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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.27 no.1 São Paulo jan./abr. 2017

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.127643 

ORIGINAL ARTICLE

 

Fatores determinantes para a ocorrência de acidentes domésticos na primeira infância

 

 

Manalde Ferreira da SilvaI; Danilo Rafael da Silva FontineleII; Alex Vandro Silva de OliveiraIII; Maria Augusta Rocha BezerraIV; Silvana Santiago da RochaV

IGraduada em Enfermagem - Universidade Federal do Piauí, Campus Universitário Ministro Petrônio Portella - Bairro Ininga, CEP: 64049-550 - Teresina - PI, Brasil
IIAcadêmico de medicina - Universidade Estadual do Piauí - UESPI, Rua Olavo Bilac, 2335 - Centro - CEP: 64001-280, Teresina - PI, Brasil
IIIGraduado em Enfermagem - Centro Universitário UNINOVAFAPI, Rua Vitorino Orthiges Fernandes, 6123 - Uruguai, CEP: 64073-505, Teresina - PI, Brasil
IVDoutoranda em Enfermagem - Universidade Federal do Piauí, Campus Universitário Ministro Petrônio Portella - Bairro Ininga, CEP: 64049-550 - Teresina - PI, Brasil
VDoutora em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e Professora do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Piauí, Campus Universitário Ministro Petrônio Portella - Bairro Ininga, CEP: 64049-550 - Teresina - PI, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O acidente doméstico é uma das principais causas de morte entre crianças, caracterizando-se por ser um evento que envolve múltiplos fatores determinantes, destacando-se os fatores intrapessoais, interpessoais, culturais e institucionais
OBJETIVO: Analisar os fatores determinantes para ocorrência de acidentes domésticos na primeira infância
MÉTODO: Trata-se de um estudo exploratório e descritivo, transversal, realizado no município de Teresina-PI, no Hospital de Urgência, no período de janeiro a março de 2016. A população foi composta por 21 cuidadores de crianças menores de cinco anos internados entre janeiro a março de 2016. Para coleta de dados realizou-se uma entrevista estruturada sobre os aspectos relacionados aos fatores determinantes para ocorrência de acidentes domésticos com crianças. Realizou-se uma análise descritiva, a partir de frequências absolutas e relativas para as variáveis. Foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob parecer de nº 1.324.184
RESULTADOS: Em relação aos fatores intrapessoais para ocorrência de acidentes domésticos, os pré-escolares foram as principais vítimas (57,2%). Na análise dos fatores interpessoais, averígua-se que a maioria das participantes (85,7%) não considerava o domicílio seguro para crianças. A avaliação dos fatores institucionais demonstrou que a maioria (52,4%) das cuidadoras não havia sido orientada quanto à prevenção de acidentes no domicílio. Sobre os fatores culturais, a maioria das participantes (81%) não havia tido conhecimento de notícias sobre acidentes domésticos
CONCLUSÃO: O pré-escolar do sexo masculino é a principal vítima de acidentes domésticos e são incipientes as orientações de pais e cuidadores sobre a prevenção de acidentes na infância

Palavras-chave: acidentes, criança, enfermagem.


 

 

INTRODUÇÃO

A ocorrência do acidente doméstico na infância é um problema de saúde pública1. Estima-se que 10 milhões de crianças sejam vítimas de lesões e um milhão morram em decorrência de acidentes por ano2. Lesões fatais são, entretanto, apenas um dos grandes impactos sociais, pois para cada óbito infantil causado por acidentes domésticos, há inúmeros casos de lesões não fatais com diversos graus de morbidade3.

A maior parte dos estudos sobre acidentes na infância aponta índices superiores a 50% dos eventos no domicílio, e associam estatisticamente o ambiente doméstico à ocorrência de acidentes com crianças. Uma pesquisa realizada em cinco hospitais de cinco países (Bangladesh, Colômbia, Egito, Malásia e Paquistão), que objetivou analisar a epidemiologia das lesões acidentais na infância verificou que entre os 2.660 (99%) registros em que a informação sobre o local da lesão era disponível, 1510 (56,8%) aconteceram em casa4. Um estudo desenvolvido em 16 países da Europa também relacionou o ambiente doméstico ao risco de acidentes envolvendo crianças menores de cinco anos5.

Na conjuntura nacional, os resultados de uma pesquisa realizada em Cuiabá, com a finalidade de identificar os fatores ambientais, químicos, biológicos e culturais associados às mortes por acidentes entre crianças, adolescentes e jovens adultos, mostraram que estão ao alcance das crianças materiais pontiagudos, ferramentas, sacos de plástico e que, também, em todos os domicílios, as crianças tiveram acesso livre à cozinha, banheiro, lavanderia e fogão6.

Entretanto, é essencial esclarecer que o acidente doméstico envolvendo crianças tem causas e consequências complexas, pois, além de envolver o ambiente, também possui como fatores determinantes os aspectos relativos ao cuidador, à família e à própria criança. Isso posto, a interação desses variados fatores, somados ainda aos aspectos sociais, às diferenças culturais e expectativas da sociedade, demonstra um contexto complexo que pode tanto ter participação no agravo quanto na atenuação do acidente7.

Portanto, a identificação desses fatores pode contribuir reduzindo acidentes e, consequentemente, situações traumáticas as quais muitas vezes levam a consequências fatais7.

Assim, o objetivo é analisar os fatores determinantes para ocorrência de acidentes domésticos com crianças na primeira infância.

 

MÉTODO

Trata-se de um estudo exploratório e descritivo, transversal, com abordagem quantitativa, realizado no Hospital de Urgência de Teresina (HUT), inserido na Rede de Urgência e Emergência.

A população foi composta por cuidadoras de crianças menores de cinco anos que foram internadas entre janeiro a março de 2016, na clínica pediátrica do Hospital de Urgência de Teresina. Utilizaram-se os seguintes critérios de inclusão para estabelecer os participantes deste estudo: ser maior de 18 anos; ser cuidador de uma ou mais crianças de zero a quatro anos, 11 meses e 29 dias, há, pelo menos, seis meses; permanecer exercendo a função por um período mínimo de quatro horas diárias. Por conseguinte, os critérios de exclusão foram: o cuidador que possuísse diagnóstico de transtorno mental e/ou que cuidasse de crianças com quadro de incapacidades motoras graves. A coleta de dados da pesquisa foi realizada no HUT, em local apropriado e privativo nas imediações da unidade de internação, por pesquisadores executantes que receberam treinamento prévio. Para realização da entrevista empregou-se um formulário, em sua primeira parte composto por variáveis que visavam caracterizar o cuidador da criança que sofreu o acidente (indicadores sociodemográficos), o cuidado prestado e a internação. A segunda parte visava realizar a análise dos fatores determinantes para a ocorrência de acidentes domésticos com crianças8,9.

Os instrumentos da coleta de dados foram organizados e depois digitados na planilha software Microsoft Excel versão 2010 e em seguida importados para software Statistical Package for Social Sciences for Windows (SPSS) versão 18.0 para geração dos resultados, onde foi feita a análise estatística descritiva. Os dados foram apresentados em tabelas.

Quanto aos aspectos éticos e legais, vale ressaltar que a pesquisa foi realizada mediante aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Piauí recebendo parecer favorável sob nº 1.324.184, buscando atender as exigências do Conselho Nacional de Saúde no que diz à execução de pesquisas com seres humanos nomeados pela resolução 466/128.

 

RESULTADOS

Participaram da pesquisa 21 cuidadores de crianças que estiveram internadas durante o período de janeiro a março de 2016 nas unidades pediátricas do Hospital de Urgência de Teresina. Todas as participantes eram do sexo feminino, a maioria tinha idade entre 25 e 31 anos (38,1%), e possuíam como nível de instrução o ensino fundamental incompleto (33,3%). A população era igualmente divididas em cuidadoras solteiras (47,6%) e casadas (47,6%).

Quanto à caraterização do cuidado prestado por estas cuidadoras às vítimas de acidentes domésticos, observa-se que, no que diz respeito à classificação, o tipo de cuidador mais encontrado foi a mãe (95,2%) que se dedicava exclusivamente ao cuidado da criança e afazeres domésticos (66,7%). A quantidade de horas dispensadas ao cuidado foi superior a oito horas diárias (81%), nos três turnos (81%). A maioria (52,4%) cuidava de duas crianças na primeira década de vida no mesmo domicílio e exercia a função de cuidadora por um período de tempo compreendido entre três e quatro anos (42,9%).

O principal acidente responsável pela internação da criança foi a queda, correspondendo a 52,4% das ocorrências. O período da tarde (66,7%) foi o horário em que ocorreu o maior número de acidentes, assim como a sala (28,6%) e o quintal (28,6%) foram os lugares mais citados. O tempo de internação predominante foi entre 12 e 24 horas (81%). A maioria dos casos avaliados (52,4%) não havia feito cirurgia e 95,2% não necessitou de internação na Unidade de Terapia Intensiva.

A região mais afetada pelo acidente doméstico nas crianças pesquisadas foi a de membros superiores (52,3%), seguida por face (19%), membros inferiores e abdome (14,2%) (Tabela 1).

Análise dos fatores determinantes para a ocorrência de acidentes domésticos com crianças

A segurança da criança depende de fatores determinantes que envolvem uma interação entre hábitos familiares, normas culturais e entorno, incluindo fatores intrapessoais (idade e sexo da criança, ocorrência de acidentes anteriores, e culpabilização da criança), interpessoais (número de pessoas residentes no domicílio, idade da mãe da criança que sofreu o acidente, idade do pai da criança que sofreu o acidente, percepção de segurança do domicílio, renda familiar, supervisão da criança, presença de animais domésticos no domicílio, acidentes anteriormente sofridos pela criança, entre outros) institucionais (realização de orientações à família e à criança sobre a prevenção de acidentes domésticos) e culturais (presença de arma de fogo no domicílio, recebimento de informação sobre a prevenção de acidentes na infância)9.

Verifica-se que em relação aos fatores intrapessoais capazes de determinar a ocorrência de acidentes domésticos com crianças, no que concerne à idade, os pré-escolares foram as principais vítimas (57,1%). As crianças do sexo masculino (57,1%) foram as que mais sofreram acidentes e a maioria (95,2%) das crianças estudadas não havia sofrido acidente anterior. Quando indagados sobre se achavam que tinham culpa no acidente sofrido, 85,7% das cuidadoras disseram que não se sentiam culpadas pela ocorrência (Tabela 2).

Na análise dos fatores interpessoais, a maioria das participantes (85,7%) não considerava o domicílio seguro para crianças. A renda familiar mensal de 61,9% das cuidadoras era de um a três salários mínimos (na ocasião da pesquisa 262,02 US$). A criança estava sendo vigiada em 57,1% dos casos em que o acidente ocorreu e 61,9% das entrevistadas ponderaram que os acidentes são eventos normais da infância. Em 66,7% das casas havia animais domésticos, conforme apresentado na Tabela 3.

Quanto à ocorrência de acidente domésticos anteriores, 47,6% das crianças internadas já haviam caído de cadeira ou lugares altos e 23,8% tinham sofrido queda de carrinho/bicicleta/velocípede/moto; o engasgo já havia acontecido em 19% das crianças; 14,3% já havia se queimado e nenhuma ingeriu produtos de limpeza/medicamentos/plantas/tóxicos.

No que concerne a situações que constituem risco para a ocorrência de acidentes domésticos com crianças, de acordo com as cuidadoras, 23,4% das crianças tomavam banho sozinhas e usavam baldes/bacias/banheiros para brincadeiras. Quanto a ficar na calçada ou no interior do domicílio sem supervisão, ou dormirem sozinhas 76,2% das cuidadoras responderam que não permitiam. Conforme as cuidadoras, 66,7% das crianças não usavam ou usaram andador/andajá.

A avaliação dos fatores institucionais demonstrou que a maior parte (52,4%) das cuidadoras não havia sido orientada, antes de a criança sofrer o acidente, quanto à prevenção de acidentes no domicílio. Nos casos em que a orientação ocorreu, os Agentes Comunitários de Saúde e familiares (14,3%) foram os principais responsáveis por esta ação. Após o acidente, durante a internação, 95,2% das cuidadoras afirmaram não ter recebido nenhuma orientação quanto à prevenção de acidentes. A maioria das crianças (42,9%) da pesquisa não frequentava a escola, no entanto das que frequentavam, 38,1% não havia recebido orientação sobre a prevenção de acidentes em ambiente escolar (Tabela 4).

Sobre os fatores culturais capazes de determinar a ocorrência de acidentes domésticos com crianças, verificou-se que a maioria das participantes (81%) não havia tido conhecimento de notícias sobre acidentes domésticos. Das cuidadoras que haviam tido contato com tais tipos de notícias (19%), 66,7% afirmaram que foi por meio da televisão. Quanto a ter conhecimento sobre iniciativas do governo para prevenção de acidentes domésticos com crianças, 81% afirmou não ter tido nenhuma experiência prévia e 81% considerava não ser possível a criança passar toda a infância sem sofrer acidentes (Tabela 5).

 

DISCUSSÃO

As cuidadoras participantes desta pesquisa eram adultas jovens, sendo possível afirmar que existe relação entre faixa etária e prevenção de risco de acidentes. A idade da mãe pode interferir na ocorrência de acidentes domésticos com crianças, pois quanto mais jovem, menor a experiência e maior o risco não só de acidentes, mas de mortalidade relacionada a eles10.

Baixos níveis de escolaridade também podem ter relação direta com o conhecimento sobre prevenção de acidentes, visto que pesquisa desenvolvida na Turquia, que teve o objetivo de determinar a frequência das lesões causadas por acidentes e fatores relacionados em crianças até cinco anos, evidenciou que quanto maior o nível de instrução, maior a probabilidade de identificar riscos11. Ademais, resultados de um estudo realizado em Bagdá que teve o objetivo de avaliar o nível de conhecimento de mulheres a respeito de acidentes domésticos com crianças e demonstrar sua associação com alguns fatores demográficos, evidenciaram que as mães possuíam conhecimento deficiente em relação aos acidentes domésticos mais comuns. No entanto, o conhecimento preventivo das mães pode ser inversamente proporcional a seu nível de estudo. Uma possível explicação é o fato de as mães com educação superior trabalharem fora do domicílio e ficarem ausentes durante o dia, o que faz com que as crianças estejam propensas a acidentes. Ainda nessa pesquisa, determinou-se que pais viúvos e divorciados possuem mais informação de como proteger os filhos de acidentes em relação aos pais casados, talvez por considerarem seus filhos mais valiosos12.

O trauma é a causa mais importante de mortalidade e incapacidade, sendo responsável por mais mortes do que todas as doenças combinadas. As causas mais comuns da lesão em um estudo realizado em Dhaka, Bangladesh, foram as quedas, queimaduras, lesões por corte e lesões por trânsito3. De acordo com a OMS, as cinco causas mais comuns de lesões não intencionais são lesões no trânsito, quedas, queimaduras, afogamento, e envenenamento. Tais acidentes afetam não apenas as crianças, mas também suas famílias e a sociedade4.

Nesta pesquisa, os locais de maior frequência dos acidentes foram sala e quintal da casa, resultado semelhante a outro estudo que constatou uma maior porcentagem (75,8%) de acidentes domésticos ocorrendo no quarto e sala de estar11.

A cozinha é considerada o lugar mais perigoso da casa para as crianças. Neste estudo, este foi o segundo local de maior ocorrência de acidentes domésticos, o que pode ser devido à falta de conhecimento de mães/cuidadores sobre como manter os seus instrumentos de cozinha fora do alcance de crianças12.

Em consequência do acidente, as lesões dos membros superiores foram mais comuns do que as lesões dos membros inferiores, assim como no estudo realizado em Delhi, Índia, sobre a identificação da relação entre lesões em crianças e múltiplos indicadores sociodemográficos, o qual demonstrou que os membros superiores foram acometidos em 53% das ocorrências de acidentes domésticos, em comparação aos membros inferiores que foram lesionados em apenas 33% dos casos. Além disso, houve semelhança também nos resultados subsequentes que foram lesões de cabeça e pescoço (5%) e tórax (9%)13.

A frequência de acidentes é maior entre os três e cinco anos de vida14. Pode-se inferir a partir desta constatação que as crianças de até um ano de idade têm menor risco de acidentes devido, provavelmente, a uma maior supervisão dos responsáveis, visto que após um ano de idade a criança começa a adquirir alguma independência. Porém, os riscos de lesão diferentes estão associados a diferentes idades e fases de desenvolvimento da criança e requerem diversas práticas preventivas e de fiscalização.

Os resultados do estudo evidenciam ainda uma maior prevalência do sexo masculino na ocorrência de acidentes domésticos. Teorias têm sido desenvolvidas para explicar este fenômeno dentre as quais se atribuiu ao fato de os meninos envolverem-se em atividades de alto risco e ter um comportamento mais impulsivo do que as meninas. Também é sugerido que as crianças do sexo masculino socializam de forma diferente das crianças do sexo feminino, com menos vigilância e restrição em jogos e atividades15.

A maioria das crianças do estudo não havia sofrido acidentes anteriores. Estudos mostram que o conhecimento das mães sobre a prevenção de acidentes domésticos envolvendo crianças é aprimorado quando há ocorrência de acidentes anteriores, pois aprendem a partir de suas experiências passadas12.

A maioria das cuidadoras não se sentiu responsável pelo ocorrido, o que pode relacionar-se a crença de que alguns acidentes são inevitáveis na primeira infância1. Ainda assim, é possível verificar que a prevenção de acidentes pode ocorrer por meio da melhoria de condições ambientais, particularmente as condições em casa, sobre as quais é necessário dar prioridade e reconhecer as mães como fatores fundamentais11.

A maioria das participantes do estudo não considerava a casa um ambiente seguro para crianças. Tal fato aliado à resistência dos pais em mudar seus comportamentos de segurança pode servir como fator de risco para o desenvolvimento de acidentes. Um estudo recente também mostrou que viver sob aluguel constituiu-se obstáculo, pois os pais não instalavam equipamentos de segurança em casas que não lhes pertenciam1.

As crianças de famílias com menos rendimentos e pertencentes a um nível socioeconómico desfavorável apresentam maior risco de lesão não intencional15. Contudo, encontrou-se também na literatura resultados que não mostram diferença estatisticamente significativa na frequência de acidentes de acordo com níveis de renda. Uma justificativa poderia ser a de que famílias com baixa renda mensal não relataram os acidentes por não tratar-se de ferimentos graves, uma vez que estariam mais preocupados com o fornecimento de alimentos para a família e outras condições de vida11.

Entre os acidentes domésticos ocorridos e relatados pelas cuidadoras investigadas, as quedas apresentaram-se em maior proporção. As quedas são comumente a principal causa de lesões não intencionais13, mas não a principal causa de morte. Os fatores de risco são a idade, o gênero, a renda e o nível de escolaridade. Em pesquisa turca, dentre as crianças que caíram, 59,6% foram atendidas em ambulatório, o que sugere que a queda é tipo de acidente mais grave para produção de lesões em crianças menores de cinco anos11

Evidenciou-se também que, segundo as cuidadoras, apesar do acidente ocorrido, as crianças eram supervisionadas durante o desenvolvimento de suas atividades diárias, como ao tomar banho, permanecer no interior do domicílio ou na calçada, e ao dormirem. Esse fato é importante, visto que a supervisão direta sobre a criança é capaz de reduzir consideravelmente os eventos acidentais, inclusive os fatais16. O uso do andador/andajá também não foi frequente, corroborando com estudos realizados pela Associação Americana de Pediatria sobre acidentes na primeira infância, que indicaram um risco considerável de lesões maiores e menores e até mesmo a morte associados ao uso de andadores infantis17.

O estudo encontrou ainda que a maioria dos cuidadores não havia sido informado sobre a prevenção de acidentes domésticos envolvendo crianças. A importância do dado está no fato de que crianças com até cinco anos são vulneráveis a acidentes domésticos quando o conhecimento dos pais sobre potenciais riscos é insuficiente11. Alguns pais dizem receber muitas informações sobre prevenção de acidentes em crianças ainda bebês e menos informações à medida que elas crescem. Há também pais que considerem ter recebido informação, entretanto posteriormente ao acesso de conhecimento por iniciativa pessoal1.

Nesse sentido, os dados corroboram com uma pesquisa realizada em Bogotá sobre acidentes com pacientes pediátricos, os quais evidenciaram que 76% dos cuidadores nunca receberam informações sobre prevenção de acidentes15. Logo, a insuficiência de implementação de programas de prevenção pode resultar em demandas desfavoráveis aos perfis epidemiológicos infantis e à qualidade de vida das crianças, prejudicando assim seu desenvolvimento saudável18.

Embora os acidentes infantis aconteçam predominantemente dentro dos lares, o ambiente escolar não está isento de riscos para quedas e outros tipos de acidentes. Assim, busca-se, atualmente, com as políticas públicas utilizar o ambiente escolar como importante local de atividades preventivas e promotoras da saúde. As recomendações objetivam a conscientização e mobilização para reduzir os danos à qualidade de vida14.

Os resultados do estudo evidenciaram que existe pouca atuação dos profissionais de saúde quanto a orientações sobre medidas de prevenção de acidentes domésticos, tanto anteriores como após sua ocorrência. Os profissionais de saúde têm uma grande responsabilidade na educação e alerta da família para a prevenção de acidentes, pois estes lhe conferem uma grande credibilidade. São intervenientes ativos na mudança de comportamentos e atitudes, no sentido da prevenção de acidentes e minimização das sequelas que deles podem advir. A todos os profissionais de saúde cabe um papel de extrema responsabilidade, quando sensibilizam e fornecem informação aos cuidadores sobre esta problemática nos contatos programados ou incidentais que têm com a criança19. Faz-se necessário, portanto, que seja cultivada a construção de uma nova forma de agir dentro de hospitais, com a finalidade de basear o cuidado na saúde ao invés de na doença20.

No âmbito da Atenção Básica, é possível expandir a atuação profissional quando se torna realidade uma colaboração mais cidadã, pautada na prática da educação em saúde recomendada pelo Ministério da Saúde21. Tal aspecto é importante porque durante a consulta pediátrica constitui-se um espaço privilegiado para discussão e apresentação das principais informações a pais e cuidadores sobre a prevenção de acidentes. Além disso, o foco da prevenção deve ser não só os cuidadores, mas também os profissionais de saúde, políticos, legisladores, meios de comunicação e empresas privadas para que estes estejam também devidamente preparados15.

Ressalta-se, portanto, a importância dos profissionais da saúde que atuam na atenção à saúde infantil na Estratégia Saúde da Família. Para tanto, é necessário que esses profissionais tenham conhecimento da vulnerabilidade no desenvolvimento da criança pautada nos programas de saúde em vigor, para que haja menos destaque à responsabilização dos cuidadores e mais apoio nas diretrizes programáticas18.

É importante também envolver setores relacionados à saúde, educação, engenharia e setores de atividade especializados para implementar medidas adequadas a intervenções técnicas e atividades legislativas necessárias para diminuir o risco de lesões ou mesmo óbito resultantes das causas identificadas3.

Faz-se necessário, ainda, compreender a cultura e as percepções da sociedade para que seja possível promover mudança de comportamento, mesmo em visões fortemente instituídas a respeito do cuidado com crianças. O conhecimento dos aspectos culturais de grupo, para a equipe que assiste e prepara as orientações sobre acidentes domésticos infantis, são fundamentais para a assimilação e necessidades das famílias das crianças. Existem falhas no compartilhamento de conhecimentos, transformação de pesquisa em prática e em como obter evidências significativas sobre intervenções eficazes para a prática de rotina22.

O estudo apresenta como limitação o fato de não ser representativo dos acidentes que não geram internação, os quais também são influenciados por fatores determinantes que necessitam ser compreendidos. Além disso, esse estudo transversal dependeu da informação autorrelatada, envolvendo as percepções e opiniões das participantes e, apesar da proximidade com a ocorrência do acidente, os dados podem estar sujeitos ao viés de lembrança.

Acredita-se que este trabalho é inovador e pioneiro no Piauí ao propor uma avaliação do risco de acidente doméstico com os fatores elencados na literatura considerados determinantes para sua ocorrência com crianças. Estes achados sustentam que existem situações que, aliadas ao processo de desenvolvimento e características da própria criança, colaboram para a ocorrência desses acidentes, possibilitando que órgãos de saúde pública e educação utilizem estas informações para elaborar estratégias de intervenções futuras.

Desse modo, a avaliação os fatores envolvidos em acidentes domésticos com crianças em âmbito social, cultural e institucional permitem uma maior compreensão desta realidade e serve como norteador para os profissionais seja em nível primário ou terciário, de práticas e atitudes preventivas de acordo com o contexto em que a família está inserida. Além disso, os resultados do estudo demonstram a importância da qualidade da relação profissional de saúde-usuário, pois a partir desta comunicação é possível estabelecer vínculos que facilitem o repasse de informações sobre prevenção de acidentes e promoção da saúde para um desenvolvimento infantil saudável.

 

AGRADECIMENTO

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), por meio do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC, pela bolsa que patrocinou a pesquisa de iniciação científica apresentada nesse estudo.

 

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Endereço para correspondência:
Silvana Santiago da Rocha
silvamanalde@gmail.com

 

 

Manuscript submitted: 26 Dec 2016
Accepted for publication 14 Feb 2017

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