SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.26 número1Conceitos de saúde e movimentos de promoção da saúde em busca da reorientação de práticasThe evolution of genetics to genomics índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.26 no.1 São Paulo  2016

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.110023 

ORIGINAL RESEARCH

 

Análise das dificuldades relacionadas ao seguimento de condutas terapêuticas do adolescente com diabetes mellitus tipo 1

 

 

Mônica Rocha PiresI; Raissa Cazzonatto de Figueiredo BaniI; Graziele Zamineli de LimaI; Maria Isabela Ramos HaddadII; Patricia Mayumi TakamotoII; Lúcia Alves da Rocha PiresIII; Márcia Marcondes ManganaroIV; Márcia Regina Felippe Bueno CroscioliV; Déborah Cristina Gonçalves Luiz FernaniVI; Luiz Carlos Marques VanderleiVII; Ana Paula Coelho Figueira FreireVIII; Francis Lopes PacagnelliIX, *

IGraduada em Enfermagem - Universidade do Oeste Paulista - Presidente Prudente (SP), Brasil
IIGraduada em Fisioterapia - Universidade do Oeste Paulista - Presidente Prudente (SP), Brasil
IIIEspecialista em Pediatria e Neonatologia - Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto (SP), Brasil
IVEspecialista em Educação e Avaliação do Ensino e da Aprendizagem; Docente do Curso de Enfermagem - Universidade do Oeste Paulista - Presidente Prudente (SP), Brasil
VMestre em Ciência Animal. Especialista em Enfermagem do Trabalho; Docente do Curso de Enfermagem - Universidade do Oeste Paulista - Presidente Prudente (SP), Brasil
VIMestre em Fisiologia do Esforço; Docente do Curso de Fisioterapia - Universidade do Oeste Paulista - Presidente Prudente (SP), Brasil
VIIDoutor em Ciências (Farmacologia); Docente do Curso de Fisioterapia da Universidade Estadual Paulista Julio Mesquita Filho - Presidente Prudente (SP), Brasil
VIIIMestre em Fisioterapia; Docente do curso de Fisioterapia Universidade do Oeste Paulista - Presidente Prudente (SP), Brasil
IXDoutora em Biologia Celular e Estrutural; Docente do Curso de Fisioterapia e Orientadora do Mestrado em Ciência Animal - Universidade do Oeste Paulista - Presidente Prudente (SP), Brasil

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O diabetes mellitus Tipo 1 (DM1) é uma doença crônico-degenerativa de grande impacto na vida de crianças e adolescentes. O DM1 acomete, principalmente, crianças e adultos jovens com idade inferior a 30 anos, com predomínio dos 10 aos 14 anos. Como uma doença crônica, envolve mudança nos hábitos cotidianos, sendo o seguimento das recomendações dos profissionais de saúde um dos principais comportamentos para se alcançar tais mudanças, entretanto, este seguimento não é fácil e pode repercutir diretamente no controle glicêmico e ocasionar complicações
OBJETIVO: Esta pesquisa teve por objetivo identificar as dificuldades que adolescentes com diagnóstico de DM1 relatam para seguirem as recomendações terapêuticas prescritas para o tratamento do diabetes. Tais recomendações dizem respeito, mais especificamente, à mensuração da glicemia, utilização do plano alimentar e aplicação de insulina
MÉTODO: Participaram do estudo 15 adolescentes com DM1, de ambos os sexos, na faixa etária de 10 a 19 anos, que participam de um grupo multidisciplinar em um ambulatório de um município, no interior do Estado de São Paulo, com idades de 13,93 ± 2,4 anos, diagnosticados com DM1, em média há 4,5 anos. Foram utilizadas as seguintes avaliações: 1) entrevistas individuais para identificação e caracterização clínica; 2) caracterização dos parâmetros cardiovasculares e metabólicos; 2) avaliação antropométrica e 4) aplicação de questionário sobre dificuldades que incluíram questões sobre mensuração da glicemia, de seguimento do plano alimentar e de aplicação de insulina. A coleta de dados foi realizada antes da consulta médica da endocrinologista, em um hospital do interior do Estado de São Paulo
RESULTADOS: Pelas dificuldades identificadas e variáveis cardiometabólicas os adolescentes avaliados estão com descontrole glicêmico, realizam o rodízio de insulina de forma incompleta e enfrentam diversas dificuldades diárias para realizar o tratamento adequado, sendo as maiores relatadas em relação a aplicação de insulina e alimentação adequada
CONCLUSÃO: Adolescentes diabéticos do tipo 1 tem dificuldades de seguir as condutas terapêuticas orientadas, com destaque para o tratamento insulinoterápico e as propostas para mudanças de hábitos alimentares, por meio do seguimento de uma dieta. Estratégias necessitam ser oferecidas pelos profissionais da área de saúde a estes indivíduos para lidar melhor com estas dificuldades que afetam diretamente o curso da doença, e os deixam mais susceptíveis ao desenvolvimento de complicações

Palavras-chave: diabetes mellitus, estilo de vida, avaliação em saúde, adolescentes.


 

 

I NTRODUÇÃO

O Diabetes Mellitus é uma doença metabólica que ocorre por diversos fatores e se caracteriza pelo nível elevado de glicose no sangue, que pode ocorrer em razão da destruição autoimune progressiva das células β Pancreáticas, que resulta em deficiência parcial ou absoluta de insulina no organismo, ou por resistência pancreáticas a ação da insulina, o que em ambos os casos pode acarretar complicações macro e microvasculares1-2.

Além dos sintomas clássicos do diabetes, pode resultar em complicações agudas e crônicas. As complicações agudas se diferem das crônicas por ocorrer repentinamente, constituindo emergências clínicas, que devem ser identificadas e tratadas de forma imediata. As complicações agudas correspondem à hipoglicemia, hiperglicemia e cetoacidose diabética. As complicações crônicas podem ser classificadas em microvasculares, macrovasculares e neuropáticas, por isso, o rastreamento destas complicações deve ser realizado a partir de cinco anos de diagnóstico3-4.

A incidência do Diabetes Mellitus está em constante crescimento e estima-se que em 2025 acometa 5,4% da população mundial5. Para o Diabetes Mellitus tipo 1 (DM1) estima-se 0,5% de casos novos para cada 100.000 habitantes ao ano1. Conforme dados da Sociedade Brasileira de Diabetes6 existem atualmente no Brasil 100 mil pacientes diagnosticados com DM1 menores de 15 anos de idade e o índice da população infantil menor de 5 anos está em constante crescimento.

O tratamento do DM1 é feito principalmente por meio de aplicações diárias de insulina, pois a maioria destes indivíduos tem as células pancreáticas destruídas7. Para o controle eficaz da doença o tratamento deve ocorrer de forma correta e por meio de hábitos de vida saudáveis. Porém, trata-se de um tratamento de grande complexidade, pois requer a adesão do indivíduo, associado a uma alimentação equilibrada e a prática de exercícios físicos, já que além de prevenir as complicações do diabetes, tem como benefício melhorar a qualidade de vida8-10.

Para o planejamento de ações de educação em saúde para os indivíduos com DM1 deve-se primeiro avaliar e conhecer suas condições de vida8. Para que isto ocorra, é necessário que os profissionais de saúde estejam aptos, para educar os pacientes de forma adequada nas diferentes fases da vida, por isso o trabalho deve acontecer de forma interdisciplinar6.

Antes de se iniciar o processo de educação, o profissional deve identificar as necessidades do paciente, tais como, cultura, crenças, apoio familiar, condições sociais e econômicas. A prática da educação deve abranger o atendimento clínico, promoção em saúde e o aconselhamento, com o objetivo de aumentar o conhecimento dos pacientes em relação à doença, para que ocorra a mudança de comportamento, melhora clínica e metabólica, para alcançar uma boa qualidade de vida, visando reduzir e prevenir complicações crônicas6. Daí se vê a importância que constitui as ações de educação sendo que o DM1 está associado a várias barreiras não só em relação à própria doença e suas complicações, quanto também relacionado à equipe de saúde, por esta muitas vezes não fazer o papel de educadora, principalmente no que se refere às questões relevantes do paciente, que deve possuir uma abordagem ampla e individualizada11.

Os hábitos saudáveis para o indivíduo com DM1 devem ser adotados diariamente junto ao controle da glicemia capilar, insulinoterapia e realização de atividade física regular, que são considerados de suma importância para se evitar e atrasar as complicações agudas, crônicas e hospitalizações12-13. Por isso Marques, Fornés, Stringhini14 também frisam a importância do tratamento adequado, pois, o controle dos episódios agudos de hiperglicemia ou hipoglicemia pode impedir o desenvolvimento de doenças comuns nessas circunstâncias, como neuropatias, nefropatias e doenças cardiovasculares.

É necessário, portanto, o acompanhamento do indivíduo por uma equipe multidisciplinar formada por médico, enfermeiro, nutricionista, fisioterapeuta e psicólogo5. Os profissionais de saúde devem reconhecer suas capacidades e ter o dever de apoiar e instruir o adolescente e a família ao autocuidado, para facilitar o tratamento adequado15. É evidenciado que o estresse da família que advém do complexo tratamento do DM1 pode gerar um mau controle glicêmico na adolescência e, por isso se vê que a família deve estar preparada para dar apoio e auxiliar na adesão do tratamento16.

No entanto, se o tratamento não for aderido corretamente, o indivíduo com DM1 pode ser alvo de doenças que levam a hospitalização, mudanças na rotina de vida diária, faltas escolares e risco de piora nas condições de vida futura9. Além disso, os adolescentes enfrentam muitos conflitos emocionais que podem acarretar diversos transtornos psicológicos e levar a má adesão ao tratamento. Os mais comuns são a insegurança e o sofrimento, uma vez que se sentem apreensivos, por não saberem se serão aceitos pelo grupo17.

Outro problema enfrentado é a aplicação de insulina e verificação da glicemia capilar todos os dias, fato que costuma causar grande sofrimento para os adolescentes, o que pode resultar em falhas na rigorosidade do tratamento e consequentemente prejudicar seu tratamento. O cotidiano do adolescente com DM1 é transformado e diferenciado pela doença, sendo necessário em muitos casos o acompanhamento psicológico17. Portanto, a prevenção é de suma importância, a fim de evitar as complicações da doença por meio de programas educativos e apoio familiar9.

Assim, diante de constantes complicações e problemáticas encontradas em indivíduos com DM1 surgiu à necessidade de investigar as dificuldades encontradas pelos adolescentes em aderir ao tratamento, para posteriores ações quanto á condutas.

Portanto, o objetivo é identificar as dificuldades cotidianas que adolescentes com diagnóstico de Diabetes Mellitus Tipo 1 relatam para seguirem as recomendações terapêuticas relacionadas à mensuração da glicemia, utilização do plano alimentar e aplicação de insulina prescritas para o tratamento do diabetes.

 

MÉTODO

Casuística

Trata-se de uma pesquisa de caráter epidemiológico, descritivo e transversal, com abordagem quanti/qualitativa.

Os indivíduos participantes do estudo foram 15 adolescentes com Diabetes Mellitus tipo 1 (DM1), de ambos os sexos, na faixa etária de 10 a 19 anos, que participam de um grupo multidisciplinar composto por enfermeiro, nutricionista, fisioterapeuta e acadêmicos que integram um ambulatório de um município do interior do Estado de São Paulo. O grupo fornece informações tais como forma adequada de aplicação da insulina (locais, rodízios), importância do controle glicêmico na prevenção das complicações, exercício físico e suas particularidades (intensidade, duração e frequência), cuidados com os pés e dicas para uma alimentação saudável. Estas orientações são prestadas de forma oral com utilização de banners, folders, cartazes e Conversation MapTM Kit (Diabetes Conversations).

Foram incluídos na pesquisa os adolescentes que apresentaram condições cognitivas e de entendimento para responder os questionários, acompanhados pelos pais ou responsáveis que concordaram voluntariamente em participar da pesquisa.

Aspectos de natureza ética

Esta pesquisa conta com a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Oeste Paulista, sob o protocolo 1643 e está em consonância com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde.

Procedimentos

As coletas de dados ocorreram no período de agosto a outubro de 2013 no ambulatório de um município do interior do Estado de São Paulo. Os participantes foram abordados individualmente após as orientações do grupo multidisciplinar e antes da consulta médica endocrinológica, sendo esclarecidos conforme os aspectos éticos e relevância da pesquisa. O protocolo de avaliação foi composto por quatro etapas: entrevistas individuais para identificação e caracterização clínica, caracterização dos parâmetros cardiovasculares e metabólicos, avaliação antropométrica e aplicação de questionário sobre dificuldades. Inicialmente os voluntários foram identificados por meio de entrevista direta com aplicação de questionário próprio desenvolvido para esse fim, constando de nome, idade, sexo, insulina em uso (dose). Para caracterização cardiovascular e metabólica foram adquiridas informações do prontuário médico do indivíduo, sempre da última consulta médica, constando valores de pressão arterial, frequência cardíaca e hemoglobina glicada.

Posteriormente eram realizadas avaliações físicas para determinação dos dados antropométricos (peso e altura para cálculo de Índice de Massa Corpórea- IMC)15. Em sequência, outro questionário próprio, denominado Dificuldades Vivenciadas no Cotidiano, foi aplicado.

Avaliação Antropométrica

Para análise antropométrica foram avaliados o peso, a altura e a circunferência abdominal. O peso corporal foi obtido por meio de uma balança antropométrica da marca Filizola-R modelo 31 com os voluntários descalços e vestindo roupas leves. Utilizou-se um estadiômetro metálico não flexível da marca Filizola-R, para aferição da altura em posição ortostática. A partir dos dados obtidos, foi calculado o IMC pela fórmula: IMC = peso/altura2 (Kg/m2) e analisado no gráfico de crescimento e desenvolvimento próprios para cada idade e sexo, por meio do IMC por idade e dos valores classificados pelo Percentil18.

Análise das dificuldades vivenciadas

Foi aplicado por meio de entrevista direta um questionário (questões de múltipla escolha e abertas) construído pelos próprios pesquisadores, para avaliação das dificuldades vivenciadas no cotidiano do indivíduo diabético. Neste questionário foram abordados os sentimentos ao descobrir a doença, dificuldades cotidianas no que se refere as recomendações terapêuticas prescritas para o tratamento do diabetes. Tais recomendações dizem respeito, mais especificamente, à mensuração da glicemia, utilização do plano alimentar e aplicação de insulina, sentimento em relação às complicações e sentimento em relação ao tratamento insulinoterápico. As perguntas abertas deram origem às categorias em que foi considerado o referencial de Morse e Field que tem por finalidade categorizar os dados de acordo com a resposta do indivíduo19. Foram elaboradas duas unidades temáticas divididas em duas categorias para cada unidade, sendo elas respectivamente: Percepção dos indivíduos em relação ao tratamento medicamentoso, - Categoria: sentir-se a vontade ao aplicar insulina e não sentir-se a vontade ao aplicar insulina; Percepção dos indivíduos em relação às complicações da doença, - categoria: ter medo/preocupação em relação às complicações da doença e não ter medo/preocupação em relação às complicações da doença.

Os adolescentes pesquisados foram identificados pela letra inicial D correspondente à palavra Diabetes para a garantia de sigilo e anonimato durante a tabulação e exposição das falas. Os dados quantitativos foram analisados por estatística descritiva e os valores foram apresentados em média ± desvio padrão e valores percentuais.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A amostra foi composta por 15 adolescentes, o sexo feminino mostrou-se mais frequente com 60 % (n = 9). Na tabela 1 encontram-se as características antropométricas, clínicas e cardiometabólicas referentes ao tratamento insulinoterapico dos adolescentes com diabetes mellitus tipo 1 (DM1).

Quanto ao percentil do índice de massa corpórea (IMC)/Idade dos voluntários analisados 03 foram classificados como magros ( Escore-z -3 e < Escore -z -2), 11 como eutróficos ( Escore-z -2 e Escore-z +1) e 1 como sobrepeso ( Escore -z +1 e Escore-z +3). (Tabela 1).

As características gerais da amostra dos 15 adolescentes mostraram que eles apresentam média de dados antropométricos e condições cardiovasculares compatíveis com os de indivíduos não diabéticos. De acordo com a avaliação do índice de massa corpórea e idade, foi avaliado o percentil médio dos adolescentes, sendo que a média ficou dentro dos limites eutróficos adequados para a idade.

Os adolescentes estudados apresentam valores de (9,03%) para hemoglobina glicada (A1C) fato que aponta para um controle glicêmico insatisfatório, tendo em vista que a A1C é utilizada como parâmetro no diagnóstico e avaliação do controle glicêmico do diabetes. Os valores ideais de A1C atualmente recomendados pela American Diabetes Association - ADA deve encontrar-se abaixo de 7%, uma vez que as complicações crônicas, em especial as microvasculares tendem a se desenvolver quando estes valores se encontrarem permanentemente acima de 7% e a glicose sanguínea se encontrar elevada13,20. Vale lembrar que algumas sociedades médicas optam por adotar metas de A1C com valores menores como 6,5%, justamente para se evitar a ultrapassagem dos valores limítrofes2.

A realização do teste de glicemia capilar foi assinalada por 87,7% dos respondentes, destes 33,3% o faz três vezes ao dia; 26,7% quatro vezes; 26,7% cinco vezes e 13,3% seis vezes ao dia. Quando questionados sobre quem faz aplicação de insulina 53,3% disseram se auto aplicar, 13,3% informaram ser feita pelos pais e 33,3% relataram ser feita pelos pais e auto aplicação.

Quanto ao rodízio dos locais de aplicação 80% dos adolescentes realizam o rodízio e 20% disseram não realizar, o que corrobora com dados de outros estudos que apontam que as complicações de pele decorrentes da aplicação de insulina são mais prevalentes em adolescentes, acarretando prejuízos para o controle glicêmico21.

Em relação aos locais de aplicação, 13 adolescentes relataram aplicar insulina no abdome, 12 no braço, 08 na perna e 2 no glúteo. As regiões recomendadas para aplicação de insulina subcutânea são a face posterior do braço, parede abdominal, face anterior da coxa e quadrante superior externo do glúteo, sendo que estas regiões apresentam tempo de absorção diferente entre elas. A escolha pelo local de aplicação pode estar relacionada a diversos fatores tais como o estado emocional, idade, lipo-hipertrofia e atividade física21.

É importante que sejam realizadas intervenções educativas por parte da equipe de saúde, uma vez que essas ações se refletem diretamente no âmbito da Saúde Pública, principalmente no que se refere a reforçar a importância do rodízio dos locais de aplicação e dos danos decorrentes da não adesão ao rodízio, para que se possam evitar complicações comuns como os hematomas e a lipo-hipertrofia. Estas alterações podem resultar na diminuição da absorção da insulina, e consequentemente prejudicar o controle glicêmico, podendo levar o indivíduo a uma crise hiperglicêmica grave. A lipo-hipertrofia faz com que o local se torne endurecido e perca a sensibilidade, o que é um dos fatores pelo qual os indivíduos prefiram aplicar sempre no mesmo local21.

As dificuldades vivenciadas pelos adolescentes foram classificadas de acordo com suas respostas e encontram-se descritas na Tabela 2.

Para complementar a análise das dificuldades vivenciadas no cotidiano, será apresentado a seguir, os sentimentos dos adolescentes nas respectivas categorias descritivas.

Percepção dos indivíduos em relação ao tratamento medicamentoso

Categoria: Sentir-se a vontade ao aplicar insulina

Esta categoria retrata a conscientização de seis dos quinze indivíduos da pesquisa no que se refere à aplicação de insulina, pois estes reconhecem que para ficar bem e viver melhor é necessário a aplicação de insulina.

"Acredito que tomando sinto-me melhor e posso viver o dia-a-dia" (D1);

"Não dói tanto, é rápido a aplicação, mas incomoda um pouco" (D2);

"Porque já me acostumei" (D3 e D4).

É perceptível que esta compreensão se reflete no autocuidado demonstrado no tratamento insulinoterápico, em que treze dos quinze adolescentes pesquisados disseram fazer a auto aplicação de insulina regularmente, o que faz com que o adolescente se interesse mais sobre assuntos relacionados ao seu tratamento, favorecendo a manutenção de seu autocuidado.

Esta condição de aceitação é reflexo do entendimento do adolescente a respeito das consequências de não seguir o tratamento prescrito, demonstrando consciência de que nem sempre esta condição será incompatível com seu estilo de vida22.

Categoria: Não sentir-se a vontade ao aplicar insulina

Enquanto que a categoria anterior retrata o sentir-se a vontade ao aplicar insulina que advêm da conscientização do indivíduo, esta categoria expressa o oposto, demonstrando as dificuldades e sentimentos encontrados neste momento prático do tratamento para nove dos quinze entrevistados.

"Me sinto incomodada, triste" (D5);

"Dói, tenho medo" (D6);

"Porque dói e é desconfortável. Nunca pode esquecer (D8)";

"Muito desconfortável" (D9);

"Não me conformo" (D10);

"Tomo insulina, mas, o fato de tomar insulina todos os dias é incômodo" (D11).

"Porque causa dor" (D12)

É possível observar nos relatos que alguns adolescentes se sentem incomodados ao ter que fazer uso de insulina, e apresentam sentimentos de tristeza, e até mesmo inconformismo por ter DM1. Isso demonstra que os procedimentos comuns ao cotidiano dos diabéticos como o teste de glicemia capilar e aplicação de insulina, são situações tidas como desgastantes e indesejáveis, o que evidência a não aceitação da doença e principalmente do tratamento.

Aplicar insulina e ter um aumento do número de aplicações diárias é motivo de grande sofrimento para o indivíduo22. O sofrimento advindo de não se sentir à vontade durante a aplicação de insulina, pode, estar relacionado a não aceitação da condição do indivíduo com DM1, fato que ocorre principalmente entre os adolescentes, uma vez que a doença é frequentemente percebida como algo que impõe limitações, devido a sua condição permanente21. A dor sentida durante a aplicação de insulina é algo incomodo, o que pode consequentemente dificultar o manejo adequado da doença, contribuindo para que os adolescentes evitem ou criem resistência nesses momentos12.

Percepção dos indivíduos em relação às complicações da doença

Categoria: Ter medo/preocupação em relação às complicações da doença

Esta categoria retrata a preocupação com as complicações do DM1 em dez adolescentes da pesquisa.

"Pelas complicações e ter alguma lesão em algum órgão" (D14);

"As minhas avós tiveram diabetes, a avó materna faleceu por complicações" (D1);

"Pois tenho medo de não poder viver o bastante" (D5);

"Ah, porque tenho medo de ficar cega ou acontecer outras coisas" (D3);

"Tenho medo de brincar e desmaiar" (D7);

"Por causa dos riscos, como infecções ou amputações, por exemplo," (D2);

"Porque tem vários riscos" (D8);

"Por causa de vários casos vistos" (D13);

"Sim, do que pode acontecer no amanhã" (D10),

"Porque o diabetes é algo que se não for cuidado pode causar inúmeras complicações" (D11),

Mediante os depoimentos descritos, podemos observar que os adolescentes entendem que o DM1 oferece riscos e complicações, mas nota-se que eles não expressam de forma concreta quais são estes riscos e se baseiam a comparar com outros casos vistos, o que nos faz entender que a maioria dos adolescentes não tem a dimensão e conhecimento exato do que é o DM1, suas complicações, e quais os seus riscos especificamente. A partir daí entende-se que os sentimentos de medo são consequentes à falta de informação e não aceitação da doença, o que pode estar associado à falta de apoio familiar e ausência da equipe de saúde.

Estes sentimentos também podem frequentemente estar relacionados com o comportamento dos pais, principalmente quando estes não estão aptos a lidar com a situação de doença, ou quando apresentam dificuldades em aceitar o diabetes do filho. Isso pode influenciar de forma negativa a adaptação do adolescente em relação ao diabetes, colaborando ou não com o controle da doença9-15. A família passa então a se preocupar de forma exagerada, e a transmitir sentimentos de ansiedade e medo em relação às complicações imediatas e tardias da doença, não só quando o adolescente não segue corretamente o tratamento, fazendo com que o mesmo sinta e pense da mesma forma22.

Nesse sentido, devemos mencionar que o DM1, diminui em média até 15 anos a expectativa de vida, sendo atualmente a causa mais comum de cegueira, doença renal crônica e amputação de membros inferiores por causas não traumáticas9.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) demonstrou em números as consequências dessa doença após 15 anos de seu curso no organismo, com estimava de que 2% dos indivíduos acometidos estarão cegos, sendo que de 30% a 45% terão algum grau de retinopatia, 10% a 20%, desenvolverão nefropatia, 20% a 35%, desenvolverão neuropatia e que de 10% a 25% terão desenvolvido doenças cardiovasculares. Isso pode conduzir a uma piora da qualidade de vida que afeta não só o próprio indivíduo, como também a sua família, portanto, percebe-se a necessidade de esclarecimentos, informações, conscientização e participação familiar9.

Categoria: Não ter medo/preocupação em relação às complicações da doença

As atitudes dos adolescentes com DM1 podem ir do conformismo ao autocuidado. Isso tende a acontecer quando a família se envolve com a doença e passa a fazer parte dos cuidados diários do indivíduo com diabetes9. Nesta categoria cinco adolescentes relataram não ter preocupação ou medo das complicações futuras.

"Por que procuro me cuidar ao máximo para evitar" (D4).

A expressão desta fala permite a representação desta categoria, pois os adolescentes que se dizem não ter medo em relação às complicações do DM1 são aqueles que compreendem a sua condição de diabético, e entendem que esta é uma doença que exige dedicação e responsabilidade, mas que não o impede de viver uma vida comum a outros adolescentes, sem sofrimento excessivo, negação e estresse, mas entender que investir em seu autocuidado lhe trará benefícios no futuro.

Constata-se que a família é muito importante no tratamento do adolescente com diabetes, por oferecer apoio nas situações vivenciadas quer seja boa ou ruim, o que faz com que o indivíduo se sinta mais preparado para lidar com a doença e suas complicações, por transformar com o passar do tempo sentimentos de medo, negação e desespero, em aceitação de sua condição, por meio de mecanismos de adaptação9.

Com este estudo foi possível identificar que os adolescentes com Diabetes Mellitus tipo 1 (DM1) enfrentam diversas dificuldades diárias para realizar o tratamento adequado, sendo as maiores dificuldades a aplicação de insulina e alimentação adequada.

No início do tratamento do DM1 o indivíduo deve realizar mudanças em sua rotina, sendo necessários novos hábitos de vida como atividade física regular, alimentação adequada, uso de insulina e realização dos testes de glicemia capilar, contudo a mais difícil mudança é a aceitação da condição da doença, que deve ser acompanhada por sua família e auxiliada por uma equipe multidisciplinar.23,24. Por ter que adotar mudanças em sua rotina de vida diária, alguns indivíduos acabam se adaptando a esta situação e compreendendo a importância do tratamento17. Após análise das respostas dos adolescentes pesquisados ao questionário sobre as dificuldades vivenciadas no cotidiano, identificou-se que metade teve dificuldades em aceitar a doença, sendo que a maioria relatou revolta e medo diante da descoberta do DM1. (Tabela 2).

Os adolescentes com DM1 passam por barreiras que advém de grandes esforços para manter um controle adequado da doença, sendo as principais barreiras consideradas doloridas e rotineiras como o teste de glicemia capilar e a aplicação de insulina, que por muitas vezes causa ansiedade e desconforto ao indivíduo. Outra barreira que também está presente no dia a dia do adolescente é a alimentação específica e adequada para o DM1, que ainda é vista como um desafio, pelo fato deste lutar frequentemente contra o desejo de consumo de alimentos comuns para adolescentes não diabéticos oferecidos na escola e outros locais públicos12. Neste estudo doze dos quinze adolescentes tiveram como a principal dificuldade no dia a dia a aplicação de insulina e a alimentação adequada.

Em conclusão, as principais dificuldades encontradas no tratamento diário de adolescentes com DM1 se referem à aplicação de insulina e a alimentação. Estas duas dificuldades apontadas são de grande importância para a manutenção e controle da doença. Por isso, espera-se que este estudo possa contribuir para informar a equipe de saúde sobre as principais dificuldades relacionadas tratamento do DM1 apontadas pelos adolescentes, com vistas a um manejo mais adequado da doença por parte da equipe multidisciplinar, para consequente melhora da qualidade de vida e diminuição de danos futuros. É importante ressaltar que sentimentos contrários a aceitação do Diabetes Mellitus tipo 1 (DM1), tais como medo e revolta, estavam presentes no momento da descoberta da doença, alertando a importância da família e equipe multidisciplinar como bases de apoio ao adolescente, apoio este que deve se iniciar na descoberta da doença e se estender a toda fase de tratamento.

 

AGRADECIMENTOS

Universidade do Oeste Paulista pelo fomento institucional (protocolo número: 1643/ PROBIC).

 

REFERÊNCIAS

1. Sociedade Brasileira de Diabetes. Diagnóstico e tratamento do diabetes tipo 1. São Paulo: SBD; 2012; p. 6-18.         [ Links ]

2. Chhabra P, Brayman KL. Stem cell therapy to cure type 1 diabetes: from hype to hope. Stem Cells Transl Med. 2013; 2(5): 328-36. DOI: http://dx.doi.org/10.5966/sctm.2012-0116        [ Links ]

3. Alves RL, Freitas FM, Fernandes ASN, Ferraz SC, Silva E, Corrêa CL, et al. Modulação autonômica e capacidade funcional em indivíduos portadores de diabetes mellitus do tipo 1 e 2. J Hum Growth Dev. 2012; 22(3): 321-7. DOI: http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.46396        [ Links ]

4. Cobas RA, Gomes MB. Diabetes Mellitus. Rev Hosp Universitário Pedro Ernesto. 2010; 9(supl. 1): 69-74.         [ Links ]

5. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Diabetes Mellitus: cadernos de atenção básica. Brasília: Ministério da Saúde; 2006; p. 9-41.         [ Links ]

6. Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes da sociedade brasileira de diabetes. São Paulo: SBD; 2009; p. 23-171.         [ Links ]

7. Wu YL, Ding YP, Gao J, Tanaka Y, Zhang W. Risk factors and primary prevention trials for type 1 diabetes. Int J Biol Sci. 2013; 9(7): 666-79. DOI: http://dx.doi.org/10.7150/ijbs.6610        [ Links ]

8. Torres HC, Amaral MA, Amorim MM, Cyrino AP, Bodstein R. Capacitação de profissionais da atenção primária à saúde para educação em Diabetes Mellitus. Rev Acta Paul Enferm. 2010; 23(6): 751-6. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002010000600006        [ Links ]

9. Leal DT, Fialho FA, Dias IMAV, Nascimento L, Arruda WC. Diabetes na infância e adolescência: o enfrentamento da doença no cotidiano da família. HU Rev. 2009; 35(4): 288-95.         [ Links ]

10. Yardley J, Mollard R, Macintosh A, Macmillan F, Wicklow B, Berard L, et al. Vigorous intensity exercise for glycemic control in patients with type 1 diabetes. Can J Diabetes. 2013; 37(6): 427-32. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.jcjd.2013.08.269.         [ Links ]

11. Kienle GS, Meusers M, Quecke B, Hilgard D. Patient-centered diabetes care in children: Na integrated, individualized, systems-oriented, and multidisciplinary approach. Glob Adv Med Health. 2013; 2(2): 12-9. DOI: http://dx.doi.org/10.7453/gahmj.2013.005        [ Links ]

12. Nascimento LC, Amaral MJ, Sparapani VC, Fonseca LMM, Nunes MDR, Dupas G. Diabetes mellitus tipo 1: evidências da literatura para seu manejo adequado, na perspectiva de crianças. Rev Esc Enferm USP. 2011; 45(3): 764-9. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342011000300031        [ Links ]

13. Demirel F, Tepe D, Kara O, Esen I. Microvascular complications in adolescents with type 1 Diabetes Mellitus. J Clin Res Pediatr Endocrinol. 2013; 5(3): 145-9. DOI: http://dx.doi.org/10.4274/Jcrpe.994        [ Links ]

14. Marques RMR, Fornés NS, Stringhini MLF. Fatores socioeconômicos, demográficos, nutricionais e de atividade física no controle glicêmico de adolescentes portadores de diabetes melito tipo 1. Arq Bras Endocrinol Metab. 2011; 55(3): 194-202. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0004-27302011000300004        [ Links ]

15. Spencer JE, Cooper HC, Milton B. The lived experiences of young people (13-16 years) with type 1 diabetes mellitus and their parents - a qualitative phenomenological study. Diabet Med. 2013; 30(1): e17-24. DOI: http://dx.doi.org/10.1111/dme.12021        [ Links ]

16. Tsiouli E, Alexopoulos EC, Stefanaki C, Darviri C, Chrousos GP. Effects of diabetes-related family stress on glycemic control in youg patients with type 1 diabetes: Systematic review. Can Fam Physician. 2013; 59(2): 143-9.         [ Links ]

17. Fragoso LVC, Araújo MFM, Lima AKG, Freitas RWJF, Damasceno MMC. Vivências Cotidianas de Adolescentes com Diabetes Mellitus Tipo 1. Texto Contexto Enferm. 2010; 19(3): 443-51.         [ Links ]

18. Organização Mundial da Saúde (OMS). Sisvan: vigilância alimentar e nutricional. Curvas de crescimento. 2007; p. 37.         [ Links ]

19. Field PA, Morse JM. Nursing research: the application of qualitative approaches. Rockville: Aspen Publication. 1985; p. 1-17.         [ Links ]

20. Pimazoni Netto A, Andriolo A, Fraige Filho F, Tambascia M, Gomes MB, Melo M, et al. Atualização sobre hemoglobina glicada (HbA1C) para avaliação do controle glicêmico e para o diagnóstico do diabetes: aspectos clínicos e laboratoriais. J Bras Patol Med Lab. 2009; 45(1): 31-48. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1676-24442009000100007        [ Links ]

21. Alencar AMPC, Silva MJ, Damasceno MMC, Freitas RWJF, Araújo MFM. Complicações da pele relacionadas à aplicação da insulina: um estudo exploratório. Rev Min Enferm. 2010; 14(1): 75-81.         [ Links ]

22. Damião EBC, Dias VC, Fabri LRO. O adolescente e o diabetes: uma experiência de vida. Acta Paul Enferm. 2010;23(1): 41-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002010000100007        [ Links ]

23. Giordano C, Amato MC, Ciresi A, Citarrella R, Mantione L, Accidenti M, et al. Predictors of microvascular complications in type 1 diabetic patients at onset: The role of metabolic memory. Eur J Intern Med. 2011; 22(3): 266-74. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.ejim.2011.02.009.         [ Links ]

24. Ramos L, Ferreira EAP. Fatores emocionais, qualidade de vida e adesão ao tratamento em adultos com diabetes tipo 2. Rev Bras Crescimento Desenvolv Hum. 2011; 21(3): 867-77.         [ Links ]

 

 

 

Manuscript submitted: Oct 01 2015
Accepted for publication Jan 2016.

 

 

* Corresponding author: Francis Lopes Pacagnelli. E-mail: francispacagnelli@unoeste.br

Creative Commons License