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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.24 no.3 São Paulo  2014

 

ORIGINAL RESEARCH

 

Prevalência e fatores associados à depressão em estudantes de medicina

 

 

Juliane dos Anjos de PaulaI; Ada Maria Farias Sousa BorgesII; Louise Rayra Alves BezerraII; Helena Vieira ParenteII; Rafael César dos Anjos de PaulaIII; Rubens WajnsztejnIV; Alzira Alves de Siqueira CarvalhoV; Vitor Engrácia ValentiV; Luiz Carlos de AbreuV

IMédica Psiquiatra. Mestre em Ciências da Saúde. Programa de Pós-graduação em Ciências da Saúde. Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP, Brasil
IIFaculdade de Medicina de Juazeiro do Norte- Estácio/FMJ. Ceará, Brasil
IIIMédico, Programa de Residência Médica em Neurologia. Hospital Universitário Edgar Santos - UFBA/BA. Salvador, Bahia, Brasil
IVProfessor da Disciplina de Neurologia Pediátrica. Departamento de Neurociências. Faculdade de Medicina do ABC. Santo André, SP. Brasil
VLaboratório de Delineamento de Estudos e Escrita Científica. Departamento de Saúde da Coletividade. Faculdade de Medicina do ABC. Santo André, SP. Brasil

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: a depressão, além de causar grande sofrimento psíquico, pode levar a prejuízos no desempenho acadêmico e nos relacionamentos sociais.
OBJETIVO: estimar a prevalência de sintomas depressivos e sua associação com aspectos sociodemográficos e psicossociais em estudantes de medicina de uma região do Sertão Nordestino, Brasil.
MÉTODO: apopulação foi constituída por 1024 estudantes do primeiro ao décimo segundo períodos do curso de medicina de duas escolas médicas do Cariri, Sertão Nordestino, Ceará, Brasil. Utilizou-se o questionário de caracterização sociodemográfica e o Inventário de Depressão de Beck versão II.
RESULTADOS: a prevalência encontrada nessa população para o diagnóstico de depressão foi de 28,8%. 652 (63,7%) cumpriram com todos os protocolos para permanência na pesquisa. Apresentaram impacto negativo na saúde mental dos estudantes no modelo ajustado de regressão logística: sexo feminino OddsRatio ajustado (ORa) (IC95%): 1,83(1,19-2,82), saúde física razoável ORa (IC95%): 3,15(2,09-4,73),incerteza quanto ao futuro profissional ORa (IC95%): 2,97(1,65-5,34), desejo de mudar de curso ORa (IC95%):2,51(1,63-3,86), relacionamento social bom porém sem participação de atividades sociais ORa (IC95%): 1,96(1,27-3,04),dificuldades de relacionamento ORa (IC95%): 11,40(4,32-30,14) e raras atividades de lazer ORa (IC95%): 2,45(1,49-4,04) ou esporádicas atividades de lazer ORa (IC95%): 3,04(1,70-5,42.
CONCLUSÃO: observou-se alta prevalência de depressão nos estudantes de medicina nesta região. Sexo feminino, saúde física razoável, incerteza quanto ao futuro profissional, desejo de mudar de curso, não participação de atividades sociais e/ou dificuldades de relacionamentos, esporádica ou rara atividade de lazer foram associados a maior chance de desenvolver sintomas depressivos.

Palavras-chave: depressão, estudantes de medicina, prevalência, transtorno depressivo, educação médica.


 

 

INTRODUÇÃO

A depressão constitui-se no grupo de doença com a maior prevalência e crescimento dentro da população mundial, tornando-se um problema de saúde pública. Afeta uma em cada cinco pessoas em algum momento da vida e há previsão de que no ano de 2020 se torne a segunda doença em maior prevalência, perdendo apenas para as doenças cardíacas1.

Os sintomas clínicos da depressão2,3 são humor depressivo, tristeza, perda de interesse, perda ou ganho de peso significativo, insônia ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, fadiga ou perda de energia, sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inadequada, indecisão ou capacidade diminuída de pensar ou concentrar-se e pensamentos de morte recorrentes. Além de causar grande sofrimento psíquico, pode levar a prejuízos no desempenho acadêmico e nos relacionamentos sociais4.

Estudos realizados6,7com estudantes universitários revelam taxas de adoecimento para algum tipo de transtorno psiquiátrico durante a graduação em torno de 15 a 25%. O termo depressão tem sido utilizado em várias pesquisas para denominar tanto sintomas depressivos como transtornos depressivos, entretanto a presença de sintomas pode não necessariamente corresponder a um episódio depressivo.

Fatores intimamente relacionados à depressão são o abuso de drogas e o suicídio, muitos indivíduos buscam nas drogas uma maneira de aliviar sintomas de depressão ou mesmo a depressão está relacionada à abstinência de alguma substância 5. O suicídio é um importante indicativo de gravidade de um episódio depressivo2.

A prevalência de transtornos depressivos na população geral é em torno de 7%, enquanto que a de sintomas depressivos gira em torno de 12,6%ao longo da vida 2,3. Esses sintomas podem igualmente levar prejuízos a vida funcional e psicossocial dos indivíduos e, podem configurar risco para um transtorno depressivo maior quando não reconhecidos e tratados4.

Transtornos depressivos e transtornos de ansiedade são os mais prevalentes.

Entre os universitários, os alunos do curso de medicina tem sido alvo constante de pesquisas relacionadas, apresentando prevalência para os transtornos depressivos variando de 8 a 64%5-9.Essa ampla variação podeser explicada pela variedade de instrumentos existentes validados para pesquisa de sintomas depressivos em populações não clínicas assim como os diferentes pontos de corte estabelecidos.

Eventos estressores ao longo da formação médica tem sido apontados como possíveis desencadeadores de sintomas depressivos tais como: pouco tempo de lazer, contato com doenças e morte, a agressividade inerente a muitos procedimentos médicos, dificuldade em comunicar más notícias aos familiares e doentes e "pacientes-problema"10.

A depressão é problema de saúde pública e acomete vários estratos da sociedade, entretanto tem sido prevalente entre profissionais de nível superio6,7. Assim, o objetivo deste estudo foi estimar a prevalência de sintomas depressivos e sua associação com aspectos sociodemográficos e psicossociais em estudantes de medicina de uma região do Sertão Nordestino, Brasil.

 

MÉTODO

Trata-se de estudo transversal, realizado no período de setembro a novembro de 2013, cuja a população foi constituída de 1024 estudantes de medicina, sendo 356 alunos da Universidade Federal do Cariri (UFCa) e 668 alunos da Faculdade de Medicina Estácio de Juazeiro do Norte - Estácio/FMJ.

Os estudantes foram convidados a participar deste estudo e assinar o "Termo de Consentimento Livre e Esclarecido" (TCLE) , sendo caracterizado como critério de inclusão, o preenchimento do questionário sociodemográfico e do Inventário de Depressão de Beck versão II.

A escolha dos cursos deveu-se por serem similares em número de semestres e anos letivos. O curso de graduação em medicina está dividido em três módulos: básico (1º ao 4º semestre), intermediário (5º ao 8º semestre) e internato (9º ao 12º semestre).

Da população potencial (1024), 652 (63,7%) cumpriram com todos os protocolos para permanência na pesquisa. Foram excluídos: estudantes que participaram da pesquisa como facilitadores.

Foi aplicado o questionário de caracterização sociodemográfico contendo 24 questões com os seguintes dados complementares: período do curso, universidade, idade, sexo, cor, estado e país de nascimento, estado civil, prole, religião, local de residência, transporte utilizado até a faculdade, atividade remunerada, saúde física, uso de álcool e tabaco, hábitos de vida, relacionamentos sociais, satisfação com o curso, entre outros;juntamente com o Inventário de Depressão de Beck versão II (IDB-II).

O IDB-II é um questionário padronizado e autoaplicável. E configura-se como uma medida de autoavaliação dos sintomas de depressão. O IDB-II consiste em 21 afirmações que variam de intensidade de zero a três, com uma pontuação final que pode variar de zero a 63.

O uso do IDB-II não é recomendado para a classificação por escores de gravidade da depressão em amostras não clínicas11,12.Os pontos de cortes estabelecidos seguiram os critérios da última validação brasileira do IDB-II em amostras comunitárias sendo que zero a dez pontos correspondem à normalidade, a partir de 11 pontos constituem depressão11,12.

A variável depressão foi adotada como dependente, analisando-a a partir das independentes sexo, instituição de ensino superior, ciclo do curso, idade, religião, estado civil, saúde física, uso de tabaco, uso do álcool, incerteza em relação ao futuro profissional, desejo de mudar de curso.

A partir dos questionários respondidos foi elaborado um banco de dados no programa STATA, versão 12, no qual foi desenvolvida estatística descritiva e inferencial, fazendo uso de tabelas com frequências absolutas e relativas, valor médio, desvio padrão, máximo, mínimo, coeficiente de prevalência e teste de Qui-Quadrado de Pearson adotando significância estatística quando valor p < 0,05.

Após o teste de Qui-Quadrado, a partir das variáveis que apresentaram valor p de até 0,2 com a variável depressão, foi elaborado um modelo logístico multinominal, obtendo-se os valores de OddsRatios (OR) ajustados em função das variáveis mantidas neste modelo após que compuseram este modelo, permitindo interpretar as estimativas de OR e Intervalo de Confiança (IC) já ajustadas pelas variáveis envolvidas nesta análise13,14.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Medicina do ABC, número do Parecer: 268.234.

 

RESULTADOS

Nas tabelas de 1 a 4 relatam-se os eventos descritivos e associativos da depressão.

Participaram deste estudo 652 estudantes (63,7%) distribuídos em todos os semestres do curso de medicina das duas instituições instaladas na região do Cariri, uma particular (68,9%) e outra pública (31,1%). A maioria estava cursando o ciclo básico (44,3%) sendo a maior parte dos participantes são do sexo feminino (58,9%), com média de idade de 22,74 ± 3,68 com maior concentração no intervalo dos 20 aos 27 anos de idade (73,0%), a cor da pele predominante foi a cor branca (58,9%) (Tabela 1).

A maioria dos estudantes era proveniente do estado do Ceará (75,6%), sendo que 93,5% estavam solteiros, 50,3% mantinham algum relacionamento amoroso e 71,2% eram católicos. A maioria morava com familiares (55,1%) e 29,5% moravam com outros estudantes (Tabela 1). Segundo os relacionamentos sociais, 60,7% relataram relacionar-se bem com amigos e parentes e participavam com frequência de atividades sociais. 40,5% dos estudantes realizam esporadicamente atividades de lazer e 66,3% escolheram o curso de medicina por vontade própria.

De forma geral, a principal forma de locomoção desses estudantes é feita através de carro próprio (46,6%). A maioria dos estudantes não exerce nenhuma atividade remunerada (82,5%), porém verifica-se que os estudantes de Instituição de Ensino Superior (IES) pública apesar de em sua maioria não exercer nenhuma atividade com renda (65,3%) eles exerciam mais atividades acadêmicas com bolsa (30,2%) quando comparados com alunos de escola privada (3,3%), tal fato reflete provavelmente as oportunidades nas distintas IES. A maioria dos estudantes referiu sua saúde física como boa, consumiam álcool e não faziam uso de cigarro de tabaco.

A prevalência encontrada nessa população para o diagnóstico de depressão foi de 28,8%, sendo a média de pontuação obtida dos alunos deprimidos no IDB-II foi de 16,9 ± 6,4 (tabela 2). 10,34% estudantes apresentaram ideação suicida (tabela 3).

Após teste qui-quadrado de Pearson foram selecionadas as variáveis (p < 0, 20) para o modelo de regressão logística: sexo (p < 0.001), religião (p = 0,185), saúde física (p < 0,001), uso de tabaco (p = 0,111), incerteza do futuro profissional (p < 0,001), desejo de mudar de curso (p < 0,001), relacionamentos sociais (p < 0,001) e atividade de lazer (p < 0,001). Visto o estado civil (p = 0,342) ser um fator comumente associado a sintomas depressivos optou-se por incluir esta variaìvel na regressão logística (tabela 4).

Não entraram no modelo de regressão logística as variáveis: instituição de ensino superior (p = 0,441), ciclo do curso (p = 0,439), idade (p = 0,950) e uso do álcool (p = 0,472).

No modelo ajustado, as variáveis selecionadas foram capazes de explicar 23,54% do diagnóstico de depressão nos participantes do estudo (r2 = 0,2354) (tabela 4).

Em algumas perguntas do questionário sociodemográfico, questões como estado civil e religião foram deixadas em branco por alguns participantes.

 

DISCUSSÃO

A prevalência de depressão e fatores associados de estudantes de medicina de uma região do Sertão Nordestino, Brasil, foi elencado como situação de grave problema de saúde pública1,4.

A prevalência de sintomas depressivos encontrada foi de 28,8%, sendo a média de pontuação no IDB-II de 16,9±6,4 (Tabela 2), já a prevalência de transtornos depressivos na população geral é em torno de 7%, e de sintomas depressivos gira em torno de 12,6%ao longo da vida2,3.

Esses sintomas podem igualmente levar prejuízos a vida funcional e psicossocial dos indivíduos e, podem configurar risco para um transtorno depressivo maior quando não reconhecidos e tratados4.

Observa-se que quanto maior a intensidade da ideação suicida relatada através da questão 9 do IDB-II , maior era a média do score geral encontrado. Dos 10,34% estudantes que apresentaram alguma ideação suicida no momento da avaliação, todos apresentavam score para depressão (IDB >10) (tabela 3).

Estudos8,9,15-20 utilizando-se o IDB com pontos de corte semelhantes ao utilizado neste estudo, observou-se que a prevalência para depressão variou entre 13,9% a 48,2%. Esta extensa variação parece ser indicativo de vieses nas coletas de dados no qual dificultam a realização de comparações entre os estudos, permitindo apenas trata-los como semelhantes.

Uma maior prevalência para depressão em estudantes do ciclo básico tem sido relatados21. Estudo encontrou que quase metade (48,2%) dos estudantes apresentavam sintomas depressivos, sendo que 20,7% apresentavam sintomas leves, 16,6% sintomas moderados, e 10,9% sintomas graves. A prevalência de depressão foi mais alta entre os estudantes do primeiro ano (64%) e segundo ano (62%), e mais baixa nos alunos do quarto ano (33%)9.

Verificou-se no presenteestudo que a prevalência de sintomas depressivos foi diminuindo à medida que o curso avançava, saindo de 31,1% no ciclo básico, 27,8 % no ciclo intermediário, para 25% durante o internato. A maior ocorrência de depressão no ciclo básico estaria relacionada à mudança da rotina dos estudantes que ingressam no curso médico e que passam a receber uma grande quantidade de informações, aumento da carga horária exigida de estudos e mudança abrupta no método de estudo22.

Por outro lado, nos achados de Melo-Carrilho et al23 verificou-se um aumento significativo de sintomas depressivos em estudantes que cursavam oitavo semestre (quarto ano) do curso médico, tal fato foi associado ao início do internato. Em concordância, Costa et al15, estimou a prevalência de sintomas depressivos em alunos durante o internato em medicina em torno de 40,5%. Fatores como contato com a doença e a morte, agressividade inerente a muitas intervenções, dificuldades em comunicar más notícias, além da necessidade de uma especialização ao final do curso seriam responsáveis pela sintomatologia8.

No instrumento utilizado IDB-II, o suicídio é desfecho negativo mais grave do transtorno depressivo. Estudos20,24 têm relacionado a ideação suicida em estudantes de medicina a eventos estressores, gravidade de sintomas depressivos e ansiosos, perda de controle, transtorno de personalidade, e ausência de relacionamento estável.

Verificou-se associação com depressão, na primeira análise, através do teste qui-quadrado, as variáveis: sexo, saúde física, incerteza em relação ao futuro profissional e desejo em mudar de curso (tabela 4).

Após regressão logística, observou-se que o sexo feminino apresentou uma chance 1,83 vezes maior para desenvolvimento de depressão em comparação com ao sexo masculino (tabela 4). Os estudos têm demonstrado que o sexo feminino é um fator de risco significante para depressão tanto em populações universitárias quanto na população geral9,25-27.

A presença e severidade dos sintomas depressivos têm sido associadas aos anos iniciais da faculdade e sexo feminino9. Jadoonet al25 verificou que o sexo feminino teria 2,01 mais chance para depressão do que os pares do sexo masculino. Com o passar dos anos as atividades masculinas e femininas tem se estreitado, o que os deixam equivalentes em responsabilidades, porém observa-se que estudantes de sexos diferentes têm um padrão distinto de resposta ao estresse22.

De uma maneira geral, as mulheres na nossa sociedade além de acumular atividades acadêmicas e laborais, exercem múltiplos papéis como a maternidade, responsabilidades no lar e cobranças sociais, além de maior predisposição, alterações de humor resultantes de influências hormonais, o que poderia explicar em parte essa maior predisposição a depressão nessa população28.

A religião, estado civil, uso de tabaco no modelo ajustado não apresentaram significância estatística neste estudo (tabela 4). Em Jadoonet al.25, idade, estado civil, localidade e rendimento familiar também não foram fatores determinantes na prevalência de depressão em estudantes de medicina. Entretanto, em relação ao tabagismo, alguns estudos têm demonstrado maiores chances para depressão nos usuários. Os fumantes entre estudantes de medicina foram 2,2 vezes mais propensos a ter sintomas depressivos do que os não fumantes29.

Outro estudo30 nessa temática verificou que estudantes que fumavam regularmente tinham níveis significativamente mais altos de depressão. Nossos resultados demonstraram oddsratio 1,96 IC95% (0,84-4,55) para depressão nos tabagistas, porém não foi estatisticamente significante certamente pelo pequeno tamanho da amostra.

Vasegh e Mohammadi31 sugeriram que a crença religiosa seria um possível fator protetor para sintomas depressivos e ansiosos, porém não encontraram significância estatística para depressão.

A percepção de saúde física como razoável quando comparada com uma percepção de boa saúde apresentou uma chance de 3,15 vezes mais para ocasionar depressão (tabela 4). Estudos enfocando qualidade de vida detectaram uma significativa deterioração nos domínios da vitalidade, saúde física e psíquica ao estudarem prospectivamente a qualidade de vida relacionada à saúde dos estudantes de medicina32,33.

Entre os alunos que tinham muita incerteza quanto ao seu futuro profissional encontra-se a chance para depressão 2,97 maior em relação aos que não tinham incerteza em relação ao futuro (tabela 4). Nas variáveis "ter atividades de lazer e bons relacionamentos sociais com participação de atividades com amigos e familiares" parece fazer bem a saúde mental do estudante. Em estudos correlatos32,33 a carga horária exaustiva, falta de tempo para realização de atividades físicas, diminuição das atividades de lazer no dia a dia pode estar relacionado a um mau desempenho físico e mental.

A incerteza em relação ao futuro profissional assim como o desejo em mudar de curso apresentou ocorrência crescente à medida que o estudante tinha dúvidas acerca do que almejava no futuro (tabela 4). Estudos34,35 avaliaram a correlação entre o grau de satisfação dos estudantes de medicina com o curso e a pontuação obtida pelo Inventário de Depressão de Beck (IDB), verificaram-se que quanto maior a satisfação e envolvimento do estudante com o curso menor será a presença de sintomas depressivos, com menor pontuação no IDB.

A chance para depressão naqueles que se relacionam bem mas não participam de atividades sociais foi de 1,96 maior em comparação aos bem relacionados (tabela 4). Os que consideravam ter dificuldades de relacionamento apresentaram 11,40 mais chance para depressão em comparação a aqueles que se relacionavam bem e participavam de atividades sociais. Os que esporadicamente e raramente tinham atividades de lazer apresentaram-se mais vulneráveis a apresentar sintomas depressivos, as chances respectivamente foram de 2,45 vezes e 3,04 vezes para desenvolvimento da doença (tabela 4.

Costa et al15 avaliou estudantes no internato e verificou que as variáveis de maior impacto associadas ao aparecimento de sintomas depressivos foram: pensamentos de abandonar o curso, tensão emocional e desempenho acadêmico regular.

O modelo ajustado foi capaz de explicar 23,54% do diagnóstico de depressão nos participantes do estudo, valor relativamente alto visto a depressão ser uma doença multifatorial (tabela 4). Além das causas ambientais, outros fatores como os temperamentais por exemplo, o neuroticismo; genéticos, por exemplo, familiares de primeiro grau dos indivíduos com transtorno depressivo maior tem um risco 2 a 4 vezes mais elevado de desenvolver a doença do que a população geral; fatores fisiológicos como doenças endócrinas e modificadores do curso estão envolvidos no desenvolvimento dos sintomas2.

Por fim verificou-se que a prevalência de depressão em estudantes de medicina foi mais elevada do que na população geral2. Em estudos comparativos observou-se que a prevalência oscilou entre 13,9% a 48,2%. Entretanto estes estudos8,9,15-20 foram realizados utilizando o IDB em versões anteriores. Os resultados expressos nas tabelas 1 a 4 reportam prevalência similar entretanto com instrumento em uma versão mais atual e mais fidedigna na composição e análise dos resultados.

A ideação suicida referida através da questão 9 no IDB-II foi diretamente proporcional a gravidade da depressão de acordo com a pontuação obtida neste instrumento.

Por outro lado, mesmo diagnosticados, os estudantes de medicina não procuram ajuda profissional36,37. Protocolos23 têm sido sugeridos da implementação de programas de psicoeducação com a finalidade de aumentar a adesão do indivíduo a rotina de tratamento. Repensar o papel da instituição e do currículo médico no desencadeamento, manutenção e prevenção dos sintomas detectados poderia amenizar esta problemática15,20.

Na região do Cariri, nas cidades de Juazeiro do Norte - Ceará, Brasil e Barbalha, Ceará, Brasil, pólo das duas faculdades de medicina estudadas há escassez de serviços de saúde mental voltados para suporte psiquiátrico e psicológico do estudante de medicina.

Dos 100% dos estudantes que poderiam ter composto a amostra, 63,7% participaram efetivamente da pesquisa. Essa taxa de resposta foi semelhante em outros nos estudos com universitários25,20,36,38.

Do ponto de vista de limitações de estudo, verifica-se que pacientes deprimidos podem apresentar queixas somáticas importantes e que indivíduos que apresentam doenças clínicas frequentemente apresente mais sintomas depressivos. Quanto a incerteza em relação ao futuro profissional, desejo de mudar de curso, dificuldades de relacionamento, participação de atividades sociais ou de lazer podem também ser interpretadas como resultantes do estado depressivo em função de sintomas como pessimismo, baixa autoestima, prejuízo da capacidade de decisão, isolamento, desanimo correspondendo talvez ao momento da depressão.

Outra limitação refere-se ao uso do IDB-II, que tem por finalidade detectar sintomas depressivos e não a presença ou ausência de um episódio depressivo, é impossível estabelecer uma relação temporal entre inicio dos sintomas e o ingresso na universidade já que o IDB-II avalia a presença de sintomas nas duas últimas semanas, bem como de estabelecer causalidade entre as associações encontradas.Estes achados sobre a prevalência de depressão em estudantes de medicina é expectante sobre condutas no campo da saúde pública, visto ser iminente ações que possam ser direcionadas ao cuidado do profissional que cuida de pessoas.

Como enfatiza Atrashand Karpentier39, a saúde é frequentemente definida como um resultado de interações complexas, sendo algo que esta em constante movimento e, dependendo de atenção constante e manutenção ativa. Em particular, que a realização de um boa qualidade da saúde pública depende da nossa capacidade defazer as escolhas certas em relação ao ambiente que determina o estado atual de saúde de uma população, mas também para fazer as escolhas certas e tomar as medidas adequadas para evitar ameaças previsíveis. Por outro lado, processos de medicina translacional40 devem ser são imprescindíveis para melhor condução dos graves problemas enfrentados pela Saúde Pública, tal qual a depressão, pois se constitui de processos possíveis de melhoria na qualidade de vida dos atores envolvidos.

Em conclusão, evidencia-se que na região do Cariri, localizada no Sertão Nordestino, Brasil, a prevalência geral de sintomas depressivos em estudantes de medicina foi de 28,8%. Sexo feminino, saúde física razoável, incerteza quanto ao futuro profissional, desejo de mudar de curso, não participação de atividades sociais e/ou dificuldades de relacionamentos, esporádica ou rara atividade de lazer foram associados a maior chance de desenvolver sintomas depressivos. Tais associações podem ser consideradas também decorrentes dos sintomas depressivos em que ocorre uma percepção negativa dos fatos e isolamento social. Repensar o papel da instituição e do currículo médico no desencadeamento, manutenção e prevenção dos sintomas detectados poderia ser uma solução com a finalidade de minimizar os efeitos sobre a saúde mental dos estudantes de medicina.

 

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Manuscript submitted May 19 2014
Accepted for publication Oct 21 2014

 

 

Aplicação clínica do estudo: É imprescindível intervenções no campo da Saúde Pública para cuidar dos profissionais que cuidam da população. Estudantes de medicina com alta prevalência de Depressão terão dificuldades de cuidar de pessoas durante sua formação e após, no exercício da sua função de médico.
Artigo decorrente da dissertação de mestrado do pós-graduação em Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina do ABC: "Prevalência de Sintomas Depressivos e Fatores Associados em Estudantes de Medicina do Sertão Nordestino", Santo André, SP, 2014.
Corresponding author: julianepaula2@hotmail.com