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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.24 no.2 São Paulo  2014

 

ORIGINAL RESEARCH

 

Situação nutricional de crianças menores de cinco anos em municípios do Nordeste brasileiro

 

 

Alice Teles de CarvalhoI; Erika Rodrigues de AlmeidaI; Eduardo Augusto Fernandes NilsonII; Juliana Amorim UbaranaII; Janine Giuberti CoutinhoII; Rodrigo Pinheiro de Toledo ViannaI; Flávia Emília Leite de LimaI

IUniversidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências da Saúde, Pós-graduação em Ciências da Nutrição, João Pessoa, PB, Brasil
IIMinistério da Saúde do Brasil - Brasília-DF

 

 


RESUMO

OBJETIVOS: Descrever a situação nutricional de crianças menores de cinco anos residentes em três municípios do Nordeste brasileiro.
MÉTODO: Realizou-se um estudo epidemiológico transversal, com a participação de 1.378 crianças. Foram calculados os índices antropométricos altura/idade, peso/idade e peso/altura, segundo os valores em escore Z. As Curvas de Crescimento Infantil da Organização Mundial de Saúde foram utilizadas como referência.
RESULTADOS: Identificaram-se maiores proporções de excesso de peso/altura (8,3% em Barra de São Miguel, 10,3% em Cabedelo e 5,9% em Tibau do Sul), quando comparadas às proporções de déficit de peso/altura (1,5% em Barra de São Miguel, 1,9% em Cabedelo e 0,9% em Tibau do Sul). Observaram-se, ainda, prevalências mais elevadas de déficit de altura/idade (5,9% em Barra de São Miguel, 5,5% em Cabedelo e 4,6% em Tibau do Sul), quando comparadas às prevalências de déficit de peso/idade (3,6% em Barra de São Miguel, 2,5% em Cabedelo e 1,5% em Tibau do Sul).
CONCLUSÕES: Observou-se uma situação nutricional desfavorável no grupo estudado. Assim, ações voltadas para a promoção de uma alimentação adequada devem ser priorizadas no âmbito dos programas e políticas de alimentação e nutrição. As prevalências elevadas de déficit estatural e de excesso de peso reafirmam a vulnerabilidade deste grupo e a soma destas ações deve impactar na reversão deste perfil nutricional.

Palavras-chave: estado nutricional, antropometria, criança, obesidade, estatura-idade.


 

 

INTRODUÇÃO

A transição nutricional pode ser entendida como a passagem de um modelo demarcado pela ocorrência de formas graves de carências globais (kwashiokor, marasmo nutricional) ou específicas (hipovitaminose A, escorbuto, beribéri, raquitismo, osteomalácia, pelagra, anemia), constituindo manifestações de caráter dominantemente agudo, para outro em que predominam doenças crônicas não transmissíveis, associadas ao sobrepeso/obesidade, às dislipidemias, à síndrome metabólica precursora do diabetes mellitus tipo 2, à hiperuricemia e a outras manifestações ou fatores de risco menos relevantes1.

O processo de transição nutricional é decorrente de modificações no padrão de nutrição e consumo, que acompanham mudanças econômicas, sociais e demográficas, e do perfil de saúde das populações, ou seja, de uma tendência de modificações no consumo, na produção e na comercialização de alimentos, e no estilo de vida que vêm ocorrendo, principalmente, em países capitalistas periféricos2.

Diferentes autores têm estudado a transição nutricional na América Latina, procurando identificar sua relação com a transição demográfico-epidemiológica, sendo observados distintos momentos deste processo entre os diversos países. Em geral, a transição nutricional na população infantil presente nos países latino-americanos é caracterizada pelo aumento nas prevalências de excesso de peso e obesidade, e redução nas prevalências de déficit de peso, persistindo ainda o déficit estatural em elevadas proporções3-7.

No Brasil, essa transição específica na área de Nutrição está contextualizada num processo que compreende: a rápida urbanização; o declínio substancial da natalidade após a década de 70, com redução do tamanho da família; a ascensão social e profissional da mulher; a melhoria das condições de saneamento; o êxito contra as doenças infecciosas; o novo perfil do mercado de trabalho, com aumento da escolaridade; a socialização das informações; o acesso mais amplo aos serviços e ações de saúde; a incorporação de novos hábitos alimentares e estilos de vida. No meio de todas essas transformações, há um elemento de complicação - o apartheid social, marginalizando um quarto da população8.

Uma análise retrospectiva da situação nutricional da população brasileira demonstra que, até a década de 70, o quadro nutricional esteve fortemente marcado por surtos epidêmicos de fome, que estavam geográfica e socialmente localizados, com altos índices de prevalência das formas graves e severas de desnutrição energético-protéica (DEP). Já a década seguinte é caracterizada por uma deficiência global de micronutrientes, distribuindo-se de forma generalizada por todo o País, e pelo declínio acelerado das prevalências de DEP. A partir da década de 1990, observa-se uma estabilização das prevalências de DEP; manutenção das deficiências de micronutrientes (com destaque para as anemias ferroprivas e as doenças por deficiência de vitamina A), especialmente em algumas regiões como a Norte e a Nordeste; e o acréscimo da obesidade, diabetes e dislipidemias9.

Dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher - PNDS,10 da Chamada Nutricional do Semiárido11 e da última Pesquisa de Orçamentos Familiares - POF12 mostraram que entre a faixa etária de 1 e 5 anos de idade tanto as prevalências de desnutrição crônica quanto o excesso de peso atingiram resultados em torno de 7%, superando-se em 3 vezes o valor de referência aceitável para essa faixa etária.

A obesidade infantil vem se destacando como um relevante problema de saúde na atualidade, e as evidências mostram que o excesso de peso durante a infância pode trazer complicações cardiovasculares e metabólicas a longo prazo, como também influenciar os padrões de crescimento e desenvolvimento na adolescência13,14.

Em contrapartida, a desnutrição representa um fator de risco para o desenvolvimento de outras carências, como a anemia e a deficiência de vitamina A, principalmente em menores de 5 anos15,16. Dentre os fatores relacionados às carências nutricionais na infância estão a renda e a escolaridade, e o consumo alimentar inadequado é um forte condicionante da situação nutricional dessa população14-16.

Neste sentido, as políticas sociais de alimentação e nutrição desenvolvidas no Brasil têm se voltado principalmente para o monitoramento e recuperação do estado nutricional dos indivíduos, como também para o enfrentamento das questões relacionadas à fome 17.

Os programas de combate à anemia ferropriva e o de suplementação de megadoses de vitamina a - Vitamina A Mais - têm como objetivo principal erradicar essas carências na população vulnerável. O Programa Bolsa Família, programa brasileiro de transferência condicionada de renda, tem como objetivo combater a fome, a pobreza e as desigualdades, apresentando, dentre suas condicionalidades, o acompanhamento mensal do crescimento em crianças menores de 7 anos 18.

Com o intuito de avaliar a operacionalização de dois programas governamentais de segurança alimentar e nutricional (Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A - PNVITA - e Programa Bolsa Família - PBF) a Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde do Brasil realizou uma pesquisa em três municípios da região nordeste do país. Ambos os programas têm as crianças menores de 5 anos como um dos grupos vulneráveis e foco das ações desenvolvidas.

Assim, conhecer a situação nutricional dos menores de 5 anos residentes nestes municípios é parte fundamental das ações de monitoramento e avaliação da adequação das ações implementadas por estes programas. Nesta perspectiva, o objetivo deste trabalho foi descrever o estado nutricional das crianças menores de 5 anos residentes nestes municípios, a partir da identificação das prevalências de excesso de peso, de déficit de peso e de déficit de altura.

 

MÉTODO

Realizou-se um estudo epidemiológico transversal, em três municípios da região Nordeste do Brasil, envolvendo crianças menores de cinco anos que constituem público-alvo de dois programas brasileiros de segurança alimentar e nutricional.

A coleta de dados ocorreu no dia 09 de agosto de 2008 ('dia D' da segunda etapa da Campanha Nacional de Multivacinação), data de mobilização nacional em prol da cobertura vacinal de 100% do público infantil.

O espaço de estudo foi definido em duas etapas. A primeira compreendeu a escolha da região Nordeste do País, em virtude de esta apresentar maiores proporções de insegurança alimentar e nutricional10. A segunda compreendeu a seleção dos municípios, considerando a cobertura dos programas em análise e a viabilidade logística de execução da pesquisa (interesse dos gestores municipais em participar da pesquisa e disponibilidade de recursos humanos e materiais para a coleta de dados).

Desta forma, foram selecionados os municípios de Tibau do Sul, no Estado do Rio Grande do Norte - por possuir alta cobertura de acompanhamento das condicionalidades de saúde do PBF - , Barra de São Miguel, em Alagoas - pela baixa cobertura de acompanhamento das condicionalidades de saúde do PBF - , e Cabedelo, na Paraíba - por possuir cobertura do PNVITA passível de melhora.

A coleta de dados se deu nos postos de vacinação, os quais funcionam em unidades da Estratégia de Saúde da Família, modelo de Atenção Primária à Saúde adotado no Brasil.

Foi realizada amostra representativa das crianças menores de cinco anos dos três municípios estudados, utilizando-se o procedimento de amostragem por conglomerado em dois estágios, para o caso do município de Cabedelo, e amostragem com um único estágio nos outros dois municípios. Em Cabedelo, dos 19 postos de vacinação da 1ª etapa da campanha nacional de 2008, foram sorteados 15 para serem incluídos na pesquisa. Nos outros municípios todos os postos foram incluídos. A seleção da amostra das crianças se deu de forma sistemática, com a inclusão de uma criança a cada três crianças vacinadas, obedecendo à ordem de chegada no posto de vacinação19.

De acordo com a previsão do número de crianças a serem imunizadas em cada posto de vacinação e considerando a cobertura quase universal (100,0% em Cabedelo, 96,2% em Tibau do Sul e 92% em Barra de São Miguel) da 1ª etapa da campanha de vacinação, o número mínimo de crianças calculado para garantir a representatividade da amostra foi de 1.018 crianças. Considerou-se também a prevalência esperada de até 15% de desvio nutricional, intervalo de confiança de 95% e erro amostral máximo de dois pontos percentuais.

Desta forma, foram avaliadas 1.378 crianças, sendo 340 em Barra de São Miguel, 324 em Tibau do Sul e 714 em Cabedelo, representando, respectivamente, 42,8%, 30,3% e 23,4% do número de crianças imunizadas nos postos selecionados.

Para a tomada de medidas antropométricas das crianças menores de cinco anos, foram selecionados e treinados alunos dos cursos de graduação em Nutrição e Educação Física de diversas instituições de ensino superior dos Estados participantes. O trabalho de campo teve o acompanhamento da equipe de condução da pesquisa, de representantes das secretarias estaduais e municipais de saúde, e de docentes das universidades parceiras.

Para a construção dos índices antropométricos e posterior avaliação do estado nutricional das crianças, algumas informações foram coletadas: data de nascimento e de realização do exame antropométrico, sexo, peso corporal e estatura. As medidas foram realizadas por duas vezes seguidas, e calculada a sua média aritmética, sendo anotado o resultado em formulário padronizado.

O peso corporal foi obtido por meio de balança eletrônica portátil da marca Filizolla®, com capacidade para 150 kg, e sensibilidade para 100 g. As crianças foram pesadas usando apenas roupa íntima e sem calçados. Para aferição da estatura, as crianças maiores de 24 meses foram medidas em posição ortostática em estadiômetro vertical, enquanto o comprimento daquelas menores de dois anos foi aferido em posição de decúbito dorsal, em estadiômetro pediátrico (horizontal). Ambos os equipamentos eram dotados de fita métrica inextensível com sensibilidade para 0,1 cm20.

Os índices antropométricos altura/idade, peso/idade e peso/altura foram calculados, segundo os valores em escore Z. Para a avaliação nutricional, foram adotadas as Curvas de Crescimento Infantil da Organização Mundial de Saúde - OMS21. Foi considerado déficit e excesso nos indicadores avaliados, respectivamente, resultados inferiores a -2 escores Z, e superiores a +2 escores Z. Os dados do levantamento antropométrico foram processados utilizando o programa Anthro 2006.

Foram elegíveis para participar da pesquisa todas as crianças que não apresentassem malformações congênitas ou adquiridas, e deficiência física ou mental. A tomada de medidas antropométricas foi realizada após os responsáveis concordarem em participar da pesquisa, mediante assinatura de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

O estudo foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Paraíba, sob os protocolos nº. 138/08 e nº. 450/08.

 

RESULTADOS

A população estudada apresentou características similares com relação à distribuição por faixa etária e sexo das crianças, entre os três municípios (Tabela 1).

No que se referem às idades mínima, média e máxima das crianças, os valores encontrados no município de Barra de São Miguel foram de 03 dias, 32 meses, e 60 meses, respectivamente. Em Tibau do Sul, os resultados foram bastante semelhantes: 06 dias, 37 meses, e 59 meses, respectivamente. Em Cabedelo, a idade mínima foi de 02 dias, a idade média foi de 35 meses, e a idade máxima foi de 60 meses (dados não apresentados em tabelas).

Quanto aos indicadores antropométricos avaliados, foram observadas maiores proporções de excesso de peso para altura (e"+2DP) (8,3% em Barra de São Miguel, 10,3% em Cabedelo e 5,9% em Tibau do Sul), quando comparadas às proporções de déficit (d"-2DP) (1,5% em Barra de São Miguel, 1,9% em Cabedelo e 0,9% em Tibau do Sul). Ao analisar o indicador altura/idade, percebem-se percentuais superiores a 4% de crianças com déficit estatural, estando, dessa forma, acima dos percentuais identificados no déficit de peso-para-idade (Tabela 2).

 

DISCUSSÃO

Foi observado um perfil nutricional desfavorável no grupo estudado. Este quadro está de acordo com o observado nos últimos inquéritos10-12,21-24 e com estudos realizados nacionalmente25-31 e em outros países da América Latina3-7.

No presente estudo, as prevalências de excesso de peso para altura são superiores às de déficit, na ordem de cinco a seis vezes. Esses achados corroboram com outros trabalhos5-7, 21, 25, 27.

A leitura comparativa dos inquéritos nutricionais brasileiros, realizados nas três últimas décadas, mostra um declínio marcante na prevalência do déficit ponderal em crianças menores de cinco anos. De 1974/75 a 2006, a prevalência de déficit de peso para idade reduziu de 20,1%22 para 1,8%10. Esta redução também é observada ao comparar a prevalência de déficit de peso para altura (P/A) obtida na Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS), realizada em 1996 - 2,2% de déficit P/A24 - e em 2006 - 1,5% de déficit P/A10.

Ferreira e Luciano25, ao analisarem o estado nutricional de menores de cinco anos no Estado de Alagoas, identificaram prevalência de excesso de peso para altura oito vezes maior que o déficit de peso para altura (9,7% e 1,2%, respectivamente). Álvarez et al.6, em estudo realizado com crianças de 6 a 60 meses, da cidade de Antioquia, Colômbia, identificaram percentuais de excesso e déficit de peso por altura de 3,8% e 2,0%, respectivamente. Oyhenart et al.7 identificaram prevalência de excesso de peso por altura quatro vezes maior que de déficit (12,5% e 3,0%, respectivamente), ao avaliarem a situação nutricional de crianças entre 1 e 11 anos de idade, da cidade de La Plata, Argentina.

O estudo intitulado "Atenção à Saúde no Maranhão" 33, desenvolvido em 2006/7, com crianças menores de cinco anos, identificou prevalências de desnutrição pelos índices peso/idade (4,5%) e peso/estatura (3,9%) superiores às observadas em nosso estudo. Além disso, identificou prevalência de 6,7% de excesso de peso para altura, a qual é inferior às observadas para os municípios de Barra de São Miguel e Cabedelo, e superior à observada no município de Tibau do Sul.

A obesidade é um problema de saúde pública em diversas populações e tem apresentado elevadas prevalências nas faixas etárias cada vez mais precoces, o que aumenta o risco de persistência e de comorbidades associadas de maior gravidade, como as doenças cardiovasculares, hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e alguns tipos de neoplasias34. Outras complicações decorrentes da obesidade entre os mais jovens são os distúrbios mentais, ocasionados geralmente pelo não pertencimento destes indivíduos ao padrão físico ditado pela sociedade, o que gera a discriminação, exclusão social e consequentes transtornos psicológicos, como depressão e ansiedade35.

Este perfil nutricional tem sido relacionado a diversos determinantes, sobretudo àqueles relacionados ao estilo de vida, como o sedentarismo (sobretudo devido o tempo extensivo em frente à TV e/ou ao computador, em detrimento à prática regular de exercícios físicos) e a alimentação inadequada (em especial o elevado consumo de alimentos industrializados e fast foods)36. Estes hábitos, por vezes, são influenciados pelo ambiente familiar, devendo ser problematizados neste espaço, a fim de que sejam adotadas atitudes mais saudáveis com vistas a mudanças no estilo de vida.

No tocante ao déficit estatural, De Onis37 aponta que, em 2005, um terço de todas as crianças menores de cinco anos (cerca de 178 milhões de crianças) em países de baixa e média renda apresentava baixa estatura. No entanto, estudos apontam uma tendência de declínio tanto na prevalência da baixa estatura38 como do baixo peso37 em crianças, apesar de tais declínios ainda estarem aquém dos 50% de redução da desnutrição estabelecidos como uma das Metas de Desenvolvimento do Milênio (MDM-1)39 para erradicação da fome.

Monteiro et al40, ao analisarem os dados de quatro pesquisas domiciliares realizadas no Brasil (Estudo Nacional de Despesa Familiar em 1974-1975; Pesquisa Nacional de Saúde e Nutrição em 1989; e duas pesquisas sobre Demografia e Saúde, em 1996 e 2006-2007) referentes ao perfil de estatura de crianças, perceberam um deslocamento contínuo em direção ao crescimento normal ao longo do tempo. A prevalência total de baixa estatura em crianças nas quatro pesquisas foi a seguinte: 1974-1975, 37,1% (IC 95%: 34,6 - 39,6); 1989, 19,9% (IC 95%: 17,8 - 21,9); 1996, 13,5% (IC 95%: 12,1 - 14,8) e 2006-2007, 7,1% (IC 95%: 5,7 - 8,5). Desta forma, percebe-se uma redução superior a 80% na prevalência de baixa estatura nas crianças entre 1974-1975 e 2006-2007.

Groeneveld, Solomons e Doak5, Álvarez, López e Estrada6, Oyhenart e colaboradores7 reportaram elevadas prevalências em diversos países da América Latina, definindo-o como um problema de saúde pública ainda presente nos dias atuais. Ao comparar as prevalências de déficit de peso/idade e altura/idade no presente trabalho, percebe-se que este último apresenta percentuais superiores ao primeiro, indicando que, apesar de controlado o quadro de desnutrição aguda (caracterizado pelo déficit de peso por idade), ainda persiste o déficit estatural em crianças menores de cinco anos.

Groeneveld, Solomons e Doak5 encontraram prevalências de déficit de altura para idade variando entre 5,8% e 27,7%, em uma população de escolares de 8 a 10 anos de idade, na cidade de Quetzaltenango, Guatemala. Prevalências elevadas de déficit estatural (17,6%) também foram descritas por Álvarez, López e Estrada6. Na Argentina, Oyhenart et al.7 e Pais e Carrera4 encontraram prevalências de 15% e 7,5%, respectivamente, em crianças e adolescentes das cidades de La Plata e Santa Fé.

No Brasil, os inquéritos nutricionais e estudos como o de Monteiro et al32, por exemplo, têm identificado tendência de queda nas prevalências de déficit estatural, apesar de este ainda persistir em prevalências superiores a 5%. Resultados da última Pesquisa de Orçamentos Familiares12 identificaram prevalências de 6,3% e 5,7% em meninos e meninas menores de cinco anos, respectivamente, tendo atingido 8,4% e 9,4%, no primeiro ano de vida. Para a região Nordeste, a prevalência encontrada foi de 5,9% de crianças menores de cinco anos com déficit estatural.

Chagas et al33 identificaram prevalência de baixa estatura para idade superior às observadas em nosso estudo , tendo sido encontrado um percentual de 8,5% de crianças menores de cinco anos residentes em municípios do estado do Maranhão com déficit de altura para idade.

O déficit estatural apresenta natureza multicausal, como a renda familiar, ocupação, escolaridade, fatores ambientais (tipo de moradia, condições de saneamento), aspectos reprodutivos (idade da mãe, número e ordem de nascimento, intervalo interpartal), consumo alimentar, qualidade da alimentação, doenças concorrentes, acesso às ações de saúde, dentre outros fatores41.

Prevalências de déficit de altura próximas às obtidas em nosso estudo são reportadas por Ferreira et al.11, na avaliação da Chamada Nutricional do Semiárido, para os estados do Rio Grande do Norte e Paraíba. Outros estudos realizados em diversas regiões do País25-29 identificaram prevalências no retardo estatural superiores às deste trabalho, com variação de 6,7% (em menores de 10 anos da cidade de Ferros, Minas Gerais, sudeste do Brasil)27 a 12,3% (em crianças de 6 a 24 meses residentes em Acrelândia, no estado do Acre, norte do Brasil)28.

É importante destacar as elevadas prevalências de retardo no crescimento presentes em populações tradicionais do Brasil, como os quilombolas e indígenas. A Chamada Nutricional Quilombola29 identificou prevalência de 15% no déficit estatural de crianças menores de cinco anos. Com relação à população indígena, Castro et al.30 encontraram prevalência de 15,5% em crianças menores de 10 anos da tribo Kaingáng do sul do Brasil. Para a mesma faixa etária, Mondini et al.31 observaram prevalências de 28,2% e 15,06% em crianças da tribo Aruak e Karibe, respectivamente.

Diante do exposto, faz-se necessário que os equipamentos sociais de saúde e outras áreas, como a educação, estejam preparados para lidar com o perfil de transição nutricional da população, incorporando em seu cotidiano as ações de prevenção dos agravos e de promoção à saúde. Neste sentido, não apenas ações de educação alimentar e nutricional devem ser fomentadas, mas, sobretudo, ações que visem à garantia do direito humano à alimentação adequada, que incluam a promoção do acesso físico e econômico a uma alimentação saudável e diversificada42, e ações de vigilância alimentar e nutricional responsáveis pelo monitoramento da situação alimentar e nutricional da população.

Em síntese, conclui-se que ações voltadas para a promoção de uma alimentação adequada devem ser priorizadas no âmbito dos programas e políticas de alimentação e nutrição. As prevalências elevadas de déficit estatural e de excesso de peso reafirmam a vulnerabilidade deste grupo (menores de cinco anos) e a soma destas ações deve impactar na reversão deste perfil nutricional.

 

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Manuscript submitted Oct 08 2013
Accepted for publication Feb 22 2014

 

 

Corresponding author: alicetel@terra.com.br