Serviços Personalizados
artigo
Indicadores
Compartilhar
Journal of Human Growth and Development
versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598
J. Hum. Growth Dev. vol.26 no.1 São Paulo 2016
http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.114415
EDITORIAL
Patricia Cintra Franco Schram*
Boston Children's Hospital Harvard Medical School - 300 Longwood Ave - Fegan 10 Boston MA 0211
A epidemia generalizada da infecção pelo vírus Zika relatada em 2015 no Brasil tornou-se um grave problema de saúde pública devido a associação com o aumento da incidência aparente de microcefalia em recém-nascidos de mães infectadas pelo virus.
O vírus Zika é disseminado principalmente pela picada do mosquito Aedes aegypti, mas também pode ser transmitido sexualmente por um homem a seus parceiros ou pela grávida ao feto. Os sintomas mais comuns da doença pelo vírus Zika são exantema, prurido, dor articular, conjuntivite, dor de cabeça e febre; estes sintomas são geralmente leves e podem persistir de alguns dias a uma semana. Por causa dos problemas devido a infecção intrauterina, especialmente a microcefalia, as grávidas devem tomar precauções especiais para não se contaminarem.
A infecção pelo vírus Zika pode se manifestar com problemas neurológicos, microcefalia congênita e outros problemas de desenvolvimento nas crianças cujas mães tiveram infecção durante a gravidez. Na população em geral, o Zika pode se manifestar com síndrome de Guillain-Barre, mielites e meningo-encefalites.
É possível detectar o vírus sorologicamente usando RT-PCR na fase aguda de viremia e dos sintomas inicias, e também na urina, mas geralmente por só ٣ a ١٤ dias. Como num teste ainda não existe para uso comercial, a maioria dos casos é diagnosticado clinicamente sem comprovação laboratorial. Em termos do diagnostico laboratorial, algumas técnicas já foram descritas, mas ainda não são disponíveis a população em geral. Nos EUA, um teste experimental foi liberado em 30 de março para triagem de doadores de sangue.
A infecção congênita, intrauterina pelo vírus Zika está associada a microcefalia e perda fetal (pela infecção materna no primeiro trimestre). Entre março 2015 e abril de 2016, mais de 5000 casos de microcefalia foram relatados entre recém-nascidos no Brasil, o que representa um aumento de mais de 20 vezes comparado com o ano anterior. Outros problemas graves devido a esta infecção viral são injuria do sistema nervoso central, restrição do crescimento fetal, insuficiência placentária e morte fetal.
Precisamos é fazer prevenção. Algumas companhias já se expressaram que vão investir na pesquisa e fabricação de uma vacina contra o Zika, mas o processo deve durar pelo menos uma ou mais décadas antes da vacina ser acessível à população que se beneficiaria dela. Outras maneiras de prevenção são recomendadas:
Proteção contra picadas pelo mosquito deve incluir medidas individuais e ambientais. A população na área de risco deve usar mangas e calcas compridas, repelente de insetos, manter-se dentro de casa (se possível), usar cortinas e redes anti-mosquitos. Aqueles que já se contaminaram e estão na fase aguda também devem evitar as mordidas de mosquitos, para diminuir a possibilidade de disseminar ainda mais o vírus.
O combate ao Aedes aegypti é altamente recomendado, mas é um trabalho difícil de ser feito, que necessita da conscientização e da mobilização da população para evitar o ambiente propicio ao desenvolvimento do mosquito. Mesmo assim, por que o Aedes tem mostrado uma capacidade extraordinária de adaptação biológica, a sua extinção é mais difícil. As medidas ambientais incluem identificar e eliminar as áreas onde o mosquito se desenvolve. Águas paradas dentro e fora de casa são áreas propícias ao desenvolvimento do mosquito e devem ser eliminadas.
No momento já temos pelo menos cinco mil crianças com microcefalia e outros problemas devido a infecção intrauterina. O que podemos fazer por elas? A microcefalia, independentemente da causa etiológica, vai se manifestar inicialmente por um atraso do desenvolvimento do lactente. Será necessária a mobilização do pais e da comunidade (família, vizinhos, amigos, professionais de saúde, e órgãos governamentais) com todos empenhados em ajudar estas crianças a alcançar seu potencial.
Todos nós, pais, esperamos que nossas crianças cresçam saudáveis e se transformem em adultos felizes e financeiramente independentes. Como podemos fazer para que todas estas crianças cheguem lá? Infelizmente, não existe uma solução simples. Estas crianças necessitam de estimulação precoce, terapias e tratamento médico. Seus pais, irmãozinhos, irmãzinhas e familiares necessitam da empatia da população para que não sejam estigmatizados e que continuem batalhando pelas suas crianças. As escolas devem se preparar para receber estas crianças em alguns anos; o currículo provavelmente deve ser modificado, as professoras precisam ser treinadas para ensinar crianças com estilos de aprendizado que podem desafiar o status quo.
Precisamos lembrar sempre que todas as crianças têm potencial. Todos nós somos indivíduos que tem fraquezas e virtudes; estas crianças com microcefalia também tem suas virtudes. Devemos incentivar estas crianças a desenvolverem suas virtudes e pontos fortes, invés de estigmatiza-las como se fossem deficientes. Elas não o são! Porém, elas têm necessidades especiais e suas virtudes devem ser descobertas e fortalecidas.
Qual a solução? Quanto custará? Não sei. Como trabalhar com elas? Eu recomendo fazer estimulação precoce e continua. E, assim que possível, avaliar e recomendar todas terapias apropriadas e tratamento medicamentoso, se necessário e indicado pelos médicos.
Devemos prevenir que este vírus venha a contaminar outras gestantes e que outras famílias tenham que enfrentar esta situação difícil. E melhor prevenir do que remediar. Considerando as condições frágeis sanitárias e os determinantes sociais como pobreza somado à presença maciça do vetor, o Brasil está sendo um país propício para consolidação do Zika, caracterizando-se como um sério problema de saúde pública. Aumentam-se as demandas assistenciais, e cada vez torna-se necessária que ações sejam realizadas com finalidades de prevenção e controle do problema, uma vez que se está presenciando uma nova realidade em termos de saúde pública, por ser uma patologia com complicações ainda pouco conhecidas e potencialmente limitantes.
Manuscript submitted: mar 22 2016
Accepted for publication avr 14 2016.
* Corresponding author: patricia.schram@childrens.harvard.edu