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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.26 no.2 São Paulo  2016

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.119293 

ORIGINAL RESEARCH

 

Consumo de frutas no Brasil e prevalência de obesidade

 

 

Rachel Helena Vieira MachadoI; Rubens FeferbaumII; Claudio LeoneIII, IV

IInstituto PENSI/Hospital Infantil Sabará/Fundação José Luiz Egídio Setúbal
IIProf. Livre Docente em Pediatria - Instituto da Criança da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IIILaboratório de Delineamento de estudos e escrita científica da Faculdade de Medicina do ABC
IVProfessor titular do Departamento de Saúde Materno Infantil, FSP - USP

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A obesidade atinge mais da metade da população adulta brasileira e se correlaciona com o desenvolvimento de doenças crônicas e psicossociais. O consumo de frutas, legumes e verduras (FLV) é fator de proteção para obesidade, porém seu consumo está frequentemente abaixo das recomendações
OBJETIVO: Identificar a situação de consumo de frutas no Brasil nos ciclos de desenvolvimento humano, bem como dados de associação do consumo com excesso de peso
MÉTODO: Revisão de literatura não sistemática nas bases de dados BVS, do período de 2005 a 2015. Foram selecionados 23 trabalhos em língua portuguesa e inglesa, segundo desenho e grupo populacional. Foram selecionados apenas coortes e cortes transversais realizados no Brasil. Foi considerado consumo de FLV adequado de 400g/dia ou frequência de 5 porções/dia (3 porções/dia de frutas), e excesso de peso segundo cada faixa etária e ciclo de desenvolvimento
RESULTADOS: O consumo médio encontrado para gestantes foi de 350g/dia. Foi encontrada relação inversa entre o consumo de fibras totais e o ganho ponderal gestacional. A média de consumo adequado de crianças e adolescentes se manteve entre 30 e 40%, com redução de consumo conforme aumento da idade. Dados da Vigitel entre 2006 e 2014 demonstram aumento na prevalência de consumo adequado de FLV por adultos e idosos conforme sexo, idade e escolaridade. O consumo adequado triplicou neste período. Houve associação entre o consumo de frutas e a perda de peso, risco aumentado de obesidade, obesidade abdominal, hipertrigliceridemia e presença de SM
CONCLUSÃO: Há evidências de baixas prevalências de consumo adequado de FLV em todas as regiões do Brasil e grupos etários, maiores entre as mulheres e conforme o avanço da idade, escolaridade e nível socioeconômico. O consumo adequado de frutas se correlaciona à perda de peso e/ou controle do ganho ponderal dos indivíduos

Palavras-chave: frutas, consumo, obesidade/excesso de peso, Brasil, gestação, infância, adolescência, idosos, adultos.


 

 

INTRODUÇÃO

A obesidade é caracterizada pelo acúmulo crônico de tecido gorduroso regionalizado ou generalizado, combinação de fatores genéticos, ambientais e comportamentais.1 A Pesquisa Nacional em Saúde (PNS), mostra que 57% da população acima de 18 anos no Brasil apresenta excesso de peso.2O Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) descreve prevalência de excesso de peso em 15% da população menor de seis anos de idade, e há evidências de que a curva de evolução do peso mediano ultrapassa os padrões da OMS, tendendo para o excesso de peso na comparação entre os inquéritos ENDEF 1974-1975, PNSN 1989 e POF 2008-2009. O mesmo se observa em outros estudos nacionais, como o Nutri-Brasil Infância.1

O excesso de peso tem forte correlação com o desenvolvimento de síndrome metabólica e outras doenças crônicas, aumentando o risco de distúrbios ortopédicos, neuroendócrinos, pulmonares, gastrointestinais, e consequências psicossociais. Quando o quadro se instala na infância relaciona-se à elevada possibilidade de permanência na vida adulta;1 e pais obesos geram filhos propenso à mesma condição, dada a influência comportamental e a interferência epigenética, que modula o metabolismo fetal desde a gestação.1,3 Tais relações evidenciam a relação cíclica do excesso de peso e sugerem a urgência e especificidade de ações terapêuticas e preventivas.4

Dentre os fatores de proteção para o excesso de peso destaca-se o consumo de frutas, legumes e verduras (FLV), que apresentam baixo teor calórico e de gordura, e alto percentual de fibras, contribuindo para o aumento da saciedade e redução da ingestão total de alimentos.5 A OMS recomenda consumo mínimo de FLV em 400 g/dia, equivalente a cinco porções diárias desses alimentos para todos os grupos etários; referências nacionais endossam as mesmas práticas, a exemplo do último Guia Alimentar para a população Brasileira do MS, que recomenda o consumo diário mínimo de 3 porções diárias de frutas e de 3 de legumes e verduras, e da Sociedade Brasileira de Pediatria (SPB), que estimula o consumo de mais de cinco porções diárias para crianças e adolescentes como forma de prevenção da obesidade.4,6,7,8 Dados de consumo, entretanto, mostram ingestão insuficiente em nível mundial e em todos os grupos etários. A POF 2008-20099 relata prevalência de consumo abaixo das recomendações em 90% da população e há evidências de que a maioria sequer conhece as recomendações para estes alimentos.6

Considerando-se este panorama, o MS coordenou a elaboração do 'Plano de Ações Estratégias para o Enfrentamento das DCNT no Brasil, 2011-2022', com a sugestão de metas e ações para o ano de 2022 que abordam fatores de risco para a obesidade modificáveis. No tocante ao consumo de FLV, propõe-se o aumento da prevalência do consumo recomendado em 10%10. Assim, o objetivo é de mapear a situação de consumo de frutas no Brasil na última década durante o ciclo de vida e analisar a associação do consumo de frutas e prevalência de excesso de peso.

 

MÉTODO

Trata-se de revisão em bases empíricas de literatura, como BVS (Bireme / Lilacs / Scielo / Cochrane), do período de 2005 a 2015. Os termos de busca foram utilizados individualmente ou em associação, segundo operadores boleanos 'and', 'or': "Frutas", "consumo", "obesidade", "excesso de peso", "Brasil", "gestação", "infância", "adolescência", "idosos", "adultos".

O critério de inclusão dos trabalhos foi pautado na seleção de materiais que tivessem por objetivo apresentar a prevalência do consumo de frutas isoladamente ou em associação com o consumo de legumes e verduras (em gramas ou porções/dia, considerando-se apenas frutas in natura ou sucos de fruta naturais, excluindo-se as bebidas açucaradas e sucos artificiais), e que fizessem correlações de dados de consumo com o IMC. O consumo de FLV adequado considerado pelos trabalhos seguiu as recomendações de 400g/dia ou em frequência de 5 porções/dia (3 porções/dia de frutas, isoladamente). Quanto a classificação do excesso de peso, os artigos selecionados utilizam padrões de referência segundo cada faixa etária e ciclo de desenvolvimento. Foram selecionados apenas trabalhos de campo de caráter transversal ou coorte realizados no Brasil com as populações referidas, sendo excluídas as revisões ou trabalhos cuja amostra não fosse representativa ou estimada por cálculo amostral.

O processo de seleção dos estudos ocorreu de acordo com as seguintes etapas: 1) Leitura de títulos e resumos dos artigos encontrados; 2) Exclusão dos trabalhos estrangeiros e duplicatas; 3) Exclusão de desenhos de estudos e tamanho amostral inadequados; 4) Exclusão de foco de pesquisa incompatível com objetivos e 5) Leitura de artigos na íntegra. Foram selecionados 21 trabalhos em língua portuguesa e inglesa, caracterizados segundo desenho e grupo populacional: materno infantil (transversais n=3, coorte n = 3), adolescência (transversais n = 5, coorte n = 1), adultos e idosos (transversais n = 8, coorte n = 1), além de 3 documentos oficiais governamentais. O processo segue descrito no Quadro 1

 

RESULTADOS

De modo geral, o consumo insuficiente de frutas no Brasil é evidenciado por todos os trabalhos e em todos os ciclos de desenvolvimento. Os principais resultados dos estudos selecionados, com seus respectivos dados de consumo de frutas seguem descritos na Tabela 1.

 

DISCUSSÃO

População materno infantil

Há poucos estudos acerca do consumo de FLV durante a gestação e lactação no Brasil. No estudo de Santana5, com 195 gestantes adultas, houve consumo médio de cerca de ± 340g/dia, abaixo das recomendações em todos os trimestres. Resultados similares foram encontrados na literatura citada por este trabalho, com média de consumo de 335g/dia em populações de gestantes. Entretanto, o baixo consumo não foi associado ao ganho de peso das mulheres, apenas o consumo total de fibras da dieta (média 16g/dia), que também foi classificado como baixo. Estudo anterior realizado por Castro et al.11 mostra que, na gestação, o número de porções de frutas - especificamente - consumidas por 276 gestantes no Rio de Janeiro era satisfatório (cerca de 4 porções/dia), mas que, entretanto, reduziu-se pela metade (1,94 porções, p < 0,0001) quando comparado ao consumo no período pós-parto.

A redução do consumo de frutas durante o período de gestação/lactação pode contribuir para o decréscimo no consumo de micronutrientes e fibras, importantes para o desenvolvimento fetal e materno. Este fator foi verificado no estudo de Castro11 no qual a redução do consumo de frutas no período pós-parto contribuiu diretamente para o decréscimo no consumo de vitamina C, por exemplo. Além disso, Baião et al.12, em estudo qualitativo com 26 gestantes e puérperas de baixo nível socioeconômico do Rio de Janeiro analisaram as práticas alimentares na gestação na perspectiva das mulheres, cujo relato classificava as frutas como itens não básicos na dieta, dispensáveis caso a situação econômica se agravasse, reforçando a necessidade de ações educativas neste segmento da população.

No estudo de Santana5, apesar de não haver correlação entre o ganho de peso das gestantes e o consumo de FLV, houve relação inversa entre o consumo de fibras totais e o ganho ponderal. Diversos trabalhos citados por este estudo mostram a correlação entre o consumo inadequado de fibras e risco aumentado em 25% de se desenvolver obesidade no período pós-parto.

O consumo de FLV na infância também se mantem baixo. Cagliari et al.13, em trabalho com 112 pré-escolares na Paraíba, relataram 75% de prevalência de consumo diário de frutas, sem determinar, entretanto, as porções de consumo. Apesar de não se poder estimar o consumo nestas crianças, ressalta-se que 25% desta população sequer consumia 1 porção diária de frutas. No trabalho de Grillo et al.14 com 579 crianças em Florianópolis, estimou-se apenas a adequação/inadequação de consumo com base nas recomendações, com prevalência de inadequação de 48% dos avaliados. Dados de uma coorte com 345 crianças entre 3 e 8 anos no Sul do Brasil15, demonstraram média no consumo de frutas menor que 1 porção diária. As crianças foram avaliadas entre 3 e 4 anos, e novamente entre 7 e 8, e apenas 16% e 10,5% das crianças entre 3 e 4 anos, e 2,5% e 3% das crianças entre 7 e 8 nos grupos de intervenção e controle, respectivamente, atingiram as recomendações de consumo para o grupo de frutas (p<0,01). Em trabalho transversal em Pelotas, região Sul do Brasil7 com 356 escolares da rede pública, as prevalências de consumo frequente de frutas (quando os alimentos foram consumidos em, pelo menos, cinco dos sete dias que antecederam a entrevista) foram de 42,1%, sendo que este consumo frequente esteve associado à menor faixa etária dos escolares (p = 0,02). Não houve associação positiva, porém, com o estado de sobrepeso das crianças. Ademais, 12% das crianças não consumiu frutas em nenhum dos 7 dias avaliados previamente à entrevista. O estudo Nutri-Brasil Infância16, multicêntrico realizado em 12 capitais brasileiras com 3100 crianças entre 2 e 6 anos, registrou contribuição de frutas in natura para a ingestão de fibras totais e vitamina C, por exemplo, menor que 5%, e 80% de inadequação de consumo habitual de fibras.

A coorte de Rauber et al.15 - mencionada acima - mostra claramente como a prevalência de consumo adequada se reduziu com o tempo (de 16% para 3% de adequação). Mesmo o efeito positivo do aconselhamento nutricional realizado com as mães durante o período de intervenção, foi perdido quando na reavaliação, aos 7-8 anos. Esta evolução é descrita por outros trabalhos e pode refletir a autonomia das crianças sobre as escolhas com o passar do tempo, aliada a ambientes com oferta de alimentos não saudáveis em substituição às frutas.

Em relação aos estudos que não encontraram associação entre o consumo de frutas e o excesso de peso7, vale ressaltar que tais resultados podem ser decorrentes de limitações estatísticas da variáveis utilizadas e tamanho amostral.

Adolescência

Diversos trabalhos têm demonstrado o baixo consumo de FLV na entre 15 e 24 anos, com frequências de consumo menores de 4 vezes semanais em torno de 50%. Prevalências menores de 30% têm sido relatadas por trabalhos com adolescentes independente das faixas etárias e métodos de avaliação do consumo.7,9,17,18,19 Dois estudos que avaliaram 341 adolescentes entre 11 e 14 anos de escolas públicas de Curitiba9 e 431 adolescentes com média de 12 anos de escolas públicas de Piracicaba (SP)20, observaram prevalência de 29% e 28% de consumo de frutas em mais de 3 porções diárias, respectivamente. A tradicional coorte de Pelotas21 mostrou - em 2012 - que apenas 28,2% dos 3990 adolescentes avaliados (entre 14 e 15 anos) consumiam ao menos 1 porção de frutas diariamente. Mello et al.22 verificaram, com 1218 adolescentes com média de 12 anos no Amapá, norte do Brasil, prevalência de 35% de consumo adequado de frutas. Já o trabalho com 624 adolescentes entre 14 e 19 anos em escolas públicas em Pernambuco23 mostrou prevalências de apenas 7%. Análise da POF 2008/200924 demonstra que a banana foi a única fruta incluída na lista de 20 alimentos de maior prevalência de consumo entre adolescentes, com 12% de prevalência para consumo diário (última posição da lista).

O trabalho realizado em Piracicaba20 não encontrou associação entre o consumo de frutas e o excesso de peso, porém as análises foram realizadas utilizando critérios de obesidade anteriores às recomendações atuais da OMS. O estudo SOFT19, realizado com 578 adolescentes entre 12 e 19 anos do Rio Grande do Sul também não encontrou associação entre IMC e consumo isolado de frutas (a média de consumo da população era de 2 porções diárias, com 25% de prevalência de consumo adequado). Entretanto, os autores ressaltam que a maioria dos estudos que apresentam relação inversa entre o consumo de frutas e IMC e adiposidade de adolescentes apresentam amostras de tamanho maior e com classificações quantitativas (g/dia) de consumo, método não utilizado pela maioria dos estudos encontrados no Brasil.

Adultos e idosos

O Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas - Vigitel é um estudo transversal representativo da população adulta e idosa, com cerca de 54 mil entrevistas telefônicas em 27 capitais do Brasil anualmente, e é utilizado como ferramenta de monitoramento do MS sobre as metas propostas até o ano de 202210. Entre os dados disponibilizados entre 2006 e 201425,26,21 conforme demonstrado na Figura 1, ocorreu aumento na prevalência de consumo adequado de frutas e hortaliças, tanto na população geral como quando estratificada por sexo, sendo que as mulheres mantiveram o padrão de maior consumo ao longo do tempo. No Vigitel27 as maiores frequências foram encontradas, entre homens, em Vitória (23,5%), Florianópolis (23,4%) e Porto Alegre (23,4%) e, entre mulheres, no Distrito Federal (36,6%), Florianópolis (35,6%) e Belo Horizonte (34,8%). As menores frequências no sexo masculino ocorreram em Belém (13,4%), Rio Branco (13,7%) e Manaus (14,0%) e, no sexo feminino, em Rio Branco (17,4%), Belém (19,3%) e Maceió (19,8%). Tais frequências de consumo apresentaram tendência de aumento com a idade e escolaridade em todas as edições. Pode-se dizer, portanto, que a tendência de consumo entre indivíduos maiores de 18 anos aumentou em 20% entre 2010 e 2014, atingindo a meta proposta pelo MS.10 Se forem considerados dados desde o ano de 2006, o consumo adequado de frutas e hortaliças triplicou, apesar de ainda representar parcela minoritária da população. Diversos outros estudos realizados com populações adultas descrevem prevalências de consumo de frutas similares, bem como sua relação com idade e sexo.28,29,30

Especificamente em relação aos dados sobre idosos, a evolução segue de maneira similar: em 2006,25 a prevalência de consumo adequado era de 12% nesta faixa etária, aumentando para 22% em 201026 (25% em mulheres e 17% em homens) e para 26,8% em 201327 (29,4% em mulheres e 22,7% em homens). Dados da POF 2008/200924 corroboram estes achados: a banana foi a única fruta incluída nos alimentos de maior prevalência de consumo entre idosos e somente este grupo etário incluiu uma segunda fruta. No 4º quartil de consumo, a prevalência de consumo diário da banana é de apenas 20% para idosos e 15% para adultos.

Ainda sobre consumo de idosos, um estudo realizado com 106 idosas em Recife,31 evidenciou 34% de consumo infrequente (considerado não diário) de frutas pela população, porém não avaliou se, dos 66% da população que consumia frutas diariamente, havia consumo em quantidades suficientes para atingir as recomendações. Não foram realizadas comparações com o IMC das idosas. Viebig et al.32 também encontraram resultados similares de consumo entre 2066 idosos residentes em São Paulo: apenas 19,8% relataram consumo diário de cinco ou mais porções de FLV. O trabalho também cita outros resultados da literatura, com relatos de adequação de consumo em cerca de apenas 20% da população idosa na cidade de São Paulo. Importante ressaltar que, dos idosos que consumiam frutas e hortaliças diariamente, 45,2% não atingiram as recomendações quantitativas desses alimentos.

No tocante à relação do consumo de frutas com o excesso de peso, Sartorelli et al.33 encontraram associação entre o consumo de frutas e a perda de peso em 80 indivíduos adultos (β1 [95% CI] = 0.00290 [0.005, 0.001]) após 6 meses de acompanhamento nutricional, concluindo que o aumento de 100g/dia no consumo de frutas representa perda de peso de 300g após o período de aconselhamento, ajustado para sexo, idade, atividade física e ingestão energética (p < 0.05). Um trabalho com 1026 mulheres adultas da região Sul do Brasil 34 verificou que o baixo consumo de frutas esteve associado ao risco aumentado de obesidade (RR = 2.18; 95% CI: 1.35-3.53; p = 0.001). Adicionalmente, estudo com 636 indivíduos adultos6 demonstrou que o consumo de frutas adequado se mostrou protetor para obesidade abdominal (OR:0,77; IC:0,38-0,93), hipertrigliceridemia (OR:0,76; IC: 0,35-0,96) e presença de SM (OR: 0,78; IC: 0,39-0,96).

Influências cíclicas de consumo

As evidências e associações que tentam justificar o baixo consumo de frutas nos diversos grupos convergem para o argumento de que os hábitos adquiridos pela geração anterior são passados para a próxima, e então da infância para adolescência, fase adulta e idosa, e novamente à geração seguinte, conforme sugere a Figura 2. A literatura atual já é bastante consistente quanto à transmissão das características de olfato e sabor da dieta materna via líquido amniótico - a partir do 2º trimestre gestacional, quando receptores fetais gustativos e olfativos se desenvolvem - e leite materno.35 Diversos estudos têm demonstrado que a exposição frequente e regular da mãe a FLV favorece aceitação mais rápida destes alimentos durante a alimentação complementar da criança e reduz a frequência e gravidade de dificuldades alimentares até os 7 anos.35,36,37 Já foi demonstrado que o consumo e exposição a FLV nesta fase pode atuar inclusive em aspectos epigenéticos relacionados ao olfato e paladar, influenciando as percepções de sabor amargos/doces/umami e, no futuro, em suas preferências alimentares.35, 38 Além disso, a partir do 2º trimestre gestacional, ganho de peso materno excessivo está associado ao aumento do IMC, adiposidade, inflamação, pressão arterial e perfil lipídico nas crianças menores de nove anos.1 Se o consumo de FLV tem grande contribuição no consumo total de fibras da dieta, e o consumo de fibras no ganho de peso, poder-se-ia supor que quanto menor o consumo de frutas, mais forte se manteria essa associação de risco.

A falta de exposição aos alimentos é considerada, portanto, um obstáculo para o consumo entre crianças e adolescentes, principalmente. Assim como para os adultos, o consumo de FLV é influenciado pela disponibilidade de tais alimentos em casa. Entretanto, a disponibilidade destes alimentos durante esta fase depende da renda familiar, escolaridade dos pais e rotina familiar, sendo que famílias cujos pais trabalham fora tendem a apresentar menores taxas de consumo.9,18,19,23 Além disso, hábitos familiares, mídia e a alimentação escolar também são fatores de forte influência: há evidências de que lanches disponíveis nas máquinas automáticas da escola foram negativamente associados ao consumo de frutas por adolescentes1.

Em relação a adultos e idosos, a POF (2008-2009)24 mostrou que mulheres e indivíduos mais velhos e de maior escolaridade apresentaram maior consumo adequado de frutas e hortaliças, o que pode estar associado ao maior acesso à informação e à maior preocupação com a saúde desse estrato da população. Evidências sugerem que indivíduos mais novos, solteiros ou vivendo sozinhos, e que passam a maior parte do dia trabalhando fora de casa, apresentam consumo inadequado de alimentos em consequência da falta de tempo para o preparo de verduras e legumes, irregularidade na frequência e horário das refeições e pouca disponibilidade de frutas em seus ambientes de trabalho.28 Alguns autores sugerem ainda que, para indivíduos idosos, a maior prevalência de consumo adequado pode ser influenciada por hábitos mais saudáveis adquiridos no passado, anteriores ao fenômeno atual de alimentação industrializada, e também por seguirem orientações recebidas dos profissionais de saúde, em função da sobrecarga de fatores de risco e da presença de comorbidades.

A presente revisão apresenta limitações, como a ausência de revisão sistemática das bases e a dificuldade na comparação entre os dados de consumo, devido às diversas metodologias utilizadas pelos trabalhos selecionados e a ausência de padronização metodológica para a mensuração do consumo de frutas. Entretanto, contribui para o campo da saúde pública ao compilar dados de consumo de todos os ciclos de desenvolvimento e abrir espaço para a reflexão a respeito do hábito alimentar estendido pelas fases da vida subsequentes, e para a elaboração de planos de ação que procurem educar a população para tais hábitos.

 

CONCLUSÕES

Os estudos evidenciam baixas prevalências de consumo adequado de FLV (menor de 50%) em todas as regiões do Brasil e grupos etários, independentemente do método de avaliação do consumo. As prevalências tendem a ser maiores entre as mulheres e conforme o avanço da idade, escolaridade e nível socioeconômico. O consumo da população aumentou nos últimos 8 anos, e as associações entre o consumo de frutas e excesso de peso ocorrem, predominantemente em estudos com adultos, demonstrando que o consumo adequado de frutas se correlaciona à perda de peso e/ou controle do ganho ponderal dos indivíduos, substituindo os alimentos com alta densidade energética. Sugere-se que o baixo consumo de Frutas desde o período periconcepcional pode manter o ciclo de baixo consumo por toda a vida, reforçando a necessidade da manutenção de programas de educação nutricional que estimulem bons hábitos alimentares o mais precocemente possível.

 

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Manuscript submitted: Jun 22 2016
Accepted for publication Jul 14 2016

 

 

Corresponding author: Rubens Feferbaum. E-mail: rfeferbaum@uol.com.br

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