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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.26 no.1 São Paulo  2016

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.113787 

ORIGINAL RESEARCH

 

Aspectos biopsicossociais em escolares com atraso no desenvolvimento motor: um estudo longitudinal

 

 

Ana Paula Maurilia dos Santos*; Lorena Natal Villaverde; Antônia Natália Ferreira Costa; Manoella de Oliveira Santos; Elaine Cristina Gregório; Lucia Maria Andreis; Francisco Rosa Neto

Laboratório de Desenvolvimento Humano - LADEHU - Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) - Florianópolis, Santa Catarina, Brasil

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Condições biopsicossociais podem influenciar a aquisição de habilidades motoras na infância.
OBJETIVO: analisar o perfil biopsicossocial de escolares com atraso no desenvolvimento moto.r
MÉTODO: trata-se de uma pesquisa descritiva quantitativa sob análise longitudinal. Foram investigados dezessete escolares que tiveram na segunda avaliação seu desenvolvimento motor classificado como inferior ao esperado. Para análise dos fatores de risco utilizou-se um questionário biopsicossocial em forma de entrevista com os pais das crianças e a Escala de Desenvolvimento Motor (EDM) para avaliação do padrão motor da criança.
RESULTADOS: fatores de risco biológico e ambientais, como dificuldades na aprendizagem escolar e baixo nível socioeconômico podem ter contribuído para o atraso no desenvolvimento motor.
CONCLUSÃO: o desenvolvimento motor pode ser influenciado por fatores de risco tanto biológico como ambiental, tais como: tempo de gestação, tipo de parto, condição socioeconômica da família, nível de escolaridade dos pais.

Palavras-chave: habilidades motoras, desenvolvimento infantil, condições sociais.


 

 

INTRODUÇÃO

Nos últimos anos verifica-se um aumento nas pesquisas relacionadas às alterações do desenvolvimento, principalmente sobre desordens motoras que estão associadas a múltiplos fatores de ordem biológicas ou ambientais1.

Acredita-se que as condições do ambiente poderão favorecer positivamente ou negativamente a aquisição das habilidades motoras. Assim como potencializar os efeitos do risco biológico com ao curso de desenvolvimento motor de uma criança2.

Mancini et al.3, descrevem uma gama de estudos sobre a interação entre fatores de risco biológicos e ambientais ao desenvolvimento infantil, e alegam que juntos tais fatores modificam e potencializam suas influências trazendo consequências negativas para o desenvolvimento.

Para Saraiva e Barreiros4 um vasto conjunto de variáveis biossociais pode contribuir para a compreensão do desenvolvimento motor na infância, destacando-se a idade gestacional, peso ao nascer, idade cronológica e o sexo, nível socioeconômico, escolaridade da mãe, dimensão da família, tipo de residência, grau de urbanização, clima, cultura em geral; além da indicação de uma forte ligação entre o desenvolvimento da criança e as oportunidades e condições de prática de atividades físicas e lúdicas, proporcionadas no contexto familiar, escolar e entre o grupo de amigos.

Durante a infância é perceptível o incremento da coordenação motora. A criança adquire um amplo espectro de habilidades motoras, que lhe permite um melhor domínio do seu corpo em diferentes posturas (estáticas e dinâmicas), locomoção pelo ambiente de várias formas (andar, correr, saltar, etc.) e a manipulação de objetos e instrumentos diversos (receber uma bola, arremessar uma pedra, chutar, escrever, etc)5. É no período pré-escolar e escolar que a criança amplia movimentos considerados pré-requisitos para outras habilidades motoras. Isso ocorre de tal maneira que, aos seis anos de idade, as crianças possuem potencial de desenvolvimento para estar no estágio de amadurecimento da maior parte das habilidades motoras fundamentais6.

Desta forma, o ambiente escolar se torna propício para a detecção de alterações no padrão de desenvolvimento das crianças. Problemas de conduta, motores, cognitivos e emocionais podem ser indicativos de distúrbios neste sentido7.

Considerando que o desenvolvimento do indivíduo depende da implementação de contextos apropriados, entre eles as condições sociais e culturais, a motivação, os contextos de ensino, e as experiências passadas8, o presente estudo tem por objetivo analisar o perfil biopsicossocial de escolares com atraso no desenvolvimento motor.

 

MÉTODO

O estudo caracteriza-se como descritivo quantitativo sob análise longitudinal, que visou averiguar possíveis fatores de risco que possam ter contribuído para a mudança no padrão de desenvolvimento motor das crianças que tiveram seu desenvolvimento neuropsicomotor, avaliados entre 06 e 24 meses e 8 a 9 anos de idade, respectivamente.

Na primeira avaliação em 2002*, foi investigado o desenvolvimento neuropsicomotor de 221 bebês de 14 creches de Florianópolis/SC, por meio da Escala de Desenvolvimento Psicomotor da primeira infância de Brunet e Lézine tiveram as áreas: postural, oculomotriz, linguagem e social avaliadas obtendo-se as idades e quocientes de desenvolvimento global.

Na segunda avaliação, em 2010**, 145 destas mesmas crianças foram avaliadas quando frequentavam o 4º e 5º ano do Ensino Fundamental de 45 escolas de Florianópolis/SC, sendo utilizada como instrumento de pesquisa a Escala de Desenvolvimento Motor (EDM)8. Este instrumento avalia as áreas da motricidade fina, motricidade global, equilíbrio, esquema corporal, organização espacial, organização temporal e a lateralidade, obtendo-se as idades e quocientes motores desses domínios. Os valores dos quocientes motores são quantificados e categorizados, permitindo classificar os componentes analisados em padrões conforme o escore alcançado: muito superior (130 ou mais), superior (120-129), vitor.bio.uftm@bol.com.br normal alto (110-119), normal médio (90-109), normal baixo (80-89), inferior (70-79) e muito inferior (69 ou menos).

No presente estudo, a seleção da amostra foi do tipo intencional, buscando avaliar somente os escolares que na 2ª avaliação**, tiveram seu desenvolvimento motor classificado como "inferior", segundo a Escala de Desenvolvimento Motor (EDM)8. Esses escolares representaram 12% da amostra (n= 18), no total dos 145 escolares. Como critério de exclusão desta pesquisa, uma criança não pode participar em função de está residindo em outra cidade. Nesse sentido, a amostra da atual pesquisa foi composta por 17 escolares matriculadas no quarto e quinto ano do Ensino Fundamental de 14 escolas públicas (12 estaduais e 2 municipais) de Florianópolis/SC. Os critérios de inclusão nesse estudo foram: I) possuir o termo de consentimento assinado por um dos responsáveis; II) interesse da criança em participar da coleta de dados; III) não possuir algum problema físico e/ou condição médica geral que o impedisse temporária ou definitivamente de realizar a coleta.

Foi utilizado na segunda avaliação um questionário biopsicossocial em forma de entrevista com os pais das 17 crianças. Este questionário é testado sob os critérios de clareza (M=9,0) e validade (M=9,5), sendo utilizado nos projetos desenvolvidos pelo Laboratório de Desenvolvimento Humano (LADEHU) do CEFID/UDESC, com dados distribuídos da seguinte forma: Dados de identificação; Dados dos pais ou responsáveis; Condições ligadas à gestação; Condições ligadas ao nascimento da criança; Desenvolvimento da criança; Linguagem e comportamento social; Condições socioeconômicas; Intercorrências durante a infância. No presente estudo serão apresentadas somente as variáveis que constituem fatores de risco biológico e ambiental para o desenvolvimento motor.

Para a execução do estudo foi feito contato prévio com as Secretarias de Educação, onde foi emitido parecer favorável para a realização da pesquisa nas Unidades Educativas correspondentes. A busca dos alunos foi feita a partir das Secretarias de Educação, através dos sistemas informáticos de registro escolar SERIE e EDUCACENSO. Das 221 crianças que participaram da pesquisa anterior, 154 foram localizadas como alunos regularmente matriculados no Ensino Fundamental das escolas de Florianópolis.

A partir desses achados, iniciaram-se contatos com as escolas, onde foi apresentado o projeto à direção e/ou coordenação, sendo explicados verbalmente os objetivos e a dinâmica da pesquisa. Em seguida, os alunos receberam os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido, para que fossem assinados pelos pais ou responsáveis, autorizando a participação da criança no estudo. A pesquisa foi realizada em 145 escolares, no entanto, para a coleta de dados do presente estudo, participaram da pesquisa 17 escolares que cumpriram os critérios de inclusão supracitados. A Escala de Desenvolvimento Motor (EDM)8 foi aplicada integralmente por uma avaliadora, previamente treinada, profissional de Educação Física e mestranda em Ciências do Movimento Humano do CEFID/UDESC.

A aplicação foi feita na própria escola em que a criança estuda, no horário de aula, em um espaço silencioso (sala ou quadra esportiva) disponibilizado pela direção da escola. O tempo médio de aplicação dos testes motores foi de 35 minutos. A entrevista com os pais foi realizada posteriormente, na própria escola que a criança estudava, em um ambiente silencioso, dirigida pela mesma avaliadora. O tempo médio de cada entrevista foi de 20 minutos.

Para a análise descritiva dos dados foi utilizado o cálculo das médias, valores máximo e mínimo, desvios padrão e percentuais. O nível de significância adotado foi p < 0,05. Os dados foram armazenados e analisados no programa estatístico SPSS 17.0.

Esta pesquisa respeitou a todas as normas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde referentes à pesquisa com seres humanos. Foi aprovada pelo Comitê de Ética envolvendo seres humanos da UDESC, sob protocolo nº 14/2010.

 

RESULTADOS

De acordo com os objetivos propostos pela pesquisa, de traçar um perfil biopsicossocial dos escolares e analisar o desenvolvimento motor dos escolares no transcurso desses anos, os resultados serão apresentados em dois momentos: a) Perfil Biopsicossocial do Grupo. b) Análise do Desenvolvimento motor nos dois momentos.

Perfil Biopsicossocial do Grupo

A média de idade dos escolares foi de 9,3 anos, sendo 9 (53%) do sexo feminino e 8 (47%) do sexo masculino. Eles encontravam-se matriculadas no 4º ano (77%) e 5º ano (23%) do Ensino Fundamental.

Durante a entrevista, a maioria dos pais apontou diversos fatores de risco biológico durante o período pré, peri e pós natal que possam ter influenciado no desenvolvimento motor das crianças do presente estudo, conforme apresentado na Tabela 1.

Quanto aos aspectos relacionados ao nascimento da criança descritos na tabela 1, pode-se observar a ocorrência de gestação de risco e um número considerável de mães que fumavam cigarro durante a gestação. Três crianças nasceram prematuras, com idade gestacional entre 32-37 semanas. A prevalência de parto do tipo cesariana foi verificada neste estudo. Duas mães alegaram não amamentar o seu filho. Quanto aos marcos referencial do desenvolvimento, foi verificado atrasos na aquisição da marcha sem apoio e na aquisição da linguagem. Uma criança teve Acidente Vascular Cerebral aos 5 anos de idade.

Na tabela 2 são apresentados os principais fatores de riscos ambientais, configurando uma situação de condições socioeconômicas ruins demonstradas por 56% de famílias com renda menor ou igual a um salário mínimo. As condições de moradia também apontam dificuldades, nota-se um elevado número de residentes no domicilio em grande parte dos casos. Uma criança vive em um domicilio que não pertence a sua família (mora no local de trabalho da mãe). O nível de escolaridade da maioria dos pais é Ensino Fundamental, ciclo I (1ª- 4ª série). (Tabela 2).

Desenvolvimento motor no período lactente e escolar

Os resultados abaixo apresentam, inicialmente, a análise descritiva das variáveis de Idade Cronológica (IC), Idade Negativa (IN), Idade Motora Geral (IMG) e Quociente Motor Geral (QMG) nos dois momentos, período lactente e período escolar.

Com relação aos resultados obtidos na figura 1, a idade cronológica (IC) é expressa em meses, sendo 17,9 meses no período lactente e 112 meses (9,3 anos) no período escolar - decorridos 8 anos entre a aplicação de uma avaliação e outra. A respeito da idade negativa (IN), demonstrou alteração nos seus valores, que passou de -1 mês no período lactente para -27,7 meses de atraso no período escolar. Através do cálculo do quociente motor geral (QMG) pode-se reafirmar o atraso no desenvolvimento motor apresentado por essas crianças, que passou de "normal médio" no período lactente (QDG= 95,48), para "inferior" no período escolar (QMG =75,23). (Figura 1).

Na figura 2, podem-se comparar os quocientes motores específicos nos dois momentos. Na análise do desenvolvimento motor individual da criança, pode-se uma diminuição importante do padrão de desenvolvimento motor em todos os casos, com exceção da criança B e Q, que já apresentavam inferioridade motora (Quociente motor geral nos dois momentos < 79), desde quando bebê. (Figura 2).

 

DISCUSSÃO

Observando os casos apresentados nesse estudo, nota-se que praticamente todas as crianças obtiveram resultados negativos (diminuição do quociente motor) após um período de oito anos. Dos dezessete casos analisados, cujo desenvolvimento motor foi considerado "de risco", apenas 2 (dois) já apresentavam esse repertório motor desde o período lactente. Sugere-se que os problemas motores em crianças que apresentam casos severos na coordenação tende a estender-se até a idade adulta, e parece que as pesquisas têm se atendado a esse fato.

Estudos que utilizaram delineamento longitudinal com características semelhantes ao presente estudo (crianças com alterações motoras e longo período de tempo entre as avaliações) também mostraram efeitos negativos com o passar dos anos. Gilbert, Gilbert e Broth9, ao avaliarem um grupo de crianças que apresentavam Déficit de Atenção, Controle Motor, e Percepção aos 7 anos, verificaram que mais de 2/3 das crianças apresentaram um declínio nas suas dificuldades perceptivo motoras aos 13 anos. De modo semelhante, outros autores10 demonstraram que crianças diagnosticadas com dificuldades motoras aos seis anos de idade, em sua maioria (87%), continuaram a apresentar dificuldades motoras aos 16 anos. Já em outro estudo11 em crianças com distúrbios da coordenação aos 5 anos, verificou-se que após 10 anos, essas crianças continuavam a apresentar problemas motores. Posteriormente, examinando esse mesmo grupo de crianças aos 17 anos, os autores Cantell, Smyth e Ahonen12, confirmaram dois prognósticos para as crianças com dificuldades motoras: persistência e recuperação.

Além da necessidade de informações sobre o curso do desenvolvimento motor entre as crianças que encontram-se em situação de risco, há também necessidade de maiores informações sobre como esses problemas afetam outros aspectos do desenvolvimento. Na pesquisa supracitada12, foi verificado que as crianças diagnosticadas com distúrbio na coordenação motora aos 5 anos, apresentavam aos 15 e 17 anos pontuações mais baixas no domínio educacional, quando comparado ao grupo controle (normal). Do mesmo modo, no contexto do presente estudo, um fator importante é que 16 crianças apresentam diculdades escolares de acordo com o relato da professora de sala, e outro fato que merece atenção, o que de certa forma pode estar relacionada às dificuldades motoras apontadas, uma vez que as pesquisas evidenciam que há uma forte relação entre dificuldades motoras e dificuldades na aprendizagem escolar13,14.

Reconhecidamente as crianças que apresentam problemas de caligrafia e de interação com o grupo, têm aliados os problemas motores, e tais problemas habitualmente têm sido atribuídos a desordens de ordem neurológica e psicológica, porém existem crianças que não apresentam diagnósticos de desordens alguma, mas que mesmo assim apresentam problemas motores15. O'Hare e Khalid16 sugerem que, crianças com Transtorno do Desenvolvimento da Coordenação (TDC) também têm atrasos na escrita e leitura. Os autores afirmam que as dificuldades nas habilidades motoras são heterogêneas, envolvendo problemas na postura, no equilíbrio e no rápido controle dos movimentos.

O fato é que, o TDC tem como consequência uma manifesta desvantagem para o exercício de atividades do dia-a-dia e na escola, no entanto seria errôneo afirmar que os escolares deste estudo, apresentem tal transtorno, uma vez que há poucos critérios de classificação ou categorização adotados para nomear crianças com dificuldades motoras17.

Cantell e Smyth11 e Cardoso, Magalhães e Barbosa18 alegam que além dos problemas motores estarem associados ao insucesso escolar, também se relacionam à falta de concentração, problemas de comportamento, baixa autoestima, baixa competência social, e falta de passatempos físicos. O fato de a criança explorar o ambiente por meio de atividades motoras com o exercício físico e os jogos resultariam em modificações em relação ao seu desenvolvimento físico, perceptivo-motor, moral e afetivo19. No entanto, no presente estudo, verifica-se que mais da metade das crianças em situação de risco, não participam e nunca participaram de esportes extraclasses ou projetos sociais. Para Brauner***, as experiências proporcionadas em um programa de atividades físicas interagem com as características do próprio indivíduo e do ambiente, proporcionando mudanças que impulsionam seu desenvolvimento de forma que o sujeito atinja níveis mais elevados de desempenho.

De modo geral, pode-se verificar que, em muitas situações há a superposição de fatores biológicos e ambientais, acarretando uma maior probabilidade da ocorrência de danos no desenvolvimento18,20. Mancini et al.3 citam o conceito de "duplo risco", que traz a literatura internacional, o qual sugere que a presença de diferentes tipos de fatores de riscos (biológicos e ambientais) podem modificar a manifestação independente de cada fator. Vale destacar o estudo brasileiro de Magalhães et al21, onde verificaram que na presença de duplo risco, crianças nascidas com idade gestacional de menor risco biológico (32-36 semanas,) apresentaram as mesmas dificuldades nas áreas do desenvolvimento das crianças com idades gestacionais de maior risco (inferior a 32 semanas). Nesse contexto, os autores acreditaram que o risco social, teria afetado o desenvolvimento dessas crianças, expostas a diferentes gradientes de risco biológico.

Mancini et al.3 revelaram em sua pesquisa que o risco social modificou a relação entre risco biológico e desenvolvimento infantil, em áreas específicas do desempenho funcional de crianças na faixa etária de três anos, e seus resultados sugeriram que um elevado nível socioeconômico das famílias poderiam minimizar ou neutralizar eventuais prejuízos na performance motora, decorrentes de prematuridade, compensando os efeitos do risco biológico.

Estudos recentes sugerem outros fatores que podem influenciar no desenvolvimento motor. Nobre, Coutinho e Valentini22 alegam que a proficiência motora pode ser afetada pela violência no ambiente e sistema de crenças dos pais, ausência de estruturas físicas e recursos materiais, e, principalmente, a falta de oportunidades para práticas motoras e a baixa capacitação docente. Fatores como estado nutricional23 e comportamento sedentário24 também são apontados como influenciadores nas habilidades motoras das crianças.

Através de um modelo bioecológico, Nobre, Coutinho e Valentini22 buscaram compreender o desenvolvimento motor, e alegaram que a prevalência de atrasos motores é um fenômeno intercultural atuante principalmente em crianças de baixo nível socioeconômico. Foram apontadas modificações no ambiente construído, comunitário e social a fim de promover um real desenvolvimento motor na infância.

Considerando os pressupostos dos autores supracitados, como alternativa para garantir um melhor desenvolvimento motor em crianças desfavorecidas socioeconomicamente, destacam-se as ações das escolas e dos projetos sociais. Santos, Pimenta e Rosa Neto2 relatam em sua pesquisa que escolares em situação de risco social, participantes de projetos sociais e esportivos em Florianópolis/SC apresentam melhores padrões de desenvolvimento motor quando comparado aos escolares que não participam de atividades extraclasse. Já no estudo de Fernani et al25 ao associar déficits motores e dificuldades na aprendizagem escolar demostraram os benefícios das intervenções motoras para melhoria do padrão motor e consequentemente para o rendimento escolar de escolares de 6 a 11 anos

Em suma, além do processo evolutivo biológico, os fatores ambientais e sociais podem influenciar o desenvolvimento motor22, indo ao encontro dos pressupostos do presente estudo.

O presente estudo revelou que escolares cujo perfil biopsicossocial constava fatores de riscos biológicos e ambientais apresentaram atraso importante no desenvolvimento motor. O desenvolvimento motor foi classificado como "inferior", o que pode ser decorrente desses fatores. Uma vez que as pesquisas ecológicas atuais estão direcionadas à compreensão do ambiente como fator influenciador, e modificável, do processo de desenvolvimento motor, eleva-se a importância de novos estudos que avaliem o ambiente (construído, natural, social e comunitário) com o intuito de garantir um adequado padrão de desenvolvimento motor em crianças. Como limitações do estudo foram encontrados poucos estudos longitudinais referentes ao desenvolvimento motor, o que de certo modo pode ter prejudicado a discussão dos resultados. Acredita-se que esse trabalho é relevante em termos pedagógicos, educativos e de saúde pública e, especificamente, a opção do método longitudinal, pela emergência informativa de dados dessa natureza.

 

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Manuscript submitted: Jan 2 2016
accepted for publication Feb 2 2016.

 

 

* Corresponding author: Ana Paula Maurilia dos Santos - Email: ladehu.udesc@gmail.com

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