SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.25 issue2The influence of baby walker usage in the sensory motor development of children at schools in early childhood educationChild development: comparison between children who attend or do not attend public daycare centres author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.25 no.2 São Paulo  2015

http://dx.doi.org/10.7322/JHGD.102999 

ORIGINAL RESEARCH
DOI: HTTP://DX.DOI.ORG/10.7322/JHGD.102999

 

Saúde mental e fatores de risco e proteção: focalizando adolescentes cumprindo medidas socioeducativas

 

 

Maria Denise Pessoa e SilvaI; Thelma Simões MatsukuraI; Maria Fernanda Barboza CidI; Martha Morais MinatelII

IDepartment of Occupational Therapy, Federal University of São Carlos (UFSCar)
IIFederal University of Sergipe (UFS)

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A literatura tem apontado que adolescentes em conflito com a lei podem apresentar diversos problemas de saúde mental, porém poucos estudos brasileiros abordam essa questão
OBJETIVOS: Identificar os níveis de saúde mental, auto-estima e suporte social de adolescentes cumprindo medidas sócio-educativas em meio aberto, os estilos parentais adotados pelos seus responsáveis e identificar relações entre estas variáveis
MÉTODO: Trata-se de estudo exploratório e correlacional. Participaram do estudo 33 adolescentes em cumprimento de medidas sócio-educativas em uma cidade do interior do estado de São Paulo/Brasil, com idade entre 14 e 18 anos que responderam a instrumentos específicos para avaliação das variáveis focalizadas
RESULTADOS: Os resultados indicaram que 67% dos adolescentes apresentaram problemas de saúde mental, 84% percebem o suporte social que recebem como sendo baixo ou médio e 33% dos participantes avaliam os estilos parentais de seus responsáveis como de risco. Observou-se que quanto menor a auto-estima dos adolescentes, mais os responsáveis são negligentes e menor é o suporte familiar
CONCLUSÃO: A maior parte dos adolescentes apresentaram problemas de saúde mental. Além disso, quanto menor a auto-estima dos adolescentes, menor foi o suporte familiar percebido por eles e mais seus responsáveis adotam a prática parental de negligência. Compreende-se que estes resultados reforçam a necessidade de articulação intersetorial nas ações que focalizam esta população

Palavras-chave: adolescentes em conflito com a lei, saúde mental, suporte social, risco e proteção


 

 

INTRODUÇÃO

Considerando os elementos que influenciam o desenvolvimento humano, destacam-se aqueles que podem atuar como coadjuvantes no desenvolvimento saudável do indivíduo e outros que podem prejudicar seu bem-estar, identificados respectivamente por fatores de proteção e fatores de risco1.

Os fatores de risco são consideradas condições e variáveis relacionadas à ocorrência de resultados negativos no desenvolvimento de um determinado indivíduo, estejam eles relacionados ao comprometimento da saúde ou do desempenho social. Importa ressaltar que, ainda mais importante que a incidência de um fator de risco isolado no desenvolvimento de um indivíduo, é a combinação de adversidades, uma vez que a soma e interação de diversos fatores de risco podem expor ainda mais o indivíduo, tornando-o mais vulnerável para o aparecimento de desordens no âmbito de sua saúde e comportamento1,2.

Ao focalizarem adolescentes e fatores de risco, autores apontam que elementos como a pobreza, a baixa escolaridade, o consumo de drogas, a exposição a situações de violência e a hostilidade no ambiente familiar podem não só tornar o adolescente vulnerável, como também predispô-lo ao envolvimento em condutas delituosas e, consequentemente, sujeitá-lo à obrigatoriedade de cumprimento das sanções previstas em lei 3.

Além das pesquisas que buscam compreender sobre os fatores de risco, existem estudos brasileiros que procuram investigar as características e os fenômenos familiares, sociais e de saúde que permeiam a vida de adolescentes envolvidos em atos infracionais4-6.

O estudo de Priuli e Moraes6 objetivou o levantamento do perfil sócio-demográfico, infracio-nal e relacional de 48 adolescentes entre 14 e 18 anos de idade em cumprimento de medida de internação na Fundação do Bem-Estar do Menor (FEBEM) do município de São José do Rio Preto no ano de 2003. Através da análise dos prontuários destes adolescentes, caracterizaram esta população e encontraram que 35,4% dos adolescentes estavam na faixa etária de 17 anos. Com relação ao nível instrucional, 68,7% dos adolescentes possuíam ensino fundamental incompleto ao passo que 83,3% não frequentavam a escola6.

Gallo e Williams4, ao descreverem o perfil de adolescentes em conflito com a lei, consideraram as características intrínsecas de adolescentes em medidas sócio-educativas, destacando os seguintes elementos: violação de normas sociais, comportamento em desacordo com a cultura em que estão inseridos, dificuldades de socialização, uso precoce de drogas lícitas e ilícitas, histórico de agressividade, participação em brigas, comportamento impulsivo, humor deprimido, tentativas de suicídio, ausência de sentimento de culpa, hostilidade, danos a patrimônios públicos, institucionalização, vandalismo, rejeição em seu círculo social, relacionamento com colegas que apresentam comportamento desviante, baixo rendimento e evasão escolar4 .

Em concordância com os estudos brasileiros, pesquisas internacionais também indicam que adolescentes infratores apresentam baixa escolaridade, baixa condição sócio-econômica, evasão escolar, envolvimento precoce com cigarro, álcool e substâncias entorpecentes, problemas de saúde mental e precocidade na prática de condutas delituosas7-9. Assim, observa-se que a literatura tem apontado várias características de adolescentes infratores que se relacionam com o campo da saúde mental.

Oliván realizou um estudo de revisão bibliográfica sobre a temática da infração entre adolescentes, com o objetivo de prover uma atualização sobre os problemas de saúde mental que acometem esta população e os programas de saúde estruturados para lidar com tal demanda. O autor aponta que 63% dos estudos encontrados foram realizados nos Estados Unidos da América, 24% são publicações provenientes do oeste europeu (Espanha, Reino Unido, Holanda, Bélgica, Suécia e Finlândia), 8% foram conduzidos na Austrália e 5% no Canadá. Ainda, o autor indica que, qualitativamente, não foram identificadas diferenças entre os transtornos mais incidentes nestes jovens e que os estudos apresentam concordância em ressaltar a importância e a necessidade de serviços de saúde voltados ao atendimento desta população8.

Teplin e colaboradores9 conduziram um estudo no Centro de Detenção Temporária para Jovens do condado de Cook, Illinois, Estados Unidos. Os pesquisadores tiveram o objetivo de investigar a prevalência de problemas de saúde mental naquela população, porém, frisam outro objetivo, que inclui superar as limitações metodológicas de estudos anteriores, como o uso de amostras restritas e de instrumentos não-validados e critérios de inclusão e exclusão mal definidos. A amostra deste estudo foi composta por 1.829 adolescentes do sexo masculino e feminino com idades entre 10 e 18 anos, selecionados aleatoriamente. Os resultados deste estudo indicaram que, aproximadamente, dois terços dos adolescentes do sexo masculino e três quartos dos adolescentes do sexo feminino obtiveram pontuações que indicam a presença de um ou mais problemas psiquiátricos, a saber: transtornos afetivos, ansiedade, psicose, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, transtornos de comportamento disruptivo e uso de substâncias9.

No Brasil, foram realizados alguns estudos sobre problemas psiquiátricos entre jovens infratores10-12.

Silva e colegas investigaram a prevalência de transtornos mentais em uma população de 99 jovens infratores do sexo masculino e 47 jovens infratores do sexo feminino na cidade do Rio de Janeiro e encontraram alta incidência de transtornos psiquiátricos nesta amostra. Os autores apontam para a ineficiência dos serviços públicos de atenção em saúde mental na infância e adolescência, e indicam que falhas no diagnóstico de problemas de saúde mental podem prejudicar a atenção à saúde destes adolescentes e corroborar para a reincidência no comportamento delituoso. Além disso, indicam que são escassos os estudos de prevalência de problemas de saúde mental entre jovens infratores brasileiros, apontando para a necessidade de investimento na área10.

Aponta-se que ainda são poucos os estudos brasileiros envolvendo a investigação de problemas de saúde mental em adolescentes em conflito com a lei. Além disso, os resultados dos estudos indicam variações importantes nos resultados. Tais variações podem estar associadas aos diferentes instrumentos de avaliação utilizados, mas também, podem ocorrer em função de outras variáveis, como amostra composta por adolescentes do sexo feminino e masculino, comparação entre infratores que cometeram diferentes delitos, categorizados em graves e não-graves; e composição de amostras quantitativamente diferentes entre si, dentre outros.

Observa-se a necessidade de continuidade nas investigações focalizando adolescentes brasileiros envolvidos na vivência infracional e a saúde mental nesta população, considerando as peculiaridades deste grupo, as especificidades da realidade nacional e os diversos elementos presentes no processo de proteção e risco.

Importa ainda destacar, sobre a saúde mental desses jovens e a identificação de fatores de risco e proteção, que passado tantos anos da implementação das propostas socioeducativas e dos resultados alcançados até o momento, é inegável a compreensão de que estamos frente a um desafio que envolve uma complexa multifatoriedade de fenômenos13. Nesta direção, compreende-se que a busca de elementos de diferentes naturezas e campos, implicados que estão, devem somar ao processo e não desviar o foco da atenção ou alimentar condutas mais individualizadas que implicam em desresponsabilização social e/ou governamental. Assim, compreende-se que a soma e integração de diversos campos de conhecimento devem compor e somar na compreensão, reflexão e proposição de ações mais efetivas13.

Frente ao exposto, o objetivo foi identificar os níveis de saúde mental, auto-estima e suporte social de adolescentes cumprindo medidas sócio-educativas em meio aberto, os estilos parentais adotados pelos seus responsáveis e identificar relações entre estas variáveis.

 

MÉTODO

Trata-se de estudo exploratório e correlacional. As variáveis contextuais consideradas para avaliação de relações com os níveis de saúde mental dos participantes foram: auto-estima dos adolescentes, estilos parentais adotados pelos pais avaliados pelos adolescentes e suporte social dos adolescentes.

Participantes

Foram participantes do estudo 33 adolescentes do sexo masculino que frequentavam o Programa de Medidas sócio-educativas em Meio Aberto de um município de médio porte do interior do Estado de São Paulo, no período de 2009-2010.

O nível de escolaridade da maioria dos adolescentes era o primeiro grau incompleto, seguidos de nove com segundo grau incompleto e, onze deles não estavam frequentando a escola no momento da coleta de dados. A renda familiar apontada pela maioria dos participantes não ultrapassou três salários mínimos vigentes à época. Em relação ao uso de substâncias químicas, o cigarro e a maconha foram substâncias que mais os participantes relataram o uso e, do total de adolescentes que compunham a amostra, 10 eram reincidentes no cumprimento de medidas sócio-educativas.

Instrumentos

a) Questionário de identificação dos adolescentes elaborado a partir da literatura, com o objetivo de identificar variáveis que caracterizassem o perfil sócio-demográfico dos adolescentes e de suas famílias.

b) Questionário de Capacidades e Dificuldades - SDQ. O SDQ possibilita identificar problemas relacionados à saúde mental infantil. O questionário apresenta versões a serem aplicadas junto ao adolescente, aos seus pais e professores e, neste estudo, foi utilizada a versão respondida pelo próprio adolescente. É composto por 25 itens e a soma dos escores possibilita identificar três níveis de saúde mental: normal, limítrofe ou anormal (tratado neste estudo como "clínico"). Além disso, os itens estão divididos em cinco sub-escalas, que permitem identificar níveis de saúde mental nos seguintes aspectos: sintomas emocionais, problemas de conduta, hipe-ratividade, problemas com os colegas e comportamento pró-social. A escala apresenta, ainda, o suplemento de impacto que avalia o comprometimento causado pelos sintomas apresentados14,15. Em estudos de validação cultural para adolescentes brasileiros, o SDQ foi considerado adequado para a triagem de transtornos psiquiátricos no Brasil15.

c) Escala de Auto-Estima de Rosenberg. Para a avaliação da auto-estima dos adolescentes participantes, foi utilizada a Escala de Auto-Estima de Rosenberg, elaborada em 1989 por Rosenberg e traduzida para o português e adaptada transculturalmente por Avanci e col.16. A soma total dos escores pode variar de 10 a 40 e quanto mais alto o escore, maior a auto-estima do respondente. A aplicação da Escala de Auto-Estima de Rosenberg gera escores que não apresentam normatização dentro da classificação alta, normal e baixa. As orientações do instrumento indicam que escores baixos representam níveis baixos de auto-estima ao passo que escores altos representam o oposto.

d) Questionário de Suporte Social para Crianças e Adolescentes - SSA. Para avaliação do suporte social dos adolescentes, foi utilizada a versão brasileira do Questionário de Suporte Social para Crianças e Adolescentes, adaptada transculturalmente para o Brasil17. O questionário é de origem americana - Social Support Appraisals - e foi desenvolvido por Vaux, em 1986. O instrumento apresenta 30 questões, sendo que o escore total reflete o suporte social percebido. O SSA divide-se em quatro sub-escalas: além da percepção de apoio das outras pessoas, avalia a percepção referente à família, amigos e professores17. Os níveis de suporte social advindos da aplicação do SSA podem ser interpretados utilizando-se a classificação: baixo, normal e alto. Entretanto, originalmente a escala não apresenta os intervalos dos escores que geram cada um destes resultados; não obstante, as orientações para seu uso indicam as pontuações mínimas e máximas para cada sub-escala e apontam para o estabelecimento das classificações baixo, normal e alto para cada grupo populacional estudado17.

e) Inventário de Estilos Parentais - IEP. Com a finalidade de identificar os estilos paren-tais adotados pelos pais dos adolescentes, foi utilizado o Inventário de Estilos Parentais, elaborado e validado por Gomide18 que indica subescalas de práticas parentais negativas (práticas negligência, abuso físico e psicológico, disciplina relaxada, punição inconsistente, monitoria negativa) e positivas (monitoria positiva e comportamento moral). O instrumento apresenta versões a serem aplicadas junto ao filho, seu pai e sua mãe. Neste estudo foi utilizada a versão aplicada junto ao próprio adolescente.

Procedimentos

O estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar, atendendo todas as exigências da Resolução CNE 196/96.

Os participantes foram localizados na ocasião da sua entrada no Programa de Medidas Só-cio-Educativas ou quando o mesmo chegava para atendimentos e atividades de rotina. Nestas ocasiões, foi possível estabelecer contato com os adolescentes e seus responsáveis, explicar o estudo e seus objetivos e convidá-los para a participação. Após o aceite em participar da pesquisa, solicitou-se a assinatura do TCLE e a coleta de dados foi realizada.

Análise dos dados

Os dados referentes aos instrumentos padronizados utilizados: Escala de Auto-estima de Rosemberg, IEP, SDQ e SSA foram tratados a partir das planilhas de cálculo de cada um deles e analisados descritivamente.

Para análise, em relação a Escala de Auto-Estima de Rosemberg, considerando que a aplicação da mesma gera escores que não apresentam normatização e levando em conta as orientações dos autores indicam que escores baixos representam níveis baixos de auto-estima ao passo que escores altos representam o oposto; foi estabelecido, para serem adotadas no presente estudo, faixas de classificação, a saber: escores variando de 10 a 20 = Classificação Baixa; escores variando de 21 a 30 = Classificação Normal e, escores variando de 31 a 40 = Classificação Alta.

Ainda que orientações para realização das análises do SSA apontem para o estabelecimento de faixas para cada população estudada, considerou-se que a amostra do presente estudo é restrita, optou-se por utilizar as faixas de classificação estabelecidas no estudo de Squassoni e Matsukura17, em que o instrumento foi adaptado transculturalmente para o Brasil e aplicado em uma amostra de 218 participantes.

Para as análises estatísticas de correlação entre as variáveis foi utilizado o teste não paramétrico de correlação de Spearman. Observa-se que os resultados foram considerados significantes quando o valor da estatística que o descreve (p-valor) era menor do que 0,05, admitindo-se como probabilidade de erro o valor de 5%. Para a realização das análises estatísticas, utilizou-se o Software Statística 7.

 

RESULTADOS

Apresentam-se a seguir os resultados descritivos acerca das avaliações dos níveis de saúde mental, auto-estima, estilos parentais e suporte social. Posteriormente são apresentados os resultados das análises de correlação entre as variáveis.

1) Saúde mental dos adolescentes

Na Tabela 1, a seguir, apresentam-se os resultados obtidos a partir das respostas dos adolescentes participantes ao questionário SDQ.

Observa-se que 67% dos participantes apresentam dificuldades relacionadas à saúde mental, pontuando como "Clínico" no escore total do instrumento. Observa-se, ainda, que a maioria dos participantes apresenta escore clínico nas seguintes sub-escalas: Problemas de Conduta; Hiperatividade e Problemas de Relacionamento. Em relação ao Comportamento Pró-Social (única habilidade avaliada pela escala) 94% dos participantes apresentaram escore "Saudável".

2) Auto-estima

Apresentam-se na Tabela 2, os índices de auto-estimas avaliados através das classificações obtidas, conforme adotadas neste estudo.

 

 

Pode-se observar que a maioria dos adolescentes apresenta níveis normais de auto-estima e nenhum apresentou a classificação de alta, que corresponde a maior pontuação no instrumento de avaliação.

3) Estilos Parentais

Observa-se na Tabela 3, a seguir, os resultados da avaliação dos adolescentes em relação aos estilos parentais adotados pelos seus responsáveis.

 

 

Observa-se que todos os adolescentes avaliam os estilos parentais adotados por seus responsáveis negativamente. Os estilos regular acima da média e ótimo não foram pontuados.

4) Suporte Social

Apresentam-se na Tabela 4, a seguir, os resultados advindos da aplicação do SSA junto aos participantes e analisados adotando como referencia as faixas de classificação adotadas no estudo de Squassoni e Matsukura17.

Observa-se que 42% dos adolescentes percebem seu suporte social total como baixo e42% avaliaram o suporte social que recebem da família como alto. Em relação à percepção de suporte recebido dos amigos, 36% consideram médio. Em relação ao suporte advindo dos professores e de outros, foi avaliado como sendo médio.

Resultados relativos às análises de correlação entre as variáveis: saúde mental, auto-estima, estilo parental e suporte social

Apresentam-se na Tabela 5, a seguir, as correlações identificadas entre as variáveis estudadas a partir dos resultados dos instrumentos: SDQ, Escala de Auto-estima de Rosenberg, IEP e SSA.

 

 

Observa-se que não foram encontradas correlações entre a saúde mental avaliada pelo SDQ e nenhuma outra variável investigada no presente estudo.

Em relação à auto-estima dos adolescentes, observou-se que a mesma se relacionou com a prática parental de negligência e com a percepção do suporte social recebido pela família e por outros, de forma que quanto mais alta é a percepção dos adolescentes em relação a estas fontes de suporte e quanto menos os responsáveis são negligentes, mais alta é a auto-estima dos adolescentes.

Outra correlação encontrada se refere às variáveis: prática parental de Monitoria Negativa e Suporte Social recebido dos Amigos, de forma que quanto mais os pais utilizam a prática parental de Monitoria Negativa no cotidiano com seus filhos, mais os mesmos percebem o suporte dos amigos.

 

DISCUSSÃO

Neste estudo verificou-se que a escolaridade dos jovens em conflito com a lei é baixa. Considerando a média de idade dos participantes de, aproximadamente, 16 anos, o esperado seria que os adolescentes já tivessem completado o primeiro grau. Contudo, do total de participantes, 39% tem o primeiro grau incompleto, ao passo que 27% tem o segundo grau incompleto. Estes resultados confirmam achados de estudos anteriores, onde o nível educacional dos adolescentes em medidas só-cio-educativas de diferentes tipos foi identificado como baixo5,19. Além da baixa escolaridade, verificou-se que 34% dos participantes não frequenta a escola, o que aponta para emergência de ações intersetoriais que envolvam, antecipadamente, um diálogo ativo onde a escola e os diferentes atores envolvidos possam concretizar transformações neste quadro.

Tal demanda é reforçada também por Gallo e Williams que indicam que a frequência à escola está relacionada com a conduta infracional de adolescentes, uma vez que eram menores o número de reincidências e o uso de drogas de adolescentes que frequentavam a escola quando comparados aos adolescentes que não a frequentavam19.

Em relação ao uso de substâncias químicas, o cigarro e a maconha foram substâncias que mais os participantes relataram o uso. Nesta direção, considerando os padrões de consumo de drogas lícitas e ilícitas especificamente entre adolescentes em conflito com a lei, estudos revelam que a precocidade do uso de drogas predispõe os adolescentes a se envolver mais cedo com a prática de infrações, o que sugere que o consumo de substâncias ilícitas deixam os adolescentes vulneráveis a adoção de comportamentos delituosos11,20,21. Além disso, há evidencias sobre as consequências do uso de substancias nesta fase do desenvolvimento, como observado por Rigoni e colaboradores, por exemplo, onde encontraram que os adolescentes que usam maconha podem ter seu funcionamento neurológico afetado pelo uso da droga, uma vez que apresentam desempenhos inferiores no que se referem às funções cognitivas quando comparados a adolescentes que não usam maconha22.

Na mesma direção, Heim e Andrade publicaram uma revisão sobre os efeitos de drogas ilícitas e álcool no comportamento de adolescentes de risco, e encontraram, nos estudos observados, relações entre comportamento delinquente e uso de drogas ilícitas e álcool23.

Em relação ao cumprimento das medidas socioeducativas, 30% dos participantes deste estudo eram reincidentes. Dentre as hipóteses acerca do processo de reincidir no ato infracional, uma delas está na baixa eficácia dos programas de atendimento socioeducativo e, por extensão, nas atividades propostas em tais programas (tipo, alcance, adesão, etc) que, por mais eficazes que possam ser dificilmente transformam aspectos fortemente presentes no contexto de vida dos adolescentes.

É inegável reconhecer os avanços possibilitados desde a implantação do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e, especificamente, ao que se refere aos adolescentes e o ato infracional e às medidas sócio-educativas. Não obstante, como apontam pesquisadores da área, é imprescindível avançar no sentido de garantir o caráter educativo de tais medidas e, além disso, a efetividade das mesmas24,25. Nesta direção, a articulação entre serviços e políticas de diferentes áreas, o real envolvimento e atenção às famílias e o oferecimento de suporte concreto aos educadores de medidas parecem ser pontos centrais de investimentos para melhoria da eficácia de programas desta natureza.

A seguir, serão discutidos e comparados com a literatura existente na área os resultados descritivos dos instrumentos utilizados na coleta de dados, a saber: SDQ - Questionário de Capacidades e Dificuldades, Escala de Auto-Estima de Rosenberg, SSA - Questionário de Suporte Social para Crianças e Adolescentes, e IEP - Inventário de Estilos Parentais.

Em relação às condições de saúde mental dos adolescentes deste estudo, verificou-se que 67% dos participantes apresentam dificuldades relacionadas à saúde mental, pontuando como "Clínico" no escore total do instrumento. Tais resultados confirmam pesquisas anteriores e reforçam a necessidade de atenção e cuidado direcionados a esta po-pulação7-10.

No entanto, em uma esfera onde, por tanto tempo, a condição de saúde e doença representou padrões e normas, faz-se necessário (re)contextualizar o que se compreende por cuidado e atenção. Assim, retomar a interface da saúde mental desses adolescentes não implica em voltar ao passado de ligações entre doença, institucionalização, individualização da problemática e o que essa postura já implicou e ainda implica, muitas vezes. Não se trata da velha e poderosa receita "patologização"-sintoma-infração e, nessa concepção, intervenção terapêutica-cura-individual; fugindo assim do foco social/real26. Não obstante, ainda que se rejeite fortemente essa concepção e suas implicações, não podemos correr o risco de negar a importância da esfera da saúde mental de adolescentes em geral, e desses jovens cumprindo medidas socio-educativas em particular, quando tratamos de garantia de direitos e de pessoas em pleno processo de desenvolvimento.

Ao contrário, pressupõe a consideração de que é preciso proteger e fortalecer um desenvolvimento frequentemente ameaçado, dar condições para o enfrentamento mais justo nas questões que se colocam no dia a dia de cada um. Sob a ótica da saúde é a promoção do desenvolvimento, como expressam Costa e Assis13. É a direção da garantia de direitos. É necessário compreender e admitir que a dor psíquica colocada para esses adolescentes está presente e, se for desconsiderada lhes diminui as chances de desenvolvimento, de estar no mundo, de enfrentamento. Assim, há urgência em dar atenção a uma problemática que se soma a outras e que compõem essa complexa realidade, e, como tal, necessita de ações e políticas específicas de atenção.

Reforçando a demanda por atenção voltada para a esfera da saúde mental destes jovens, os resultados deste estudo revelaram que, ainda que 67% dos participantes apresentassem pontuações em níveis clínicos, 94% dos participantes alcançaram escores que os colocou na faixa de avaliação "saudável", na sub-escala de Comportamento Pró-Social (única habilidade avaliada pelo instrumento). Tal resultado, em nossa compreensão, revela que mesmo com dificuldades evidenciadas (observadas através dos escores clínicos), há enorme potencial e disponibilidade no compartilhamento e construção com os pares; assim, abordar as dificuldades deve possibilitar também a maximização da expressão das habilidades.

Buscando elementos para melhor compreender e efetivar intervenções relativas ao desenvolvimento e aos diferentes contextos, este estudo procurou também investigar sobre fatores de risco e proteção envolvidos na saúde mental desses adolescentes, nesta medida, a auto-estima, o suporte social e os estilos parentais de seus cuidadores foram considerados.

Pode-se observar que a maioria dos adolescentes apresenta níveis normais de auto-estima e nenhum apresentou a classificação de alta. Já em relação ao suporte social, 42% dos adolescentes percebem seu suporte social total como baixo e. 42% avaliam o suporte social que recebem da família como alto.

Hipotetiza-se que os resultados do presente estudo em contraste com a literatura que argumenta o oposto - pode estar relacionada a problemas de mensuração do instrumento e à sua confiabilidade e ao reduzido número de participantes que compuseram a amostra dos estudos. Novos estudos avaliando tal dimensão, utilizando amostras maiores e outros instrumentos validados podem contribuir para a compreensão dos resultados.

Com relação ao suporte social percebido pelos adolescentes deste estudo, ainda que 42% dos adolescentes avaliem o suporte social geral que recebem como baixo, para a subescala família, 42% percebem o suporte proveniente desta fonte como alto. Nesta direção, os resultados reforçam a necessidade de cuidado e ampliação da fonte de suporte social para esta população e reafirmam a família como importante fonte de apoio na adolescência.

Verificou-se também que o suporte social total e o suporte oriundo da família, dos amigos, dos professores e dos outros em geral foi correlacionado positivamente com a auto-estima, o que significa que quanto maior o suporte recebido de todas as fontes, maiores os níveis de auto-estima apresentados pelos adolescentes. Em concordância com os dados apresentados estão os estudos de diversos autores, que também indicam que níveis satisfatórios de suporte social exercem influência positiva sobre o desenvolvimento de níveis ótimos de auto-estima27-29.

Em relação aos estilos parentais adotados, verificou-se que todos os adolescentes avaliam os estilos parentais adotados por seus responsáveis negativamente, ou seja, de risco para o desenvolvimento de comportamentos anti-sociais nos filhos. Além disso, ainda que nenhuma relação tenha sido evidenciada diretamente com a saúde mental, verificou-se relações entre os estilos parentais e a auto-estima, onde a auto-estima dos adolescentes se relacionou com a prática parental de negligência, na medida que quanto mais os responsáveis são negligentes, mais baixa é a auto-estima dos adolescentes.

A partir dos resultados apresentados, reforça-se a necessidade de intervenções junto aos familiares e responsáveis. É preciso avançar e concretizar ações que, certamente, não pretendem desresponsabilizar o Estado e a sociedade, ao contrário, pretendem somar atores envolvidos neste complexo contexto em que se encontra o adolescente. Neste sentido, as ações socioeducativas devem atingir as famílias, na medida em que também ela deve dar continuidade ao seu crescimento, à comunidade, aos suportes sociais, dentre outros, presentes no cotidiano onde o jovem se desenvolve.

 

CONCLUSÃO

A maior parte dos adolescentes apresentaram problemas de saúde mental e avaliaram o suporte social que recebem como sendo baixo ou médio. Além disso, o estilo parental adotado pelos responsáveis é regular abaixo da média ou de risco e todos os adolescentes avaliaram negativamente os estilos parentais adotados por seus responsáveis. Observou-se que quanto menor a auto-estima dos adolescentes, menor é o suporte familiar percebido por eles e mais seus responsáveis adotam a prática parental de negligência.

 

REFERÊNCIAS

1. Rutter M. Resilience in the face of adversity. Protective factors and resistance to psychiatric disorder. Br J Psychiatry. 1985; 147(6):598-611. DOI: http://dx.doi.org/10.1192/bjp.147.6.598        [ Links ]

2. Hutz CS (org.) Situações de risco e vulnerabilidade na infância e na adolescência: aspectos teóricos e estratégias de intervenção. In: Reppold CT, Pacheco J, Bardagi M, Hutz C. Prevenção de problemas de comportamento e desenvolvimento de competências psicossociais em crianças e adolescentes: uma análise das práticas educativas e dos estilos parentais. São Paulo: Casa do Psicólogo. 2002.         [ Links ]

3. Sapienza G, Pedromônico MRM. Risco, proteção e resiliência no desenvolvimento da criança e do adolescente. Psicol Estudo. Maringá: 2005; 10(2): 209-16.         [ Links ]

4. Gallo AE, Williams LCA. Adolescentes em conflito com a lei: uma revisão dos fatores de risco para a conduta infracional. Psicologia: Teoria Prática. 2005; 7(1): 81-95.         [ Links ]

5. Garguilo RM. Special Education in contemporary society: an introduction to exceptionality. Alabama: Thomson Learning; 2003.         [ Links ]

6. Priuli RMA, Moraes MS. Adolescentes em conflito com a lei. Ciênc Saúde Coletiva. 2007; Rio de Janeiro: 12(5): 1185-92. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232007000500015        [ Links ]

7. Karnik NS, Soller M, Redlich A, Silverman M, Kraemer HC, Haapanen R, et al. Prevalence of and gender differences in psychiatric disorders among juvenile delinquents incarcerated for nine months. Psychiatr Serv. 2009; 60(6): 838-41. DOI: http://dx.doi.org/10.1176/appi.ps.60.6.838        [ Links ]

8. Oliván GG. Delinquent adolescents: health problems and health care guidelines for juvenile correctional facilities. An Esp Pediatr. 2002; 57(4): 345-53.         [ Links ]

9. Teplin LA, Abram KM, McClelland GM, Dulcan MK, Mericle AA. Psychiatric disorders in youth in juvenile detention. Arc General Psychiatry. 2002;59(12): 1133-43.         [ Links ]

10. Andrade RC, Assumpção Junior F, Teixeira IA, Fonseca VAS. Prevalência de transtornos psiquiátricos em jovens infratores na cidade do Rio de Janeiro (RJ, Brasil): estudo de gênero e relação com a gravidade do delito. Ciênc Saúde Coletiva. Rio de Janeiro: 2008; 16(4): 2179-88. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011000400017        [ Links ]

11. Silva MDFDT, Farias MA, Silvares EFM, Arantes MC. Adversidade familiar e problemas comportamentais entre adolescentes infratores e não infratores. Psicol Estudo. 2008; 13(4): 791-98. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722008000400017        [ Links ]

12. Pinho SR, Dunningham W, Aguiar WM, Andrade AS, Guimarães K, Guimarães K, et al. Morbidade psiquiátrica entre adolescentes em conflito com a lei. J Bras Psiquiatr. Rio de Janeiro: 2006; 55(2): 126-30. http://dx.doi.org/10.1590/S0047-20852006000200006        [ Links ]

13. Costa CRBSF, Assis GS. Fatores protetivos a adolescentes em conflito com a lei no contexto socieducativo. Psicol Soc. Porto Alegre: 2006; 18(3):74-81. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822006000300011        [ Links ]

14. Goodman R. The Strengths and Difficulties Questionnaire: a research note. J Child Psychol Psychiatry. 1997; 38(5): 581-6.         [ Links ]

15. Fleitlich B, Goodman R. Social factors associated with child mental health problems in Brazil: cross sectional survey. BMJ. 2001; 323(7313): 599-600. DOI: http://dx.doi.org/10.1136/bmj.323.7313.599        [ Links ]

16. Avanci JQ, Assis SG, Santos NC, Oliveira RVC. Adaptação transcultural de escala de auto-estima para adolescentes. Psicol Reflex Crít. 2007; 20(3): 397-405. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722007000300007        [ Links ]

17. Squassoni CE, Matsukura TS. Adaptação Trans-cultural da versão portuguesa do Social Support Appraisals para o Brasil. Psicol Reflex Crit. 2014; 27(1): 71-80. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722014000100009        [ Links ]

18. Gomide PIC. Inventário de estilos parentais: modelo teórico, manual de aplicação, apuração e interpretação. Petrópolis: Editora Vozes; 2006.         [ Links ]

19. Gallo AE, Williams LCA. A escola como fator de proteção à conduta infracional de adolescentes. Cad Pesqui. 2008; 38(133): 41-59. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0100-1574200 8000100003        [ Links ]

20. Farrell AD, Sullivan TN, Esposito LE, Meyer AL, Valois RF. A latent growth curve analysis of the structure of aggression, drug use, and delinquent behaviors and their interrelations over time in urban and rural adolescent. J Res Adolesc. 2005; 15(2): 179-204. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/j.1532-7795.2005.00091.x        [ Links ]

21. Gatti U, Tremblay RE, Vitaro F, McDuff P. Youth gang, delinquency and drug use: a test of the selection, facilitation, and enhancement hypotheses. J Child Psychol Psychiatry. 2005; 46(11): 1178-90. http://dx.doi.org/10.1111/j.1469-7610.2005.00423.x        [ Links ]

22. Rigoni MS, Oliveira MS, Moraes JFD, Zambom LF. O consumo de maconha na adolescência e as conseqüências nas funções cognitivas. Psicol Estudo. 2007; 12(2): 267-75. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722007000200007        [ Links ]

23. Heim J, Andrade AG. Efeitos do uso do álcool e das drogas ilícitas no comportamento de adolescentes de risco: uma revisão das publicações científicas entre 1997 e 2007. Rev Psiq Clín. 2008; 35 (Supl.1): 61-64. http://dx.doi.org/10.159 0/S0101-60832008000700013        [ Links ]

24. Francischini R, Campos HR. Adolescente em conflito com a lei e medidas socioeducativas: limites e (im)possibilidades. Psico. 2005; 36(3): 267-73.         [ Links ]

25. Bazílio LC, Kramer S. Infância, educação e direitos humanos. São Paulo: Cortez; 2003.         [ Links ]

26. Cruz L, Hillesheim B, Guareschi NMF. Infância e políticas públicas: um olhar sobre as práticas psi. Psicol.Soc. 2005; 17(3): 42-49. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-71822005000300006        [ Links ]

27. Demaray MK, Malecki CK, Davidson LM, Hodgson KK, Rebus PJ. The relationship between social support and student adjustment: a longitudinal analysis. Psychol Schools. 2005; 42(7): 691-706. http://dx.doi.org/10.1002/pits.20120        [ Links ]

28. Harter S, Waters PL, Whitesell NR. Relational self-worth: differences in perceived worth as a person across interpersonal contexts among adolescents. Child Dev. 1998; 69(3): 756-66. http://dx.doi.org/10.2307/1132202        [ Links ]

29. Antunes C, Fontaine AM. A relação entre o conceito de si próprio e percepção de apoio social na adolescência. Cad Consulta Psicol. Porto: 1996; 12: 81-92.         [ Links ]

 

Manuscript submitted: Oct 22 2014
Accepted for publication Dec 19 2014

 

 

Corresponding author: thelma@ufscar.brthelma@ufscar.br

Creative Commons License