente acelerada.

No presente estudo foram observados maiores valores de escore z do IMC entre os jovens púberes ou pós-púberes independente da idade ou sexo. Este fator poderia ser explicado pelo elevado incremento no peso e estatura que ocorre durante o processo de maturação sexual. O inicio da maturação em idades mais jovens também se associou a valores mais elevados de escore z do IMC, principalmente no sexo masculino.

Em relação ao sexo feminino, os achados do presente estudo reforçam o que os diversos trabalhos que a literatura nacional e internacional já evidenciavam, que meninas maturadas precocemente apresentam maiores valores de peso e estatura e maior risco de sobrepeso/obesidade. Wang14, ao analisar dados de uma amostra representativa de crianças de adolescentes norte-americanos de 8 a 14 anos participantes do Third National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES III) realizado entre os anos de 1988 e 1994, observou que a maturação sexual precoce associou-se positivamente ao risco de sobrepeso (OR=1,59 [1,05 - 2,42]) e a obesidade (OR=1,96 [1,11 - 3,47]) em meninas.

Ribeiro et al.16 ao estudarem adolescentes portugueses entre 10 e 15 anos, verificaram que meninas maturadas precoces tinham uma chance 2 vezes maior de apresentarem excesso de peso quando comparadas as não precoces. Outro estudo com meninas afro-americanas encontrou um risco de 3,6 vezes de desenvolver sobrepeso entre meninas maturadas precoces, comparadas as que apresentavam maturação normal ou tardia36.

Ao estudarem uma amostra de meninas entre 13 e 19 anos de diferentes etnias, Adair & Gordon-Larsen13 observaram que a maturação sexual precoce dobrou o risco de desenvolver excesso de peso (IMCe"percentil 85) nas adolescentes. As prevalências de excesso de peso encontradas eram significativamente maior entre adolescentes que apresentaram maturação sexual precoce, independente da etnia, sendo as maiores prevalências em meninas negras.

Em contraste com o grande número apontando para a relação entre obesidade e maturação precoce em meninas, os estudos com meninos são escassos e apresentam resultados distintos. Assim como ressaltado entre as meninas, os meninos portugueses maturados precocemente mostraram chance 2 vezes maior de sobrepeso quando comparado aos demais16. Em contrapartida, Wang15 observou situação inversa, em que a maturação precoce apresentou-se como fator protetor para o sobrepeso (OR=0,65 [0,44 - 0,98]) e obesidade (OR=0,40 [0,20 - 0,82]) nos meninos.

Wang15 também verificou que meninas norte-americanas maturadas precocemente apresentam em média um incremento de 3,48cm na estatura, 5,87kg no peso e 1,50kg/m2 no IMC. Valores semelhantes, porém em menor proporção, foram encontrados no presente estudo, com um incremento de 2,04cm na estatura, 4,64kg no peso e 1,44kg/m2 no IMC. Todavia, no sexo masculino foram observados neste estudo, valores inversos dos meninos norte-americanos (2,55cm vs. -2,47cm de estatura; 0,45kg vs. -2,51kg de peso; 0,61 kg/m2 vs. 0,98kg/m2 do IMC). Ressalta-se que embora a influência da maturação sexual precoce na obesidade caminhe na mesma direção em ambos os sexos, a influência no incremento das medidas antropométricas ocorrem de formas distintas entre os meninos e meninas.

Bratberg et al.36 em estudo longitudinal com 1605 adolescentes noruegueses, apontaram que a combinação da adiposidade central com a maturação sexual precoce aumentou o risco de sobrepeso em meninas ao final da adolescência. Entre os meninos, nenhuma associação foi encontrada.

No presente estudo, observou-se que meninas e meninos com maturação relativamente acelerada apresentavam em média, maiores valores de perímetro da cintura (3,10cm e 1,73cm, respectivamente) ao final do estudo, porém com significância estatística apenas no sexo feminino (p=0,004). Este aumento da adiposidade central em crianças e adolescentes que apresentam maturação acelerada parece estar associada a outros de riscos à saúde. Estudos recentes apontam associação entre maturação precoce e aumento da pressão arterial 38 e hiperinsulinemia e resistência à insulina39. Todavia, nestes estudos o perímetro da cintura não foi avaliado nas crianças e adolescentes para verificar uma possível relação causal.

O início e desenrolar de todo o processo de maturação sexual é influenciado por fatores genéticos, responsáveis, em grande parte, pela variação individual dos fenômenos pubertários e, por fatores socioambientais que deverão ser favoráveis para possibilitar a expressão máxima do potencial genético do adolescente. No entanto, ainda são desconhecidos como tais fatores interagem entre si e influenciam no processo de maturação sexual e este por sua vez, no desenvolvimento da obesidade. Assim, ressalta-se a necessidade de pesquisas e estudos longitudinais que acompanhem os indivíduos da infância à idade adulta para maior elucidação destas relações.

Assim, há associação positiva entre maturação sexual relativamente acelerada e excesso de peso nos adolescentes, mais evidente no sexo feminino. Ressalta-se que embora esta influência caminhe na mesma direção em ambos os sexos, a influência no incremento das medidas antropométricas ocorrem de forma distinta entre os sexos, com acúmulo importante de adiposidade abdominal somente nas meninas destacando assim, a importância de se considerar a maturação sexual na avaliação do estado nutricional de crianças e adolescentes.

 

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Manuscript submitted Oct 08 2013
Accepted for publication Feb 22 2014

 

 

Este trabalho foi baseado na dissertação de mestrado intitulada "Maturação sexual e adiposidade em crianças e adolescentes de escolas de São Paulo", realizado junto ao Departamento de Nutrição da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo em 2010.
Corresponding author: gambarde@usp.br