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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.25 no.1 São Paulo  2015

http://dx.doi.org/10.7322/JHGD.96763 

ORIGINAL RESEARCH

 

Oportunidades de estimulação no domicílio e habilidade funcional de crianças com potenciais alterações no desenvolvimento

 

 

Joselici da SilvaI; Jaqueline da Silva FronioII; Rayla Amaral LemosI; Luíz Cláudio RibeiroIII; Thalita Souza de AguiarIV; Daniele Thomé SilvaIV; Marcela Tamiasso VieiraIV; Luiz Antônio Tavares NevesV

IMSc. in Public Health from Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG, Brazil
IIPhD in Medical Sciences from the Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) and Professor at the Department of Physical Therapy - School of Medicine, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Juiz de Fora, MG, Brazil
IIIPhD in Demography from Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) and Professor at the Department of Statistics, Institute of Mathematical Sciences, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Juiz de Fora, MG, Brazil
IVPhysiotherapist from Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG, Brazil
VPhD in Child and Women's Health at the Oswaldo Cruz Foundation (FIOCRUZ) and Professor at the Maternal Child Department, School of Medicine, Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Juiz de Fora, MG, Brazil

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: a característica multifatorial do desenvolvimento motor é reforçada pela combinação de fatores de risco biológicos e ambientais, que aumentam a probabilidade de comprometimento do desenvolvimento motor
OBJETIVOS: este estudo verificou a associação entre habilidade funcional de mobilidade e oportunidade de estímulos domiciliares de crianças com fatores de risco, e se esta é afetada por fatores biológicos e socioeconômicos
MÉTODO: foram avaliadas 112 crianças, na faixa etária de 18 a 42 meses, acompanhadas em serviços de follow-up. Para avaliar as oportunidades domiciliares foi utilizado o Affordance in the Home Environment for Motor Development (AHEMD-SR), e para a habilidade funcional o Inventário de Avaliação Pediátrica de Disfunção (PEDI). A análise estatística foi realizada através do Teste t de Student e análise de regressão linear múltipla
RESULTADOS: houve o predomínio de desempenho "adequado" para as habilidades funcionais, e de "nível médio" para as oportunidades de estímulos domiciliares. No entanto, a associação destas não foi significativa. Encontrou-se significância (p = 0,004) entre as habilidades funcionais e a presença de "problema de saúde". Participantes que apresentavam problema de saúde tiveram menor média no escore normativo do PEDI nessa dimensão. Na análise de regressão linear múltipla a variável problema de saúde apresentou associação (p = 0,003), quando considerada a interação entre o ambiente, as variáveis de controle e o desfecho
CONCLUSÃO: não houve associação entre as oportunidades domiciliares e a habilidade funcional de mobilidade. No entanto, a presença de "problema de saúde" levou a desempenhos significativamente inferiores nas habilidades funcionais

Palavras-chave: desenvolvimento infantil, atividade de vida diária, prematuro, pré-escolar, fatores de risco.


 

 

INTRODUÇÃO

O processo de desenvolvimento é resultado de um conjunto de fatores, que interagem entre si. Dentre eles, podemos citar a exposição a fatores biológicos, genéticos, psicológicos, sociais e ambientais, os quais podem ser modificados ou potencializados1,2. Assim o efeito cumulativo de vários fatores de risco aumenta a probabilidade de comprometimento do desenvolvimento motor e reforça a característica multifatorial do desenvolvimento infantil3-6.

Os fatores biológicos, como a prematuridade, o baixo peso ao nascer, as intercorrências neonatais, entre outros1,7,8 afetam diretamente o potencial do desenvolvimento motor e, conse-quentemente, são determinantes de atrasos ou alterações9. Estudos apontam que nascidos prematuros, com baixo peso, que tenham sofrido intercorrências neonatais apresentam importantes índices de atraso no neurodesenvolvimento, o qual influencia, posteriormente no desenvolvimento das habilidades funcionais e independência4,10. Diante desse contexto, uma adequada assistência, durante a gravidez, possibilita identificar e tratar hábitos e condições maternas que podem contribuir para evitar a ocorrência de partos prematuros e crianças com o baixo peso ao nascer11.

Os primeiros anos de vida da criança são caracterizados como um período de importante maturação neurológica e aquisição das habilidades motoras fundamentais, no qual ocorre uma otimização do processo de construção de comportamentos motores, que são determinantes para o desenvolvimento motor subsequente12,13. Assim, a constante transformação e aperfeiçoamento das habilidades motoras permitem a aquisição de habilidades funcionais, independência e maior capacidade de adaptação ao ambiente14.

As habilidades funcionais são aquelas que permitem a execução das atividades de vida diária próprias de cada idade, na medida em que evoluem, vão proporcionando independência, autonomia e melhor exploração do ambiente. Assim, o ambiente em que a criança vive, assume um papel decisivo em sua vida, de forma que as oportunidades presentes no domicílio podem favorecer ou não a construção de habilidades funcionais necessárias à adaptação e exploração do meio15.

No entanto ainda são escassas as evidências a respeito da repercussão dos fatores de risco ambientais, socioeconômicos e das condições de saúde sobre as habilidades funcionais de crianças brasileiras com fatores de risco biológicos. Mediante esta lacuna, torna-se necessário investigar a oferta e disponibilidade de oportunidades de estímulos domiciliares para o desenvolvimento motor de crianças com fatores de risco para alterações no desenvolvimento, bem como sua possível associação com as habilidades funcionais das mesmas. Assim, o objetivo do presente estudo foi verificar a associação entre as habilidades funcionais de mobilidade e as oportunidades de estímulos do ambiente domiciliar, e verificar a influência de outros fatores de risco.

 

MÉTODO

Participantes

Trata-se de um estudo de caráter transversal, no qual foi analisada uma amostra de lactentes e pré-escolares com fatores de risco para alterações no desenvolvimento, residentes no município de Juiz de Fora-MG e cadastrados no serviço de follow up do Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora e da Prefeitura de Juiz de Fora - MG. Os locais para recrutamento dos participantes foram escolhidos por serem referência no atendimento à população de risco egresso das Unidades de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN).

Os critérios de inclusão foram pacientes cadastrados nos referidos serviços de follow-up com idade entre 18 e 42 meses e com pelo menos um fator de risco para alteração no desenvolvimento, como: idade gestacional menor que 37 semanas, baixo peso ao nascer, ventilação mecânica (VM), asfixia perinatal, sepse, hemorragia peri-intraventricular, displasia bronco pulmonar (DBP), icterícia, entre outros16,17. A definição da idade para participar do estudo corresponde à faixa etária mínima e máxima do instrumento que foi utilizado na coleta de dados para a avaliação das oportunidades presentes no ambiente domiciliar (Affordance in the Home Environment for Motor Development- AHEMD-SR13,15.

Os critérios de exclusão foram participantes residentes em outros municípios, crianças com paralisia Cerebral moderada a grave (GMFCS IV ou V)18 ou síndromes genéticas e malformações, uma vez que o instrumento utilizado, no estudo, investiga oportunidades e atividades que não são interessantes ou possíveis para crianças com grande dificuldade ou incapacidade de locomoção.

Os participantes foram selecionados por meio de um processo de amostragem aleatória, seguindo uma ordem pré-determinada mediante sorteio. Dentre os 395 potenciais participantes, foram excluídos, 14 (3,5%) por residirem em outro município, 13 (3,2%) por possuírem paralisia Cerebral (PC), síndrome de down ou mielomeningocele, 08 (2%) porque passaram da faixa etária do estudo, no momento da coleta e 19 (4,8%) por se recusarem participar. Além disso, não foi possível localizar 229 (57,9%) pacientes através de seus dados cadastrados nos prontuários dos serviços, mesmo após 3 tentativas de contatos telefônicos, em horários e dias diferentes, e com possíveis vizinhos e serviços públicos de saúde. Dessa forma, a amostra final foi composta por 112 participantes.

Instrumentos

Foi utilizado o instrumento Affordance in the Home Environment for Motor Development (AHEMD-SR), para avaliar a quantidade e qualidade de estímulos no ambiente domiciliar de crianças com faixa etária entre 18 e 42 meses de idade15,19. O AHEMD-SR foi elaborado pelo Instituto Politécnico de Viana do Castelo (Portugal) em conjunto com o Laboratório de Desenvolvimento Motor da Texas A & M University (EUA) e validado às condições socioculturais brasileiras. O instrumento é composto por um total de 67 perguntas relacionadas às oportunidades do ambiente domiciliar, que são divididas em 4 dimensões: características da criança e da família, espaço físico, atividades diárias e brinquedos, sendo que estas são subdivididas em cinco subescalas: espaço exterior, espaço interior, variedade, material de motricidade fina e material de motricidade grossa.

Após o preenchimento do questionário os dados são introduzidos na calculadora (AHEMD CalculatorVPbeta1.5.xls) projetada pelos idealizadores do Projeto AHEMD. De acordo com a pontuação obtida, a calculadora fornece a classificação total das oportunidades de estimulação no ambiente domiciliar; em "baixa", "média" ou "alta", e de suas dimensões em " fraco", ou "muito fraco", "bom" ou "muito bom"10.

O Inventário de avaliação pediátrica de disfunção - PEDI, validado e adaptado para a realidade brasileira20, é um instrumento de avaliação que tem como objetivo fornecer uma descrição detalhada do desempenho funcional da criança, de sua independência e necessidade de adaptações do ambiente. O questionário é aplicado por meio de uma entrevista com o cuidador, através da qual é possível avaliar o desempenho funcional e a independência nas atividades de vida diária de crianças entre seis meses a sete anos meio de idade20. O teste consiste em três partes que avaliam as habilidades funcionais, a assistência do cuidador e as adaptações de ambiente que a criança necessita, as quais são subdivididas em três dimensões autocuidado, mobilidade e função social.

No presente estudo foi utilizada apenas a dimensão de mobilidade da primeira parte do teste (Habilidades Funcionais - avalia as transferências e locomoção em ambiente interno e externo, resolução de problemas, jogos interativos, brincadeiras, interação com colegas e função comunitária), uma vez que o objetivo do mesmo foi avaliar a capacidade funcional de mobilidade da criança e seu ambiente, e esta dimensão parece melhor avaliar estas habilidades. A pontuação final fornece um escore bruto, que representa a somatória dos pontos de cada dimensão, sendo este transformado através de tabelas contidas no manual do instrumento em um escore normativo, o qual permite a comparação do desempenho de participantes com diferentes faixas etárias.

O escore normativo estando no intervalo entre 30 e 70 indica desempenho funcional dentro dos padrões de normalidade20.

A caracterização do nível socioeconômico será realizada através da Classificação Econômica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP)21, a qual busca estimar o poder de compra da família. A divisão em classes econômicas é definida em níveis de A até E.

Procedimentos

Os instrumentos foram aplicados por três acadêmicas da Faculdade de Fisioterapia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e uma fisioterapeuta supervisora. A equipe recebeu treinamento prévio antes de iniciar a coleta, alcançando confiabilidade intra e interexaminador superior a 90% em ambos os testes. A coleta de dados foi iniciada após autorização do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF (Parecer n. 151.287), seguindo a definição da ordem do sorteio para o recrutamento dos participantes.

A entrevista foi previamente agendada com o responsável pela criança, por telefone, em dia, horário e local oportuno para ambos. Inicialmente era explicado o propósito da pesquisa para o responsável, e este ao consentir participar assinava o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em seguida eram coletados dados referentes às crianças, aos familiares e o Critério de Classificação Econômica da Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP). Posteriormente era aplicado o PEDI e preenchido o AHEMD-SR pelos pais. Na circunstância de pais analfabetos ou semianalfabetos, o pesquisador foi responsável por preencher o AHEMD com base nas informações colhidas com os responsáveis, através da leitura e explicação do instrumento.

Análise estatística

Inicialmente utilizou-se análise descritiva para caracterização do perfil dos participantes. Para verificar a associação entre a variável dependente habilidade funcional de mobilidade (PEDI) e independente oportunidades de estímulos ambientais (AHEMD-SR), e com as variáveis de controle (nível socioeconômico (NSE), escolaridade materna, problema de saúde e frequentar ou não creche) utilizou-se o Teste t de Student. A fim de, investigar os possíveis efeitos das variáveis moderadoras, sobre a associação entre as oportunidades de estímulo no domicilio e habilidade funcional de mobilidade foi realizada a análise de regressão linear múltipla. Os dados foram armazenados e analisados no programa SPSS versão 15.0. Em todas as análises foi considerado o nível de significância á = 0,05 e tendências de diferenciação com valores de p d" 0,1.

 

RESULTADOS

As características da população de estudo encontram-se descritas na Tabela 1. O perfil predominante da amostra foi de nascidos prematuros (73%), com idade gestacional entre 33 e 36 semanas (44,6%), e com baixo peso (51,8%). Quase dois terços (74,1%) dos lactentes ou pré-escolares não frequentavam creche ou escola e quase metade (45,5%) apresentou diagnóstico de alguma alteração que pode influenciar o desenvolvimento. Os diagnósticos mais frequentemente relatados foram alterações respiratórias (asma, rinite e sinusite). Não foram encontradas crianças com déficit motor moderado ou leve (GMFCS I, II ou III). Quanto ao sexo houve equivalência entre o percentual feminino e masculino, e a idade média dos participantes foi de 29,28 meses. A idade das mães no momento da coleta de dados variou entre 16 e 47 anos, destas, 47,3% concluíram o ensino médio. As famílias eram majoritariamente das classes C1 e C2 (42,9% e 33,9%), tendo renda mensal inferior a R$ 1.000,00 (42,9%).

A classificação do status de desenvolvimento do PEDI e do nível de estimulação presente no ambiente domiciliar segundo o AHEMD-SR estão descritas na Tabela 2. Quanto à habilidade funcional de mobilidade (HFM), 82,1% estavam adequados para a idade, enquanto que a classificação Total do AHEMD-SR, predominou "nível médio" de presença de oportunidades de estimulação domiciliar em mais de dois terços dos participantes (74,1%). Na dimensão espaço interno a maioria dos participantes apresentaram classificação "bom/muito bom" (87,5%), enquanto que na motricidade fina e grossa, "fraco/ muito fraco" (93,8%).

A Tabela 3 apresenta os resultados do teste t. Observa-se que apesar de não ter sido encontrada associação estatisticamente significativa entre as oportunidades de estímulos domiciliares e habilidades funcionais de mobilidade, a média do escore normativo do PEDI permaneceu dentro do intervalo de confiança de normalidade (escore normativo de magnitude entre 30-70), independente dos estímulos ambientais presentes. Os escores normativos do PEDI apresentaram maior variabilidade entre os participantes que apresentavam na dimensão espaço físico interno e motricidade grossa do AHEM-SR classificação, respectivamente, "boa ou muito boa" (média 42,96 ± DP 14,4) e "fraca ou muito fraca" (média 42,50 ± DP 14,0) oportunidades de estímulos domiciliares.

Realizou-se também análises para verificar a existência de associação entre os escores do PEDI e as variáveis de controle. Os resultados revelaram associação significativa (p = 0,004) com a variável "problema de saúde", onde a média do escore normativo do PEDI foi menor entre os participantes que apresentavam algum problema de saúde (Tabela 4).

As variáveis NSE, escolaridade materna, presença de algum problema de saúde e frequentar ou não creche foram incluídas no modelo de regressão linear múltipla para verificar, o efeito dessas, na associação entre o PEDI e o AHEMD. Os resultados encontram-se na Tabela 5. O primeiro modelo mostra que esta associação é negativa, porém próxima de 0, indicando que essa associação é não significativa (p = 0,416). Nos demais modelos, foi verificado que a associação entre o PEDI e o AHEMD-SR Total, quando controlado pelas variáveis "escolaridade materna", "nível socioeconômico" e "frequentar creche", permanece fraca e não significante, demonstrando que praticamente não houve mudança na média do PEDI em relação ao AHEMD-SR Total. No entanto, ao controlar pelo AHEMD (modelo 5), mantendo o ambiente constante, o fato de ter problema de saúde reduz o escore normativo médio do PEDI em quase 8 pontos, com valor altamente significativo (p = 0,003), ou seja, se a criança apresenta alguma problema de saúde, independente do ambiente que ela mora, terá uma importante redução na média normativa das habilidades funcionais no PEDI.

 

DISCUSSÃO

O presente estudo partiu do pressuposto que o desenvolvimento das habilidades funcionais de mobilidade das crianças é decorrente da interação do indivíduo com o meio. Dessa forma, buscou-se verificar a associação entre as oportunidades de estímulos ambientais no domicilio e a habilidade funcional de mobilidade, e se a mesma é afetada por outros fatores.

A alta prevalência de prematuridade e baixo peso, no presente estudo, são advindos das características da amostra, visto que a população foi composta somente por crianças acompanhadas em serviços que prestam atendimento especializado a recém-nascidos (RN) de risco. Este alto percentual é um fator preocupante, já que sabemos que os mesmos são importantes parâmetros de morbidade e mortalidade infantil a médio e longo prazo9,11,13,22.

Ao contrário do que se esperava não foi encontrada associação estatisticamente significativa entre as duas variáveis estudadas. Porém observou-se que mais de dois terços dos domicílios estudados apresentaram nível de estimulação médio ou alto no AHEMD-Total e oportunidades boas ou muito boas nas dimensões variedade (se a criança brinca com outras crianças, se escolhe seus brinquedos, se as brincadeiras são estimuladas pelos pais, tipo de roupa para brincar, e o tempo que permanece em determinados ambientes) e espaço físico interno (presença de aparatos, superfícies internas e espaço interno para brincadeiras existentes no lar). As oportunidades de estímulos domiciliares, para muitas crianças, são os principais catalisadores da aprendizagem, por ser o local onde passam maior parte do tempo e por permitir a vivência de diferentes experiências sensoriomotoras23,24. Desta forma, parece que os participantes possuíam condições favoráveis para o desenvolvimento das habilidades funcionais de mobilidade, o que refletiu no seu desempenho, que se manteve dentro do intervalo de normalidade (escore normativo do PEDI).

Embora não tenha sido encontrada associação significativa entre as oportunidades de estímulos no domicilio e a habilidade funcional de mobilidade, na dimensão motricidade grossa (brinquedos de faz de conta, de encaixar, jogos e materiais educativos), a média dos escores normativos do PEDI indicou maior variabilidade entre aqueles que apresentaram oportunidades fracas ou muito fracas nesta dimensão, indicando que houve resultados muito diferentes, entre eles, baixos desempenhos. De acordo com a literatura, à medida que a criança explora brinquedos e jogos, ocorrem mudanças em seu repertório motor, o qual, nos primeiros anos de vida, é mais fortemente influenciado por fatores como a variedade e quantidade e qualidade de brinquedos13. Segundo Macarini e Vieira25, o acesso a diferentes tipos de brinquedos, durante a infância, propicia desenvolvimento social e cognitivo diversos. Desta forma, a maior variabilidade do escore normativo do PEDI entre aqueles que apresentaram baixo nível de estimulação, na dimensão motricidade grossa, parece indicar que as condições desfavoráveis no ambiente impactam nas habilidades funcionais de mobilidade. Assim, ressalta-se a importância de profissionais capacitados para fornecer assistência e orientação para a aquisição de materiais e o uso adequado destes materiais para estimular o desenvolvimento infantil26.

Ao analisar o efeito das variáveis nível socioeconômico, escolaridade materna, problema de saúde e frequentar creche, sobre o desfecho, verificou-se que a média do escore normativo do PEDI foi menor entre os participantes que apresentavam "problema de saúde" (entre os mais citados asma), sendo esta associação significativa. De acordo com Mello, Dutra e Lopes23, as afecções respiratórias são frequentes em prematuros e constituem importante fator de mortalidade e morbidade na infância, sendo responsáveis por recorrentes internações nos primeiros anos de vida. É comum observar que, a maioria dos pais, a fim de evitar a exacerbação da doença, tem um excesso de cuidado, o que leva a uma espécie de limitação de experiências motoras podendo prejudicar o processo de desenvolvimento e o refinamento das habilidades funcionais27. Logo, a presença de problema de saúde pode ter limitado o desempenho das habilidades funcionais, quando comparado as médias dos escores normativos.

Considerando o efeito das variáveis moderadoras (NSE), escolaridade materna, problema de saúde e frequentar creche), na associação entre a variável independente e a dependente, os achados revelaram que, quando controlado pelo ambiente, a presença de problema de saúde, exerce influencia estatisticamente significativa, o desempenho nas habilidades funcionais do PEDI, revelando menor escore normativo nestas habilidades, ou seja, a presença de problema de saúde impacta fortemente no desfecho resultante da interação do ambiente com o indivíduo.

De acordo com o conceito de resiliência, por meio do qual ocorre a modificação catalisadora de uma resposta do individuo a uma situação de risco, o contexto de suporte psicossocial presente no ambiente familiar das crianças avaliadas no presente estudo pode ter funcionado para ativar seus potenciais, minimizando os efeitos adversos dos fatores de risco biológicos e colaborando para resultados satisfatórios em seu desenvolvimento28. Desta forma, parece que, apesar da maior predisposição para apresentar alterações neuromotoras, as crianças com fatores de risco acabam desenvolvendo estratégias que lhes permitem desempenhar atividades funcionais dentro dos limites de normalidade.

Uma das limitações do presente estudo é o caráter transversal do mesmo, o qual fornece dados pontuais tanto das habilidades funcionais, quanto das oportunidades de estímulos presentes no domicilio. O acompanhamento longitudinal de crianças com fatores de risco para o desenvolvimento é fundamental, uma vez que nos primeiros anos de vida ocorre uma grande mudança das habilidades motoras. Outra limitação se refere à diferença entre o perfil dos usuários dos serviços de follow-up utilizados no presente estudo. O serviço com maior número de usuários e que, consequentemente, contribuiu para maior parcela da amostra, é constituído por lactentes de médio e baixo risco, fato que pode ter atenuado os achados relacionados ao desfecho.

Conclui-se que não houve associação entre as oportunidades do ambiente domiciliar e a habilidade funcional de mobilidade de lactentes e pré-escolares com fatores de risco. Ao considerar os efeitos de outras variáveis sobre o desfecho, a presença de problema de saúde levou a desempenhos significativamente inferiores nas habilidades funcionais. A presença de problema de saúde sobre as habilidades funcionais impacta fortemente no desfecho resultante da interação do ambiente com o indivíduo. Mediante os achados espera-se contribuir para a maior sensibilização dos atores envolvidos (gestores, profissionais do serviço de saúde, comunidade), a fim de que sejam elaboradas políticas públicas e medidas que forneçam o suporte adequado para populações em situação de vulnerabilidade.

 

AGRADECIMENTOS

Ao Hospital Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora e à Prefeitura de Juiz de Fora - MG pelo apoio logístico para realização desta pesquisa.

 

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Manuscript submitted May 08 2014
Accepted for publication Oct 12 2014

 

 

Corresponding author: joselici@yahoo.com.br