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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.26 no.2 São Paulo  2016

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.119268 

ORIGINAL RESEARCH

 

Maternidade na adolescência: ressignificando a vida?

 

 

Mariza ZanchiI; Nalú Pereira da Costa KerberII; Heitor Silva BiondiIII; Marilyn Rita da Silva; Carla Vitola GonçalvesI

IFaculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio Grande - FURG - Rua General Osório, S/N Centro, Rio Grande, RS, Brasil
IIHospital Universitário - FURG/EBSERH - Rua Visconde de Paranaguá, 102. Centro, Rio Grande, RS, Brasil
IIIHospital Universitário - FURG - Rua Visconde de Paranaguá, 102. Centro, Rio Grande, RS, Brasil

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Identificar as transformações oriundas da maternidade na adolescência na perspectiva de jovens mulheres.
MÉTODO: Estudo de abordagem qualitativa descritiva com 34 jovens de estrato socioeconômico baixo que tiveram parto no ano de 2010 enquanto adolescentes. Os dados foram coletados quatro anos após o parto por meio de entrevista semiestruturada com questões sobre a vida antes e após a maternidade e explorados por meio da Análise de Conteúdo.
RESULTADOS: A vida das adolescentes antes da gravidez é heterogênea nos aspectos sociais, laborais e estudantis. Após a maternidade, reconfigura-se a liberdade de ser, trazendo perdas relacionadas ao abandono dos estudos, a privação da vida social e ao estigma da maternidade compreendida como precoce; e ganhos oriundos da ressignificação do modo de vida, abandono de condutas ilegais e criminosas, aquisição de autoconfiança e da redução da exposição à violência intrafamiliar, acompanhado de novas responsabilidades, da conciliação do estudo e trabalho ou do abandono de uma destas atividades.
CONCLUSÃO: A maternidade acarreta um sentimento de plenitude trazido pela experiência de ser mãe, com uma nova identidade social.

Palavras-chave: gravidez na adolescência, acontecimentos que mudam a vida, mudança social.


 

 

INTRODUÇÃO

Tornar-se mãe durante a adolescência não é um fato recente na sociedade. Por muitas décadas, casar e ser mãe eram as únicas possibilidades vislumbradas pelas mulheres para se inserirem na sociedade1. Com as mudanças socioculturais do século XX as mulheres conquistaram maior autonomia, possibilitando ampliar a sua realização pessoal e profissional2. Todavia, nessa fase de intenso desenvolvimento da capacidade, experienciarem a maternidade pode ocasionar a interrupção de aspectos relevantes em suas vidas3.

Essas transformações na vida das jovens mães, associadas a pouca idade para assumir as responsabilidades oriundas da maternidade, podem levá-las a perceberem este novo contexto como difícil e pouco satisfatório3,4. Muitas vezes, tal situação obriga a permanência no lar em vista da dependência familiar, o que pode ser compreendido tanto como uma prisão, ou como algo protetor e reconfortante5. Em estudo comparativo entre jovens de dois estratos socioeconômicos diferenciados, foi constatado que para as jovens de classe econômica média, a gravidez é representada como a destruição dos planos futuros de conclusão dos estudos e inserção profissional qualificada no mercado de trabalho. Já para as jovens de camadas econômicas menos favorecidas, a gravidez representa o destino natural e a forma de realização pessoal6.

Nas classes sociais marginalizadas, tornar-se mãe permanece como uma alternativa relevante na busca por um status e identidade social1. Não obstante, esta compreensão pode perpetuar o ciclo da pobreza, uma vez que as jovens com baixo status socioeconômico familiar que se tornam mães tendem a continuar nessa condição, agravando o processo de exclusão já vivido7-9.

Considerando que 13,3% da população brasileira é composta por mulheres adolescentes e jovens10, surge a relevância deste estudo, que tem por objetivo identificar as transformações oriundas da maternidade na adolescência na vida de jovens mulheres.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa descritiva, desenvolvido no ano de 2014 em um município do sul do Brasil. Foi realizado a partir dos dados do "Estudo Perinatal 2010: Reavaliando as Condições de Assistência à Gestação e ao Parto no Município do Rio Grande", desenvolvido na forma de um censo comunitário com 445 adolescentes, com idade compreendida entre 10 e 19 anos, que se tornaram mães.

Neste conjunto de adolescentes, foram selecionadas aquelas que eram de classe econômica desfavorecida e atualmente apresentavam idade entre 15 a 23 anos, fase esta considerada como juventude pela Organização Mundial da Saúde11. Foram elegíveis 106 jovens, das quais 46 não foram localizadas nos telefones ou endereços fornecidos. As entrevistas foram iniciadas aplicando o critério de saturação dos dados para encerramento, ou seja, quando as respostas passam a se tornar repetitivas, o que fez com que a amostra final se constituísse de 34 jovens mães, as quais foram entrevistadas em suas residências de julho a dezembro de 2014.

Os dados foram coletados pela aplicação de entrevista semiestruturada, contendo características sócio demográficas e questionamentos que permitissem vislumbrar a vida das jovens antes e após a maternidade. Para o tratamento dos dados foi utilizada a Análise de Conteúdo proposta por Bardin12. Na primeira etapa deste método de análise, realizou-se a leitura flutuante e a elaboração de unidades de registro, que são termos que contém o significado expresso na resposta das entrevistadas. Posteriormente, os dados foram categorizados segundo suas semelhanças e suas diferenciações, sendo então reagrupados, a partir das características comuns. Durante a exploração do material categorizado, buscou-se estabelecer uma correlação entre os achados e a literatura científica acerca da temática.

A pesquisa seguiu as orientações da Resolução 466/2012 e obteve a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa na Área da Saúde (CEPAS) da Universidade Federal do Rio Grande sob o Nº 90/2011. As entrevistas com as jovens foram realizadas após a assinatura destas e de seu responsável legal do termo de assentimento e de consentimento livre e esclarecido, sendo estas identificadas pela letra "M", referente a "mãe", seguida de um número em ordem crescente.

 

RESULTADO

No presente estudo as participantes tinham em média 19 anos de vida e oito anos de estudo, renda domiciliar média de RS 1900,00, renda per capta média de RS 485,00, sendo 59% brancas, 77% não trabalhavam e 75% tinham companheiro.

Neste contexto sócio demográfico, os depoimentos das jovens demonstram heterogeneidade no que se refere a aspectos emocionais e modo de vida, antes de descobrirem-se grávidas e após a maternidade. Tais elementos emergiram da análise dos dados e estão descritos nas categorias apresentadas a seguir: Vida de Adolescente, Liberdade de Ser e Mudanças no Viver.

Vida de Adolescente

Algumas das jovens descreveram o período que vivenciaram antes de se tornarem mães como permeado por comodidade e ausência de responsabilidades. Características projetadas, também, sobre o estudo, mesmo entre aquelas que não possuíam encargos com outras atividades:

Uma vida de uma patricinha, não precisava fazer nada. Eu só estudava, chegava em casa e dormia [...]. (M21)

Não tinha ocupação nenhuma, só ia para a escola, o resto do tempo ficava à toa. (M15)

Na internet, vida de adolescente, não fazia nada, não sabia o que era acordar cedo, não sabia o que era ter responsabilidade. (M17)

Eu estudava. Na verdade, não estudava, dizia que ia para a aula, mas não ia, matava aula, saía com os amigos [...] vida de adolescente. (M5)

Os depoimentos mostram a pouca responsabilidade relacionada ao estudo que, apesar de se mostrar como seu único encargo, não era priorizado. As falas destacam a importância assumida pela vida social antes da maternidade:

Escutava música, ia para o colégio, saía de noite. (M12)

Minha vida era aquela vida de adolescente: de sair, de curtir, de ficar conversando com as amigas, de beber, de fumar. Então, a minha vida era assim, no final de semana era festa. (M20)

Salienta-se, no conjunto de depoimentos, relatos de jovens com maior nível de comodidade e ociosidade do que as demonstradas até o momento, referindo que tanto o trabalho quanto o estudo não faziam parte de suas vidas antes da maternidade:

Ficava só em casa, já tinha terminado o ensino médio. (M16)

Não estava estudando, não estava trabalhando, estava só em casa. (M13)

Porém, nem todas as jovens apresentavam esse mesmo tipo de comportamento antes da maternidade. Algumas conciliavam as atividades estudantis com o trabalho, acompanhadas de uma rotina de execução de tarefas informais, do cuidado com a casa ou dos irmãos:

Eu estudava de manhã e trabalhava de tarde, não fazia mais nada. (M24)

Eu estudava, fazia alguns bicos, ajudava a mãe em casa. (M18)

Eu trabalhava, estudava, cuidava de casa [...]. (M8)

Eu estudava, saía com as amigas, para passear e cuidava dos meus irmãos [...]. (M3)

Liberdade de Ser

A experiência da maternidade na juventude vem acompanhada de ganhos e perdas, configurando novas formas significativas de liberdade na vida social. A respeito das perdas, algumas falas demonstram como necessidade ou consequência da maternidade as privações na vida social:

Perde tudo que tu tinhas: liberdade, de conversar com as tuas amigas, de tu ires para festa, tudo [...]. É uma responsabilidade e tanto. (M20)

Muda tudo para uma guria de 15 anos. Não pode sair, não pode fazer mais nada, tive que ficar só cuidando dela. (M4)

Há manifesto, também, que a relação com os integrantes do meio social em que se encontra sofre interferências oriundas da vivência do processo gestacional e da maternidade. Tal aspecto parece estar associado à compreensão da própria mulher no que tange à sua imagem social.

A maioria dos amigos se afastou. Aí eu não quis ir mais para o colégio e fiquei só em casa, não queria nem sair de casa. Fiquei com vergonha de ficar grávida. []. (M28)

Apesar de ser responsável pelos tipos de perdas assinaladas acima, a maternidade na juventude também se mostra como uma possibilidade de ganhos para a mãe, ao abdicarem de determinados comportamentos, como o uso de drogas lícitas, associados às perdas na sociabilização:

Antes, quando eu tinha dinheiro, pensava em comprar bebida ou fumar. Hoje, eu não fumo, não bebo. (M20)

A vivência da maternidade representou, ainda, o abandono de condutas ilegais ou criminosas, proporcionando uma ressignificação do modo de vida para a mulher e para seus pares.

Antes a gente roubava coisas que não tinha. A gente pensa bem agora []. (M7)

Não era muito boa, não era mesmo! Meu marido usava drogas, sumia de casa, gastava todo o dinheiro que recebia. (M27)

A liberdade de ser também é detectada nos depoimentos a partir do momento em que se percebe uma autopercepção de confiança e segurança de si como mulher:

Tudo muda. Fiquei mais confiante. (M23)

Mudou muito. Minha mãe nunca mais me esnobou, nunca mais ficou contra mim, nunca mais me bateu, e eu não tive medo de mais nada, enfrentei tudo de cabeça erguida. (M19)

Os últimos depoimentos aludem à questão de outros ganhos oriundos da maternidade, percebidos no que concerne à redução da exposição das jovens à violência intrafamiliar, seja de caráter físico ou psicológico. A redução da exposição à violência, aliada à autoconfiança, parece ser influenciada pelo estabelecimento da relação conjugal.

Era terrível porque minha mãe sumia de casa, ficava até um mês fora, não importava se tinha ou não tinha o que comer, se os meus irmãos estavam ou não estavam bem. Quando aparecia era para bater na gente e sair de novo. Depois que eu me casei tudo melhorou, eu comecei a ter atenção para mim, eu comecei a conhecer o que era a vida de uma adolescente. Não me arrependo de ter me casado cedo. (M29)

Eu vivia apanhando, eu vivia que nem uma escrava da minha mãe, dos meus irmãos [...] eu trabalhava, eu estudava, eu cuidava da casa sozinha [...] eu era uma pessoa infeliz, totalmente, eu vivia na rua chorando, o tempo todinho. (M19)

Mudanças no viver

A maternidade traz mudanças à vida das jovens, com importantes reflexos sobre os elementos que compõem o seu dia a dia. Quando questionadas sobre as implicações trazidas pela maternidade, algumas das jovens mães destacam a necessidade de conciliar estudo e trabalho e a dificuldade de manter os estudos:

Tive que começar a trabalhar, agora tenho que conciliar estudo com trabalho []. (M1)

Mudou [...] ter um filho já complica um pouco mais, não tem aquele tempo todo para estudar. (M11)

Nada mudou, continua a mesma coisa, eu só parei os meus estudos, que era uma coisa que eu queria continuar e não continuei [...]. (E30)

Não mudou nada. Continuou a mesma coisa, a única coisa que mudou foi o estudo que eu parei[...] (M31)

Não me prejudicou em nada. Claro, eu parei de estudar, mas foi só isso. (M24)

A necessidade de priorizar o cuidado do filho em detrimento de outras atividades parece justificar o abandono do estudo e do trabalho. O enfoque é, na maioria das vezes, de algo natural para elas:

Com certeza mudou tudo. Mas [] eu escolhi isso. Tive que parar de estudar, porque tinha que ficar com ele. Mas eu ficava pensando: eu fiz, eu quis, eu vou cuidar. (M33)

Como era só eu cuidando dela, eu tive que parar de trabalhar para dar mais atenção a ela. Mas sempre saía com ela. Nunca me impediu de nada, levava ela para todos os lugares [...] sempre me alegrou bastante. (M9)

Também, há uma priorização na satisfação das necessidades do filho em detrimento das próprias, acompanhada da sensação de aumento das responsabilidades. Elas sabem que agora existe alguém que depende delas:

Tudo diferente, ao invés de você pensar em ti, tu tens que pensar neles primeiro. Então, tudo muda na sua vida depois que tem filho. Eles vêm em primeiro lugar, depois venho eu. (M20)

Muito mais responsabilidade em muitas coisas, compromisso. Porque a gente já não pensa mais na gente em primeiro lugar; a gente sempre coloca o filho em primeiro lugar! Antes de comprar alguma coisa para mim, compro para ela. (M26)

Muda tudo quando se tem um filho. Se preocupa mais é com o filho, contigo não é tanto. Quanto se está doente, tu nem liga. Quando o filho está [doente] você já sai correndo. (M25)

Transformações nos aspectos emocionais também são reveladas, demonstrando que a experiência da maternidade proporciona um novo sentido à vida oriundo da mudança do status de "adolescente" para "mulher" e "mãe", e das responsabilidades subsequentes:

Meu pensamento mudou totalmente, depois que tive ela eu não ficava querendo fazer as coisas que eu fazia antes. Eu não acreditava que isso fosse acontecer, mas eu passei a ter um pensamento de mãe. Tudo que eu queria era cuidar dela. (M4)

Porque hoje se eu não tivesse ele podia estar nas drogas [...] ficar grávida aos 15 anos é uma lição de vida []. (M20)

As falas também revelam que o filho é percebido como uma companhia, sanando um sentimento de solidão. O filho parece preencher um vazio existente em suas vidas:

Agora eu saio com minha filha, uma faz companhia para a outra. (M13)

Agora eu tenho ele, ocupo minha cabeça sempre com ele. Antes eu ficava pensando sempre em bobagem, agora a minha preocupação é todinha com ele. Me preocupo com o viver dele, com o bem estar. Antes eu me sentia muito sozinha. Depois que eu tive ele, não me senti mais sozinha. (M8)

A minha vida sem ele antes era sozinha, não tinha muito que fazer. E sozinha, ou a gente estuda ou a gente fica em casa [...]. (M11)

 

DISCUSSÃO

O conjunto dos dados analisados surpreende por apresentar significativas dissonâncias nas falas das jovens mães, tanto no que concerne a vida antes da maternidade, como nos reflexos trazidos por esta vivência ao cotidiano.

Diferentes elementos caracterizam a adolescência antes da maternidade na perspectiva das participantes, possuindo destaque a ausência de responsabilidades, a comodidade e a ociosidade do tempo nas classes econômicas baixas. Estes aspectos parecem contrapor-se a visão que permeia o senso comum de que jovens pertencentes a essa camada teriam menor comodidade em vista justamente de maiores responsabilidades e necessidade de contribuição com o sustento da casa.

A literatura mostra que a juventude se caracteriza por um aumento da autonomia, associada a uma maior participação nos espaços públicos13, o que parece diferir dos achados deste estudo, em que as jovens se encontram em uma posição de comodidade e apatia. O lazer e a socialização, o uso da internet e até mesmo a utilização de drogas lícitas também são elencados na descrição da adolescência. Estes aspectos, somados a ausência de responsabilidades parecem descrever um perfil de adolescente denominada por uma das participantes como "patricinha". A amostra estudada nos leva a crer que a adolescência no contexto socioeconômico baixo está se caracterizando como extremamente acomodada, sem perspectiva de alcançar um futuro melhor.

Tais aspectos são transmutados em decorrência da maternidade, culminando no acréscimo das responsabilidades, como encontrado em outros estudos4,5,13,14, transpondo-se na perda de liberdade, em especial na vida social, que parece estar associada à necessidade de prover os cuidados ao filho. A redução da participação nos espaços sociais emerge como reflexo da diminuição da autonomia13 cerceada pelo aumento das responsabilidades. Tal transformação também pode ser oriunda das concepções das jovens acerca do comportamento esperado de uma mãe, permeada pelo detrimento da vida social.

Outro aspecto influenciador na socialização após a maternidade, que tange à autopercepção quanto à imagem social, revela que a vivência deste momento durante a juventude ainda é acompanhada por intenso estigma social, interferindo nos comportamentos cotidianos sociais e estudantis, o que torna esta experiência conflituosa e penosa. Assim, vislumbram-se comportamentos de isolamento social e restrição da socialização ao grupo familiar13.

Aponta a literatura que as consequências negativas da gestação na adolescência não são apenas decorrentes da idade propriamente dita, mas sim, da situação socioeconômica precária na qual a jovem se encontrava antes da gestação15-18. Contrapondo-se, os dados revelam que se tornar mãe, em alguns casos, permite a aquisição de autoconfiança, oriunda da mudança de status de adolescente para mulher-mãe, que reconfigura seu papel na sociedade e em seu espaço familiar. Tal aspecto parece predominar em mulheres que apreendem a maternidade como uma escolha, como uma forma de obter status e reconhecimento perante a comunidade, bem como a reafirmação da feminilidade e o afastamento da ausência de perspectiva de vida8.

Tal dissonância também pode estar associada ao contexto familiar e conjugal vivenciado pela jovem, ao planejamento e aceitação da situação e as modificações no cotidiano oriundas da maternidade. Neste sentido, se ela puder contar com o respeito e com o apoio da família e do cônjuge, o exercício do papel de mãe se dará de modo mais suave, em virtude do acolhimento e da aceitação, mesmo esta identificando que a experiência da maternidade pode dificultar sua vida e trazer novas responsabilidades19. Não obstante, a literatura revela que o papel social de mulheres de classes econômicas desfavorecidas tange a internalização da ideologia patriarcal, com a rígida divisão dos papéis sexuais, que reforçam a definição da identidade feminina através da família, em um contexto onde ser mulher é ser mãe1.

Outro elemento percebido por este estudo é o processo de alteração do papel social exercido pela mulher e as transformações nos contextos familiares, associados à aquisição de autoconfiança como influenciadores na redução da exposição das jovens à violência intrafamiliar, reduzindo o sofrimento psíquico. A maternidade nesta fase da vida pode ser fator protetivo diante dos riscos ambientais associados à negligência, à violência e a utilização de drogas, presentes no cotidiano de muitas jovens20,21. O relacionamento entre a mulher e seus pais tende a melhorar com a vivência da maternidade, havendo maior identificação entre eles22. Entretanto, infere-se que a não aceitação da maternidade pelos pais da jovem pode ser desencadeador de conflitos entre estes, o que pode motivar a mulher a morar com seu cônjuge.

A solidão, elencada como presente antes da maternidade parece ser sanada com a chegada do filho, que lhes confere um sentimento de plenitude, possivelmente provindo do cotidiano de tarefas, cuidados e responsabilidades, aliados à presença e dependência constante desse ser para o qual a mãe desenvolve o sentimento de pertença. A presença do sentimento de solidão contrapõe-se a descrição das jovens no que se refere à intensa socialização e a convivência constante com os amigos, demonstrando que a participação nos espaços sociais não satisfaz as necessidades emocionais das mesmas.

A execução de tarefas laborais, sejam formais ou informais, também aparece na descrição da adolescência antes e após a maternidade. Todavia, com a chegada do filho, parece haver uma maior responsabilidade com o trabalho doméstico5. A inserção das jovens no mercado de trabalho e a atuação destas como provedoras financeiras em virtude da maternidade é heterogênea, sendo para algumas, elemento influenciador do abandono dos estudos, enquanto para outras, pouco impactante nas atividades estudantis.

O estudo, atividade comum entre determinadas participantes, também parece ter pouca importância para algumas, que, antes da maternidade, priorizavam a socialização e ausentavam-se do ambiente estudantil sem a ciência de seus responsáveis. Neste sentido, uma pesquisa mundial que avaliou a ocorrência da maternidade durante a adolescência, constatou que as meninas que permanecem mais tempo na escola são menos propensas a engravidar23.

Após a maternidade, as mudanças trazidas ao cotidiano de estudo revelam-se menos significativas para as mulheres do que as alterações na socialização, o que demonstra a pouca importância dada às atividades estudantis quando comparada à vida social. Nesta compreensão, um estudo aponta que 54% das jovens que experienciaram a maternidade não estudavam, sendo a gestação o principal motivo da evasão escolar24.

Cabe destacar que o desinteresse pela escolaridade e a evasão escolar são constantes no contexto da maternidade na juventude, uma vez que as jovens não vislumbram na escola uma via de rompimento do ciclo de pobreza, por meio de um futuro profissional favorável1. Em geral, essas adolescentes, não têm a cultura do estudo, de um futuro promissor e apresentam um nível de comodidade diante da situação de vida como se o destino delas devesse ser igual ao do meio onde vivem, com uma compreensão e postura de que a maternidade não interfere no seu viver e não lhes acarreta maiores prejuízos.

Uma das limitações encontradas na realização da investigação está posta na questão de algumas jovens não se estenderem muito nas respostas aos questionamentos. Outra limitação seria o fato de ter sido realizado em uma cidade do Sul do país. Porém, cabe salientar que apesar de o estudo envolver um único município, acredita-se que os resultados são importantes no campo da saúde pública, pois demonstram a necessidade de esforços conjuntos das esferas sociais, dos profissionais da educação formal e dos profissionais da área da saúde junto aos adolescentes, na promoção de ações educativas efetivas focadas nas suas realidades, oportunizando diálogos sobre anticoncepção e sexualidade segura e capacitando-os para que possam ter escolhas assertivas desenvolvendo a realização plena de suas potencialidades.

 

CONCLUSÃO

As transformações após a maternidade relatadas pela maioria das adolescentes referem-se a perdas de comodidades e à privação da vida social acrescida pelo aumento das responsabilidades com o cuidado do filho. Porém, o estudo também mostrou que a maternidade na adolescência para essas jovens de classes econômicas desfavorecidas proporcionou ganhos oriundos da aquisição de autoconfiança, da supressão do sentimento de solidão, do abandono de condutas ilegais e criminosas e da redução da violência intrafamiliar, conferindo-lhes a percepção de plenitude e bem-estar.

 

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Manuscript submitted: Jun 16 2016
Accepted for publication Jun 21 2016

 

 

Corresponding author: Mariza Zanchi - E-mail: marizazanchi@hotmail.com

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