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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.26 no.1 São Paulo  2016

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.113712 

ORIGINAL RESEARCH

 

Por que as mulheres no setor privado têm gestações mais curtas no Brasil? Desvio à esquerda da idade gestacional, cesárea e inversão da disparidade esperada

 

 

Carmen Simone Grilo DinizI, *; Marina Jorge de MirandaI; Jéssica Reis-QueirozII; Marcel Reis QueirozI, III; Heloisa de Oliveira SalgadoI

ISchool of Public Health, University of São Paulo - Sao Paulo - SP - Brazil
IISchool of Nursing, University of São Paulo - Sao Paulo - SP - Brazil
IIISchool of Arts, Sciences and Humanities, University of Sao Paulo - São Paulo - SP - Brazil

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A idade gestacional (IG) ao nascimento é o principal preditor da saúde neonatal. Observa-se no Brasil uma redução da IG populacional (desvio à esquerda), atualmente em torno de 39 semanas.
OBJETIVO: Analisar o desvio à esquerda da Idade Gestacional (DEIG) no Município de São Paulo (MSP) e na Região Sudeste do Brasil (RSB), e fatores associados.
MÉTODO: Estudo epidemiológico descritivo do desvio à esquerda da IG no MSP (dados do SINASC para 2012) e na RSB (dados da pesquisa "Nascer no Brasil" 2011-12). Verificou-se a diferença na duração da gravidez segundo tipo de nascimento (vaginal ou cesárea) e forma de pagamento (público e privado) com base nas curvas de distribuição da IG em semanas.
RESULTADOS: No MSP, nos partos vaginais o pico da IG está em 39 semanas, enquanto nas cesáreas está em 38 semanas, com DEIG de uma semana. A maioria dos partos vaginais ocorre no termo pleno (39-406/7), enquanto a maioria das cesarianas ocorrem no termo precoce (37-386/7). Na Região Sudeste, 52,9% dos nascimentos ocorreram no termo pleno. No sistema privado, houve mais cesáreas e menor IG com 60,4% nascendo no termo precoce, enquanto no público, 58,7% ocorreram no termo pleno.
CONCLUSÃO: Há um desvio à esquerda da IG de uma semana para os nascidos por cesárea no setor privado. Há uma inversão na disparidade esperada, com as mulheres de maior renda e escolaridade apresentando desfechos inferiores aos das mais pobres. O uso de variáveis contínuas (em dias ou semanas de gravidez perdidos) na estimativa da IG pode contribuir para a melhor compreensão do paradoxo perinatal brasileiro.

Palavras-chave: assistência ao parto, cesárea, prematuridade, equidade, saúde da mulher, saúde. perinatal.


 

 

INTRODUÇÃO

A duração da gravidez é o principal preditor da saúde dos bebês e é geralmente relatado em semanas completas1. O cálculo de semanas é feito de diversas formas, sendo comum realiza-lo a partir da data da última menstruação (DUM) ou pela ultrassonografia (USG).

A OMS define o nascimento prematuro como o nascimento de um bebê vivo antes de 37 semanas completas de gestação, sendo a última seção deste período (de 34 a 36 semanas e 6/7) denominada pré-termo tardio2-4. O período ideal para o nascimento é classicamente definido como aquele compreendido entre 37 semanas completas e 41 semanas e 6/7. Entretanto na última década surgiu um consenso internacional de que tal definição não é adequada, pois foi estabelecida a partir do entendimento de que os desfechos perinatais deste grupo seriam uniformes, quando na realidade, essa suposta uniformidade não existe1,5,6.

Hoje é conhecido que os bebês nascidos entre 39 semanas completas e 41 semanas e 6/7 possuem os melhores desfechos quando comparados aos nascidos entre 37 semanas completas e 38 semanas e 6/7. Estes últimos têm riscos significativamente maiores de complicações médicas durante a internação e durante as primeiras semanas pós-parto, incluindo síndrome do desconforto respiratório, uso de ventilação mecânica, admissões de unidade de terapia intensiva e maior mortalidade2,6. Dessa forma observou-se que os bebês nascidos entre 37 e 38 semanas e 6/7 são mais semelhantes aos bebês nascidos no pré-termo tardio.

Em resposta a essa falha, e utilizando-se das evidências sobre o tema, o Colégio Americano de Obstetras e Ginecologistas (ACOG), passou a recomendar uma nova classificação do conceito de termo: termo precoce (37 0/7 até 38 semanas e 6/7), termo pleno (39 0/7 até 40 semanas e 6/7), termo tardio (41 0/7 até 41 semanas e 6/7) e pós-termo (42 0/7 ou mais)5.

Avaliar a IG com o tradicional fator binário (termo versus pré-termo) pode mascarar o efeito contínuo de se utilizar a IG como preditor de morbidade e mortalidade dentro de cada período. Vários estudos têm se detido sobre os nascidos em idades mais precoces, porém o monitoramento das tendências de distribuição da IG pode contribuir para averiguar suas consequências no curto, médio e longo prazo1,7. pleno e termo tardios7. Mas pouca informação sobre esta intervenção está disponível, especialmente por causa da dificuldade em separar casos de indução daqueles em que a oxitocina ou outros fármacos são utilizados para acelerar o trabalho de parto, uma prática generalizada e pouco relatada9.

No Brasil, como em outros países, tem havido uma redução constante da IG ao nascer nas últimas décadas, caracterizando um desvio à esquerda da idade gestacional (DEIG). Trata-se da observação de que, a cada ano, os bebês têm nascido cada vez mais na faixa pré-termo tardio e termo precoce do que em comparação com os anos anteriores. Este fenômeno atinge todas as faixas etárias, de renda e escolaridade, embora no Brasil seja mais acentuado entre mulheres mais escolarizadas e que possuem maior renda, mais frequentemente usuárias do sistema privado, onde a prática da cesárea eletiva é a regra8,9.

Em linhas gerais, as populações mais ricas costumam ter melhores desfechos de saúde, e esta disparidade tem sido enfrentada principalmente através da universalização dos serviços de saúde que buscam a promoção da equidade em saúde. No entanto, o DEIG entre as mais ricas é um fenômeno recente e constitui uma "inversão da disparidade esperada", ou seja, espera-se que gestantes em condições socioeconômicas mais favoráveis tenham resultados melhores e não piores, como é o que vem sendo observado8. Internacionalmente há o reconhecimento de que não apenas a cesárea, como também a indução de parto, aumentam a ocorrência de partos pré-termo e termo precoce, com uma diminuição dos nascimentos por termo pleno e termo tardios7.

Os processos hormonais que precedem o parto a termo ajudam a preparar os sistemas imune, respiratório e gastrointestinal fetais, e a proteger o cérebro fetal do stress do parto, propiciando na mãe um trabalho de parto mais eficiente e com mais proteção contra hemorragia. Agendar o nascimento (via indução do parto ou cesárea eletiva) prejudicam este processo10. Antecipar o nascimento pode aumentar a vulnerabilidade à hipóxia e ao sofrimento fetal no parto induzido. A cesárea realizada antes do termo espontâneo inibe o aumento de catecolaminas em recém-nascidos, uma explicação para maior dificuldade respiratória e diferenças na maturidade cerebral destes bebês11.

Uma das prioridades da assistência deve ser a promoção do nascimento de bebês que estejam fisiologicamente maduros e capazes de uma transição fetal-neonatal espontânea e bem-sucedida12. Considerando-se que o crescimento e o desenvolvimento intrauterino ocorrem em um contínuo, a duração da gestação é um indicador importante para os desfechos neonatais e maternos, e tem sido cada vez mais urgente aprofundar o conhecimento neste tema.

Assim, o objetivo é analisar como se comporta o desvio da Desvio à esquerda da idade gestacional (DEIG) no Município de São Paulo e na Região Sudeste do Brasil.

 

MÉTODO

Trata-se de estudo epidemiológico descritivo das curvas de nascimento por IG, por tipo de parto e por tipo de financiamento, no ano de 2012, no município de São Paulo (MSP) e na Região Sudeste do Brasil. Para tal, utilizou-se os dados do SINASC para o MSP e do Inquérito Nacional sobre o Parto e Nascimento - "Nascer no Brasil" (NNB) para a Região Sudeste do país.

Para o MSP, utilizou-se as informações das Declarações de Nascido Vivo (DNV) obtidas do banco de dados do SINASC, disponibilizado pela Secretaria Municipal de Saúde para o ano de 2012, perfazendo 199.785 nascimentos. Construiu-se curvas com dados de nascimentos por IG (em semanas), baseadas na nova classificação proposta pelo ACOG (5), para os nascidos de parto normal e de cesárea, e por tipo de financiamento. Considerou-se como "Público" os hospitais custeados totalmente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) mais instituições de saúde filantrópicas de capital misto, e "Privado" os hospitais cujo financiamento foi totalmente privado e do setor de saúde suplementar.

Para a Região Sudeste, utilizou-se os dados de todos os nascimentos estudados pelo NNB no período de 2011-12 que, após ponderações, totalizou 10.248 nascidos. Os dados sobre os bebês foram obtidos por meio de entrevistas com suas mães e informações coletadas dos prontuários hospitalares. Incluiu-se na pesquisa recém-nascidos vivos (qualquer peso) ou natimortos com peso>500g e/ou IG >22 semanas. Exclusões ocorreram caso a puérpera possuísse alguma característica específica que impedisse a entrevista (aquelas com distúrbio mental grave, que não falassem português ou fossem deficientes auditivas), além dos casos de abortamento legal.

Para a IG utilizou-se o algoritmo desenvolvido para a determinação da IG com base em diversas variáveis disponíveis no NNB, com a finalidade de criar uniformidade em pesquisas que utilizem este banco de dados. Esse algoritmo leva em consideração as variáveis: IG estimada pela DUM relatada pela puérpera; IG no nascimento relatada pela puérpera; IG estimada pela DUM constante no prontuário materno; IG estimada pela DUM anotada no prontuário na ocasião da admissão; IG estimada pela USG anotada no prontuário na ocasião da admissão; IG estimada pela USG constante no próprio exame ou no cartão de pré-natal13.

Para a variável "fonte de financiamento", foi considerada a fonte de recursos para o custeio da assistência ao parto, independentemente da unidade onde essa assistência ocorreu. Assim, foi possível diferenciar os nascimentos custeados pelos SUS ou por financiamento próprio em hospitais filantrópicos ou mistos

O NNB foi coordenado pela Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca ENSP/FIOCRUZ em parceria com diversas instituições brasileiras. Maiores detalhes sobre o processo de amostragem, coleta de dados ou outras informações sobre o NNB estão disponíveis nos artigos de Leal et. al.14, Vasconcellos et. al.15 e Pereira et. al.13. Pereira et. al.13." A aprovação ética para a Pesquisa NNB foi concedida pelo Comitê de Ética da Fiocruz e todas as mulheres que concordaram em participar da pesquisa assinaram um consentimento informado. Os dados do SINASC são eticamente protegidos e disponíveis publicamente.

 

RESULTADOS

As figuras 1 e 2 mostram os nascimentos no MSP (2012) para um total de 199.785 nascimentos, sendo 42,3% (84.459) por parto vaginal e 57,7% (115.326) por cesárea.

O pico da IG para os nascidos por cesárea está em 38 semanas, enquanto que para os nascidos por parto vaginal está em 39 semanas, com evidente desvio à esquerda nos nascidos por cesárea (Figura 1). A maioria dos partos vaginais ocorreu no termo pleno, enquanto a maioria das cesarianas ocorreu no termo precoce.

Com relação aos partos vaginais, 14,4% (12.152) foram financiados pelo sistema Privado, enquanto que 85,6% (72.307) tiveram financiamento Público. Em relação às cesarianas, o sistema Privado custeou 59,8% (68.979) e o Público 40,2% (43.347).

Observa-se na figura 2 que o pico da IG para os nascidos por cesariana no sistema Privado ocorreu em 38 semanas (35%), com grande parcela dos nascimentos antes de 38 semanas. Já no sistema Público estes foram menos frequentes e seu pico esteve no termo pleno, com 28% dos nascimentos com 39 semanas e 22% com 40 semanas. Isto demonstra notável desvio à esquerda nos nascimentos por cesárea no sistema Privado.

Sobre os partos vaginais, no sistema Privado estes são menos frequentes e ocorreram entre 38 e 39 semanas. Já no sistema Público, estes apresentaram um pico no termo pleno, com concentração em 39 e 40 semanas. A média de IG (em semanas) no sudeste do Brasil com os dados da NNB foi de 38,36 (desvio padrão 2,3), dentro do período de termo precoce. 45,7% ocorreram no período do termo pleno.

Entretanto, aqueles nascidos no setor Privado tiveram menor IG ao nascimento, sendo que 59,4% nasceram nas faixas pré-termo e termo precoce. Já no SUS, 41,2% nasceram nas faixas pré-termo e termo precoce e 48% dos nascimentos aconteceram no período considerado ideal para o nascimento, no termo pleno. Parece que no setor Privado há um deslocamento de quase 20% dos nascimentos que poderiam ocorrer no termo pleno ou tardio para o termo precoce (Tabela 1). Ao observar a divisão entre os tipos de nascimento no sistema Privado, percebe-se que esse deslocamento se dá principalmente quando ocorreu uma cesárea, uma vez que 62,2% destes aconteceram no pré-termo ou termo precoce. 1). Ao observar a divisão entre os tipos de nascimento no sistema Privado, percebe-se que esse deslocamento se dá principalmente quando ocorreu uma cesárea, uma vez que 62,2% destes aconteceram no pré-termo ou termo precoce.

As figuras 3 e 4 expressam graficamente a IG ao nascer dos bebês estudados na Região Sudeste do país pela NNB. Ao se analisar as curvas de IG na figura 3, nota-se que o pico dos nascimentos no sistema Privado está em termo precoce, enquanto que no sistema Público, o pico da curva é no termo pleno. Ao separar as curvas pelo tipo de nascimento (Figura 4), nota-se que aqueles nascidos por parto vaginal com financiamento privado tem pico em 39 semanas e apenas os nascimentos por cesariana com financiamento privado possuem pico em 38 semanas.

 

DISCUSSÃO

Nos últimos 30 anos, desde a reunião de especialistas da OMS que redigiram a "Carta de Fortaleza" em 1985, a comunidade internacional tem considerado que a taxa ideal de cesárea deveria estar entre 10-15%, uma vez que taxas abaixo ou acima destas estariam associadas a piores desfechos para mães e bebês. Em 2015, uma extensa revisão do tema foi realizada, reafirmando estas taxas para o conjunto da população, ainda que possa ser menor ou maior, dependendo das necessidades das mães e bebês em casos particulares16.

Esta recomendação atualizada alerta para o fato de que, quando realizadas com indicação clínica real, as cesáreas podem efetivamente reduzir a mortalidade e a morbidade materna e perinatal, e deve estar disponível para todas as mulheres que dela necessitem. No entanto, para mulheres ou bebês que dela não necessitem, não existem evidências de que traga qualquer benefício, e existe evidência robusta de potenciais danos. O nascimento por cesárea, comparado ao parto vaginal, é associado a um aumento da morbidade e da mortalidade tanto materna como neonatal no curto e no longo prazo16.

Cesarianas eletivas possuem também risco aumentado para febre puerperal decorrente de infecções em feridas cirúrgicas, além de maiores dificuldades para o cuidado do recém-nascido. Por estas razões, entre outras, a opção por uma cesariana deve ser bem justificada e as mulheres devem ser informadas adequadamente sobre os riscos associados a este procedimento cirúrgico17.

Para os recém-nascidos (RNs), é associado com maiores taxas de nascimentos pré-termo, problemas respiratórios, internações em UTI neonatal reinternações e dificuldades com a amamentação. Mas os riscos podem ser ainda maiores dependendo da IG no momento do nascimento. Como exemplo, podemos citar o risco de morbidade respiratória grave, quase quatro vezes maior em RNs nascidos com 37 semanas de IG, três vezes maior em RNs com 38 semanas e duas vezes maior em RNs com 39 semanas. Soma-se a isso, o risco ainda maior em RNs nascidos por cesariana eletiva em cada uma das semanas de gravidez, entre 37-39, em comparação aos RNs nascidos durante as mesmas semanas após parto vaginal planejado18.

A longo prazo, crianças nascidas por cesariana possuem maior risco de desenvolver doenças autoimunes como asma, alergias, diabetes tipo 1 e doença celíaca. As pesquisas têm indicado também a existência de uma forte associação entre cesariana e fatores como sobrepeso ou obesidade19,20. Além disso, tem-se demonstrado que crianças nascidas no Pré-termo também apresentam desempenho significantemente inferior para as áreas de desenvolvimento motor, cognição e socialização quando comparados a crianças sem condições de risco identificadas na ocasião do nascimento21.

Entretanto, tais riscos não são informados às gestantes. Pelo contrário, ao longo da interação com o médico durante o pré-natal há uma superestimação dos riscos do parto normal ou pela continuação da gestação para além das 38 semanas. Esses riscos são frequentemente projetados para o bebê, que poderia "entrar em sofrimento" caso uma cesariana não fosse realizada imediatamente. Dessa forma, principalmente pela ameaça à segurança do bebê, a mulher é conduzida a acreditar que a cesárea é mais segura para ela e para o bebê, e que interromper a gravidez sem indicação clínica antes de 39 semanas completas é mais seguro que esperar o Termo pleno22,23.

Dessa forma nota-se que, com relação à saúde perinatal, o principal desafio científico a ser enfrentado no Brasil é a mudança de cultura institucional em direção a uma assistência fortemente baseada em evidências e orientada pelos direitos humanos, sexuais e reprodutivos das mulheres, e de seus bebês, de forma a superar as dificuldades do quadro atual de estagnação dos indicadores de saúde materna e perinatal, em especial, relativo ao componente neonatal precoce e do aumento dos nascimentos pré-termo9.

O quadro atual consiste na alta medicalização e falta de regulação da assistência ao parto (uso de intervenções potencialmente danosas no parto vaginal e abuso de cesáreas), o que pode estar anulando efeito positivos, na saúde de mães e bebês, dos avanços alcançados por outras intervenções benéficas (universalização da assistência à gravidez e ao parto, cobertura vacinal das crianças e melhoria das condições de vida)24 com prejuízo para a primeira infância.

O DEIG observado nesta pesquisa também tem sido observado no Brasil, como indicado pelos resultados das coortes desenvolvidas na cidade de Pelotas, RS. A prevalência dos partos Pré-termo aumentou de 6,2% em 1982 para mais de 15% em 2004, e os partos com 37 semanas também aumentaram de 7,1% em 1982 para 11,4% em 2004. Embora as causas para esse aumento de partos pré-termo não estejam elucidadas, é possível que a interrupção precoce das gestações tenha um papel importante, considerando que a proporção de cesarianas dobrou entre 1982 e 200425.

Segundo os resultados das referidas coortes, o risco relativo de morte neonatal apresentado antes das 34 semanas foi mais de 30 vezes maior quando comparado ao grupo entre 39 e 41 semanas de completas. Usando o mesmo grupo de comparação, os bebês nascidos entre 34 e 36 semanas tiveram risco relativo 3,4 vezes maior; os nascidos com 37 semanas quase três vezes maior e bebês nascidos pós-termo, o dobro do risco25.

Recém-nascidos pré-termo, bem como àqueles nascidos com 37 semanas de gravidez, também apresentaram maior risco de mortalidade infantil. Todas os nascidos pré-termo, inclusive os nascidos entre 34 e 36 semanas, apresentaram maior chance de baixo peso aos 12 meses de idade, da mesma forma que os nascidos com 37 semanas de gravidez. Isso corrobora com os achados de estudos internacionais que indicam que os RNs de 37 semanas têm características mais semelhantes aos RNs pré-termo que os nascidos a termo25.

Os dados preliminares da coorte de Pelotas-RS de 2015 têm indicado que embora as mulheres tenham melhorado a situação socioeconômica e tenham maior acesso aos serviços de saúde, a situação dos recém-nascidos não seguiu o mesmo padrão de melhora. O baixo peso ao nascer aumentou de 9% em 1982 para 10% em 2015, sendo importante destacar que em 1982 o valor que era 5% entre as mais ricas, atualmente é de 12%, e a prematuridade aumentou de 6% para 20% em 2015. Cesarianas aumentaram de 27% para 63% e a mortalidade infantil caiu de 36 por mil para menos de 15 por mil indicando que "os serviços salvam mais bebês, mas eles estão nascendo piores que 30 anos atrás"*.

Estudos recentes indicam que a tendência histórica da desigualdade - das mulheres mais ricas terem melhores resultados neonatais - está sendo revertida. De 1995 a 2007, taxas maiores de baixo peso ao nascer no Brasil se encontram nas regiões mais desenvolvidas26. Esta é uma "inversão da disparidade esperada". Os resultados piores (mais prematuridade, mais baixo peso ao nascer) exigem mais tecnologia para compensá-los, e mais unidades de cuidados intensivos neonatais estão concentradas em áreas mais ricas27.

A estabilização das taxas de mortalidade neonatal na última década, quando seria esperado uma queda, é possivelmente devida a um excesso de intervenções durante a gravidez e parto24. O abuso de intervenções no parto é sujeita a pouca regulação em ambos os setores, e os eventos adversos não são relatados ou pesquisados sistematicamente.

A promoção, apoio e proteção dos processos hormonais do trabalho de parto, parto e pós-parto espontâneos é fundamental para todas as mulheres e recém-nascidos. Os profissionais de saúde têm um papel crítico na facilitação dos cuidados para a preservação de processos fisiológicos, usando interferências sobre o desenrolar espontâneo do parto apenas quando realmente necessário, tendo consciência de que tais interferências frequentemente implicam em prejuízos à saúde de mães, bebês ou ambos11.

Entre as limitações deste estudo, temos que, como estudos transversais (dados do SINASC do MSP e do NNB da região Sudeste), as informações sobre a exposição e os desfechos foram coletadas simultaneamente, tornando-se mais difícil estabelecer uma relação de causalidade. Os dados do SINASC não fazem distinção entre as mulheres atendidas em hospitais mistos ou filantrópicos mediante financiamento público das atendidas com financiamento privado, e a decisão foi por juntar essas mulheres às atendidas em hospitais públicos. Entretanto os dados do NNB possibilitaram essa diferenciação, de forma que as mulheres atendidas em hospitais mistos foram consideradas separadamente entre financiamento público ou privado.

Entre as vantagens do estudo, destacamos o fato de os dados de nascimentos do MSP (SINASC) serem de base populacional e o NNB tratar-se de uma amostra complexa e representativa da região mais populosa do país, onde o MSP está incluso, garantindo maior robustez para as tendências encontradas. O fato de que essas tendências confluem para os mesmos achados nas duas bases de dados, reforça a solidez da análise realizada

Considerações finais e recomendações para políticas públicas

Embora o DEIG e a cesárea tenham aumentado em toda a população, no caso brasileiro tanto a redução da IG, quanto as cesarianas, estão mais associados às mulheres usuárias do sistema Privado, com escolaridade e renda mais alta, diferentemente de outros países onde estas são características das mulheres mais vulneráveis socialmente. Os bebês das mulheres mais ricas têm uma IG pelo menos uma semana menor em comparação ao o conjunto da população no Brasil.

Essas diferenças são exemplo do paradoxo perinatal brasileiro, onde as mulheres de melhor condição socioeconômica, usuárias do sistema Privado, com mais acesso ao consumo de serviços médicos, podem apresentam alguns desfechos perinatais (nascimento no termo pleno, complicações respiratórias, internação em UTI neonatal), inferiores aos das populações mais pobres28.

Em termos de equidade, temos uma reversão da inequidade pela piora dos indicadores das populações mais favorecidas, não pela melhoria dos serviços oferecidos. Quando esta inversão ocorre, pode-se considerar que a assistência talvez esteja contribuindo para mudar o desfecho, tendo um peso negativo (iatrogênico) que pode até mesmo anular as vantagens socioeconômicas. Em outras palavras, a assistência às mulheres mais pobres e negras não é melhor, mas a assistência às mulheres mais ricas e brancas (com maiores taxas de cesárea, em sua maioria, sem entrar em trabalho de parto) está mais associada a eventos adversos, como parto pré-termo e de baixo peso, reduzindo os benefícios associados à renda e escolaridade8.

O uso de variáveis contínuas na estimativa da IG (em dias ou semanas de gravidez perdidos) pode contribuir para a melhor compreensão do paradoxo perinatal brasileiro, propiciando o detalhamento do papel da assistência em promover ou restringir a saúde e bem-estar de mulheres e bebês não só durante o período perinatal, mas também as consequências no curso de vida.

Declaração de responsabilidades

Contribuição específicas: Simone G. Diniz propôs o conceito de inversão da disparidade esperada e o indicador dias potenciais de gravidez perdidos, e fez a primeira versão do texto. Marina Miranda trabalhou na obtenção, análise e interpretação dos dados do SINASC. Marcel Queiroz trabalhou na obtenção, análise interpretação dos dados do Nascer no Brasil. Jéssica Reis-Queiroz e Heloísa Salgado contribuíram no conteúdo, revisão crítica e padronização do manuscrito. Todos os autores colaboraram para concepção, planejamento, discussão crítica do conteúdo, revisão e aprovação final do manuscrito. Não há qualquer conflito de interesse dos autores em relação a este manuscrito.

Agradecimentos

Agradecemos a equipe profissional do SINASC da Secretaria Municipal de Saúde do município de São Paulo pela concessão dos dados de nascidos vivos do ano de 2012. Agradecemos também aos coordenadores regionais e estaduais, supervisores e entrevistadores da pesquisa "Nascer no Brasil", e às mães participantes.

 

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Manuscript submitted: Jan 16 2016
Accepted for publication Feb 18 2016.

 

 

* Corresponding author: Carmen Simone Grilo Diniz - E-mail: sidinizg@gmail.com

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