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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.25 no.1 São Paulo  2015

http://dx.doi.org/10.7322/JHGD.96828 

COMMENT OPINION ARTICLE

 

A mortalidade materna por aborto pode ser eliminada? acreditamos que a resposta seja sim

 

 

Roger W. Rochat

Professor and Director of Graduate Studies, Hubert Department of Global Health, Rollins School of Public Health - Emory University, Atlanta, GA - USA

 

 

A mortalidade por aborto é um importante problema de saúde pública global, mas uma área relativamente negligenciada pelos estudo epidemiológico. As mortes e as complicações do aborto inseguro são comuns em muitos países. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que cerca de 22 milhões de abortos inseguros são realizados por ano no mundo e cerca de 47 mil mulheres morrem de aborto inseguro, sendo que 99% dessas mortes ocorrem em regiões menos desenvolvidas do mundo.

Apesar de tratar-se de procedimento difundido mundialmente, o aborto tem limitada aceitabilidade médica ejurídica na América Latina. Devido à controvérsia política sobre o abortamento como intervenção de saúde pública, como um procedimento médico e, como um direito da mulher, poucos estudos têm sido realizados para avaliar intervenções preventivas da mortalidade pelo aborto - na verdade seria um desafio para a maioria dos países documentar com precisão os problemas de saúde pública decorrentes do aborto. Eu gostaria de compartilhar três diferentes experiências no uso de ferramentas epidemiológicas no combate às mortes maternas por aborto.

Em primeiro lugar, recentemente revisamos todas as investigações epidêmico-assistenciais do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) entre 1946 e 2005 e concluímos que "as investigações de problemas de saúde relacionados ao aborto podem ter tido o impacto mais bem documentado sobre saúde e políticas públicas"1. De 4.484 investigações de campo, 1.969 foram julgadas como potencialmente relacionados com a saúde materna e infantil.

Após revisão dos relatório sem profundidade, 1.429 foram de fato relacionadas com a saúde materna e infantil e 25 relacionados ao aborto. No entanto, as investigações de complicações ligadas ao aborto levaram ao estabelecimento de um sistema de vigilância de aborto em todo o país. A partir de então, o CDC começou a investigar todas as mortes relacionadas com relato de aborto, para determinar se a morte foi atribuída ao aborto, se o aborto foi espontâneo ou induzido, e se induzido, se foi um aborto legal ou ilegal.

No entanto, outra investigação documentou o rápido declínio da mortalidade materna por aborto após sua descriminalização. E as pesquisas ainda documentaram a segurança do procedimento conhecido com "esvaziamento e curetagem" para abortos do segundo trimestre gestacional. Advogados têm citado tais relatórios perante a Suprema Corte dos Estados Unidos, contribuindo assim para que as decisões do Tribunal derrubem as leis estaduais que fazem do aborto um crime. O resultado final destes estudos em maior profundidade, associado às mudanças nas leis e práticas de abortamento, levaram à evidência de que o risco de morte de uma mulher que se submete a um aborto no início da gestação nos Estados Unidos, é de cerca de uma em um milhão.

Em segundo lugar, o internacionalmente renomado ginecologista-obstetra, Dr. David Grimes publicou um excelente livro sobre aplicação de métodos epidemiológicos para os casos de aborto: Uma em cada três mulheres na América: Como Aborto Legal transformou nossaNação2. Este livro pode ser baixado na internet por 99 centavos de dólar! Em linguagem de fácil leitura para leigos, Dr. Grimes descreve três fases da história do aborto nos Estados Unidos. Começando com os "maus velhos tempos" antes de 1967, quando muitas mulheres nos Estados Unidos morreram após abortos ilegais, até um momento de transição, quando os abortos eram legalmente disponíveis na costa Oeste e Leste e grande movimento de turismo médico levou as mulheres para a Califórnia ou Nova York para realização de abortos. Ele estima que as mulheres gastaram cerca de US $ 67 milhões em dólares de hoje viajando, indo e vindo a estas clínicas. Seguiram-se as decisões da Suprema Corte, o casoRoe versusWade e, em 1973, o aborto foi legalizado em todos os EUA e bem aceito em áreas que tinham atingido a segunda transição demográfica3.

Além disso, houve mudanças para interrupções mais precoces na gravidez e um acesso mais equitativo ao aborto para os pobres - de fato os pobres são mais propensos a fazer um aborto. Hoje estima-se que uma em cada três mulheres na América terá pelo menos um aborto legal. O restante do livro aplica métodos epidemiológicos para examinar criticamente questões polêmicas sobre o aborto: "a colisão da política e da ciência".

A Associação Americana de Saúde Pública tem urgência em treinar novos profissionais em escolas médicas e de saúde pública, residentes médicos, obstetras e programas de assistente de consultório médico, e os Drs. Eva Lathrop, da Emory Medical School, Obstetra / Ginecologista, Andreea Creanga (epidemiologista do CDC) e eu, ao longo dos últimos seis anos, ministramos curso sobre a eliminação global da Mortalidade Materna por Aborto (GEMMA)4.

O objetivo do curso é educar os alunos de saúde pública sobre as leis, políticas, métodos clínicos e estudos de caso que facilitem a prevenção de mortes por aborto, e sobre as barreiras que aumentam o risco de morte por aborto. Usamos Esclarecimento de Valores e Atitude de Transformação (VCAT em inglês), técnicas que ajudem os alunos a identificar os seus próprios valores e respeitar valores do outro5. Discutimos aspectos éticos fundamentais6.

Um médico descreve como os abortos seguros são realizados de forma rotineira, e como tratar as complicações do aborto inseguro. Um epidemiologista desafia a classe com técnicas para estimar a incidência do aborto e mortalidade quando ilegal e como monitorar abortos dentro da lei - e também como avaliar os problemas de saúde pública decorrentes da gravidez indesejada e as suas consequências, incluindo o aborto.

Nós usamos estudos de caso, incluindo os países onde as restrições ao aborto foram destacadas, como África do Sul, Nepal, Colômbia, Uruguai e México;e países, como a Roménia ea Nicarágua, onde estabelecer restrições levou a um rápido aumento da mortalidade materna por aborto. Discute-se o uso de regulação menstrual, a aspiração a vácuo e abortos induzidos por medicamentos, como formas cada vez mais aceitáveis de prevenir mortes de aborto. Nós reconhecemos que contracepção altamente eficaz é uma das formas mais aceitáveis de prevenir a gravidez indesejada.

Envolvemos os estudantes com informações e exercícios sobre ética, direitos humanos e religião. Nós comparamos as políticas sobre o aborto e comportamentos de seguidores de diferentes religiões - e observamos a marcante variação entre os seguidores da mesma religião em diferentes países. A aceitação do aborto no Japão budista7 e Taiwan8 é muito diferente de falta de tolerância na Tailândia (página 96)2. A religião é um importante determinante social da saúde9, mas nos Estados Unidos, os católicos romanos têm uma taxa mais elevada de abortos que outras religiões10. Além de incentivarmosvigorosa discussão em classe, exigimos que os alunos ofereçam um sucinto discurso sobre um tema relacionado ao aborto, como a falta de acesso ao aborto para mulheres indígenas americanas11 e como projeto final, que participem de um debate sobre políticas de aborto ou desenvolvam um projeto de pesquisa ou de vigilância.

Além disso, a Escola de Saúde Pública Rollins estabeleceu um fundo de apoio aos alunos que realizam practicums de verão em torno dos objetivos do grupo GEMMA. Durante o verão de 2014, 10% dos estudantes de saúde pública realizaram trabalhos de campo relacionados com o GEMMA em países da Ásia, América Latina e África. O fundo tem ajudado a apoiar os alunos que estudam a aceitabilidade e desafios da legalização do aborto em países como Nepal, Índia, Zâmbia, Etiópia, África do Sul, Togo, Colômbia, Uruguai e México12 e o desafio dos direitos das mulheres onde o aborto é ilegal, como na Nicaragua13.

O problema de saúde pública da morte e incapacidade por aborto inseguro é evitável. Se todas as mulheres do mundo forem capazes de obter serviços de aborto tão seguros quanto os que se oferecem nos EUA, o mundo teria menos de 100 óbitos por aborto a cada ano. Diálogos profissionais e pesquisas colaborativas para atingir esse objetivo são bem vindos.

 

REFERÊNCIAS

1. Rochat RW, Heath Jr CW, Chu SY, Marchbanks PA. Maternal and Child Health Epi-Aid Investigations, 1946-2005. Am J Epidemiol. 2011; 174(Suppl .11): S80-88. Doi: http://dx.doi.org/10.1093/aje/kwr304.         [ Links ]

2. Grimes D. Every Third Woman in America: How Legal Abortion Transformed Our Nation. [cited 2014 Jul 11]. Available from: http://www.lulu.com/spotlight/everythirdwoman        [ Links ]

3. Lesthaege R, Neidert L. US Presidential Elections and the Spatial Pattern of the American Second Demographic Transition. Population Development Review. 2009; 35(2): 391-400.         [ Links ]

4. Lathrop E, Rochat R. The GEMMA Seminar: agraduate public health course on global elimination of maternal mortality from abortion. Contraception. 2013; 87(1):6-10. Doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.contraception.2012.08.023.         [ Links ]

5. Turner KL, Page KC. Abortion Attitude Transfor-mation: a values clarification toolkit for global audiences. Ipas. Chapel Hill: 2008.         [ Links ]

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7. LaFleur WR. Liquid Life: abortion and Buddhism in Japan. Princeton: University Press; 1992.         [ Links ]

8. Moskowitz ML.The Haunting Fetus: abortion, sexuality, and the Spirit World in Taiwan. Honolulu (HI): University of Hawai'i Press; 2001.         [ Links ]

9. Chinthakanan O, Rochat RW, Morakote N, Chaovisitseree S. The Hidden Problem of Illegal Abortions in Thailand. Chiang Mai Med J. 2014; 53(4): 187-91.         [ Links ]

10. Idler EL. Religion as a Social Determinant of Public Health. Oxford University Press; 2014.         [ Links ]

11. Arnold SB. Reproductive rights denied: the hyde Amendment and access to abortion for native american women using indian health service facilities. Am J Public Health. 2014; 104(10): 1892-3. Doi: http://dx.doi.org/10.2105/AJPH.2014.302084.         [ Links ]

12. Olavarrieta CD, Garcia SG, Arangure A, Cravioto V, Villalobos A, AbiSamra R, et al. Women's experiences of and perspectives on abortion at public facilities in Mexico City three years following decriminalization. Int J Gynaecol Obstet. 2012; 118(sup 1): S15-S20. Doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijgo.2012.05.005119.         [ Links ]

13. Luffy SM, Evans DP, Rochat RW. 13. Luffy SM, Evans DP, Rochat RW. Siempre me critican: barriers to reproductive health in Ocotal, Nicaragua. Am J Public Health. 2015; in press.         [ Links ]

 

 

 

Manuscript submitted Oct 08 2014
Accepted for publication Feb 22 2015

 

 

Corresponding author: rrochat@emory.edu