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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.24 no.3 São Paulo  2014

 

ORIGINAL RESEARCH

 

Gravidez: associação de fatores de risco e proteção na adolescencia

 

 

Nancy Ramacciotti de Oliveira-Monteiro; Juliana Vasconcellos Freitas; Maria Aznar Farias

Universidade Federal de São Paulo, Campus Baixada Santista. Endereço: Rua Silva Jardim, 136, Vila Mathias, Santos-SP, CEP 11015-020

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: a gravidez na adolescência é sobremaneira preocupante em contextos de vulnerabilidade social, embora fatores de proteção em diferentes sistemas ambientais possam interagir no desenvolvimento de mães adolescentes.
OBJETIVO: analisar fatores de risco (FR) e de proteção (FP)de mães adolescentes.
MÉTODO: uma pesquisa inicial foi realizada quando os filhos tinham menos de cinco meses, seguida de etapas longitudinais: quando tinham três anos, 10 anos, e14 anos. Para levantamento de FR e FP foram realizadas observações nas moradias e entrevistas de discurso livre autobiográfico. Análises dos resultados seguiram padrões qualitativos.
RESULTADOS: houve indicação de FR associados a problemas familiares, dificuldades escolares e inserção em ambientes permeados pelo tráfico; FP foram identificados na relação positiva com as famílias de origem e com os pais das crianças.
CONCLUSÕES: fatores de risco e de proteção estiveram presentes em diferentes sistemas ambientais e condições pessoais

Palavras-chave: estudos longitudinais, gravidez na adolescência, fatores de risco, adolescente, desenvolvimento humano.


 

 

INTRODUÇÃO

A gravidez na adolescência (GA) é tida como preocupante para o desenvolvimento positivo e integral das mães e de seus filhos, especificamente quando ocorre em contextos de maior vulnerabilidade social. Organismos nacionais e internacionais voltados à saúde de jovens vêm indicando problemáticas envolvidas na gestação, maternidade e paternidade de adolescentes, particularmente em termos de riscos associados, sejam eles imediatos, ou instalados a médio ou longo prazo1,2. Trata-se de riscos gerais ao desenvolvimento, abrangendo áreas de saúde física, psicológica e de desenvolvimento social e de cidadania.

Estudos também têm problematizado o entendimento da negatividade da GA, apontando para a heterogeneidade do fenômeno considerando as inserções sociais, culturais e históricas em que ele ocorre, destacando sua complexidade e multideterminação3,4,5,6,7, com questionamentos que chegam a abarcar indicativos de positividade associada à GA8. Entretanto, a literatura sobre a temática é bastante expressiva nas investigações que associam fatores negativos predisponentes à GA, entendida de forma geral como um evento a ser evitado nessa etapa da vida9-13.

Diversas investigações sobre gravidez e maternidade de adolescentes brasileiras mostram uma multiplicidade de causas negativas associadas à GA, abrangendo dificuldades de natureza econômica, problemas escolares, conflitos familiares e com o pai da criança, e inserção em contextos ambientais de violência e tráfico de entorpecentes6,14-19.

Em trabalhos que problematizam a negatividade da GA, contudo, há indicativos de que o fenômeno, em alguns contextos, possa se constituir um fator de proteção ao desenvolvimento4,14,20,22. Para algumas adolescentes em situação de grande vulnerabilidade social, por exemplo, o filho pode representar perspectivas renovadas para o presente e para o futuro23,24, o que pode vir a ser um fator pessoal protetivo para a mãe adolescente.

Poletto e Koller25 descrevem fatores de proteção como condições que moderam a relação entre riscos e o desenvolvimento do sujeito, como influências que podem modificar e melhorar ou alterar respostas pessoais a determinados riscos. Por sua vez, condições e eventos negativos de vida seriam considerados por essas autoras como potenciais fatores de risco, já que suas presenças viriam aumentar a probabilidade da ocorrência de vários tipos de problemas, sejam de ordem física, social ou emocional.

A Teoria Ecológica do Desenvolvimento Humano Bronfenbrenner26 aponta que eventos negativos e fatores protetivos interagem em diferentes níveis ambientais (sistemas micro, meso, exo e macro), alterando respostas das pessoas aos fatores de risco num sentido adaptativo, como pode ocorrer no caso de comportamentos pró-sociais e presença de resiliência27. Também os recursos internos dos indivíduos, assim como diferentes estados de coesão ecológica nos ambientes dos quais fazem parte, como na rede de apoio social e afetiva, auxiliam pessoas no enfrentamento de adversidades25.

Vários problemas de desenvolvimento são associados a fatores de risco presentes na infância e no início da adolescência20,28. A GA é associada a esses fatores de risco, mesmo que nem sempre indicada como aspecto negativo no desenvolvimento14,15,20-23. Ressalta-se que algumas adolescentes manifestam desejos de engravidar e parecem orgulhar-se de serem mães, entendendo a maternidade como atributo de maior autonomia perante adultos, ou mesmo possibilidade para se libertarem de situações ambientais adversas29.

Nessa delimitação, estudo de Cerqueira-Santos et al14 indicou que a gravidez na adolescência não pode, por si só, ser considerada fator de risco, já que ela é fenômeno diversificado a partir de sua inserção em determinados contextos ambientais e condições pessoais específicas. Assim, o objetivo é analisar fatores de risco e de proteção de mães adolescentes.

 

MÉTODO

O delineamento metodológico do estudo longitudinal incluiu três etapas de atualizações de indicadores psicossociais das díades (mães e seus primeiros filhos nascidos na adolescência), após o levantamento de dados do estudo de partida, realizado em 1997. Os levantamentos das outras etapas longitudinais aconteceram em 2001, 2007 e 2011. O estudo teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (CEP/UNIFESP 0458/11).

Sujeitos - Foram participantes da pesquisa oito mães que haviam sido atendidas num programa público de pré-natal e maternidade de adolescentes, na cidade de Santos (SP). Esse programa contava com equipe multidisciplinar de trabalho, nas áreas de medicina, enfermagem, psicologia e fisioterapia. Para serem atendidas no programa, adolescentes grávidas eram triadas pela equipe a partir dos critérios de pouca idade (menores de 16 anos) e situação de vulnerabilidade social - condições indicativas de fatores de risco. A proposta do programa era o atendimento integral à adolescente gestante, com oferta de pré-natal especializado, atendimentos familiares, orientações para incremento de novos papéis associados à maternidade e acompanhamento no parto e no puerpério. Para participação no estudo longitudinal, as mães adolescentes foram selecionadas por critérios de conveniência e acessibilidade. A Tabela 1 apresenta as idades das oito mães e de seus filhos primogênitos, nos quatro momentos do estudo longitudinal (E1, E2, E3, e E4).

Instrumentos

1. Observação nas moradias e seu entorno - o instrumento foi utilizado em todas as etapas do estudo longitudinal, com inserção ecológica31 da pesquisadora, a mesma nos levantamentos de campo em todas as etapas longitudinais. As observações foram registradas de forma direta, com relação às categorias: condições do entorno, condições da habitação, relações entre os membros da família na presença do observador, e relação destes com o observador.

2. Entrevista de discurso livre autobiográfico32 - o instrumento foi utilizado com as mães em todas as etapas longitudinais, consistindo numa entrevista semiaberta iniciada com a proposta de um discurso livre sobre a própria vida, seguida de sondagens feitas pela entrevistadora sobre eixos temáticos focalizados no estudo longitudinal, que incluem: relação com a família de origem, com o pai da criança e com o filho; aspectos emocionais; aspectos ambientais; uso de substâncias psicoativas; escolaridade e inserção profissional.

Procedimento

Coleta de dados - Procedimentos nas etapas longitudinais E2 (2001), E3 (2007) e E4 (2011) incluíram buscas para reencontro das mães investigadas. Durante o tempo da pesquisa longitudinal aconteceram diversas mudanças de residência, trazendo grandes dificuldades para reencontro das mães pesquisadas. Em todas as etapas da pesquisa, ocorreram de três a quatro visitas às moradias, com intervalos de aproximadamente uma semana, para observações e entrevistas. Os encontros aconteceram em horários combinados com as mães investigadas e a pesquisadora.

As observações nas moradias e seu entorno, registradas num diário de observação, aconteceram quando das visitas da pesquisadora às residências. A entrevista de discurso livre feita em cada etapa da sequência longitudinal foi realizada em duas a três sessões, em cada etapa longitudinal, de aproximadamente 30 minutos cada. A entrevista era finalizada quando mostrados sinais de saturação dos conteúdos investigados nos eixos temáticos. O material das sessões foi gravado e posteriormente transcrito.

Análise dos dados - Dados das observações e das entrevistas foram organizados num modelo de análise qualitativa por grupo de conteúdos dos eixos temáticos, sistematizados em indicadores negativos (associados a condições de prejuízos e danos para o desenvolvimento) e positivos (associados a boas condições para desenvolvimento), respectivamente considerados como fatores de risco e fatores de proteção. A sistematização considerou indicadores e tendências presentes em todas as etapas do seguimento longitudinal.

 

RESULTADOS

Os indicadores relativos a fatores de risco (FR) e de proteção (FP), abaixo citados, emergiram de referências presentes nas entrevistas realizadas com as mães investigadas e nas observações feitas nas moradias e seu entorno, durante as quatro etapas do seguimento longitudinal (E1, E2, E3 e E4). As Tabelas 2 e 3 apresentam esses resultados relativos a FR e FP, caso a caso das díades, nas quatro etapas longitudinais.

Fatores de risco verificados longitudinalmente:

Problemas psicológicos- queixas relativas a problemas de ordem psicológica, incluindo sentimentos de tristeza, depressão, solidão, abandono e culpa, estiveram presentes em sete dos oito casos investigados. Algumas dessas queixas foram referidas como de tempos anteriores à ocorrência da gravidez.

Ameaças de expulsão de casa, e/ou inseguranças e instabilidades para moradia - as inseguranças e instabilidades para moradia, com prejuízos no sentido de pertinência segura num lar e numa morada, foram referências presentes em seis dos oito casos investigados. Essas inseguranças abarcavam situações de ameaças de expulsão de casa, à época da ocorrência da gravidez, até condições prejudicadas para estabelecimento de residência para a nova família constituída com o pai da criança. Graves dificuldades para pagamento de aluguéis e para permanência e instalação de moradia aconteceram em dois casos investigados, em períodos de prisão dos companheiros.

Dificuldade de inserção escolar - a dificuldade de inserção escolar das mães aconteceu desde antes da ocorrência da gravidez. Queixas relativas à escola foram comuns nas mães investigadas. A volta à escola após o nascimento das crianças foi dificultada em todos os casos investigados. Constantes mudanças de moradia interferiam negativamente para o retorno à escola. As desvantagens na trajetória escolar atingiram especialmente cinco mães dentre as oito investigadas.

Dificuldades de inserção escolar para os filhos - as dificuldades de inserção escolar para os filhos foram referidas nas duas primeiras etapas do seguimento longitudinal (E1 e E2), época na qual as crianças frequentariam creches. Todas as investigadas referiram dificuldades para colocar os filhos nas creches. Dados da terceira etapa longitudinal (E3) indicaram que as crianças passaram a frequentar escola a partir dos 6/7 anos. Em E4, houve referências de que todos os filhos, já na adolescência, estavam frequentando escola, sem ter havido interrupções.

Situação de vitimização por abuso sexual - situações de abuso sexual antes da gravidez proveniente de figuras masculinas familiares (padrastos) foram referidas por três investigadas.

Situação de violência doméstica- vitimização por violência doméstica foi condição de uma das investigadas, após constituição de família com o pai da criança, usuário de álcool e cocaína, envolvido com tráfico de drogas e com histórico de duas prisões.

Dificuldades de vínculo/cuidado com o(a) filho(a) - problemas de vinculação com a criança, com prejuízos nos cuidados foram verificados nos três casos em que não houve amamentação exclusiva no peito até os cinco meses da criança (E1), e também indicativos de problemas com a família de origem e com o pai da criança. Num desses casos, a avó materna assumiu extensamente papéis maternos no cuidado da criança e seu marido (avô materno) foi quem registrou o bebê como filho.

Dificuldades nos vínculos com a família de origem - em quatro dos casos foram verificadas dificuldades de vínculo com a família de origem, especialmente com as próprias mães das investigadas, desde a época anterior da gravidez. Essas dificuldades permaneceram, tendo havido pouco restauro nessas relações.

Prostituição - a situação de prostituição foi presente em uma das mães investigadas, com mãe também prostituta e criada em ambiente de prostituição. A criança era fruto de uma relação sexual em situação de prostituição.

Uso e abuso de drogas - uso de maconha e cocaína foi referido em dois dos casos investigados.

Moradia próxima a tráfico de drogas, zona de criminalidade e/ou de prostituição - os entornos de moradias de todos os oito casos investigados indicavam ser zonas de insegurança porque permeados por tráfico de entorpecentes, criminalidade e/ou prostituição.

Uso abusivo de álcool/drogas e conflitos com a lei na família de origem - problemas de abuso de álcool e drogas e/ou de conflitos com e lei nas famílias de origem foram referidos em seis dos casos investigados, especialmente à época da ocorrência da gravidez e nascimento das crianças (E1).

Problemas com o pai da criança: ausência, uso abusivo de drogas, envolvimento com tráfico de entorpecentes, prisão - problemas com os pais das crianças apareceram em seis dos casos acompanhados, incluindo desde prejuízos relativos à presença e cuidados (por abandono ou desconhecimento da vida da criança) até prejuízos por presença negativa, por situação de violência doméstica, uso abusivo de drogas, envolvimento com tráfico e prisões. Os três pais ausentes naquela época assim permaneceram durante os quase 15 anos da pesquisa, com graves prejuízos nas funções paternas e ausência do nome do pai no registro da criança. Dois dos pais eram adolescentes menores de 18 anos à época da ocorrência da gravidez. Dos cinco pais que estavam junto às mães adolescentes, à época da gravidez e enquanto o(a) filho(a) era um bebê, quatro se mantiveram em relação familiar estável (com constituição e manutenção da família). Em um desses casos, em que houve posterior separação do casal, não houve prejuízo quanto ao registro do filho e pagamento de pensão alimentícia.

Fatores de proteção indicados no seguimento longitudinal:

Bom vínculo afetivo com a família de origem - dois dos casos investigados indicaram presença e manutenção de bons vínculos com as famílias de origem (figuras parentais, irmãos e outros parentes).

Positividade no vínculo com o pai da criança - boa relação com o pai da criança, com constituição de família e consolidação da relação com o passar do tempo foi situação presente nos mesmos dois casos que apresentaram referência de bons vínculos com a família de origem.

Constituição de família com o pai da criança - cinco das investigadas constituíram família com os pais das crianças, quando os filhos eram bebês (E1), situação familiar que se manteve em quatro desses casos.

Continuidade da trajetória escolar - uma das investigadas concluiu o ensino fundamental (1º Ciclo) e duas concluíram o ensino médio (2º Ciclo), uma delas tendo iniciado (e depois interrompido) um curso superior.

Esperanças e sonhos para a vida - seis das investigadas manifestaram mais expressivamente sonhos, projetos e esperanças para a vida.

Bom humor- aspectos psicológicos denotativos de alegria e bom humor na avaliação da própria vida ficaram denotados em seis das mães investigadas.

Crença religiosa - todas as investigadas referiram ter crenças religiosas.

 

DISCUSSÃO

No âmbito do estudo aqui apresentado, problemas psicológicos anteriores à ocorrência da gravidez na adolescência e também presentes durante o ciclo gravídico puerperal foram referidos por algumas das investigadas na primeira etapa da pesquisa (E1), tempo que seus filhos tinham menos de cinco meses. O estágio do desenvolvimento dessas adolescentes e também suas condições psicológicas prévias, como lembra Figueiredo33, tinham relação com suas posturas diante das novas tarefas desenvolvimentais próprias da maternidade, enquanto outras tarefas de seu próprio desenvolvimento ainda podiam estar por vir.

O estudo de Caputo e Bordin34, que comparou perfis de saúde mental de adolescentes primigestas e adolescentes sexualmente ativas que nunca tinham engravidado, encontrou que as grávidas apresentavam mais frequentemente sintomas de ansiedade e depressão. Por sua vez, na presente investigação, sentimentos de tristeza, abandono, solidão e culpa foram queixas associadas especialmente a problemas familiares, em todos os casos na primeira etapa do estudo longitudinal (E1).

No início da pesquisa longitudinal, foram relatadas pelas mães (adolescentes àquela época) dificuldades de relacionamento com as próprias mães, situações de ameaças de expulsão de casa, abusos sexuais advindos de padrastos, e ausência paterna. Muitos desses problemas permaneceram com o crescimento dos filhos no passar do tempo e foram mais acentuados nos casos em que não se estabeleceu uma boa relação com o pai das crianças, com constituição de uma nova família com ele. Schwartz, Vieira e Geib34 e também Santos24 indicaram a importância do apoio social (emocional e financeiro) por parte da família de origem e do companheiro para a adolescente mãe em seu enfrentamento dos desafios da maternidade. No presente estudo, essa proteção esteve presente de forma irregular nos casos acompanhados.

No grupo das oito investigadas, as posições adotadas pelos pais das crianças, à época da gravidez, tenderam a se cristalizar com o passar do tempo. As relações prejudicadas com os pais das crianças atingiram as mesmas mães que tinham dificuldades de vínculo com a família de origem e, algumas, com as próprias crianças. Uma não positividade afetiva com a família de origem, anterior à GA, indicou condições de solidão e isolamento em quatro dos casos investigados (AL, AM, EL, DAN). Esse dado vem ao encontro do colocado por Reis e Oliveira-Monteiro19, que em pesquisa sobre sexualidade e procriação na adolescência com adolescentes moradores de favelas, encontraram que principal motivo atribuído para uma adolescente engravidar foi "sentir-se só" para 24% das meninas e 0% para os meninos; em segundo lugar, com 23% para as meninas e 15% para os meninos, a causa residiu em "brigas ou tristezas com a família". Também em trabalho de Gontijo e Medeiros23, o principal significado atribuído aos filhos por mães adolescentes era o de alguém que iria acabar com a solidão e com o abandono.

Diversas situações com potencial risco para o desenvolvimento das mães investigadas longitudinalmente foram indicadas, como: o abuso de álcool por figuras parentais, prostituição e criminalidade, prisões e envolvimento com drogas, além de tráfico de entorpecentes, pelos pais das crianças, indicadores também referidos em Oliveira-Monteiro22 e Oliveira-Monteiro et al17.

Da mesma forma do apontado por Santos24, vários eventos anteriores à ocorrência da GA foram verificados nos casos seguidos longitudinalmente, como as dificuldades escolares, as dificuldades econômicas, a falta de apoio familiar e social, e também a monoparentalidade.

Alguns outros fatores de risco discutidos na literatura, como a falta de preparo para a maternidade20,21 não foram expressivos no grupo investigado, provavelmente pelas ações desenvolvidas durante o Programa de pré-natal especializado que as adolescentes haviam frequentado.

Indicadores de fatores de risco presentes nos resultados deste estudo, analisados à luz da Teoria Ecológica de Bronfenbrenner26, no tocante aos sistemas ambientais, encontramos nos microssistemas (relações face a face estáveis) das mães estudadas vários eventos negativos. Nesse sentido, as ameaças de expulsão de casa, a violência física em âmbito doméstico, e o uso abusivo de álcool e drogas na família eram elementos constituintes do microssistema no qual as adolescentes estavam cotidianamente inseridas.

Ampliando a visão para o entorno na vida das investigadas, na interligação de vários microssistemas, formando a configuração do chamado mesossistema, também foram verificados eventos negativos não pontuais, como uso abusivo de álcool e drogas pelo pai da criança, e também conflitos com a lei de figuras parentais. Esses eventos podem ser considerados fatores de risco do mesossistema nas interações do desenvolvimento daquelas adolescentes. Já condição de moradia próxima ao tráfico de drogas, moradia em zona de criminalidade e/ou de prostituição- situações ambientais pertinentes ao exossistema foram verificadas em todos os oito casos investigados e em todas as etapas da pesquisa.

Em termos de macrossistema, a culpabilização social da gravidez adolescente, própria de nossa cultura e momento histórico, pode ter funcionado como fator de risco ao desenvolvimento, em termos de fator potencializador de consequências negativas na autoestima e na construção da identidade. Nesse sentido, Figueiredo20 lembra que o fenômeno da maternidade na adolescência pode ser (ou não) uma experiência normativa no grupo social ao qual a jovem pertence. Como ilustração, a autora coloca certa valorização da maternidade adolescente em comunidades como a Cabo Verde, em Portugal e na cultura cigana.

Dentre os fatores de risco assinalados, aspectos pessoais também foram verificados. Condições afetivas prévias em interação com desvantagens no microssistema familiar podem ter intensificado sentimentos de tristeza, depressão, abandono, solidão e culpa. Sentimentos de solidão referidos pelas investigadas (em E1), nas condições emocionais anteriores ao nascimento da criança, não tornaram a ser referidos nas etapas sequenciais da pesquisa (E2, E3 e E4), com indicativos de que a presença da criança havia aplacado esses sentimentos, dados em concordância com Reis e Oliveira-Monteiro19 e Gontijo e Medeiros23.

Indicadores protetivos, por outro lado, foram verificados nos micro e mesossistemas, e também em características pessoais das investigadas. Boa relação com a família de origem, boa relação com o pai da criança e constituição de uma nova família, esperanças e sonhos para a vida foram fatores verificados. Também uma percepção positiva da vida e bom humor, além de uma trajetória escolar com algum sucesso (isto é, atingindo graus de proximidade a oportunidades de melhor capacitação para a vida profissional) foram indicados como fatores protetivos ao desenvolvimento de mães pesquisadas 14,22.

Tais fatores podem ter moderado a influência de desvantagens sociais da pobreza e moradia em bairros sem segurança e lazer, além da situação de maternidade adolescente. Bons vínculos com as famílias de origem e boa relação com o pai da criança, com instalação e consolidação de uma nova família podem ser ter sido condições positivas que tenham vindo a diminuir riscos associados à gravidez na adolescência.

Por fim, a trajetória escolar, um dos principais campos atingidos negativamente pela gravidez ocorrida na adolescência, trazendo decorrências negativas em diversos domínios do desenvolvimento (relação com pares, qualidade de inserção profissional, autoestima, qualidade no exercício da cidadania) pareceu diretamente prejudicada no grupo, por conta de dois aspectos: as constantes mudanças de moradia (que acarretam maiores dificuldades para reinserção escolar) e a dificuldade para colocar os filhos em creches. Quando as crianças eram pequenas, menores de quatro anos, e as mães ainda não tinham 20 anos, essa dificuldade era presente, praticamente impedindo o retorno mais estável das mães à escola, ainda na segunda década de vida.

A gravidez e maternidade ocorrida na adolescência pode ter sido um fator mais negativo para o desenvolvimento, especialmente, quando ela se sobrepôs a outras marcantes desvantagens psicossociais. As relações familiares e as inserções sociais mais amplas das épocas anteriores à gravidez adolescente parecem ter estreita relação para os percursos advindos da maternidade, para melhor ou pior. Isso permitiria afirmar que a maternidade na adolescência não é fenômeno isolado no decorrer do desenvolvimento, por mais que seja acontecimento definidor de trajetória de desenvolvimento futuro, com profundo traço no delineamento da identidade e na prospecção da vida adulta.

Os resultados do estudo aqui relatado são uma contribuição limitada, pela restrita amostra de sujeitos investigados, embora o trabalho longitudinal possa ter examinado aspectos contextuais de desenvolvimento, no decorrer do tempo, da adolescência das mães até a sua idade adulta, e desde etapa de vida do bebê até a adolescência dos filhos.

Foi nessa circunscrição, que o estudo alcançou seu objetivo de verificar fatores de risco e de proteção, em sistemas ambientais e condições pessoais, que em inter-relação, podem ter dimensionado consequências da gravidez adolescente em sua amplitude (variação dos domínios do desenvolvimento afetados) e profundidade (maior potência para atingir negativamente o desenvolvimento).

Agradecimentos: Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) que subsidiou os trabalhos de investigação longitudinal (Processos: 1997/0478-5; 2000/05771-5; 2006/61097-8; 2011/09796-7 e 2011/12178-3).

 

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Manuscript submitted Sep 28 2014
Accepted for publication Dec 3 2014

 

 

Corresponding author: nancy.unifesp@gmail.com