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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.25 no.2 São Paulo  2015

http://dx.doi.org/10.7322/JHGD.103014 

ORIGINAL RESEARCH

 

Perfil clínico-epidemiológico de pacientes internados em unidade de cidados intensivos pedriátricos

 

 

Naycka Onofre Witt BatistaI, III; Maria Carlota de Rezende CoelhoI; Silvia Moreira TrugilhoI, II; Gustavo Carreiro PinascoIII; Edige Felipe de Sousa SantosIII, IV; Valmin Ramos-SilvaI, II

IPrograma de Pós-Graduação. Mestrado em Políticas Públicas e Desenvolvimento. Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM), Vitória (ES), Brasil
IIPrograma de Residência Médica em Pediatria - Hospital Estadual Infantil Nossa Senhora da Glória, Vitória (ES) Brasil
IIILaboratório de Delineamento de Estudos e Escrita Científica. Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP
IVDocente da Faculdade Leão Sampaio. Juazeiro do Norte, CE, Brasil

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: As Unidades de Cuidados Intensivos Pediátricos apresentaram importantes avanços tecnológicos e de assistência a partir da década de 80, o que tornou favorável a evolução e prognóstico de crianças gravemente doentes em todo o mundo. : Identificar perfil epidemiológico e evoluções clínicas de crianças e adolescentes internados em uma Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos de Hospital referência de Vitória-ES. : Estudo descritivo e retrospectivo realizado na Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, Vitória-ES. Idade, sexo, diagnóstico de internação, evolução para alta/óbito e tempo de internação foram obtidos no Setor de Arquivo Médico e Estatística do hospital, entre 2011 e 2012. Para a análise descritiva, as variáveis categóricas foram expressas como frequências absolutas e percentuais e as variáveis contínuas, apresentadas em média e desvio-padrão. Para comparações foram utilizados os testes qui-quadrado de Pearson, teste de Fisher e teste t de Student, considerados estatisticamente significativos valores de p<0,05, intervalo de confiança de 95. : Dos 609 pacientes analisados, 342 (56,2%) eram do sexo masculino (média de idade: 72,7±71,3 meses). Doença respiratória, pós-operatório e traumas foram as principais causas de internação. A média de internação foi de 6,9 ± 5,5 dias; 514 (84,4%) receberam alta hospitalar, 95 (15,6%) evoluíram para o óbito e desses, 53 (55,7%) com menos de 72 horas de hospitalização. : A maioria dos internados apresentou idade inferior a 2 anos. As principais causas de internação foram doenças respiratórias (pneumonia, broquiolite e asma), sepse e traumatismo craniano foram as principais causas de internação, sendo uma importante causa o trauma motivado pela violência. A média de internação nessa unidade foi de uma semana e a taxa de mortalidade foi de 15,6%, com 1/3 dos óbitos registrados nas primeiras 72h de internação

Palavras-chave: unidades de terapia intensiva pediátrica, perfil de saúde, criança


 

 

INTRODUÇÃO

A criança gravemente enferma enfrenta uma situação clínica de disfunção severa de um ou mais sistemas orgânicos, que, se não tratada de forma efetiva e precoce, aumenta significativamente o risco de sequelas e de óbito.

As Unidades de Cuidados Intensivos Pediá-tricos (UCIP) assistem a pacientes na faixa etária de 29 dias a 18 anos incompletos, sendo que em alguns hospitais opta-se pela faixa etária máxima de atendimento de 14 anos de idade.

A melhora do atendimento especializado à criança em estado grave teve início a partir de 1980 com o crescimento do número dessas unidades em todo o mundo. Esse fato contribuiu para aumentar os investimentos em tecnologia e em pesquisas, resultando na produção de novos equipamentos e de drogas utilizadas para o suporte de vida, aumentando a exigência da produção e implantação de protocolos clínicos, que, sem dúvida, contribuíram para a redução da mortalidade infantil de 15% a 20% para 3% a 10%, nas UCIPs, entre as décadas de 1980 e 19901.

A evolução e o prognóstico de uma criança em estado crítico na UCIP são influenciados por alguns fatores intrínsecos ao paciente como a preexistência de comorbidades, a gravidade clínica na admissão e a idade do paciente. Além disso, existe a influência dos fatores relacionados à assistência à saúde como a experiência da equipe assistente, a disponibilidade de recursos materiais, o emprego de protocolos clínicos assistenciais, entre outros. Adicionalmente, o conhecimento do perfil clínico e epidemiológico da criança criticamente enferma é de fundamental importância para o planejamento de ações de saúde capazes de atenuar os diversos fatores envolvidos na evolução final da criança grave atendida nesses setores2.

Os serviços de saúde de alta qualidade são guiados por indicadores de morbidade e mortalidade e sua associação direta com faixas etárias assistidas. Estudos de caracterização da população assistida em nível terciário podem ser capazes de induzir melhoras na qualidade da atenção à saúde da criança, incluindo o nível primário, em que medidas de prevenção e de tratamento continuam ineficazes3.

As inadequações dos serviços de saúde pública no país, sobretudo na atenção primária, contribuem para a sobrecarga do setor terciário da saúde, incluindo os cuidados intensivos pediátri-cos. Isso se deve ao baixo financiamento no setor, à alteração do perfil epidemiológico das causas de óbito na infância e ao descrédito da população nos programas de prevenção e promoção da saúde4. Assim, o objetivo é identificar perfil epidemiológico e evolução clínica de crianças e adolescentes internados em uma Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos em Vitória-ES, Brasil.

 

MÉTODO

Estudo descritivo, retrospectivo, realizado na Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG), Vitória-ES.

O HINSG dispõe de 133 leitos para internações cirúrgicas e clínicas, nas diversas subespecialidades pediátricas e é referência estadual em pediatria, com atendimento na atenção secundária e terciária nos cuidados à saúde da criança e do adolescente. É referência para a Região Metropolitana da Grande Vitória e demais municípios do Estado do Espírito Santo e de outros Estados como Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

A UCIP/HINSG foi reestruturada em 1986 e dispõe de seis leitos para internação de crianças maiores de 28 dias até 18 anos incompletos. A assistência é prestada por uma equipe multidisciplinar composta por médicos intensivistas pediátricos, enfermeiros e técnicos de enfermagem, fisioterapeutas, assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas, fonoaudiólogos e especialidades médicas na área da pediatria.

A população foi constituída por todos pacientes admitidos na UCIP do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, Vitória-ES, Brasil, no período entre janeiro de 2011 a dezembro de 2012.

Os dados foram obtidos do Setor de Registro no Arquivo Médico e Estatística Hospitalar. As variáveis referentes à idade, sexo, diagnóstico de internação e evolução para alta ou óbito, tempo de internação na UCIP e nas enfermarias, após alta da UCIP, foram organizadas e analisadas no software SPSS 11.0. Para análise da idade adotou-se a seguinte estratificação proposta pela Sociedade Brasileira de Pediatria5: lactente (29 dias a 24 meses incompletos), pré-escolares e escolares (25 a 120 meses incompletos) e adolescentes (e"120 meses).

Para a análise descritiva dos dados, as variáveis categóricas foram expressas como frequências absolutas e percentuais. As variáveis contínuas foram expressas em média e desvio-padrão. Para as comparações, quando indicadas foi utilizado o teste do qui-quadrado de Pearson, o teste exato de Fisher, o teste t de Student e o teste ANOVA, sendo considerados estatisticamente significativos valores de p<0,05, com intervalo de confiança de 95%. Aprovação do Comitê de Ética 12328313.5.0000.5065.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nos anos de 2011 e 2012 foram admitidos na UCIP/HINSG, 609 pacientes, 342 (56,2%) masculinos e 267 (43,8%) femininos. A média mensal de internação foi de 25 pacientes e o tempo médio de internação foi de 6,9±5,5 dias. A maioria dos pacientes admitidos era lactente menor de 24 meses (272/44,7%), seguido por adolescentes (164/ 26,9%) e pré-escolar e escolar (173/28,4%), conforme indicado na Tabela 1.

A média de idade para o sexo masculino foi de 72,7 ± 71,3 meses e para o sexo feminino foi de 66,5 ± 60,1 meses, enquanto o tempo médio de internação para o sexo masculino foi de 7,4 ± 5,8 dias e de 6,3 ± 5,1 dias para o sexo feminino (p = 0,014).

Em relação à evolução clínica, 514 (84,4%) pacientes receberam alta da unidade e 95 (15,6%) evoluíram para o óbito. Quanto ao tempo de hospi-talização e a evolução para o óbito verificou-se 20 (21%) óbitos entre os pacientes com tempo de internação > 24 horas. Já em relação a faixa etária 35,8% (34) dos óbitos ocorreram em lactentes (1 a 24 meses). (Tabela 1).

O mesmo paciente pode ter apresentado vários diagnósticos clínicos e complicações, envolvendo multiplos órgãos e sistemas orgânicos. As doenças respiratórias foram diagnosticadas em 239 pacientes (Tabela 2) que apresentaram como complicação a Síndrome do Desconforto Respiratório Agudo (ARDS) - 13 casos - e 20 casos de derrame pleural, cinco em menores de um ano e 10 casos entre um e cinco anos. Os diagnósticos ou indicações menos frequentes de internação foram convulsão (14), insuficiência renal (12) e hepática (três), dengue (cinco), encefalite (três), hidrocefalia (quatro) e doenças neuromusculares (quatro).

Foram identificadas 94 internações em decorrência de trauma: traumatismo craniano (58) e politrauma ou traumas diversos (36). Desses, dezoito foram por lesão por projétil de arma de fogo, cinco por lesão abdominal, quatro por afogamento, três por picada por escorpião, dois queimadura e os demais por outras causas. O trauma resultando de arma de fogo foi observado em uma criança de três anos e os outros 17 casos em adolescentes maiores de 10 anos. Os principais diagnósticos, de acordo com a estratificação por faixa etária e evolução para a alta e o óbito estão sumarizados na Tabela 2.

O motivo da internação para cuidados de pós-operatório foi diagnosticado em 149 casos envolvendo cirurgia abdominal (28), da cabeça e do pescoço (três), cirurgia cardíaca (14), neurológica (50), ortopédica (25) e torácica (29). A cirurgia neurológica foi mais frequente na faixa etária acima dos cinco anos de idade, com 15 casos entre os cinco e 10 anos e 18 casos em adolescentes maiores de 10 anos. Dos casos de cirurgia ortopédica seis foram realizadas em crianças na faixa etária entre cinco e 10 anos e 19 casos em maiores de 10 anos de idade. As cirurgias torácicas foram distribuídas em 20 casos nos menores de cinco anos e nove casos acima de cinco anos.

O mesmo paciente também, pode ter sido acometido em maior ou menor intensidade, nos diversos órgãos ou sistemas orgânicos que contribuíram para a indicação de internação ou manutenção de internação prolongada na UCIP. O sistema respiratório foi o mais acometido, seguido pelo sistema cardiovascular e nervoso (Tabela 3).

Avaliou-se também, para as doenças mais prevalentes, o período de internação desde a internação na UCIP até a alta hospitalar. Dentre os diagnósticos de ocorrência mais comum na faixa etária pediátrica, observou-se, para os pacientes egressos da UCIP, mediana de internação de 22 dias para pacientes com pneumonia e de 33 dias para internações decorrentes de sepse. A mediana de internação devido às causas externas foi de 19 dias e as injúrias mais frequentes foram ferimento por projétil de arma de fogo, quedas, fraturas, ferimentos, traumas e politraumas decorrentes de causas diversas.

Dos 609 pacientes, a maioria (56,2%) meninos, mediana de 36 meses, sendo 44,7% na faixa de lactentes e 26% com idade até 11 anos. O período de hospitalização foi de 6,9±5,5 dias. Estes dados são semelhantes a estudos anteriores6-9.

Já naqueles escolares internados em Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos o período de internação foi maior. Em nosso estudo o tempo médio de internação nos egressos da UCIP e com diagnóstico de pneumonia foi de 22 dias. Um estudo conduzido por Veras et al.10 relatou que o tempo médio de internação por pneumonia em crianças era de 6,2 dias, mas esse tempo aumentava para 22 dias em crianças egressas da UCIP. Após o primeiro ano de alta dos cuidados intensivos, o risco de óbito é 3,4 vezes maior que o da população em geral, sendo o risco de mortalidade elevado até o quarto ano após a alta das UCIPs. A idade e a existência de doença grave pré-existente são fatores que mais influem na taxa de mortalidade e na qualidade de vida após a alta11,12.

A média anual das admissões identificada no estudo é similar ao observado por Einloft et al7. A distribuição uniforme mensal de internações durante o estudo pode ser justificada pela condição clínica individual de evoluir ou não para gravidade e necessidade de cuidados intensivos, não se associando a sazonalidade, exceto para algumas doenças como bronquiolite, varicela e dengue. Já no estudo de Lanetzki et al houve maior número de internações na Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos nos meses de abril, agosto e outubro13.

A UCIP/HINSG dispõe de seis leitos, sendo a média de internação encontrada no período do estudo, de 25 pacientes por mês. De acordo com o Ministério da Saúde, o cálculo da necessidade de leitos de uma determinada região, para uma determinada população, deve levar em consideração a taxa de ocupação hospitalar e o tempo médio de permanência. A média de internação observada está de acordo com outros estudos, porém o pequeno número de leitos disponíveis faz com que muitos pacientes com doenças agudas ou crônicas, que têm indicação precisa de UCIP sejam assistidos nas enfermarias do hospital, em ventilação pulmonar mecânica, em uso de drogas vasoativas e em monitorização específica de cuidados intensivos.

A UCIP/HINSG adota protocolos clínicos, assistenciais e de procedimentos administrativos e tem taxa de ocupação média mensal de 100%, superior ao mínimo de 90% exigido14, como critérios para investimentos públicos em Unidades de Cuidados Intensivos. Apesar do cumprimento dos critérios estabelecidos pelas políticas públicas de saúde a manutenção do baixo número de leitos prejudica a assistência e impõe riscos de morte ou sequelas permanentes aos pacientes, que poderiam se beneficiar dos cuidados da terapia intensiva pediátrica.

Em relação às causas das internações, a maioria ocorreu por condições clínicas, envolvendo as doenças respiratórias como pneumonia, bronquiolite e asma. Esse resultado é semelhante ao encontrado por Molina et al.8 e Oliveira et al.15, que identificaram hospitalizações por doenças respiratórias entre 41,3% e 49,6%. Por outro lado, nos relatos de Costa et al.6 houve acometimento do aparelho respiratório em 27,5%, seguido pelas causas cirúrgicas em 15,9% dos pacientes internados em uma UCIP de São Luiz/MA. A predominância das doenças respiratórias, como a asma e a insuficiência respiratória, também foi observada na base de dados Virtual Pediatric Intensive Care System, que agrupa informações dos pacientes admitidos em mais de 100 UCIPs dos Estados Unidos16. Embora as doenças crônicas não transmissíveis apresentem tendência crescente no Brasil, a ocorrência de doenças infecciosas ainda é significativa.

A internação de pacientes cirúrgicos (24,5%) se justifica pelo fato do HINSG ter serviço de emergência, ser referencia estadual em cirurgia pediátrica e pelo fato de não ter uma unidade de cuidados e monitorização no pós-operatório. O resultado encontrado é próximo ao encontrado por outros autores, como Sfoggia et al.17, e de Einloft et al7, que encontraram uma frequência de internações cirúrgicas de 25,8% e 20,3%, respectivamente. Em relação ao acometimento de órgãos e sistemas orgânicos, Khilnani et al9 e Linhares et al12, relataram resultados semelhantes aos encontrados neste estudo.

O estudo identificou uma taxa de mortalidade de 15,6%, sem associação com a idade e o sexo. Esse percentual é superior ao encontrado por outros autores7-13, que relataram mortalidade variando de 1,85% a 7,4% e com maior prevalência entre lactentes menores de 12 meses7-9. Diferentemente, Freire et al18 e Costa et al6 relatam taxas de mortalidade de 19,2% e 33,9%, respectivamente nas cidades de Natal/RN e de São Luiz/MA. As diferenças percentuais de mortalidades podem estar associadas, principalmente, às indicações de internações na UCIP; às condições clínicas no momento da internação e maior disponibilidade desses leitos e de recursos materiais para internar os pacientes antes da piora clínica ou do aumento do dano tecidual.

Adicionalmente, a prevalência de agravos respiratória aumenta em crianças que frequentam creches e isto justifica a necessidade de sistematizar atividades de prevenção, considerando que a doença respiratória, neste estudo acometeu principalmente crianças menores de cinco anos, faixa etária que frequentam as creches19,20. Por outro lado, as inadequações estruturais e de recursos humanos constituem desigualdades em saúde e sugerem a necessidade de ajustes e prioridades na efetiva implementação de políticas públicas, a fim de sanar deficiências e minimizar os eventos respiratórios e suas complicações21.

A mortalidade infantil tem declinado, mesmo que de modo não uniforme nas diversas regiões do Brasil22,23. Um estudo de abrangência nacional indicou redução da mortalidade por pneumonia em menores de 4 anos de idade, com maiores reduções nas regiões sul e sudeste, indicando que permanece discrepâncias entre as diferentes regiões do Brasil19.

O fato de quase 30% dos pacientes que tiveram tempo de permanência na unidade d" 24 horas evoluírem para o óbito, está provavelmente relacionado à gravidade dos pacientes admitidos na unidade. Estudo conduzido por Einloft et al7 em uma UCIP no Rio Grande do Sul, considerando um período de dezesseis anos, observou que os óbitos ocorridos nas primeiras 24 horas de admissão variaram entre 12% a 70% do total. É preciso refletir sobre os esses eventos fatais ou naqueles que resultem em sequela permanente, interrompendo a trajetória normal do desenvolvimento e provocando grande impacto na família24.

Os óbitos precoces podem estar associados a internações por acidentes graves ou doenças infecciosas agudas; não identificação ou diagnóstico tardio da gravidade da doença; morosidade para iniciar a terapêutica adequada; espera pelo leito de cuidados intensivos e má qualidade no tratamento inicial ou no transporte desses pacientes até um hospital de referência. Todos considerados fatores determinantes no desfecho de cada criança grave admitida para cuidados intensivos.

Na prática diária observa-se que as crianças admitidas em estado muito grave, necessitando de ventilação pulmonar mecânica e drogas vasoativas, além das primeiras 48 horas da admissão na unidade, e/ou aquelas que necessitam de terapia renal substitutiva são as que mais falecem nas primeiras 48 - 72 horas da admissão, ou em um período mais tardio da evolução, após a segunda semana de cuidados intensivos. O óbito nesses casos ocorre, geralmente, em consequência de complicações infecciosas e/ou por disfunções orgânicas severas.

Estudo transversal conduzido por Marcin et al.25, incluindo admissões consecutivas de 32 UCIP, observou que o perfil dos pacientes de permanência prolongada (>12 dias) na unidade era de crianças jovens (45,5 meses), com admissões prévias no setor, e necessitadas de cuidados prolongados, como uso de gastrostomia, traqueostomia, dependência de ventilação pulmonar mecânica e/ou de nutrição parenteral. Além disso, esse grupo de pacientes representou de 2,1% a 8,1% de todas as admissões nas UCIPs analisadas.

Costa et al6, relataram que 49,7% das admissões em UCIP de São Luiz eram portadores de comorbidades, tais como pneumopatias, cardiopa-tias e doenças genéticas. A mudança no perfil das doenças como a internação de vítimas da violência, câncer e doenças genéticas, pode justificar a permanência superior a 11 dias em 18,4% dos casos em nosso estudo.

A otimização do uso dos leitos de cuidados intensivos deve levar em consideração o perfil dos pacientes admitidos, em especial daqueles com muitas comorbidades e sequelas definitivas. Estes ocupam os leitos de cuidados intensivos de forma prolongada, inviabilizando a rotatividade do leito para outras crianças que poderiam se beneficiar do tratamento.

As admissões de crianças portadoras de condições clínicas crônicas devem ser priorizadas para unidades de cuidados intermediários ou de outros setores específicos na atenção para esse perfil de paciente, onde são adotadas medidas precoces de reabilitação física, acompanhamento familiar e de suporte nutricional. Esse tipo de cuidado, além de trazer mais benefício para o paciente crônico, otimiza os gastos públicos e melhora a integralidade da assistência prestada na terapia intensiva pediátrica.

Namachivayam et al26 descreveu o perfil de crianças internadas em uma UCIP de referência na Austrália, nas últimas três décadas, e relatou uma redução de 13% dos acidentes no trânsito em 1982, para 7% nos anos 2005 e 2006, em função do maior rigor das leis naquele país e da implementação de medidas educacionais. Ao contrário do que se observa no Brasil, onde esses acidentados lotam as UCIPs, em função de traumatismo crânio encefálico, lesões ortopédicas graves e politraumatismos.

Identificou-se mediana de internação, devido aos traumas, de 19 dias, e entre as injúrias mais frequentes destacou-se o ferimento por projétil de arma de fogo, principalmente nos maiores de 10 anos, o que está diretamente relacionado à violência no Estado. Oliveira et al.27 estudaram as causas de hospitalização no SUS de crianças de 1 a 4 anos, no período de 1998 a 2007, a partir de dados oficiais no DATASUS, e encontraram as causas externas como uma das principais causas de morbidade na população estudada, em todas as regiões brasileiras.

O tempo médio de permanência hospitalar prolongado dos pacientes egressos da UCIP/HINSG chama a atenção para a necessidade de estruturar a linha do cuidado integral a partir do próprio hospital. A baixa rotatividade dos leitos de cuidados intensivos no hospital estudado se deve, em parte, à inexistência de leitos de cuidados semi-intensivos. Isso favorece a permanência em leito intensivo do paciente classificado como potencialmente grave, que necessita de monitorização não invasiva após a recuperação do quadro agudo da doença.

A presença de uma unidade intermediária proporciona integralidade na assistência a esse perfil de paciente e permite maior rotatividade dos leitos de cuidados intensivos. Já a baixa alternância destes leitos resulta em piora da assistência à criança em estado grave, além de aumentar os gastos públicos com os custos hospitalares28. Assim, o planejamento técnico da unidade de terapia intensiva inclui a estruturação do serviço nesses moldes, sendo os dados epidemiológicos importantes nas ações de saúde e na implementação de políticas públicas.

Ao avaliar o desfecho dos pacientes de determinada unidade, deve-se considerar os fatores envolvidos, entre os quais, aqueles relacionados ao paciente, como diagnóstico admissional e diagnósticos preexistentes, rotinas da unidade, e outros como tratamentos disponíveis, atitudes sociais/culturais, atitude a respeito de cuidados prolongados do sistema hospitalar e do sistema público de saúde em geral29. Dessa forma, a avaliação da qualidade da assistência prestada em uma UCIP engloba o estudo da evolução desses pacientes na fase de recuperação do estado crítico, do lado de fora da Unidade de Terapia Intensiva.

No contexto do campo de atuação da Saúde Pública, mortalidade de crianças menores de cinco continua a ser uma prioridade global. Em 2012, 6,6 milhões de crianças menores de cinco anos morreram em todo o mundo, sendo que mais de metade destas mortes são devido a doenças que são evitáveis e tratáveis através de intervenções simples e acessíveis. No entanto, dois grandes desafios devem ser enfrentados pela comunidade internacional: A grande disparidade do risco de morte infantil entre países, e o papel emergente de morte neonatal como um dos principais componentes da mortalidade infantil.

A fim de continuar o progresso na redução da mortalidade em menores de cinco e a mortalidade infantil em todo o mundo, os atuais esforços devem continuar, e novas estratégias devem ser implementadas para se concentrar na prevenção de mortes neonatais, que representa maior proporção na mortalidade infantil30.

Ademais, cuidados de saúde é convencionalmente considerado o diagnóstico, tratamento e prevenção da doença, acidente e outras deficiências físicas e mentais em seres humanos. Como se define a qualidade da saúde pública, em determinado momento deve ser compatível com as futuras gerações que aprecia a saúde de uma forma equivalente. Profissionais da saúde pública devem, também integrar e sustentar capacidade na definição de saúde pública31.

Os achados de estudos epidemiológicos, como os listados nas tabelas 1 a 3, são importantes contribuições para o pleno exercício contributivo à melhoria das atividades em saúde pública e contribuem para a melhoria das condições gerais da população envolvida.

Em conclusão, houve predominância de internações na faixa etária de lactentes (44,7%), seguida pelos maiores de 10 anos, como reflexo das consequências de injúrias externas e da violência. As doenças clínicas (39,9%) foram predominantes, com ênfase nos quadros respiratórios como pneumonia, bronquiolite e asma e as causas cirúrgicas foram observadas em 24,5% da amostra estudada. A média de internação nessa Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos foi de uma semana e a taxa de mortalidade foi de 15,6%, com 1/3 dos óbitos registrados nas primeiras 72h de internação.

 

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Manuscript submitted: apr 22 2015
Accepted for publication aug 10 2015

 

 

Corresponding author: valmin.ramos@emescam.br

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