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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.25 no.1 São Paulo  2015

http://dx.doi.org/10.7322/JHGD.96766 

ORIGINAL RESEARCH

 

O brincar no contexto hospitalar na visão dos acompanhantes de crianças internadas

 

 

Lyana Carvalho e SousaI; Alberto De VittaI; José Milton de LimaII; Fabiana Cristina Frigieri De VittaIII

IUniversidade Sagrado Coração, Rua Ir. Arminda, 10-50, Jd. Brasil, CEP 17011-160 - Bauru, SP, Brasil
IIUniversidade Estadual Paulista, Rua Roberto Simonsen, 305, CEP 19060-900 - P. Prudente, SP, Brasil
IIIUniversidade Estadual Paulista, Av. Muzzi Filho, 737, CEP 17525-900 - Marília, SP, Brasil

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: a hospitalização infantil pode comprometer o desenvolvimento normal da criança, em decorrência da quebra de sua rotina e do processo de adaptação à nova realidade. São várias as iniciativas no sentido de promover espaços em hospitais que possibilitem à criança contato com atividades lúdicas. Muitas são as variáveis que influenciam a atitude da criança perante a possibilidade de realização de atividades lúdicas, dentre elas, a participação dos acompanhantes. Saber qual a interpretação dos mesmos sobre o brincar no contexto hospitalar e quais as características que associam a essa atividade é essencial para melhor planejamento das ações de atendimento
OBJETIVO: esta pesquisa teve por objetivo analisar a opinião dos acompanhantes sobre a promoção do brincar no espaço de hospitalização da criança
MÉTODO: para tanto, os acompanhantes responderam a questionários durante o período de internação. Os dados foram analisados através de estatística descritiva e análise de conteúdo. Participaram do estudo 65 mães de crianças internadas, sendo que a maioria acompanhava pacientes na faixa etária entre 2 a 6 anos
RESULTADOS: todas avaliaram que a criança deve participar da brinquedoteca, pois auxilia na recuperação, propiciando alívio do sofrimento, acalmando a criança e aliviando as tensões
CONCLUSÃO: conclui-se os acompanhantes consideram importante a brinquedoteca no contexto de hospitalização das crianças para amenizar efeitos da internação e auxiliar no desenvolvimento infantil

Palavras-chave: brincar, hospital, acompanhantes.


 

 

INTRODUÇÃO

Muitos temas têm sido estudados sobre os contextos ambientais e sua relação com o desenvolvimento humano, dentre eles os contextos hospitalares e sua relação com o desenvolvimento da criança.1-6

A hospitalização pode comprometer o desenvolvimento normal da criança, em decorrência da quebra de sua rotina e do processo de adaptação à nova realidade (rotina hospitalar: exames, procedimentos dolorosos, horários, visitas, etc.), podendo acarretar o comprometimento do seu desenvolvimento físico, emocional e intelectual. No processo de internação, crianças deixam para trás coisas comuns, no entanto, fundamentais ao seu desenvolvimento: os pais, a casa, os irmãos, a escola, os amigos, os bichos de estimação, os brinquedos.1,7-9

Carvalho e Begnis8 e Pedrosa et al.7 ressaltam a necessidade de se criar um ambiente que permita à criança dar continuidade a um conjunto de suas atividades para que os fatores decorrentes da hospitalização não interfiram no seu desenvolvimento e destacam que "todas as instituições voltadas para cuidados com a criança devem ser reconhecidas como espaços de desenvolvimento integral"8 (p.110).

Vários autores1,10 destacam que o brincar produz uma realidade própria e singular ao modificar o cotidiano da internação hospitalar, permitindo que a criança elabore essa experiência, assim como dê continuidade ao seu desenvolvimento. Outro estudo8 sobre a importância dada ao brincar pela criança, verificou que essa atividade é uma estratégia positiva para o enfrentamento do estresse causado pelos procedimentos invasivos decorrentes da internação hospitalar.

Em um estudo sobre o brinquedo no hospital como instrumento para que as crianças regulem seus sentimentos de raiva e tristeza, os autores afirmam que o brinquedo oportuniza à criança a apreensão de "novos conteúdos que aparecem nesta situação e a construção de significados importantes na concepção de si e de suas emoções que fazem parte de suas experiências dentro e fora do hospital".9

Esses espaços lúdicos organizados no interior da instituição por uma equipe profissional funcionam como salas de espera diferenciadas, contribuindo para que os procedimentos, consultas e exames se tornem menos angustiantes e sejam incorporados como uma experiência passível de elaboração por parte das crianças (p. 646).2

Os autores2 ressaltam ainda que considerando a promoção da saúde em um contexto biopsicossocial, as ferramentas lúdicas podem auxiliar nas esferas diagnósticas e intervencionistas desde que sejam usadas com o auxílio de profissionais capacitados e competentes.

Várias iniciativas podem ser detectadas no sentido de promover espaços em hospitais que possibilitem à criança contato com atividades lúdicas, principalmente após o movimento de humanização hospitalar, iniciado pelo Ministério da Saúde desde 2000.11

A Lei nº 11.104 de 21 de março de 2005 reforça a importância do brincar sobre a saúde, tornando obrigatória a instalação de brinquedotecas nas unidades de saúde que assistem em regime de internação a população infantil.12 Outra finalidade da brinquedoteca é tornar o ambiente hospitalar menos traumatizante e mais alegre, possibilitando melhores condições de permanência, recuperação e preparando a criança diante de situações novas vivenciadas, preservando sua saúde emocional e, portanto, dando continuidade no processo de desenvolvimento infantil e preparo para o retorno ao lar.3

No Brasil, ainda que não ocupem um papel significativo, as brinquedotecas hospitalares podem se transformar num espaço adequado a ser construído e explorado nos hospitais. A estruturação da brinquedoteca deve levar em conta a organização do espaço e dos materiais, baseada no universo infantil. Brinquedos, materiais de pintura e desenho, blocos lógicos e peças para encaixe, músicas, dramatizações, modelagem, dentre outras, poderão favorecer o desenvolvimento da criatividade, a expressão de sentimentos e a estimulação de habilidades neuropsicomotoras.13

Os acompanhantes, geralmente os pais da criança, participam de toda a problemática da hospitalização.

A problemática se estende à família, principalmente, à acompanhante e, em geral, à mãe da criança internada. Ela é receptora da tristeza, do sofrimento, do choro, dos gemidos do seu filhinho, abalado por seu estado de saúde e pelas condições de um contexto que lhe é adverso. Ela também se ressentirá desse ambiente, muitas vezes sem a devida acomodação de que necessita e, principalmente, sem a apropriada definição do seu papel com seu filho doente (p. 111).5

Um estudo10 que analisou o significado da promoção do brincar no espaço da hospitalização infantil para os profissionais de saúde que trabalham com esta proposta encontrou dados importantes. Alguns desses resultados tinham relação com o efeito que o brincar exercia sobre os acompanhantes e sobre a relação deste com a criança, como a associação entre brincar e normalidade; a facilitação da interação entre os profissionais da saúde, crianças e seus acompanhantes e como refazedor de laços que possam estar fragmentados no grupo familiar (que se desorganiza pela doença).

A presença do adulto nas atividades lúdicas no contexto hospitalar é importante, pois representa o parceiro durante o jogo, contribuindo para a expressão da criança, a administração de conflitos e como suporte em situações nas quais a criança precisa de acolhimento e enfrentamento de procedimentos dolorosos e invasivos.12 Além destes pontos, o brincar tem importante influência na prevenção e promoção da saúde junto aos pais de crianças normais "o objetivo é assegurar um desenvolvimento harmonioso da criança, melhorar as relações entre pais e filhos e ajudar toda a família a ter melhor qualidade de vida".14

Dessa forma, o papel dos acompanhantes e seu entendimento sobre as atividades disponibilizadas para as crianças no contexto de internação hospitalar não podem ser desprezados. Saber qual a interpretação dos mesmos sobre o brincar no contexto hospitalar e quais as qualidades (positivas e/ou negativas) que associam a essa atividade em relação ao bem estar da criança é de essencial importância para melhor planejamento das ações de atendimento.

A partir dessa perspectiva, o presente estudo estabeleceu como objetivo central analisar a visão dos acompanhantes em relação à promoção do brincar no espaço de hospitalização da criança.

 

MÉTODO

Foi realizado um estudo qualitativo, de caráter exploratório-descritivo inserido no campo da Pesquisa Social, pois "tem uma carga histórica e, assim como as teorias sociais, reflete posições frente à realidade, momentos do desenvolvimento e da dinâmica social, preocupações e interesses de classes e de grupos determinados" (p. 23).15 A pesquisa foi conduzida dentro dos padrões exigidos pela Declaração de Helsinque e aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade do Sagrado Coração sob o protocolo n.102/08.

Para a realização dessa pesquisa foram sujeitos os acompanhantes das crianças internadas e frequentadoras da brinquedoteca de um hospital particular, localizado em uma cidade de porte médio (350.000 habitantes) no centro-oeste do Estado de São Paulo.

O procedimento utilizado teve por objeto o significado atribuído ao brincar e inclui as comunicações individuais (questionários) dos acompanhantes que presenciaram as atividades desenvolvidas nesse espaço com as crianças internadas.

O questionário foi composto por questões abertas e fechadas sobre aspectos das atividades de brincar desenvolvidas na brinquedoteca junto às crianças em situação de internação no hospital e foi construído baseado em outras investigações.4,16-17

Os dados obtidos através do protocolo de informações pessoais e pelas questões fechadas do questionário foram digitados em Planilha do SPSS 16.0, tabulados e sofreram análises descritivas, possibilitando a descrição global dos participantes desta pesquisa. As questões abertas foram analisadas através do análise de conteúdo.

A partir das respostas dadas às questões referentes à importância da atividade lúdica para a criança, aos aspectos positivos que favorece e como influencia no desenvolvimento da criança foi organizado o Quadro 1 para facilitar a visualização das respostas e as categorias formadas.

Por fim, foi realizada a confrontação entre os resultados do material empírico (questionário) e o teórico.

 

RESULTADOS

Participaram da pesquisa os acompanhantes - 100% mães - de 65 crianças que frequentaram o hospital onde foi realizada a pesquisa. As crianças acompanhadas eram 50,8% do sexo feminino e 49,2% do masculino, e a maioria tinha entre 2 e 6 anos (58,5%). Quanto aos motivos que levaram as crianças a ficarem internadas, dois grandes grupos podem ser definidos: o de patologias clínicas, referente a doenças que causavam estados de debilidade, exigindo cuidados médicos mais intensivos (pneumonias, viroses gastrointestinais, dentre outros) e internados para procedimentos cirúrgicos, tais como, retirada de adenóide, apêndice, etc. O tempo de internação das crianças variava, sendo que 52,3% ficaram até 4 dias no hospital.

Segundo os acompanhantes, o local preferido para permanência da criança durante a internação (96,9%) é a Brinquedoteca, tido como o local mais adequado, por proporcionar novas experiências à criança. Apenas 1,5% disseram preferir permanecer no quarto realizando atividades trazidas de casa e outros 1,5% dos participantes, assinalaram ambas as respostas.

A Tabela 1 mostra a distribuição das frequências absoluta e relativa dos aspectos proporcionados pela brinquedoteca à criança.

Na Tabela nota-se que mais da metade dos participantes apontaram fatores positivos em relação a essa influência, dentre eles os que mais se destacaram foram, alívio do sofrimento (90,8%), deixar a criança mais calma (84,6%) e alívio de tensões (81,5%).

Todos os acompanhantes relataram que as atividades de brincar desenvolvidas na brinquedoteca são importantes e beneficiam as crianças, 96,9% apontaram que amenizam os efeitos negativos da hospitalização, 95,3% acreditam que elas contribuem ao desenvolvimento da criança e 4,7% não souberam responder essa questão.

A Tabela 2 mostra a distribuição das frequências absoluta e relativa das respostas, segundo as categorias relacionadas ao significado do brincar para o acompanhante da criança internada. É importante destacar que esta Tabela, assim como as próximas (até a 4ª) referem-se ao número de respostas positivas para aquela categoria e não ao número de crianças, sendo que cada participante pôde apontar mais de uma resposta. Dessa forma, a frequência relativa foi atribuída a partir do número de pessoas que apontaram aquela categoria como resposta, propiciando a visualização da importância da mesma.

As tabelas 2, 3 e 4 seguem a categorização descrita no Quadro 1. Em relação ao significado dado ao brincar na situação de internação da criança, a maioria (67,7%) dos acompanhantes acreditam que serve como paliativo frente à situação. O segundo grupo de respostas mais assinalados (38,5%) formaram a categoria fatores/aspectos positivos relacionados à doença seguido por interação (21,5%).

A Tabela 3 mostra a distribuição das frequências absoluta e relativa segundo os aspectos mais importantes referentes às atividades.

Segundo os acompanhantes das crianças, as atividades são importantes em razão dos seguintes fatores: paliativos frente à situação (56,9%), oferecem fatores/aspectos positivos relacionados à doença (18,5%) e possibilitam que a criança vivencie situações inerentes ao cotidiano comum da criança (15,4%).

Quando perguntado aos participantes se as atividades contribuíram para que os efeitos negativos da hospitalização amenizassem, 96,9% afirmaram que sim e apenas 3,1% acreditam que não.

Os acompanhantes foram questionados se as brincadeiras contribuem de alguma forma para o desenvolvimento da criança, sendo que 95,3% responderam positivamente e 4,7% não souberam responder a essa questão.

A Tabela 4 mostra a distribuição das frequências absoluta e relativa dos aspectos favorecidos pela atividade que interferem no desenvolvimento da criança, segundo a opinião dos acompanhantes.

A maioria dos acompanhantes (40%) acreditam que as atividades de brincar contribuem para o desenvolvimento da criança por estimular a aprendizagem (fatores que contribuem para aprendizagem) através do oferecimento de atividades pedagógicas, do desenvolvimento de habilidades físicas, psicológicas, por despertar novos interesses na criança. Favorecem ainda a Interação (24,6%) e, novamente, serve como paliativo frente à situação (21,6%).

Em relação à participação dos acompanhantes, 63,1% disseram preferir participar junto com a criança nas atividades de brincar, 21,5% preferem ficar apenas observando a criança, 10,8% apontaram não fazer diferença sua participação. O restante (4,6%) assinalaram as duas primeiras respostas.

Os acompanhantes relataram que as atividades lúdicas no hospital permitiram às crianças conhecerem e brincarem com outras (86,2%) e conhecerem outras crianças, mas brincando sozinhas (13,8%).

 

DISCUSSÃO

Este estudo foi realizado com acompanhantes e os resultados apontaram que corresponderam às mães em 100% dos casos, isso vai ao encontro da pesquisa de Ribeiro e Angelo18 que ao estudar o significado da hospitalização para crianças pré-escolares descreveram a importância da presença da mãe nesse momento, vinculando-a ao apoio que representa para enfrentamento dos procedimentos da rotina vivenciada pela criança que expressa sua vulnerabilidade, mas também a força proporcionada pela mãe nesse momento. A presença da mãe permeia todas as outras interações estabelecidas. Através da interação estabelecida pela criança com sua mãe, ambas tornam-se um mesmo paciente, muito mais forte, superando os momentos traumáticos, adquirindo novas experiências e enfrentando diferentemente todo âmbito hospitalar.

Autores19 apontam a importância de considerar o artigo 12 do Estatuto da Criança e do Adolescente, que preconiza o acompanhamento da criança hospitalizada por um familiar, devendo este ter condições de saúde para permanecer no local. Neste sentido, cabe salientar que juntamente a essa medida a determinação consiste em uma ação terapêutica, pois é através desse acompanhante que se estabelece o vínculo entre os dois sistemas, criança (representada pela família) e instituição de saúde (unidade/equipe pediátrica). Enfatizam também que o acompanhante torna-se um mediador das relações estabelecidas, levando a criança a se sentir mais protegida, diminuindo consequentemente o medo diante das situações desconhecidas.

De acordo com os dados apontados na tabela 2, os acompanhantes registraram em 67,7% que as atividades de brincar são paliativas frente à situação, pois favorecem a diminuição do estresse, distração, esquecimento, alívio, acalma, tranquiliza a criança, propiciando o relaxamento, diminuição da tensão, e consequente melhora de humor, melhora emocional. As atividades, ainda, foram descritas como passa tempo, proporcionando momentos de alegria e felicidade à criança que tem assim amenizado o trauma hospitalar.

O brincar além de ser uma forma de expressão, pode ser um eixo estruturante na produção de modelos de assistência à saúde da criança.10

Estudos vinculados ao tema, relatam que o brincar tem interferências na recuperação da saúde e reforçam que proporcionam a expressão de forma simbólica do sofrimento, ao mesmo tempo que se mostram capazes de dar ênfase no que se tem de mais saudável, representados pela alegria em brincar, desenhar, produzir de forma prazerosa e espontânea.20

Em pesquisas relacionadas a desenhos no contexto hospitalar esse instrumento é descrito como meio de compreensão dos aspectos emocionais das crianças hospitalizadas, pois mesmo restritas pela doença, a criança precisa de atividades que promovam a movimentação, diversão, favorecendo consequentemente a adaptação, elaboração das exigências e restrições impostas pela situação vivenciada6.

Cunha3 ao falar das experiências e o desenvolvimento de habilidades que o brincar proporciona, refere que encaixar, empilhar, construir, montar é efetivamente lúdica quando realizado com prazer e esses tipos de brinquedos fazem as crianças exercitarem e aprenderem, fazendo planejamento de suas ações.

Durante as sessões de brinquedos terapêuticos, o brincar favorece ainda o jogo simbólico, pois possibilta às crianças dramatizarem exames físicos, reproduzindo os procedimentos pelas quais são submetidas com bonecos, pais e equipe, fazendo isso na tentativa de compreender o seu próprio corpo.18

Com esses artifícios e a presença da mãe, a criança torna-se mais segura, mais madura, reagindo diferentemente aos procedimentos, com um melhor enfrentamento e entendimento da situação.

Essa condição de enfrentamento foi apontada em diferentes momentos da coleta de dados com os acompanhantes. Um dos aspectos mais apontados (Tabela 3) é relativo às atividades de brincar enquanto paliativo para a situação de internação, ou seja, promovendo a diminuição do estresse, o alívio, a diminuição do trauma, minimizando os efeitos da internação. Através do brinquedo terapêutico, as crianças que passam por situação de hospitalização, utilizam-no para permitir expressar seus sentimentos, advindos das experiências vivenciadas, amenizando o trauma causado e, de certa forma, satisfazendo-se diante das necessidades de crescer enfrentando esse momento.18

Também, quando é proporcionada à criança atividades e espaços de brincar, ela consegue enxergar o hospital em outra dimensão, passa a ter lembranças e relacioná-lo a aspectos positivos, sendo transformado em local onde também se pode brincar. O hospital é entendido assim, como espaço que gera sofrimento, medos e angústias, mas que também proporciona a melhora, a cura e onde se pode brincar.19

Segundo os participantes desta pesquisa, como pode ser observado na Tabela 4, o brincar no hospital permite à criança a aprendizagem de novas habilidades e desperta novos interesses, facilitando a interação da criança com outras crianças, com os acompanhantes e com o ambiente hospitalar. O espaço estruturado para o brincar neste contexto, enquanto local de interações entre crianças e acompanhantes, favorece a interação livre, fortalecendo o vínculo entre pais e crianças, sendo que os pais, no contexto hospitalar espaço, relacionam-se com seus filhos sem focar apenas a perspectiva da doença. Neste espaço, a criança cria, inventa, transforma, constrói e expressa sua realidade interna, esse ambiente tem potencial em oferecer oportunidades à criança quanto à escolha, dando-lhe autonomia, proporcionando o crescimento pessoal e a hábitos de responsabilidade e amadurecimento.21

A criança passa a ter um ambiente próprio, adequado, onde é possível, continuar sendo criança e usufruir de atividades indispensáveis para o seu desenvolvimento. Esse espaço, se organizado e utilizado por profissional de maneira adequada propicia a liberdade de escolha, exploração, expressão de sentimentos, descobertas, favorece a interação com equipe, com outras crianças, possibilitando a troca de experiências e novas aprendizagens. A criança organiza-se, sentindo-se mais segura e capaz de compreender a rotina de forma mais amena, enfrentando a hospitalização e todos os procedimentos decorrentes sem ter abruptamente sua saúde mental atingida.

Pode-se verificar que os acompanhantes são afetados positivamente quando certificam-se das capacidades remanescentes da criança, que ao se familiarizar com o universo lúdico torna-se novamente ativa, espontânea, "dona" da situação, saindo da passividade gerada pela doença. Neste ambiente são proporcionados momentos de interação entre os acompanhantes, que trocam suas experiências, falam de seus medos e desafios. Possibilitam conhecer e aprender sobre o brincar, utilizando-o como recurso favorável para a recuperação, desenvolvimento e enfrentamento da realidade atual pela criança.

Em um projeto designado "Sala de Espera", foi observado que os acompanhantes passaram a conhecer e valorizar o potencial do brinquedo na situação de hospitalização, após serem incentivados e orientados pelos profissionais envolvidos no projeto.21

Outros benefícios das atividades de brincar em ambiente estruturado é a humanização do serviço de saúde, que ao agregar e incorporar a proposta, facilita sua rotina e a torna menos agressiva. As enfermeiras e a equipe de saúde, em geral, passam a considerar em suas atividades rotineiras o brincar. A criança coopera, esforça-se para enfrentar os procedimentos "aterrorizantes", obrigatórios (medicação, exames, etc.) esperando o momento de voltar a brincar.

Na investigação sobre o uso do brinquedo no hospital na visão dos enfermeiros brasileiros, os autores pontuam que esse recurso não ajuda apenas a criança, na expressão de sentimentos, na liberação de seus temores, tensões e ansiedade, mas auxilia o enfermeiro e o hospital em aspectos como a comunicação, realização de procedimentos e humanização do ambiente.22

O drama hospitalar envolve muitos aspectos e personagens, ainda mais quando refere-se à hospitalização infantil. Neste âmbito pode haver o comprometimento do desenvolvimento físico, emocional e intelectual da criança. Com a quebra de sua rotina e o processo de adaptação à nova realidade, a criança deixa para trás coisas comuns, no entanto fundamentais ao seu desenvolvimento: os pais, a casa, os irmãos, a escola, os amigos, os bichos de estimação, os brinquedos. Alguns autores têm investigado os artifícios que podem favorecer a melhora da assistência à saúde da criança, considerando políticas públicas, e outros aspectos como a estruturação de ambientes adequados à criança, presença de acompanhante, capacitação da equipe de saúde, e o respeito aos direitos da criança e do adolescente.2,23-25

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente pesquisa constatou que a organização de um espaço de brincar no ambiente hospitalar, com o oferecimento de atividades sob a responsabilidade de um profissional capacitado possibilita um diferencial no contexto da hospitalização infantil, favorecendo o enfrentamento das situações adversas, facilitando o processo de recuperação.

A condição de realização de brincadeiras não deve ser eliminada quando as crianças adoecem ou são hospitalizadas, pois essa atividade tem o potencial de desenvolver aspectos importantes como a capacidade de se sentir segura em ambientes e com pessoas desconhecidas. Ao proporcionar condições e contato da criança com atividades de brincar, esta experimenta um processo de organização do real e de sua criação.

Essa abordagem favorece uma melhor adaptação de toda família durante a hospitalização e um menor desgaste da relação com a criança. Os pais tranquilizam-se e ficam satisfeitos com o contato que a criança passa a ter com atividades de seu cotidiano. Muitas vezes, o espaço de brincar proporciona aos acompanhantes momentos de descanso e tempo para resolução de problemas pessoais pendentes. Fornecer essas atividades em um espaço próprio, propicia a criança e seu acompanhante mais acolhimento e segurança, ficando mais próximas de situações do cotidiano.

A pesquisa não esgota o assunto, apresenta uma contribuição para o conhecimento relacionado à área e pode ser aprofundada através de investigações que contemplem a opinião das próprias crianças, dos profissionais envolvidos no tratamento e, ainda, a observação mais sistemática desse ambiente e da rede de relações que nele são estabelecidas.

 

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Manuscript submitted Oct 08 20144
Accepted for publication Nov 22 2014

 

 

Corresponding author: fabianavitta@gmail.com