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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.25 no.2 São Paulo  2015

http://dx.doi.org/10.7322/JHGD.102992 

ORIGINAL RESEARCH

 

Práticas educativas e relacionamento entre pais e filhas adolescentes grávidas e não-grávidas

 

 

Marina Zanella DelatorreI, II, III; Naiana Dapieve PatiasIII, IV, V; Ana Cristina Garcia DiasVI, VII

IGraduada em Psicologia, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) - Santa Maria (RS), Brasil
IIMestre em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) - Porto Alegre (RS), Brasil
IIIDoutoranda em Psicologia, UFRGS - Porto Alegre (RS), Brasil
IVMestre em Psicologia UFSM - Santa Maria (RS), Brasil
VEspecialista em Criança e adolescente em situação de risco Centro Universitário Franciscano (UNIFRA) - Santa Maria (RS), Brasil
VIDoutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento, USP-SP, São Paulo, Brasil
VIIDocente do Programa de Pós-graduação em Psicologia UFSM - Santa Maria (RS), Brasil

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A família é um importante ambiente de socialização dos filhos que possui influência sobre os comportamentos dos adolescentes, podendo se constituir como fator de risco e ou de proteção ao desenvolvimento dos mesmos
OBJETIVO: Descrever as relações estabelecidas entre práticas educativas parentais e a ocorrência da gestação na adolescência
MÉTODO: Foram utilizadas entrevistas semiestruturadas com 11 adolescentes (5 gestantes e 6 não-gestantes) de 15 a 19 anos e aplicado o Inventário de Estilos Parentais - IEP - referente às práticas maternas e paternas, nas adolescentes. As entrevistas foram submetidas a uma análise de conteúdo temática. Já o IEP foi levantado segundo proposta do manual
RESULTADOS: Constatou-se que há diferenças e semelhanças nos relacionamentos das adolescentes gestantes e não gestantes com seus pais. O relacionamento com a mãe parece ser mais positivo entre as jovens sem experiência de gravidez. Também foram observadas mais práticas educativas negativas maternas entre as gestantes, comparadas às não gestantes. Já o relacionamento com o pai foi semelhante entre os dois grupos, da mesma forma que as práticas educativas paternas foram negativas tanto entre as jovens gestantes quanto entre as não gestantes
CONCLUSÃO: As práticas educativas maternas, mas não as paternas, parecem estar associadas à ocorrência da gestação na adolescência

Palavras-chave: educação, pais, adolescentes, práticas educativas parentais, gravidez


 

 

INTRODUÇÃO

A adolescência é um período no qual ocorrem diversas mudanças físicas, psicológicas e sociais na vida dos indivíduos. As transformações características desse período, no entanto, não afetam apenas o adolescente que as vivencia, mas também o sistema familiar como um todo. As novas demandas e comportamentos do adolescente, assim como sua necessidade de independência e o maior envolvimento com o grupo de iguais em detrimento da família, exigem uma reorganização nos padrões de funcionamento familiar1.

Quando a modificação nestes padrões não acontece, se estabelecem condições favoráveis para a emergência de diversos conflitos no contexto familiar, principalmente entre pais e filhos2. A adaptação da família exige que a autoridade dos pais seja equilibrada e flexível, de forma a permitir que o adolescente possa experimentar sua independência e, ao mesmo tempo, contar com a orientação e proteção da família em momentos que vivencia inseguranças1,2.

O núcleo familiar pode experimentar maior insegurança não só pelas novas adaptações que os pais devem realizar, mas também porque o adolescente, nesta fase do desenvolvimento, vivencia a progressiva separação desse núcleo2,3. Neste processo, o adolescente tende a questionar os valores familiares, o que pode gerar conflitos entre pais e filhos2. Além do mais, é na adolescência que o jovem experimenta seus primeiros relacionamentos sexuais, sendo que os adultos significativos assumem um papel importante neste processo4,5. Eles podem fornecer subsídios para que o adolescente vivencie sua sexualidade de maneira segura ou então reprimi-la, dificultando a aquisição de comportamentos sexuais seguros4-6.

Desta forma, a maneira como os pais manejam o relacionamento com os filhos exerce influência sobre os comportamentos adotados pelos adolescentes frente a diferentes situações, inclusive em seus relacionamentos sexuais7,8. As práticas educativas são estratégias utilizadas pelos pais na orientação do comportamento dos filhos, que objetivam promover sua socialização, através de padrões de controle e afetividade adotados por eles diante de circunstâncias que requerem hierarquia, disciplina e tomada de decisão9. As práticas educativas são uma das formas de estudar o relacionamento entre pais e filhos, já que podem se constituir tanto em fator de risco, como de proteção aos comportamentos sexuais apresentados pelos adolescentes10. Os estilos parentais, por sua vez, são conjuntos de atitudes dos pais em relação aos filhos, que caracterizam a natureza da interação entre eles. Essas atitudes são modeladas pela efetividade das práticas educativas adotadas pelos pais na socialização dos filhos. Os estilos parentais são diferentes das práticas educativas, pois incluem aspectos globais dessas interações, considerando o contexto afetivo em que ocorrem9.

Vários autores têm se dedicado a estudar as práticas e os estilos educativos parentais, sendo que diversos modelos foram desenvolvidos. Por exemplo, Baumrind11 propõe a sistematização de três estilos parentais baseados nas estratégias de controle usadas pelos pais na criação dos filhos: permissivo, autoritário e autoritativo. A permissividade consiste na aceitação dos impulsos, desejos e ações dos filhos, sem a adoção de práticas punitivas. Esse estilo foi subdivido por Maccoby e Martin12 em indulgente/permissivo e negligente/ ausente. Em contraposição, o controle autoritário busca moldar, controlar e avaliar o comportamento do filho, de acordo com o padrão de conduta considerado correto pelos pais, geralmente, com excesso de controle. O estilo autoritativo se apresenta como um estilo parental equilibrado no qual controle e limites, diálogo e afeto são ofertados igualmente aos filhos, proporcionando uma educação que promove o desenvolvimento. Nesse estilo parental há o direcionamento do comportamento, o diálogo sobre regras sociais e o estímulo à disciplina e à autonomia.

Para Baumrind11, um modelo eficaz de educação requer flexibilidade e o uso prudente de punição dentro de um contexto de responsabilidade e apoio entre pais e filhos. Nesse sentido, o estilo autoritativo seria mais apropriado, uma vez que combina a dimensão de controle comportamental ao diálogo sobre regras e a lógica que envolve sua aplicação11,12. Este estilo estimularia o raciocínio autônomo sobre problemas, o respeito às autoridades adultas e o pensamento independente13.

Outro modelo teórico foi proposto por Hoffman14, o qual compreende a relação entre pais e filhos com base em relações de poder, centralizado nas figuras parentais. Duas práticas disciplinares são utilizadas na educação dos filhos: as práticas indutivas e as coercitivas. As primeiras objetivam a promoção da autonomia através da indicação das consequências dos comportamentos da criança ou adolescente, sem a utilização de sanções externas e culpa. Já as práticas coercitivas baseiam-se no medo de punições externas e no uso de diversas formas de poder, como a força física e a privação. Boas práticas se desenvolveriam através da indução, na qual os pais conversariam com os filhos, que compreenderiam a importância e cada consequência associada a cada comportamento.

Por fim, Gomide15 propôs outro modelo teórico, definindo o estilo parental como sendo um conjunto de práticas educativas utilizadas pelos pais na relação com os filhos. Dentre as sete práticas educativas que compõem seu modelo de estilo parental, duas são positivas (monitoria positiva e comportamento moral) e cinco são negativas (negligência, punição inconsistente, monitoria negativa, disciplina relaxada e abuso físico). A monitoria positiva diz respeito à atenção e ao conhecimento dos pais sobre onde seu filho se encontra e em que atividades está envolvido. O comportamento moral se refere à transmissão de valores, que possibilita a discriminação do que é certo e o que é errado.

Entre as práticas negativas, a negligência compreende a omissão, ausência, interações sem afeto e desatenção para com as necessidades dos filhos. A punição inconsistente ocorre quando a punição ou reforçamento dos comportamentos dos filhos se dá de acordo com o humor dos pais, ao invés das ações dos filhos. A monitoria negativa diz respeito ao excesso de fiscalização e instruções repetitivas dos pais. A disciplina relaxada acontece quando os pais se omitem frente ao não cumprimento das regras estabelecidas por eles próprios. Finalmente, o abuso físico se refere a ações dos pais que machucam ou causam dor aos filhos15.

Percebe-se em todos modelos teóricos citados que a forma/estilo como os pais educam os filhos influencia no desenvolvimento dos mesmos. Vários estudos revelam que o estilo parental autoritativo/competente e as práticas educativas indutivas resultam em proteção para vários problemas de comportamentos em crianças e adolescentes, tanto externalizantes como internalizantes. Por outro lado, estilos parentais autoritários, negligentes, permissivos e práticas coercitivas resultam em risco para o desenvolvimento dos filhos9,15-17.

No que se refere ao desenvolvimento da sexualidade, alguns estudos demonstram diferentes relações entre as práticas educativas dos pais e a adoção de comportamentos sexuais de risco pelos adolescentes10,18. Cabe lembrar que não há apenas uma definição, na literatura, para comportamento sexual de risco (CSR), no entanto, autores como Huebner e Howell10 e Newman19 descrevem esses comportamentos como a ausência do uso de preservativo nas relações sexuais e/ou o envolvimento com múltiplos parceiros. Os CSR também estão associados à contração de Doenças Sexualmente Transmissíveis - DSTs ou à ocorrência de uma gestação indesejada.

Uma das formas de se estudar a relação entre CSR e práticas educativas parentais é a comparação destas práticas entre adolescentes gestantes e adolescentes não gestantes, presumindo-se que a gestação seja resultado de CSR. Por exemplo, um estudo realizado por Gomide et al.20, comparando experiências de adolescentes gestantes com a de não gestantes, de escolas públicas e privadas, não apontou diferenças entre o grupo de gestantes e o de não gestantes. Entretanto, quando as autoras compararam o grupo de gestantes às adolescentes de escolas privadas, foi identificado um nível significativamente maior de disciplina relaxada e abuso físico materno entre as gestantes. Também houve entre as gestantes maiores incidência de abuso físico, monitoria negativa, negligência e punição inconsistente paterna. As autoras discutem que o nível socioeconômico dos pais pode interferir nas práticas disciplinares, podendo afetar negativamente o desenvolvimento dos filhos.

Assim, o objetivo é descrever as relações estabelecidas entre práticas educativas parentais e a ocorrência da gestação na adolescência.

 

MÉTODO

Este estudo possui delineamento qualitativo, de estudo de casos múltipos21-23. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com cinco adolescentes gestantes, entre 15 e 19 anos, e seis adolescentes sem experiência de gestação, entre 15 e 19 anos. Os dados referentes às gestantes foram coletados entre setembro de 2011 e fevereiro de 2012, em uma Unidade Básica de Saúde de uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. Já as adolescentes sem experiência de gestação foram entrevistadas no mês de maio de 2012, em uma escola pública na região da mesma Unidade Básica de Saúde, a fim de garantir que as informantes pertencessem ao mesmo background social e cultural.

As entrevistas continham questões a respeito da relação da adolescente grávida com a mãe e o pai, separadamente, antes e após a descoberta da gestação. No entanto, para o presente estudo, foram consideradas apenas as respostas que diziam respeito ao momento anterior à descoberta da gestação. Já a entrevista das não gestantes continham questões a respeito do relacionamento atual com a mãe e o pai.

Também foram aplicados em todos participantes da pesquisa o Inventário de Estilos Parentais (IEP). Esse instrumento contém 42 frases que correspondem às sete práticas educativas parentais (6 afirmações descrevendo cada prática) descritas por Gomide15. A monitoria positiva (A) e o comportamento moral (B) são duas práticas educativas consideradas positivas. Já a punição inconsistente (C), a negligência (D), a disciplina relaxada (E), a monitoria negativa (F) e o abuso físico (G) são cinco práticas consideradas negativas.

A aplicação deste instrumento foi realizada com o objetivo de complementar as entrevistas, de forma a obter mais informações a respeito de como são manejadas pelos pais as diversas situações cotidianas que envolvem educação, controle e orientação dos filhos. As afirmações presentes no inventário indicam um estilo parental materno e paterno, classificando-os em termos de sua adequação ou risco para a educação dos filhos. Nesse estudo, a partir dessa informação, foram comparados os resultados descritos por ambos os grupos (gestantes e não gestantes), a fim de verificar se as adolescentes sem experiência de gravidez tiveram estilos parentais mais adequados do que as gestantes.

As adolescentes foram previamente informadas dos objetivos e procedimentos do estudo, sendo explicitado o caráter voluntário da participação. Após concordarem com a participação foi assinado, por um responsável, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que continha todas as informações pertinentes ao estudo. Destaca-se que o projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, sob o protocolo n° 23081.013700/ 2010-97 e CAAE 0240.0.243.000-10, conforme resolução 196/96 do Ministério da Saúde.

As entrevistas foram posteriormente transcritas e submetidas à análise de conteúdo22, que busca compreender melhor os relatos dos participantes, aprofundando suas características e destacando seus momentos mais importantes. Esta técnica consiste na descrição do conteúdo das mensagens, utilizando indicadores que permitam inferir conhecimentos sobre as condições em que tais mensagens foram produzidas. A análise de conteúdo se desenvolveu em três momentos, a saber: (1) pré-análise, (2) exploração do material e (3) tratamento de resultados, inferência e inter-pretação22. Em um primeiro momento, as informações foram organizadas com o objetivo principal de sistematizar ideias, elaborando um plano de análise flexível, porém preciso. A primeira tarefa desempenhada neste momento foi conhecer o conteúdo das entrevistas por completo, deixando-se invadir por impressões e orientações. A partir disto, realizaram-se recortes do texto em unidades comparáveis de categorização (temas) para análise propriamente dita.

A seguir, partiu-se para a exploração do material, que se baseou na codificação das entrevistas transcritas, conforme os indicadores de análise construídos na fase de pré-análise. A fase de tratamento e interpretação dos resultados obtidos consistiu na síntese e seleção dos resultados, inferências e a interpretação dos mesmos a partir da perspectiva teórica adotada22.

A tabulação dos dados do Inventário de Estilos Parentais (IEP), por sua vez, utilizou as orientações presentes no manual. Cada prática educativa pode ter uma pontuação máxima de doze pontos e mínima de zero. Para calcular o Índice de Estilo Parental (iep) somam-se os pontos obtidos nas questões referentes às práticas positivas (A+B) (monitoria positiva e comportamento moral) que são subtraídos do somatório dos pontos das práticas negativas (C+D+E+F+G) (punição inconsistente, negligência, disciplina relaxada, monitoria negativa e abuso físico). O índice negativo informa a prevalência de práticas educativas negativas e o positivo, a presença de práticas positivas exercidas pelos pais no processo educacional dos filhos. Quando há maior presença de práticas negativas, o resultado é estilo parental negativo, e estilo parental positivo quando há prevalência de práticas educativas positivas. O iep (índice de estilo parental) pode variar de -60, em que há ausência de práticas positivas, a +24 que se refere à ausência de práticas educativas negativas e a presença total de práticas positivas.

Após a obtenção do iep, consulta-se o percentil equivalente ao iep obtido na tabela normativa, que indica se o respondente está ou não em um nível de risco. Assim, quando o percentil é de 1 a 25, o estilo parental é de risco. Os percentis de 30 a 50 revelam um estilo parental bom, porém abaixo da média. De 55 a 70, o estilo parental é bom, acima da média. Já percentis de 75 a 99 revela um estilo parental ótimo, com presença marcante das práticas parentais positivas e ausência de práticas negativas23.

Os resultados obtidos foram analisados através da leitura das entrevistas na íntegra e da análise das respostas do Inventário de Estilos Parentais (IEP) de todas as adolescentes e referentes a ambos os pais (prática materna e prática paterna). No que diz respeito às entrevistas, a partir da leitura das mesmas, as informações foram organizadas em categorias, formadas de acordo com os temas propostos a priori que contemplavam os objetivos da pesquisa. Em seguida, os resultados obtidos em cada um dos grupos foram comparados entre si, a fim de compreender as similaridades e diferenças presentes nos dois grupos referentes ao relacionamento com os pais. Foram desenvolvidas quatro categorias de análise: 1) relacionamento com a mãe, 2) educação recebida por parte da mãe, 3) relacionamento com o pai e 4) educação recebida por parte do pai.

Analisou-se o relacionamento das adolescentes com seus pais e as práticas educativas adotadas pelos mesmos, comparando as experiências das adolescentes gestantes às das jovens sem experiência de gestação. A expectativa era de que tanto o relacionamento quanto as práticas educativas fossem mais positivas no grupo sem experiência de gestação, reforçando a ideia de que estes dois fatores servem como proteção à vulnerabilidade à gravidez na adolescência.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Relacionamento com a mãe

Quatro das cinco gestantes descrevem o relacionamento com sua mãe antes da gestação de forma positiva, usando palavras como "legal", "companheira" e "amiga". Em dois destes casos (Gestantes 3 e 5), apesar da relação positiva, constata-se nos relatos certo distanciamento entre mãe e filha. Isto é demonstrado quando a qualidade da relação é avaliada através da permissão ou não para as saídas da adolescente, ou quando é revelada dificuldade de diálogo em alguns aspectos. Esta dificuldade, principalmente em relação ao tema da sexualidade, é apontada também por outros estudos realizados com adolescentes gestantes e não gestantes24-27.

Bom... muito bom. (...) sempre uma amiga da outra, ajudando uma à outra (...) ela era sempre companheira comigo. (Adolescente gestante 1, 18 anos)

Nunca fui de contar as coisas pra minha mãe, né. Sempre fui, nunca tive uma relação muito aberta com ela de chegar e contar certas coisas. (...) Aí na parte da noite quando eu chegava de tardezinha daí a gente conversava, mas assuntos diversos, nada de vida, essas coisas assim. (Adolescente gestante 3, 19 anos)

Era legal, às vezes ela não deixava eu sair, que eu gostava muito de sair, né. às vezes ela deixava, era assim. (Adolescente gestante 5, 15 anos)

No grupo de gestantes apenas uma adolescente relatou um relacionamento mais conturbado com a mãe antes da gestação. Estes problemas de relacionamento são caracterizados por conflitos e brigas, havendo maior aproximação depois da notícia da gestação.

Era bem... bem menos, eu era bem menos próxima dela do que agora. (...) Brigava muito, né, eu incomodava muito. Tava sempre brigando, assim. (Adolescente gestante 2, 18 anos)

Os resultados do Inventário de Estilos Parentais (IEP) destas gestantes adolescentes demonstraram que três das gestantes apresentam história de estilo parental materno "de risco" e duas tiveram estilo parental materno classificado como "bom, porém abaixo da média", conforme proposta do manual (Tabela 1). Estes dados reforçam a ideia encontrada nas entrevistas de que apesar das gestantes descreverem a relação com sua mãe como positiva, podem existir algumas dificuldades no relacionamento mãe-filha.

No que diz respeito às cinco adolescentes não gestantes, observa-se um bom relacionamento com a mãe, indicado pela presença de diálogo, orientação e respeito mútuo entre mãe e filha. Parece haver, entre elas, um relacionamento mais aberto, principalmente no que diz respeito ao diálogo mãe-filha, em comparação às gestantes entrevistadas. Esta informação vai ao encontro de nossas expectativas iniciais, já que apesar de ambos os grupos relatarem um relacionamento positivo com as mães, é notório nos relatos a maior presença de diálogo entre as adolescentes não gestantes e suas mães, ao passo que entre as gestantes, a relação entre mãe e filha é descrita de maneira mais superficial.

Ah, a gente se dá bem, ela me ouve, sempre me escuta, ela respeita as minhas opiniões sempre (...) ela sempre conversa, ela dá conselho. Tudo o que eu pergunto, geralmente tudo o que eu pergunto ela me responde, né. (Adolescente não-gestante 2, 15 anos)

É muito bom. Ela se importa bastante comigo, quando eu tô triste ela vai lá, me abraça, pergunta o que que aconteceu. (Adolescente não-gestante 4, 17 anos)

Ah, meu relacionamento com a minha mãe é muito bom, porque ela, ela sempre tá disposta a me ouvir, sempre me ajuda em tudo (...) ela prefere sempre que eu faça as coisas na frente dela do que escondido. (Adolescente não-gestante 5, 15 anos)

Entre estas adolescentes sem experiência de gestação também houve referência a um relacionamento mais distante com a mãe. Contudo, parece não haver conflitos entre mãe e filha, apesar do distanciamento da relação.

Na verdade é melhor com o pai, eu acho que toda menina tem mais facilidade de conversar com o pai. (...) Já a mãe parece que tá sempre mais... (...) não ouve tanto assim, ela quer que preste mais atenção nela, no que ela tem pra dizer. (Adolescente não-gestante 1, 17 anos)

A Tabela 2 apresenta os resultados obtidos do IEP materno referente à descrição das adolescentes não gestantes.

De acordo com o Inventário de Estilos Parentais (IEP) materno das adolescentes sem experiência de gestação, duas tiveram estilo parental materno "de risco", outras duas apresentaram um estilo parental "bom, acima da média", uma teve estilo parental "bom, porém abaixo da média" e, por fim, uma obteve o resultado "ótimo" (Tabela 2). Estes dados demonstram que as práticas educativas maternas foram mais positivas entre as adolescentes não gestantes entrevistadas, comparadas às jovens gestantes.

Outros estudos28,29 encontraram diferenças semelhantes entre as práticas educativas maternas vivenciadas pelos dois grupos. Patias et al.28, comparando os resultados do Inventário de Estilos Parentais de uma adolescente gestante com os resultados de uma adolescente não gestante constataram que a primeira recebia pouca supervisão da mãe, enquanto que a segunda era constantemente supervisionada e orientada sobre comportamentos corretos e incorretos. Pereira et al.29, por sua vez, compararam um grupo de adolescentes gestantes a um grupo de adolescentes não gestantes, demonstrando que as primeiras recebiam menos proteção e suporte emocional de ambos os pais. Estes dados vão ao encontro dos resultados do presente estudo, que encontrou práticas educativas maternas mais positivas entre adolescentes não gestantes, comparadas às gestantes.

Entretanto, práticas maternas de risco foram encontradas também entre as adolescentes sem experiência de gestação. A partir disso, sugere-se que, apesar de muitos autores mencionarem que práticas educativas parentais negativas podem tornar os jovens vulneráveis a comportamentos sexuais de risco10,18,19, não é possível estabelecer uma relação de causa e efeito entre estas práticas e a gestação na adolescência.

Educação recebida por parte da mãe

De acordo com o relato de três gestantes, a forma de punição utilizada por suas mães era o xingamento. Duas destas gestantes (1 e 4) tiveram IEP materno considerado "bom, porém abaixo da média", enquanto outra participante (Gestante 2) apresentou o estilo parental materno descrito como "de risco" (Tabela 1). A reação das entrevistadas, nestas situações, varia entre a reflexão sobre seu erro e a culpa por tê-lo cometido, segundo seus relatos nas entrevistas.

Olha, falava que tava errado, xingava e só. E como é que tu te sentia? Mal. (...) Tipo... sei lá. Que eu não fazia nada certo, que... é isso. (Adolescente gestante 2, 18 anos)

Ah, ela ficava totalmente indignada (...) ela falava, brigava, gritava (risos) também. (...)

Depois que acontecia eu ficava bem mal, porque eu pensava assim: o que que eu fiz, ou o que que eu não fiz. (Adolescente gestante 4, 19 anos)

As duas outras gestantes (3 e 5) relataram o uso de punição física por suas mães, ainda que em pouca intensidade. Uma das gestantes relata que isto acontecia apenas quando "era menor" (mais nova), enquanto a outra referiu sentir raiva frente a punição. Ambas apresentaram estilo parental materno "de risco" (Tabela 1). De forma semelhante, Weber et al.17, em pesquisa realizada com crianças e adolescentes de escolas do Paraná, demonstraram que sentimentos de raiva e tristeza são comuns entre as crianças e adolescentes, frente à punição física recebida. Entre as adolescentes sem experiência de gestação não houve menção a punições físicas.

Dava castigo. Não podia sair. (...) Às vezes ela dava uma batida. Mas não muito. E como é que tu se sentia nessas situações? Na hora a gente ficava com raiva né, não sei explicar. (Adolescente gestante 5, 15 anos)

No grupo das não gestantes, três adolescentes também relataram xingamentos e/ou castigos como forma de punição. Destas, duas (Adolescentes 3 e 5) tiveram estilo parental materno considerado "bom, acima da média", enquanto que a terceira (Adolescente 1) apresentou IEP descrito como "de risco" (Tabela 2). Das três, duas referem sentir-se mal por perceberem seu erro, enquanto uma se mostra satisfeita pela maneira como a mãe a educa.

Ah, quando ela tá de mau humor é brabo. Que às vezes ela pega pesado, ela me deixa bem pra baixo. Ela fala horrores assim, e não quer nem saber, ela me deixa bem pra baixo. (Adolescente não-gestante 2, 15 anos)

Se eu faço alguma coisa errada ela me tira o notebook, ou não me deixa sair, ou não deixa eu ver o meu namorado. (...) E como é que tu te sente com esse jeito dela de lidar com isso? Ah, melhor coisa né. (Adolescente não-gestante 5, 15 anos)

Apesar de não ter havido menções a respeito de punições físicas por parte destas adolescentes sem experiência de gestação, cabe ressaltar que estes xingamentos podem ser considerados abuso psicológico. De acordo com o Ministério da Saúde30, a violência psicológica intrafamiliar caracteriza-se pela ação ou omissão que causa, ou tem o objetivo de causar, danos à autoestima, à identidade ou ao desenvolvimento da pessoa.

Práticas educativas que incluem o uso de punições possibilitam o desenvolvimento de comportamentos de risco, tanto antissociais quanto sexuais. Um estudo realizado por Xavier31 encontrou que menores índices de CSR estavam associados ao estilo parental autoritativo. Por outro lado, os adolescentes que obtiveram índices mais altos em CSR foram aqueles cujos pais apresentavam o estilo parental indulgente ou negligente.

Estudos norte-americanos apresentam o mesmo padrão de resultados10,31,32. Uma pesquisa realizada com alunos de ensino médio nos Estados Unidos encontrou uma relação positiva entre o monitoramento e a comunicação dos pais com o adolescente e os menores níveis de envolvimento dos jovens em CSR10. Da mesma forma, um estudo realizado com pacientes de uma clínica voltada ao atendimento de adolescentes nos Estados Unidos demonstrou associações entre o monitoramento parental e o uso de métodos contraceptivos hormonais ou dupla proteção (contraceptivo hormonal e preservativo) na última relação sexual31. Por fim, Tucker, Perreira e Halpern32, pesquisando adolescentes norte-americanos, encontraram associações entre estilos parentais autoritários e negligentes e gravidez na adolescência.

Estas práticas podem influenciar na ocorrência da gestação na adolescente no sentido de que a maternidade pode representar tanto a aquisição de afeto como a fuga de um ambiente familiar hostil20, que não conseguiu suprir as necessidades emocionais24 e de autonomia da adolescente33. As práticas educativas parentais podem influenciar ainda o bem-estar psicológico dos adolescentes e jovens. Boeckel e Sarriera34, ao estudarem adultos jovens universitários, encontraram que 60,7% dos participantes percebiam as práticas educativas dos pais como autoritativas. Essas práticas funcionavam também como preditoras do bem-estar psicológico dos jovens. A partir disso, pode-se supor que seja menos provável a gestação, enquanto fuga de um ambiente hostil ou afetivamente pobre, quando são utilizadas práticas educativas autoritativas.

É interessante notar que, entre as adolescentes não gestantes, três entrevistadas referem receber orientações da mãe quando fazem algo errado. Em alguns dos casos, esta orientação é acompanhada da explicação das possíveis consequências de tais comportamentos, que leva a reflexão da adolescente sobre a situação. Esta atitude, de acordo com a literatura, consiste na oferta de uma boa educação a jovem, já que a internalização da moral é induzida através da compreensão cognitiva das consequências dos próprios atos, o que promove a autonomia e serve de base para o controle futuro do próprio comportamento14.

Mas daí ela fala, ela nunca briga, ela sempre fala pra mim... 'não faz isso, porque gera tal, tal e tal consequência; se tu fizer de novo, daí não vai dar certo, teu pai vai ficar brabo', não sei o que lá. (...) Daí nunca, não tem necessidade dela falar uma segunda vez. (Adolescente não-gestante 2, 15 anos).

Porém, cabe ressaltar que os resultados do IEP para estas três adolescentes não-gestantes que relataram o uso de xingamentos como punição foram diversos. As adolescentes 2, 4 e 6 tiveram IEP materno "ótimo", "de risco" e "bom, abaixo da média", respectivamente (Tabela 2). Isto demonstra que, apesar dos benefícios citados pela literatura, estas práticas devem ser acompanhadas de outras práticas educativas positivas, para que sejam efetivas.

Relacionamento com o pai

As adolescentes gestantes relataram ter proximidade com o pai, além de considerarem positiva sua relação com ele. Os aspectos mais ressaltados por essas gestantes são a conversa e a característica de "brincalhão".

Não sei, eu acho que eu era mais apegada, que ele era mais brincalhão, não que a mãe não fosse, mas ele era bem mais. (Adolescente gestante 1, 18 anos)

Duas das gestantes relataram certo distanciamento em relação aos seus pais. Uma delas referiu não ter tido convivência com o pai, enquanto a outra tinha contatos predominantemente telefônicos com o pai. Esta última (Gestante 5), de acordo com o IEP, também apresentou estilo parental "de risco" (Tabela 3). Já a primeira (Gestante 2) não respondeu ao inventário por não ter tido contato com o pai.

Não era muito próximo, né, a gente falava mais por telefone. (Adolescente gestante 5, 15 anos)

No caso de uma das gestantes entrevistadas, esta figura de brincalhão e engraçado se mistura à rigidez e ao conservadorismo do pai, dificultando seu diálogo com ele. Estas características dizem respeito ao que é apontado pela literatura como o pai autoritário. Este tipo de prática educativa prejudica a autonomia do filho, além de poder provocar sentimentos hostis e de oposição em relação à figura de autoridade35. É interessante notar que, dentre as três gestantes que relataram ter um bom relacionamento com o pai (Gestantes 1, 3 e 4), apenas esta gestante apresentou estilo parental "de risco", de acordo com os resultados do IEP (Tabela 3).

Meu pai era bem brincalhão, sempre foi, até hoje ele é bem brincalhão, bem engraçado, mas o meu relacionamento com ele também nessa questão de contar as coisas sempre foi muito puxado. (... ) Porque ele era muito brabo e muito conservador (... ) (Adolescente gestante 3, 19 anos)

Da mesma forma, as adolescentes sem gestação relatam ter um bom relacionamento com seus pais, apontando apenas algumas limitações no diálogo com ele, havendo assuntos conversados apenas com a mãe. Neste último grupo, apenas uma das adolescentes (4) teve IEP paterno "de risco" (Tabela 4).

Eu sou bem apegada nele, é bem... ele tá sempre na minha casa (... ) só que meu pai não é do tipo que eu possa conversar sobre tudo, assim. (... ) Não é ruim, mas também parece que é mais superficial. (Adolescente não-gestante 3, 16 anos)

Comparando os resultados da aplicação do Inventário de Estilos Parentais para as práticas paternas nos dois grupos, novamente percebe-se que as práticas educativas foram mais positivas entre as não gestantes, apesar de uma jovem sem experiência de gestação também ter apresentado práticas paternas de risco. Neste aspecto, resultados semelhantes foram encontrados por Pereira et al.29, em que as práticas educativas paternas vividas por gestantes foram mais negativas em relação às não gestantes. Por outro lado, Patias et al.28, em um estudo de caso comparando uma adolescente gestante a uma adolescente não gestante, mostrou práticas educativas paternas negativas para ambas as adolescentes.

Educação recebida por parte do pai

Entre as gestantes, a punição do pai aparece como "bronca", xingamento, sem referência à punições físicas, de forma semelhante ao que ocorre com a mãe. Ainda assim, ressalta-se novamente o fato de que as punições psicológicas podem ser tão prejudiciais quanto o abuso físico. O IEP paterno das gestantes foi "bom, porém abaixo da média" (Gestantes 1 e 4) e "de risco" (Gestantes 3 e 5) (Tabela 3). O abuso psicológico pode causar danos à saúde física ou mental da criança e do adolescente, ou ainda prejudicar seu desenvolvimento físico, mental ou social36. A reação entre as três entrevistadas que relataram este tipo de punição foi heterogênea. Uma delas referiu não fazer nada errado para evitar a "bronca" do pai, outra relata indiferença, enquanto que a terceira demonstra tristeza por ter feito algo errado. De fato, este tipo de punição pode provocar o aumento de emoções como ansiedade e medo14. Em crianças que recebem punições físicas, reações semelhantes como tristeza, medo, raiva e ansiedade podem ser encontradas17.

Ah, a gente nem fazia porque já sabia (risos). Já avisava antes, daí nem dava tempo às vezes. Daí ficava naquela pressão, se eu fizer vou levar uma bronca do pai. (Adolescente gestante 1, 18 anos)

Ah, ele ficava muito brabo. (.) ele ficava furioso, ele xingava, ele falava, dizia que não podia ter acontecido o que aconteceu, ele ficava bem brabo. E tu, como é que tu se sentia? Ah, eu ficava do mesmo jeito, né, muito chateada, porque depois que tu faz que tu pensa, né. (Adolescente gestante 4, 19 anos)

Uma das gestantes (5) referiu que, além das conversas quando fazia algo de errado, seu pai eventualmente utilizava punições físicas. Chama a atenção o resultado do IEP paterno desta gestante, o qual foi classificado como "de risco" (Tabela 3), sendo que a pontuação do percentil paterno foi apenas 1. Ela refere sentir uma "sensação ruim" quando isto acontecia. Esta reação à punição corporal é semelhante às apresentadas por outros estudos, que indicam tristeza, raiva, medo e ansiedade17,37,38. Além destas reações, o uso deste tipo de punição para disciplinar os filhos pode trazer influência negativa ao seu desenvolvimento, bem como influenciar a ocorrência de comportamentos de risco antissociais e sexuais20. Por fim, a quinta gestante não respondeu a esta questão por referir não ter tido contato com seu pai.

Às vezes era bater. E tinha mais alguma coisa que ele fazia? Não, só conversava, quando ele não batia ele conversava. Como é que tu se sentia nesta situação? Quando ele batia tinha uma sensação ruim. (Adolescente gestante 5, 15 anos)

Entre as adolescentes sem experiência de gestação não houve referências a punições físicas. Quando a jovem faz algo considerado errado, as atitudes variam entre conversa, castigos e xingamentos. Conforme já mencionado, o uso da conversa e do diálogo é positiva, pois promove a reflexão sobre as consequências dos próprios atos, promovendo a autonomia e servindo como base para o controle futuro do próprio comportamento14. Em contraposição, castigos e xingamentos podem prejudicar a autonomia do filho, ou provocar sentimentos hostis e de oposição em relação à figura de autoridade35. Três das entrevistadas gostam ou consideram certa a atitude do pai, enquanto que duas referem se sentir mal com a situação.

Quando eu, por exemplo, teve uma vez que eu briguei e que ele ficou sabendo, ele me xingou, me deixou de castigo. (...) E o que que tu acha desse jeito dele? Eu acho que tá certo porque não adianta bater. (Adolescente não-gestante 5, 15 anos)

Se eu faço coisa errada ele me chama pra conversar. Às vezes até ele prefere só nós dois conversar, daí ele começa a me perguntar o que que eu fiz, que não era pra ter feito, que isso, aquilo, assim, sempre assim. E como é que tu te sente? Ah, mal né, porque eu não gosto de magoar o meu pai, não gosto de deixar ele chateado. (Adolescente não-gestante 1, 17 anos)

Entre as jovens que referiram que a conversa é utilizada para resolução de conflitos, uma teve IEP paterno "bom, acima da média" (Adolescente 1), duas IEP paterno "ótimo" (Adolescentes 2 e 3) e uma apresentou IEP paterno "de risco" (Adolescente 4). Outra adolescente (5) que referiu receber castigos e xingamentos teve IEP paterno "bom, porém abaixo da média" e, por fim, a adolescente (6) que disse ouvir xingamentos teve IEP paterno "bom, acima da média" (Tabela 4). Novamente, os resultados do inventário suportam parcialmente as informações obtidas nas entrevistas. As adolescentes que resolvem conflitos através do diálogo, com exceção de uma, tiveram escores mais positivos. Porém, os escores positivos das adolescentes que vivem práticas apontadas pela literatura como prejudiciais, evidenciam a importância de se considerar a educação recebida pelos filhos como um todo, e não apenas em aspectos isolados.

A vulnerabilidade social da família, por exemplo, pode assumir um papel importante nesse aspecto. Macedo, Kublikowski e Berthoud39, analisando uma amostra de pais e mães de adolescentes paulistas, encontraram que pais em maior vulnerabilidade social são mais rígidos na educação e imposição de regras aos filhos. Já os pais em menor vulnerabilidade são mais flexíveis, e utilizam práticas educativas mais orientadas à autonomia. Os autores destacam ainda que os pais de ambos os grupos consideram que são bem-sucedidos na tarefa de educar seus filhos.

Ressalta-se a importância do estudo dos fatores que contribuem para a gestação na adolescência, pois a mesma, apesar de muitas vezes desejada, é um problema de saúde pública40. A gravidez adolescente pode provocar uma maior dependência financeira da jovem em relação aos pais, o abandono dos estudos e uma restrição da liberdade em função dos cuidados ao filho41. Tendo em vista estes impasses e o fato de que, muitas vezes, o desejo de ser mãe emerge de um ambiente familiar hostil do qual se deseja fugir20, é fundamental que se construam intervenções a fim de evitar que este tipo de ambiente se estabeleça para as adolescentes. Além disso, a violência intrafamiliar contribui não só para a vulnerabilidade à gestação, mas também para o desenvolvimento de comportamentos antisso-ciais20, de diversos comportamentos de risco à saúde, e para o desencadeamento de doenças crônicas36.

Sendo assim, o estudo da educação para crianças e adolescentes e a orientação aos pais pode servir como um importante instrumento de prevenção a estes riscos. Cabe salientar que a gravidez na adolescência é um fenômeno complexo, havendo vários fatores que contribuem para a sua ocorrência42 e desenvolvimento43, sendo as relações familiares apenas um dos aspectos a serem estudados e trabalhados.

 

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Manuscript submitted: oct 22 2014
Accepted for publication: dec 19 2014

 

 

Corresponding author: anacristinagarciadias@gmail.com

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