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Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282

Rev. bras. crescimento desenvolv. hum. vol.25 no.2 São Paulo  2015

http://dx.doi.org/10.7322/JHGD.103015 

ORIGINAL RESEARCH

 

Violências no cenário brasileiro: fatores de risco dos adolescentes perante uma realidade contemporânea

 

 

Luciana Souza BorgesI; Heloisa Moulin de AlencarII

ICoordenadora, Professora e Pesquisadora do Programa de Pos-Graduaçao em Segurança Publica, Universidade Vila Velha (UVV) -Vila Velha (ES), Brasil
IIProfessora do Curso de Graduação em Psicologia - UVV - Vila Velha (ES), Brasil, Professora do Departamento de Psicologia Social e do Desenvolvimento e do Programa de Pós-Graduação emPsicologia da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGP/UFES) - Vitória(ES), Brasil

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Verificamos um destaque para a mortalidade por causas externas, principalmente os homicídios que ocorrem entre a população jovem masculina, caracterizada como agressora e vítima, representando atualmente um dos maiores problemas para a saúde pública. O Brasil tem, então, se preocupado com intervenções direcionadas à diminuição de vítimas jovens da violência e à promoção de uma cultura da paz
OBJETIVO: para esta finalidade, julgamos fundamental conhecer os riscos psicossociais que podem estar presentes na trajetória de desenvolvimento dessa população. Este é o propósito maior deste estudo
MÉTODO: para compreender as violências no cenário brasileiro contemporâneo, apresentamos alguns resultados alcançados por meio da pesquisa bibliográfica
RESULTADOS: assim, pesquisas recentes apontam que os fatores de risco que podem acometer jovens ao longo de seu ciclo vital são de vários níveis: físico, psicológico, econômico, sociocultural etc. Por outro lado, os fatores de proteção que os jovens adquirem em contextos adversos também terão que ser abordados para uma compreensão mais abrangente do tema em questão. Assim, encontramos como relevantes fatores de risco: baixo nível socioeconômico e percepção da impossibilidade de consumo de bens materiais; condições precárias de moradia; vivência e exposição à violência intrafamiliar e na comunidade, incluindo a violência policial; exposição e contato com drogas; histórico de maus-tratos físicos e psicológicos; baixa escolaridade; existência de familiares com baixa escolaridade, desqualificados para o trabalho e envolvidos com a criminalidade; acesso a armas; pertencimento a gangues; experiência de longos períodos de exclusão social e de pobreza; sentimento de ameaça pela violência e impotência diante da mesma; e crença de que a violência é uma solução legítima para conflitos sociais. Quanto aos fatores de proteção, os estudos salientaram redes de apoio social (escola, trabalho, amigos, instituições), habilidades para defender e negociar direitos e interesses, imagens positivas dos outros, expectativa de ajuda por parte dos vizinhos e da comunidade em geral, autoestima elevada e supervisão familiar. Foram destacados também os fatores pessoais que contribuem nesse sentido, como a autoestima e a espiritualidade
CONCLUSÃO: contudo, a interpretação dada pelo sujeito submetido a determinado estresse será determinante para o grau de prejuízo em seu desenvolvimento. Este é um dos motivos pelos quais os fatores de risco devem ser associados aos fatores de proteção, pois nem todos os sujeitos submetidos aos mesmos estressores psicológicos e sociais se tornarão vulneráveis a outros aspectos nocivos ao seu desenvolvimento, como o envolvimento com a criminalidade, por exemplo. Por esta razão, descrever grupos e fatores de risco se torna fundamental para buscarmos intervenções específicas, pois sexo, faixa etária, cor, espaço geográfico e condições sociais e econômicas são variáveis importantes para especificar formas de incidência e prevalência da violência. Contudo, será no indivíduo, considerado como um todo (físico e psíquico), que a violência se efetivará, seja como vítima ou agressor

Palavras-chave: violências, adolescentes, risco psicossocial


 

 

INTRODUÇÃO

Ressaltamos, sucintamente, a perspectiva que assumimos nos escritos acerca da violência, pois, analisamos o fenômeno a partir de sua característica multidimensional, que pode ser traduzida por crimes, guerras e violência familiar, entre muitas outras possibilidades. Além disso, também destacamos a demasiada complexidade com que a violência vem sendo considerada em muitos estudos, sendo pensada como resultante de variadas determinações e associada a estruturas sociais injustas e desiguais para seus cidadãos.

A revisão de literatura para este trabalho indicou, portanto, maneiras diferentes e mudanças importantes na análise da violência que vem assolando o Brasil, bem como na interpretação dos direitos humanos que acompanham essa discussão. A compreensão da violência e o próprio planejamento de ações coletivas em prol desse problema são discutidos a partir de uma proposta de estudo interdisciplinar, envolvendo as ciências sociais, a saúde coletiva (epidemiologia) e a psicologia, embora admita outras áreas que poderiam colaborar, como a criminologia e o direito criminal, por exemplo1.

Nesse sentido, assumimos a partir de algumas análises a necessidade de considerar determinados aspectos no estudo desse tema: a violência é um fenômeno social e histórico, tendo que ser diferenciada, portanto, no tempo e no espaço; a violência dos indivíduos e a dos pequenos grupos tem que ser relacionadas à violência do Estado e da ordem estabelecida; a desigualdade social e a privação econômica e social são aspectos fundamentais nos estudos específicos da criminalidade; a prevenção do problema é almejada, descrevendo grupos e fatores de risco, e buscando intervenções específicas; sexo, faixa etária, cor, espaço geográfico e condições sociais e econômicas são variáveis importantes para especificar formas de incidência e prevalência da violência; é no indivíduo, considerado como um todo (físico e psíquico), que a violência se efetiva, seja como vítima ou agressor1.

Compartilhando conceito semelhante de violência, alguns autores concluem não ser mais possível, portanto, entender o fenômeno como algo que finda na esfera individual. Ao contrário, estabelece-se que as próprias identidades devem ser reconhecidas como fluidas, que se constituem pelas diferenças sociais e pelas relações de poder estabelecidas, ocasionando, com isso, diversas formas de violência ou possibilidades de ser violento2.

Tamanha é a magnitude do fenômeno da violência, que a OMS propõe um modelo ecológico para sua compreensão, com a finalidade de explicar as múltiplas causas, desde fatores biológicos e pessoais, até os relacionais, comunitários e sociais. E, a partir de uma perspectiva do desenvolvimento humano, podemos considerar elementos diferentes em cada faixa etária como influências para um indivíduo se tornar vítima da violência ou mesmo o próprio agressor.1 A respeito da juventude, especificamente, destacamos que sujeitos com envolvimento em atos infracionais são provenientes de famílias com variados conflitos, cuja resolução tende a ocorrer por meio de abordagens violentas. Ademais, estes jovens convivem de forma muito mais frequente com adultos criminalizados, sejam da própria família ou de suas relações de amizades3.

Para compreender, contudo, essa violência que faz parte do cenário contemporâneo, captada em sua complexa natureza, precisamos nos debruçar sobre estudos das ciências sociais, humanas e da saúde coletiva. Vejamos, então, alguns resultados específicos sobre a violência no Brasil, alcançados por meio da pesquisa bibliográfica.

As violências no cenário brasileiro

Evidenciamos que os processos de democratização pelos quais vêm passando sociedades com perfis semelhantes à brasileira, em que injustiças sociais e violações de direitos humanos sempre foram frequentes, não são satisfatórios para modificar o quadro da violência arraigada historicamente nestes contextos. Ao denunciar a diminuição da presença do Estado nas áreas sociais nas duas últimas décadas do século XX, retratamos as crises sociais advindas dessa situação, que culminou com o crescimento da exclusão social e da pobreza. Logo, apesar das expectativas levantadas pela democratização com relação à proteção dos direitos humanos e do exercício da cidadania para toda a sociedade, encontramos a ilegalidade e arbitrariedade que têm demarcado as relações entre o governo brasileiro e as populações em situação de risco4.

Neste sentido, há graves violações dos direitos humanos, principalmente com a população que apresenta piores condições de vida. Assim, tendo o município de São Paulo como foco, foi encontrado um resultado de 2.248 vítimas desse tipo de violação para o ano 2000, sendo 80,9% relativas a execuções sumárias, 18,2% a violência policial e 0,8% a linchamentos. A população jovem foi a mais atingida nos três segmentos5.

Também é interessante notar a relevância do homem em assuntos relativos à violência generalizada, nos vários tipos de estudo - meninos e meninas de rua, magnitude e dinâmica de infratores, mortalidade e morbidade de pacientes, óbitos por homicídios, vulnerabilidades para uso de drogas, casos de suicídios, expectativa de vida etc. Assim, é possível perceber os homens como tendo maior desvantagem social em todos os aspectos avaliados. Percebemos, então, a relação entre as formas de viver a masculinidade e a cultura da violência, indicando a problemática de gênero, construída historicamente1.

É nos valores de longa duração, que estruturam a cultura ocidental patriarcal, que os elementos machistas emergirão, sobretudo no discurso e comportamento dos delinquentes sociais. Dessa forma, a visão patriarcal, ao ritualizar o papel masculino como sujeito da sexualidade e o feminino como seu objeto lançam os homens ao lugar da ação, da decisão, naturalizando sua posição social de agente de poder e de violência ao articular estes dois planos, o da sexualidade e o da sociabilidade. No contexto da criminalidade, o sujeito violento irá focar nessa crença do papel masculino como possibilidade de poder e de imposição da sua própria vontade, o que vem caracterizando os excessos desse tipo de violência na população masculina, tanto com relação às vítimas quanto aos agressores1.

Com relação às variáveis sexos e idade6, conjuntamente, apontamos diferenças importantes quando o tipo de violência analisado é a agressão física, nas ocorrências da cidade do Rio de Janeiro. Assim, as mulheres são mais atingidas em um período fértil da vida, de 20 a 40 anos de idade, e os No que se refere às armas de fogo7, especificamente, trazemos à tona análises a respeito do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03)1, ressaltando a necessidade de se ampliar essa discussão para além da percepção das armas como simples causadoras de situações violentas. Nesse sentido, destacamos o fato de a utilização das armas representar uma "sociabilidade violenta" (p. 142), que antecede e faz parte das relações sociais atuais, presentes no próprio processo de urbanização dos grandes centros.

De qualquer forma, ressaltamos estudos divulgados pela Parlamentary Office of Science and Technology8, em que há uma relação positiva entre posse de armas e ocorrências de ações provenientes de seu uso, como homicídios e suicídios. No entanto, no Brasil, especificamente, o problema mais grave se refere aos crimes de homicídio cometidos por meio de armas ilegais. A esse respeito, também devem ser estabelecidas diferenças com relação a sexo e idade, sendo mais vitimados os jovens, sobretudo homens.

Nessa importante interdisciplinaridade que se aplica aos campos da violência e da saúde1, como proposta para uma melhor compreensão do problema, ganham relevância os estudos de epidemiologia a respeito do impacto da violência sobre a saúde. São apontadas mudanças no campo da saúde que têm início a partir da década de 1960, quando ocorre uma transição no quadro de mortalidade no Brasil % das doenças infectoparasitárias para a violência %, que acompanhou o processo de urbanização da época. Na década de 1990 mais de um milhão de pessoas morreram no Brasil, vítimas de violências e de acidentes, sendo 400 mil mortes resultantes de crimes de homicídio, fato que teve relevante impacto para a saúde pessoal e coletiva.

Nesses estudos1, a respeito da temática violência e saúde, a realidade brasileira em particular se assemelha à tendência internacional. Nesse sentido, há um destaque para a mortalidade por causas externas, principalmente os homicídios que ocorrem entre a população jovem masculina, caracterizada como agressora e vítima, além da importância das correlações desse tipo de violência com as condições de vida estabelecidas. Há um enorme crescimento das publicações sobre o tema a partir da primeira metade da década de 2000, quando alguns pesquisadores passam a estudar cidades específicas do Brasil e evidenciam, assim, que as taxas de homicídio representam atualmente um dos maiores problemas para a saúde pública.

Com base nesses índices e a partir de propostas advindas de organismos internacionais, como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU), o Brasil tem se preocupado com legislações (Política nacional de redução da morbimortalidade por acidentes e violências) que sejam direcionadas à prevenção da violência e à promoção da saúde, com vistas à diminuição de vítimas e, consequentemente, à promoção de uma cultura da paz1.

Ainda destacamos a pesquisa9 que analisou a produção científica sobre o tema violência e saúde no período de 2003 a 2007, por meio dos periódicos nacionais da área, em que os seguintes temas apareceram nesse período de produção: construções teórico-metodológicas (14,06%), violência e gênero (23,27%), violência e infância/adolescência (30,94%), violência contra idosos (1,02%) e violência em situações específicas (30,68%), como no contexto de trabalho, em espaços de lazer, na mídia etc.

Diante desse resultado, verificamos os aspectos da violência ainda pouco estudados, apesar de sua importância social, como a violência voltada para idosos e homossexuais, a que ocorre em locais socioeducativos, a relacionada ao tráfico de drogas, a dirigida às pessoas com deficiências e aos indígenas.

Além disso, há três importantes aspectos que precisam ser melhorados em pesquisas futuras: uma insuficiente caracterização das estratégias de enfrentamento em situações de violência; uma falta de sistematização dos resultados, o que facilitaria a elaboração de diretrizes para futuras intervenções; poucos estudos que priorizam a compreensão do fenômeno da violência a partir da ótica do agressor, pois é preciso viabilizar ações nas duas direções % da vítima e do agressor.

Ainda a respeito de análises de produções científicas, desta vez com relação à promoção de saúde da população de jovens brasileiros10, a maior parte dos trabalhos identificados tratava de pesquisas epidemiológicas e com enfoque biomédico. As ações descritas nessas publicações focam intervenções grupais para a prevenção de comportamentos de risco em saúde sexual e reprodutiva, mesmo diante da diversidade de fatores relacionados à saúde integral dos adolescentes.

De qualquer forma, a partir dessas considerações, constatamos a ênfase que recai sobre a população mais jovem, quando abordamos as violências no cenário brasileiro, e observamos a urgente necessidade da elaboração de intervenções específicas que dificultem ou impeçam o envolvimento dessa população em circunstâncias de risco. Contudo, para esta última finalidade, que tem características preventivas no âmbito das violências às quais os jovens possam estar submetidos, julgou fundamental conhecer o jovem brasileiro bem como os riscos psicossociais que podem estar presentes em sua trajetória de desenvolvimento. Este é o propósito maior deste estudo, que apresentamos em seguida.

Adolescentes brasileiros: quem são eles?

Antes de analisar a literatura que trata das vulnerabilidades da população jovem brasileira perante a violência, precisamos definir essa fase do desenvolvimento humano e apresentar algumas de suas atuais características no contexto brasileiro.

Inicialmente, informamos que os termos juventude - proveniente das ciências sociais - e adolescência - oriunda das ciências humanas - costumam ser usados indistintamente na literatura contemporânea com a finalidade de tratar das experiências dessa categoria, considerada concomitantemente social e psicológica, além de ser vista como uma construção recente em nossa cultura ocidental11. A adolescência, da maneira como a caracterizamos atualmente, é, portanto, um produto do século XX, conforme discutiremos mais adiante.

A partir de documentos diversos ou em momentos distintos da história, podemos também constatar algumas diferenças na faixa de idade considerada como equivalente à juventude12. Assim, para a OMS e o Ministério da Saúde, esse período, que inicialmente foi considerado como sendo a segunda década da vida, dos 10 aos 20 anos, mais recentemente abarca dos 15 aos 24 anos de ida-de2. Portanto, apesar de não podermos delimitar uma fase da vida a partir da quantidade de anos, há tentativas de categorização para o momento da adolescência (entre 10 e 19 anos de idade) e da juventude (entre 15 e 24 anos de idade). A partir, então, da mudança que vem ocorrendo ao longo da história a respeito da compreensão da adolescência, é que se torna fundamental verificar as variáveis presentes nas diferentes culturas e nos diferentes momentos históricos.

Autores da área do desenvolvimento humano11 costumam caracterizar a fase da adolescência como o período compreendido entre 12 e 20 anos de idade, aproximadamente, considerando o início a partir da puberdade e o final em momentos nos quais o jovem começa a aceitar os papeis adultos, como veremos adiante. Há ainda uma possibilidade de subdividir essa fase em dois momentos distintos: o primeiro, começando aos 11 ou 12 anos (denominado adolescência ou adolescência inicial), é considerado um período de transição e evidencia mudanças importantes relacionadas aos aspectos (físicos, sociais e intelectuais) de funcionamento da criança; o segundo, que tem início por volta dos 16 ou 17 anos (intitulado juventude ou adolescência final), é caracterizado como um momento de consolidação dessas mudanças e destaca a identidade, os padrões de relacionamento social, os objetivos a serem alcançados e papeis a serem desempenhados pelo jovem.

Também chamamos a atenção para a diferença conceitual entre a puberdade, que é um fato biológico % caracterizado por um conjunto de mudanças físicas que ocorrem no decorrer da segunda década da vida, transformando o corpo infantil em um corpo adulto %, e a adolescência, que é um fato psicossociológico - evidenciado por se prolongar por vários anos, mas cujas características podem não coincidir em culturas diversificadas ou em épocas diferentes da história. Portanto, a puberdade pode ser entendida como um fenômeno universal, pois depende de um calendário maturativo que é comum à espécie humana, o que não é o caso da adolescência11.

Nesse sentido, a adolescência, da forma como a conhecemos neste início do século XXI11, pode ser compreendida como um produto da história e das situações sociais que enredaram o século XX. No que se refere ao ocidente, destacamos a importância que a revolução industrial teve para romper a situação que vinha ocorrendo até o final do século XIX, em que uma minoria de crianças estudava e grande parte era incorporada ao mundo do trabalho ainda na primeira década de vida. Com o advento da industrialização, criou-se uma demanda por melhor formação e os estudos passaram a ser considerado algo importante. Ainda que inicialmente apenas os filhos da classe média e alta permanecessem na escola, pois os provenientes da classe operária continuavam a ser inseridos no trabalho, ao longo do século XX essa situação foi sendo modificada aos poucos a partir da escolaridade obrigatória adotada por muitos países do ocidente.

Esse fenômeno da escolarização teria contribuído, então, para a formação de um novo grupo, os adolescentes, com hábitos e problemas peculiares, na medida em que houve um distanciamento entre a fase da infância e a do adulto, causado pela maior permanência de tempo na escola. Desse modo, os meninos e meninas que não eram percebidos dessa forma em momentos anteriores da história, mas que hoje são considerados adolescentes no ocidente pode caracterizar-se por ainda estarem no sistema escolar ou em algum outro contexto de aprendizagem profissional ou na busca de um emprego estável; por ainda estarem dependendo de seus pais ou vivendo com eles; por estarem realizando a transição de um sistema de apego em grande parte centrado na família, passando por um sistema de apego centrado no grupo de iguais, a um sistema de apego centrado em uma pessoa de outro sexo; por se sentirem membros de uma cultura de idade (a cultura adolescente) que se caracterizam por ter suas próprias modas e hábitos, seu próprio estilo de vida, seus próprios valores; por terem preocupações e inquietações que já não são da infância, mas que ainda não coincidem com as dos adultos11.

A fase da adolescência é considerada, portanto, o momento do ciclo vital no qual se dá a construção da identidade, a consolidação da personalidade, a ampliação e diversificação da rede de relações sociais, a definição ou adoção dos valores sociais e morais, a mudança na autoimagem etc. Lembramos também as diferenças que são encontradas entre os adolescentes que vivem em culturas diversas ou nas chamadas subculturas, ou ainda em uma mesma cultura, mas em momentos históricos distintos, como, por exemplo, a incorporação do status adulto (formar família, ter responsabilidades adultas, comportar-se como adulto etc.) em uma idade mais precoce ou, ao contrário, cada vez mais tardia11.

Nesse sentido, há autores13 que versam sobre jovens dos dois sexos, entre 14 e 21 anos de idade, e de diferentes classes sociais, moradores da Grande São Paulo. Apesar de alguns aspectos que foram avaliados como comuns a esses adolescentes (como se referir à palavra responsabilidade para definir a entrada na vida adulta), os resultados apontaram uma diversidade de adolescências no contexto, principalmente no que se refere à classe social e ao sexo, mas também com relação à etnia oriental e no que diz respeito ao avançar da idade.

Destacamos, particularmente, a ressalva no sentido de não encontramos as características dos jovens de camadas populares nos manuais de psicologia e, com isso, o alerta para a importância de compreendermos o processo adolescente em contextos específicos desta ordem, em que as formas de pensar, sentir e agir podem ser bastante diferentes. Por esta razão, há a necessidade de contextualizar social e historicamente os processos da adolescência, tendo em vista que qualquer concepção acerca dessa fase do desenvolvimento só adquirirá sentido quando associada às condições objetivas de vida dos sujeitos estudados. Logo, a adolescência é compreendida como um produto da história de vida de cada jovem, que é determinada pelo grupo social e cultural aos quais pertence13.

No que se refere às diferenças encontradas entre os adolescentes brasileiros14, destacamos as influências oriundas de eventos históricos e das flutuações econômicas, além das desigualdades de sexo, raça e classe. Nesse sentido, ao estudar os jovens brasileiros por meio de dados censitários, desde 2006 esta população é considerada como aquela que se encontra na faixa entre 15 e 29 anos de idade. Nessa medida, devem ser discutidos os diferentes status encontrados quando se considera as idades mais próximas da infância, com as seguintes características: "estudante, que não trabalha, é na maioria das vezes dependente de um dos pais ou de ambos, nunca teve experiência conjugal e não tem filho" (p. 34). A partir de então, há diversas mudanças que vão ocorrendo ao longo dos anos da adolescência até a passagem para a vida adulta, em que "boa parcela das pessoas escapa da combinação típica da figura do estudante-filho-dependente" (p. 34). Em outras palavras, são estabelecidos os novos papeis referentes à constituição de uma família e à aquisição de um emprego e de autonomia, que irão desempenhar os indivíduos que deixam a fase da adolescência.

De fato, há destaque para uma maior complexidade do curso de vida quando são comparados os dados da população juvenil de 1970 com a de 2000, apontando que o status tradicional do adulto % como aquele que deixou a escola, ingressou no mercado de trabalho, possui domicílio independente e formou uma família % está cada vez mais diluído entre várias outras possibilidades. Entre os aspectos prioritários, trazemos à tona o fato de ter havido, nesse período, um aumento da frequência à escola e também uma diminuição do trabalho no grupo de indivíduos com menos de 15 anos de idade14.

Contudo, ainda persistem desigualdades relacionadas à renda e à situação de domicílio, e, em menor grau, às desigualdades de raça e gênero: a probabilidade de somente estudar é maior entre os jovens de famílias com maior renda, que residem em regiões urbanas; em idades mais precoces, há uma vantagem nesse sentido para pessoas brancas e do sexo feminino. Portanto, a mudança de status da adolescência para a vida adulta poderá ocorrer em diferentes idades, dependendo da renda, da cor, do sexo e da situação de domicílio dos sujeitos brasileiros. Em geral, estes adolescentes assumem as responsabilidades adultas alguns anos antes do que os jovens de países desenvolvidos14.

Com relação a dados disponibilizados pelo IBGE15, a respeito dos indicadores sociais da população brasileira, o número de crianças e adolescentes de até 14 anos de idade sofreu uma diminuição nos últimos dez anos, pois representava 30,8% da população total em 1997 e caiu para 25,4% em 2007. Verificamos que o número de crianças, adolescentes e jovens vem diminuindo no Brasil, tendo em vista fatores como a queda da fecundidade e o aumento da esperança expectativa de vida. Em 1997, havia 78,1 milhões de pessoas na faixa de zero a 24 anos de idade, quase metade dos brasileiros, e que em 2007 esse número aumentou para 82,4 milhões, representando, porém, 43,4% da população total no país.

Contudo, apesar de os indicadores sociais assinalarem algumas melhorias na direção dessa população específica, como a redução da mortalidade infantil e a ampliação do combate ao trabalho infantil, há ainda aspectos que demandam atenção urgente, como a melhoria da qualidade de ensino e o combate à violência, por exemplo. Ademais, a análise indica que a pobreza3, embora venha diminuindo nos últimos dez anos, atinge de forma mais intensa as crianças e os jovens.

A pobreza, conforme o IBGE, também dificulta o acesso da população à escola, sobretudo nos primeiros anos da infância, pois a chance de uma criança de quatro a seis anos de idade estudar aumenta conforme um melhor rendimento de sua família. Por outro lado, está quase universalizado o ensino para os sujeitos entre sete e 14 anos de idade, embora a qualidade desse aprendizado seja ainda muito ruins e muitos não aprendam a ler e escrever até os dez anos. Também destacamos o fato de muitos jovens de 14 anos (204,8 mil, em 2007) não frequentarem mais a escola. No período de 1997 a 2007 foi possível constatar, ainda, um aumento do percentual de jovens entre 16 e 17 anos que se dedicavam somente aos estudos (de 45,5% para 54,8%), diminuindo as taxas daqueles que somente trabalhavam (de 16,5% para 10,2%) ou dos que cuidavam das atividades domésticas (de 11,1% para 8,3%).

Tendo discutido o conceito de adolescência e apresentado algumas características dessa faixa etária no cenário brasileiro, analisaremos agora o significado do termo em situação de risco psicossocial e apresentaremos estudos que tratam das vulnerabilidades psicossociais para essa fase do desenvolvimento humano.

Vulnerabilidades psicossociais na adolescência

Da forma como encontramos o tema do risco psicossocial em estudos específicos da área, ou seja, em pesquisas que tratam de fatores de risco ou de adversidades que podem acometer o desenvolvimento de pessoas ao longo de seu ciclo vital, observamos que essa condição pode ocorrer em qualquer momento da vida e não exclusivamente na infância ou na adolescência. Ademais, podermos também considerar, além do indivíduo, famílias ou comunidades que se encontram em situação de risco.

Com relação ao adolescente, particularmente, alguns autores16 apontam que o risco ao qual ele pode ser submetido é de vários níveis: físico, psicológico, econômico, sociocultural etc. Por outro lado, os fatores de proteção que os jovens adquirem em contextos adversos de desenvolvimento (em situação de risco) também terão que ser abordados para uma compreensão mais abrangente do tema em questão.

Esses estudos revelaram como fatores de risco: o uso de drogas, a dificuldade em controlar agressividade, o histórico de maus-tratos físicos e psicológicos, a baixa escolaridade, os relacionamentos familiares conturbados e a existência de familiares com baixa escolaridade, desqualificados para o trabalho e envolvidos com a criminalidade. Quanto aos fatores de proteção, salientam as redes de apoio social (escola, trabalho, amigos, instituições), as habilidades para defender e negociar direitos e interesses, as imagens positivas dos outros, a auto-estima elevada e a supervisão familiar.

No entanto, também constatamos, nessa literatura, a necessidade de outras pesquisas que investiguem ambos os fatores, pois é possível que para cada fator de risco haja fatores específicos de proteção. Além disso, a interpretação dada pelo sujeito submetido a determinado estresse será de terminante para o grau de prejuízo em seu desenvolvimento. Essa é uma das razões pelas quais os autores discutem os fatores de risco associados aos fatores de proteção, pois nem todos os sujeitos submetidos aos mesmos estressores psicológicos e/ou sociais se tornarão vulneráveis a outros aspectos nocivos ao seu desenvolvimento, como o envolvimento com a criminalidade, por exemplo.

Nesse sentido, mencionamos brevemente alguns estudos16,17 que tratam do conceito de resi-liência, tendo em vista que uma condição adversa, de risco, sempre está relacionada a ele. Apesar de apontarem que esse conceito está em construção, definem a resiliência, de uma maneira geral, como sendo a capacidade de uma pessoa para responder de forma positiva, apesar dos infortúnios que vi-vencia ao longo de seu desenvolvimento humano, às demandas que se impõem à sua vida. Portanto, esse conceito abrange a possibilidade de se pensar na descontinuidade dos problemas experimentados por uma população mais jovem, na medida em que os sujeitos que nascem em contextos de violência, de dependência química etc., não estariam condenados a ter problemas (sociais, de saúde etc.) em fases ulteriores de seu desenvolvimento.

Contudo, deixam claro os estudos dessa área que ser resiliente não significa tornar-se imune aos estresses da vida nem tampouco ser invulnerável ao sofrimento que advém das condições vividas sob adversidades, violências e catástrofes, mas denota uma capacidade para superar esses momentos difíceis ora vivenciados. Tratamos, assim, de processos psicológicos que podem gerar a superação de crises e adversidades pelas quais passam as pessoas em determinados momentos de suas vidas. Ademais, é preciso considerar o conceito de resiliência, bem como os fatores de risco e de proteção, a partir de valores e significados próprios de uma cultura, tendo em vista sua construção social e histórica.

Nesse sentido, o conceito de resiliência, compreendido como a habilidade humana para superar adversidades, é incorporado por uma perspectiva teórica denominada Psicologia positiva, que tem por objetivo compreender as questões que promovem o desenvolvimento psicológico sadio. A resiliência depende, então, de bases constitucionais do sujeito e também ambientais, que irão interagir em um processo dinâmico. Dessa forma, a resiliência refere-se não somente a traços de personalidade, mas também ao contexto social e às redes de relacionamento de cada pessoa.

Ademais, a permanente interação que também ocorre entre os fatores de risco e de proteção, uma vez que os riscos (eventos negativos de vida) predispõem as pessoas a apresentarem problemas físicos, psicológicos ou sociais e os fatores de proteção podem proporcionar uma melhora nas respostas dos indivíduos para determinados riscos. Portanto, a resiliência poderá ser definida como os processos que irão operar na presença do risco com a finalidade de produzir reações saudáveis nas pessoas.

Um estudo a respeito dos riscos aos quais estariam expostos alguns adolescentes do Distrito Federal18, que estudam escolas públicas de áreas consideradas de risco psicossocial, discute justamente as estratégias desenvolvidas pelos mesmos na direção da promoção de sua saúde. Assim, como indicadores de risco aparecem a violência (atos de violência e confronto com a lei, violência intrafamiliar e na comunidade), a exposição e o contato com drogas, tentativas de suicídio e a preocupação com as doenças sexualmente transmissíveis. Como fatores de proteção, constataram o uso de preservativos nas relações sexuais, a convivência com a família e a expectativa de ajuda por parte dos vizinhos e dos líderes da comunidade.

Com relação à violência, especificamente, observaram que processos infracionais fazem parte do contexto desses jovens, embora eles próprios não se envolvam em crimes % relatam ter alguém da família que esteve preso por essa razão. Também revelam que há insegurança com relação à vivência dos jovens em suas comunidades, tendo em vista os índices elevados de tráfico, assaltos e roubos nos locais em que residem. No que se refere ao uso de drogas, o risco maior é apresentado para o uso de álcool, que aparece de forma importante no cotidiano desses adolescentes, e não para as drogas ilícitas.

Em outra pesquisa19, também relacionada aos jovens de escolas públicas do Distrito Federal (entre 13 e 27 anos de idade), o principal fator de risco encontrado para o desenvolvimento foi o baixo nível socioeconômico ao qual estão submetidos. Associados a essa condição, foram indicados outros fatores que contribuem para o risco, como o uso/tráfico de drogas e a vivência da violência. Contudo, esse estudo apontou redes de proteção para esses adolescentes no que diz respeito aos contextos da família, da escola e dos amigos, além de fatores pessoais que contribuem nesse sentido, como a autoestima e a religiosidade/espiritualidade.

Com relação às situações de pobreza16, em geral, advertimos para o fato de não poderem ser consideradas como risco, a priori, para crianças e adolescentes, sem que uma devida contextualiza-ção possa ser feita. Assim, é necessário averiguar a percepção que os sujeitos têm de sua qualidade de vida, as esperanças que possuem com relação à superação de sua condição desfavorável e, além disso, as características do contexto onde vivem as relações que estabelecem nesses locais, suas características pessoais e o momento de desenvolvimento em que estão. Destacamos a família, a escola e as instituições como ambientes de desenvolvimento humano que podem promover a resiliência, dependendo do tipo de inter-relação possível nesses contextos, que deverão ser marcados pela qualidade, afetividade e reciprocidade.

Destacamos também o quanto que o mercado de trabalho e o sistema de proteção social podem determinar % em maior ou menor grau % uma condição de vulnerabilidade social, genericamente considerada, o que equivale considerarmos os altos níveis de pobreza e de desigualdade social aos quais muitos brasileiros estão submetidos. Devemos analisar diante dos diferentes arranjos familiares presentes na sociedade atual, se haveria algum que causaria um risco social maior para seus membros. Dentre os vários resultados apontados, destacamos que em famílias que vivem uma situação socioeconômica de insegurança, a presença de crianças (consideradas no estudo como pessoas de até 16 anos de idade) denota um impacto três vezes maior do que a presença de adolescentes (de 17 a 24 anos de idade) ou mesmo de idosos sem cobertura previdenciária na probabilidade dessa família ser vulnerável20.

Além disso, parece ser quase indiferente para a vulnerabilidade desse tipo de família o fato de seu chefe (definido por aquele que possui o maior salário e não mais por critérios de autoridade) ser do sexo masculino ou feminino. Nesse sentido, apesar das mudanças que ocorrem nessas famílias com a inserção da mulher no mercado de trabalho, não houve modificação quanto à responsabilidade que ela assume com relação às crianças e aos idosos que são dependentes, ocasionando uma sobrecarga para a mesma. E, ainda, contrariando o senso comum, não há relevância para a vulnerabilidade se essas famílias forem biparentais (a presença de um casal à frente da família, onde o chefe geralmente é o homem) ou monoparentais (a presença de somente uma pessoa à frente da família, geralmente com a chefia feminina).

Apontamos também que a presença de pelo menos um cônjuge empregado diminui de forma importante a probabilidade de a família ser vulnerável, não importando o sexo do chefe ou se a família é mono ou biparental. De qualquer forma, o baixo nível socioeconômico constitui uma forma de adversidade crônica21, que pode se transformar em risco para algumas famílias (famílias pobres, famílias de camadas populares e famílias de baixa renda, assim denominadas nos trabalhos avaliados pelas autoras), embora isso não ocorra para todas, pois dependerá também dos fatores de proteção que podem moderar os efeitos da pobreza.

A respeito da violência, ressaltamos a importância dada por organismos internacionais a essa problemática, mostrando-se preocupados com a população mundial que se encontra entre os 10 e 29 anos de idade, especificamente, tendo em vista serem eles os principais agressores e vítimas. Sendo assim, algumas situações parecem aumentar esses índices de violência, que são mais elevados em países da América Latina e da África, e menores no Leste Europeu: ter vivenciado violência na infância, pertencer a gangues e ter acesso a armas, viver sob longos períodos de guerra, de exclusão social e de pobreza21.

Sobre estes últimos aspectos, a exclusão social e a pobreza, alguns fatores estariam associados aos homicídios cometidos contra os adolescentes, que têm nos jovens os principais agressores desse crime. Os adolescentes vitimados por esse delito parecem ser marcados por uma trajetória existencial que pode ser definida pelo 'não', ou seja, não obtiveram condições infraestruturais satisfatórias para o seu desenvolvimento e, sem a assistência que necessitavam, encaminharam-se para a delinquência e continuaram a cometer infrações até serem mortos por outros jovens.

Salientamos, portanto, que a violência vivida entre os adolescentes não pode ser explicada pela mera presença de conflitos pessoais, mas que está relacionada à violência estrutural da qual fazem parte, em que estão incluídas a frágil inserção socioeconômica de seus familiares e a segregação urbana que vivenciam. Dessa forma, precisamos ressaltar a importância da relação que deve ser feita entre as condições de vida da população jovem (pobreza, exclusão social, tráfico de drogas e violência estrutural) e os índices de mortalidade21.

Há outras análises19 que estabelecem um risco maior entre os jovens para a perpetração de crimes ou para sua participação indireta nos mesmos, apontando alguns aspectos que representam faces diferentes da violência: ser testemunha de ações violentas na comunidade a qual pertence; estar frequentemente exposto a imagens violentas por intermédio dos meios de comunicação; se sentir ameaçado pela violência e impotente diante da mesma; e acreditar que a violência é uma solução legítima para conflitos sociais.

Ademais, fatores socioeconômicos desfavoráveis % como condições precárias de moradia e baixa escolaridade, entre outros % também estão associados a um risco maior para que os jovens se envolvam com a criminalidade, pois a percepção da impossibilidade de consumo de bens materiais pode motivá-los a essa prática. A esse contexto, é acrescentada a problemática referente à expansão do comércio de drogas, em que a violência, via de regra, é a forma pela qual os conflitos costumam ser resolvidos.

Revelam ainda estes estudos19 que não é prejudicial somente o fato de ter sido vítima de uma violência, mas tê-la presenciado também, pois essas circunstâncias poderiam levar uma pessoa a problemas psicológicos (ansiedade, depressão) ou sociais (comportamento de isolamento social). Da mesma forma, destacamos um estudo22, acerca do comportamento antissocial4 entre adolescentes de 11 a 17 anos de idade de uma região de baixa renda da periferia da cidade de São Paulo, em que são fatores de risco para o surgimento ou a continuidade deste comportamento entre os jovens, o fato de pertencerem a um ambiente familiar e uma comunidade violentos.

Com relação à importância da família, em particular, no desenvolvimento de condutas infratoras por parte dos jovens de baixo nível socioeconômico23, assinalamos cinco relevantes fatores de risco: 1) comportamento antissocial de familiares % como uso de drogas, mais referido ao pai, irmãos e tios; e o cometimento de delitos, mais referido aos irmãos, primos e tios; 2) número de irmãos % quanto maior a família, maiores os riscos de práticas coercitivas ou negligentes e menores os índices de afeto, atenção e renda per capita; 3) uso de drogas pelos adolescentes; 4) conflitos na família; 5) práticas educativas parentais, como aconselhamento, privação de privilégio material, punição física, delegar responsabilidades para outras pessoas, negligência e reforço do comportamento inadequado. Além desses fatores, apontamos que a própria constituição familiar, como rede de apoio dos adolescentes, pode representar importante fator para o envolvimento dos mesmos com delitos e com o comércio das drogas, na medida em que faltam pessoas que possam exercer o papel de proteção ao risco que se apresenta.

Portanto, a exposição dos adolescentes a diferentes tipos de violência em seu cotidiano contribui de maneira importante para que aprendam um modelo de comportamentos violentos. Diante dessa exposição à violência, os adolescentes tanto podem reagir isolando-se ou manifestando pensamentos depressivos, pela sensação de insegurança gerada em relação à família e à comunidade das quais fazem parte, quanto podem tornar-se pouco sensíveis, no que tange aos atos violentos, e passar a reproduzir o modelo aprendido, criando um ciclo de violência22.

A esse respeito, mencionamos também a violência intrafamiliar e a violência na comunidade como formas de vitimização que atingem intensamente a vida dos adolescentes, além da violência policial, da qual os jovens são as principais vítimas. Quanto à violência presente na comunidade, destacamos que os jovens testemunham duas vezes mais as ações violentas que ocorrem próximas ao seu domicílio do que os adultos, incluindo nessa condição as cenas de agressão física, de compra e venda de drogas, de pessoas que são feridas por armas de fogo e também de pessoas sendo assassinadas. Além dessa exposição à violência, pela qual passam os mais jovens, há também uma maior probabilidade que eles sejam vítimas de violência direta, com agressões verbais ou físicas, oferta para consumo de drogas, parentes ameaçados de morte e agressão policial22.

Acrescentamos a esse panorama de vasta expressão de violência % estrutural, familiar e social % diversas situações de risco em que o jovem pode manifestar comportamentos violentos, como o porte de armas, a participação frequente em brigas, o cultivo da masculinidade violenta e a influência do álcool e outras drogas. Esses fatores de risco podem ser organizados em quatro diferentes níveis, que poderiam atuar de forma simultânea e aumentar a vulnerabilidade dos jovens para a delinquência: 1) individual (características biológicas, como danos neurológicos sutis, ou psicológicas, como impulsividade); 2) relacional (maus-tratos familiares, influência de amigos delinquentes); 3) comunitário (altos índices de criminalidade, com a presença de gangues, armas de fogo e drogas); 4) social (desigualdade de renda, normas culturais que identifiquem a violência como forma de resolução de conflitos). Segundo esse estudo22, os delitos mais frequentes entre os adolescentes que acabam cometendo transgressões são o roubo, o homicídio, o furto e o tráfico de drogas.

Há, ainda outros autores24, que, por sua vez, estudam adolescentes escolares de diferentes estratos econômicos e discutem os fatores associados às condutas de enfrentamento violento que têm entre si. Entre outros aspectos, destacamos os poucos estudos sobre fatos da vida de jovens sem problemas legais referentes à sua conduta, que os predispõem ao comportamento violento. O fato de a violência estar presente na vida das pessoas desde cedo, incluindo os contextos da família, da escola e da sociedade, estaria causando fortes prejuízos individuais e sociais, pois alguns sujeitos incorporam a violência em seu estilo de vida, dependendo de condições de vida mais favoráveis ou não. Nesse sentido, pesquisas sobre a juventude em situação de risco no Brasil25 indicam a escola como importante fator de proteção à delinquência juvenil, bem como os laços psicoafetivos e socioeconômicos provenientes da família.

Informamos também, a título de conclusão, que os jovens brasileiros (considerados entre 15 e 24 anos de idade), quando comparados à população adulta, encontram-se em uma situação favorável no que tange à educação e ao uso de tabaco, e ambas as fases se encontram em posição semelhante quanto à força de trabalho. No entanto, a juventude está exposta a fatores de risco de tamanha gravidade (atividades sexuais arriscadas, desemprego e vitimização pela violência), que impõem uma atenção especial a esse momento da vida. Destarte, é preciso compreender as diferenças que marcam as pessoas dessa faixa etária, considerando a região geográfica em que habitam, bem como o sexo, a renda e a raça.

Por fim, conforme estabelecem essas pesquisas25, é preciso compreender a violência que acomete o pleno desenvolvimento de 35 milhões de adolescentes entre 10 e 19 anos de idade, considerando as situações nas quais são vítimas ou agressores, pois é esta a população que mais mata e morre no Brasil e na América Latina. Nessa direção, é preciso lembrar a história da pobreza, da desigualdade e da falta de garantia de direitos que perpetua os quadros de exclusão e de segregação da população brasileira, com prejuízos ainda mais severos para os jovens. A título de ilustração, destacamos que, no início da década de 2000, 45,9% dos brasileiros entre 10 e 14 anos, e 37,5% entre 15 e 19 anos de idade viviam em situação de pobreza. Além disso, a questão racial se destaca nesse contexto, uma vez que existe uma sobrerrepresentação da pobreza entre as crianças e adolescentes negros.

Diante deste panorama, chamamos a atenção para intervenções que possam ser pensadas especificamente com a finalidade de se promover o valor da vida em populações de jovens em situações de risco psicossocial, de forma a priorizar a prevenção para que eles não continuem endossando as estatísticas da violência no Brasil, pelas quais serão as vítimas ou os agressores deste crime contra a vida. Em nosso caso, há algum tempo vimos refletindo acerca da possibilidade de tais intervenções pela via da educação em valores morais, mas sabemos da relevância de pesquisas que priorizem a compreensão da violência antes que estas ações possam ser, de fato, melhor definidas, bem como os objetivos que com elas seriam possíveis de ser almejados. Esperamos que o presente trabalho possa ter contribuído para este fim.

 

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Manuscript submitted: sept 29 2014
Accepted for publication Dec 19 2014

 

 

Corresponding author: luciana.borges@uvv.br
1 Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos - UFSCar
2 Essa mudança na faixa etária estabelecida para a população jovem ocorreu por causa do prolongamento dessa fase, na qual ainda não são assumidas as responsabilidades concebidas como adultas.
3 O documento do IBGE15 explica que pobres foram considerados os sujeitos que vivem com um rendimento mensal de até 1/2salário mínimo per capita, o que representou 30% dos brasileiros, em 2007, e 46% para aqueles entre zero e 17 anos de idade, para o mesmo ano.
4 Os comportamentos antissociais são definidos pelos autores da pesquisa mencionada22 como problemas de externalização do desenvolvimento, caracterizados por atos de agressão e de violação de regras como problemas de externalização do desenvolvimento, caracterizados por atos de agressão e de violação de regras.

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