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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.27 no.1 São Paulo jan./abr. 2017

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.127647 

ARTIGO ORIGINAL

 

Comparação do estado nutricional em crianças de cinco a dez anos de idade beneficiárias do Programa de transferência de dinheiro condicional nos Estados do Acre e do Rio Grande do Sul, Brasil

 

 

Anderson Gonçalves FreitasI; Diego Gonçalves de LimaI; Miguel Junior Sordi BortoliniII; Dionatas Ulises de Oliveira MeneguettiIII; Edigê Felipe de Sousa SantosIV; Hugo Macedo JuniorV; Romeu Paulo Martins SilvaVI

INutricionista, Mestrando em Ciências da Saúde na Amazônia Ocidental da Universidade Federal do Acre - UFAC - Bloco Francisco Mangabeira Sala 17 - Campus Universitário - 1º Piso, BR 364, Km 04 - Distrito Industrial, CEP 69915-900 - Rio Branco-AC
IIDoutor em Imunologia e Parasitologia Aplicadas, Prof. Dr.º Universidade Federal do Acre - UFAC - Bloco Francisco Mangabeira Sala 17 - Campus Universitário - 1º Piso, BR 364, Km 04 - Distrito Industrial, CEP 69915-900 - Rio Branco-AC
IIIDoutor em Biologia Experimental, Prof. Dr.º Universidade Federal do Acre - UFAC. - Bloco Francisco Mangabeira Sala 17 - Campus Universitário - 1º Piso, BR 364, Km 04 - Distrito Industrial, CEP 69915-900 - Rio Branco-AC
IVMestre em Ciências da Saúde. Departamento de Epidemiologia, Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo, Brasil
VMédico Sanitarista, Doutor em Saúde Pública. Professor do departamento de saúde da coletividade da Faculdade de Medicina do ABC, Santo André , SP, Brasil
VIDoutor em Genética e Bioquímica, Prof. Dr.º Universidade Federal do Acre - UFAC.- Bloco Francisco Mangabeira Sala 17 - Campus Universitário - 1º Piso, BR 364, Km 04 - Distrito Industrial, CEP 69915-900 - Rio Branco-AC

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: No Brasil tem-se observado que houve uma redução nos casos de desnutrição nos últimos anos, porém acompanhado a esse decréscimo houve um aumento em relação às taxas de sobrepeso e obesidade. Essas mudanças em conjunto com outras como alteração dos padrões alimentares e o estilo de vida caracterizam o processo de transição nutricional
OBJETIVO: Comparar as prevalências do perfil nutricional de crianças beneficiárias do Programa Bolsa Família dos estados do Acre e do Rio Grande do Sul, assim como analisar mudanças no perfil antropométrico dessas crianças por período de cinco anos
MÉTODO: Trata-se de estudo ecológico utilizando dados secundários do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) e Bolsa Família do Departamento de Informática do SUS (DATASUS), no qual foi avaliado o estado nutricional de crianças maiores de cinco anos e menores de dez anos beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF) no ano de 2011 a 2015 nos estados do Acre e Rio Grande do Sul. A amostra constituiu de 94.865 crianças do Acre e 342.462 crianças do Rio Grande do Sul. Para classificar o estado nutricional utilizou-se o Índice de Massa Corporal/idade
RESULTADOS: A média da prevalência de eutrofia de crianças na faixa etária cinco a dez anos beneficiárias no Acre foi de 70,42% e 61,28% no Rio Grande do Sul; o sobrepeso foi de 13,06% no Acre e 19,48% no Rio Grande do Sul; a obesidade 5,08% no Acre e 9,36% no Rio Grande do Sul; e a obesidade grave 4,02% no Acre e 6,92% no Rio Grande do Sul
CONCLUSÃO: O sobrepeso e obesidade em crianças beneficiárias do PBF tem crescido nos últimos cinco anos, notadamente no estado do Rio Grande do Sul possivelmente pelo fato da transição nutricional já estar em um estágio mais avançado do que no Estado Acre

Palavras-chave: estado nutricional, prevalência, criança, políticas públicas.


 

 

INTRODUÇÃO

O Brasil, assim como outros países em desenvolvimento, passa pela chamada transição nutricional, com mudanças no padrão dietético tradicional, substituindo fibras e carboidratos complexos por alto consumo de gordura e carne vermelha1. A transição nutricional pode ser caracterizada por quatro etapas: desaparecimento progressivo do "Kwashiorkor" ou da desnutrição edematosa; desaparecimento do marasmo nutricional; aparecimento do binômio sobrepeso/obesidade e por último déficit estatural2.

O aumento constante de sobrepeso e obesidade no mundo já é visto como epidemia e tem afetados todas as classes sociais e todas as idades. O sobrepeso na infância triplicou entre 1980 e 2000 nos Estados Unidos3, e o Brasil vem seguindo padrão semelhante conforme demostra diversas pesquisas. Abrantes, Lamounier e Colosimo4 avaliando sobrepeso e obesidade em crianças e adolescentes de regiões do Nordeste e Sudeste encontraram prevalência de obesidade em crianças de 8,2% e 11,9%, respectivamente. Balaban e Silva5 observaram que em crianças e adolescentes de uma escola no Recife o sobrepeso e obesidade foram mais significantes estatisticamente em crianças, alcançando a prevalência de 26,2% e 8,5% da sua amostra, respectivamente.

No Brasil, o programa de transferência de renda condicional conhecido como Programa Bolsa Família (PBF), instituído pela Lei nº. 10.836, de 9 de janeiro de 2004 e regulamentado pelo Decreto nº. 5.209 em 18 de novembro do mesmo ano foram criados para melhorar a qualidade de vida do extrato mais pobre da população através da transferência de renda direta, condicionada a certas obrigações que visam permitir a essa população o acesso aos serviços públicos6. O perfil dos titulares do programa representa em sua maioria indivíduos em situação de risco, a maior parte são negros ou pardos (64%), com nível de instrução até o ensino fundamental (56%), com a maioria dos titulares sendo mulheres (94%) e mães solteiras (27%)7.

O Sistema de Informação de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) é um sistema de informação em saúde que transforma dados em informações, cujo objetivo é avaliar o estado nutricional através da aferição de medidas antropométricas dos indivíduos e assim fornecer o diagnóstico da situação nutricional, permitindo dessa forma destinar políticas públicas para população mais vulnerável8.

Assim, o objetivo deste estudo é comparar as prevalências do perfil nutricional de crianças beneficiárias do Programa Bolsa Família de dois estados brasileiros, Acre e Rio Grande do Sul, assim como analisar mudanças no perfil antropométrico dessas crianças por período de cinco anos.

 

MÉTODO

Trata-se de estudo ecológico realizado por meio de dados secundários, no qual foi avaliado o estado nutricional de crianças maiores de 5 anos e menores de dez anos beneficiárias do Programa Bolsa Família (PBF) no ano de 2011 a 2015 nos estados do Acre e Rio Grande do Sul. Os dados foram obtidos através do Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN) e Bolsa Família disponíveis no Departamento de Informática do SUS (DATASUS) website (www.datasus.gov.br). O método empregado neste trabalho seguiu de forma similar o estudo feito por Silva e Nunes9 onde foi analisado mesmo público, porém no estado de Mato Grosso do Sul no ano de 2010.

O estado do Acre possui 164.123km de extensão territorial, localiza-se na região Norte, é composto por 22 municípios e teve uma população estimada para o ano de 2015 de 803.513 habitantes10. Apresenta o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,663, sendo o penúltimo da região ficando à frente apenas do Pará11.

Já o estado do Rio Grande do Sul tem 281.737 km extensão territorial, localizado na região Sul, é composto por 497 municípios e possui uma população estimada para o ano de 2015 de 11.247.972 habitantes12. Apresentando o pior IDH da região 0,74611. A escolha do IDH foi feita, por que é um índice composto que agrega três das mais importantes dimensões do desenvolvimento humano: a oportunidade de viver uma vida longa e saudável, de ter acesso ao conhecimento e ter um padrão de vida que garanta as necessidades básicas, representadas pela saúde, educação e renda13.

Para o presente estudo, foram adquiridas informações sobre crianças de cinco a dez anos de idade do estado do Acre (AC) e do Rio Grande do Sul (RS), beneficiárias do PBF nos anos de 2011 a 2015, sendo descrito o processo no Quadro 1. Em 2011, existiam informações de 10.401 crianças de cinco a dez anos no Acre e 54.018 no Rio Grande do Sul para os estados nutricionais avaliados de ambos os sexos. Em 2012, foram registradas no AC 11.249 e no RS 53.347. No ano de 2013, fizeram parte dos registros 19.004 no AC e 71.798 no RS. Já em 2014, no AC 26.371 e no RS 81.930. Por fim em 2015, integraram os registros 27.840 crianças no AC e 81.369 no RS.

 

 

Para classificar o estado nutricional das crianças beneficiárias do PBF, utilizou-se o índice de massa corpórea (IMC), calculado pela divisão entre a massa corporal (kg) e o quadrado da estatura (m), tomando-se como referência os pontos de corte da Organização Mundial da Saúde14, empregados pelo SISVAN a partir de 2008. Os pontos de corte do IMC variam conforme a idade e o estado nutricional podem ser classificado a partir de percentil e/ou escore Z. Empregaram-se nessa pesquisa informações sobre os escores Z calculados pelo próprio SISVAN. São definidos seis pontos de corte para o IMC, baseado no escore Z14: a) magreza acentuada (< -3); b) magreza (> -3 e < -2); c) eutrofia (> -2 e < +1); d) sobrepeso (> +1 e < +2); e) obesidade (> +2 e < +3); f) obesidade grave (> +3). Para o presente estudo, não serão utilizadas as categorias descritas nos itens a e b; sendo utilizados apenas os itens c, d, e e f.

As medidas antropométricas foram coletadas e registradas conforme as padronizações do SISVAN15. A medida de massa corporal é obtida com uma balança calibrada, podendo ser mecânica de plataforma ou eletrônica digital. A estatura é avaliada por meio de um antropômetro vertical ou por meio de uma fita antropométrica afixada na parede. Os profissionais de saúde da atenção básica, responsáveis pela coleta dos dados, recebem o manual e devem seguir os procedimentos contidos no documento15.

Para o tratamento dos dados, fez-se uso do programa Excel para obter as informações do site do SISVAN e analisar as informações de forma descritiva (frequências absoluta e relativa). Utilizou-se o programa GraphPad Prism®, versão 5.00, para o cálculo dos intervalos de confiança e o teste ANOVA two-way e Tukey para identificar diferenças entre as proporções. Foi adotado um nível de significância de 5%.

O presente estudo envolve apenas a descrição e análise de dados secundários. Todas essas fontes de informação são de domínio público. Em especial, nenhuma informação com identificação individual foi obtida para a realização deste estudo. Assim, este estudo dispensou parecer de comitê de ética.

 

RESULTADOS

A tabela 1 mostra a prevalência do estado nutricional durante cinco anos dos beneficiários do PBF nos estados do Acre e Rio Grande do Sul. É possível observar que houve um aumento da prevalência do estado nutricional eutrófico durante os cinco anos em crianças do Acre quando comparado com as de Rio Grande do Sul. Enquanto que a prevalência referente ao estado de sobrepeso e obesidade foram maiores no Rio Grande do Sul. A obesidade grave nas crianças acreanas reduziu ao longo dos anos analisados. Encontrou-se associação significativa entre os dois estados e em todos os itens do presente estudo (Tabela 1).

Conforme pode ser visto na figura 1, no período de 2011 a 2015, a média da prevalência de eutrofia de crianças na faixa etária cinco a dez anos beneficiárias no Acre foi de 70,42% e 61,28% no Rio Grande do Sul; o sobrepeso foi de 13,06% no AC e 19,48% no RS; a obesidade 5,08% no AC e 9,36% no RS; e a obesidade grave 4,02% no AC e 6,92% no RS, nota-se diferença entre os dois estados em todas as variáveis analisadas, com significância estatística (p<0,001). Rio Grande do Sul acumula níveis maiores de sobrepeso, obesidade e obesidade grave quando comparado com o Acre (Figura 1).

 

DISCUSSÃO

Os resultados obtidos revelaram o perfil nutricional das crianças beneficiárias do PBF demonstrando que a prevalência de excesso de peso (sobrepeso + obesidade) aumentaram no Acre e no Rio Grande do Sul durante os anos analisados. Além disso, no estado do Sul a prevalência de eutrofia reduziu enquanto que no estado do Norte observou-se o contrário. Ademais, as crianças gaúchas apresentaram valores mais elevados de obesidade e obesidade grave.

Em relação aos dados antropométricos, identificou-se prevalência de eutrofia de 70,4% no Acre e de 61,3% no Rio Grande do Sul, enquanto que a prevalência de sobrepeso foi de 13% no estado da região Norte e 19% no estado da região Sul do Brasil. Esse resultado é semelhante ao encontrado por Pelegrini et al.15 que avaliaram 2.913 crianças de sete a nove anos de idade residentes no Brasil e estimaram prevalência de eutrofia de 81,9% e 72,3% respectivamente na região norte e sul e de sobrepeso de 13% e 17,5%. Ao comparar três referencias para classificar o estado nutricional, Melo et al.16 obtiveram prevalência de 77,4% de eutrofia e 13,1% de sobrepeso em crianças de Rio Branco, Acre. Dados de sobrepeso também foram semelhantes aos encontrados em duas capitais da região Nordeste (Recife - 12,9% e Sergipe - 13,2%).9,17 Por outro lado, identificou-se ausência de dados disponíveis sobre o estado nutricional de crianças na região amazônica.

Verificou-se ainda que o sobrepeso em crianças apresentou tendência crescente durante os anos estudados nos dois estados, demonstrando que mesmo com características socioeconômicas e culturalmente diferentes a prevalência segue aumentando. Com a revolução digital, urbanização e a violência nas grandes cidades, o padrão de vida das crianças e adolescentes também tem se modificado ao longo dos anos, aumentando o tempo despendido diante de televisores ou computadores18, contribuindo para elevação de indicadores de sobrepeso e obesidade.

Estudo conduzido com famílias beneficiárias do PBF em Curitiba, Paraná, notificou os indivíduos que relataram sua alimentação como inadequada, o que poderia ser ocasionado por alguns motivos como falta ou consumo reduzido de hortaliças e frutas, o faziam em razão dos custos elevados desses produtos19. Famílias pobres que apresentam aumento de renda gastam mais com alimentos ricos em açúcares e gorduras, podendo ser esta a razão do aumento de excesso de peso observado nesse estrato20. O nível socioeconômico interfere na prevalência de sobrepeso e obesidade na medida em que determina a disponibilidade de alimentos e o acesso à informação17.

A obesidade é uma doença de origem multifatorial e sua prevalência entre as crianças vem aumentado em todo mundo. Os principais riscos para a saúde das crianças obesas são a hiperlipidemia, a hipertensão arterial sistêmica, além de danos de origem psicológicas, uma vez que crianças obesas são discriminadas21. Foi encontrado uma prevalência de 5,08% de obesidade em crianças do Acre e 9,36% em crianças do Rio Grande do Sul. Os achados encontrados são semelhantes aos resultados de Rech et al.22 que pesquisaram escolares de 7 a 12 anos em uma cidade serrana do Rio Grande do Sul - 7,4%, 8,4%, 7,2% e 9,8% para crianças de 7, 8, 9 e 10 anos respectivamente. Oliveira et al.23 encontraram associação positiva entre níveis elevados de escolaridade dos pais, alta renda familiar, presença na residência de eletrodomésticos como TV, computador e vídeo game com a obesidade. Esse fato pode explicar a diferença entre a prevalência da enfermidade nos estados, uma vez que a população do Rio Grande do Sul possui poder aquisitivo maior e mais acesso aos bens de consumo.

Em relação ao aumento do excesso de peso na população infanto-juvenil de área urbana, rural e indígenas, as modificações no estilo de vida têm favorecido para prevalência de excesso de peso de 14% a 30% 24. Assim, foi demonstrado que maus hábitos alimentares e sedentarismo não são características apenas dos centros urbanos. Esses dados corroboram com os encontrados neste estudo que mostra que obesidade e o sobrepeso em crianças beneficiárias do PBF tem crescido em áreas mais urbanas, como na região Sul, como em áreas mais rurais, como na região Norte.

Mantovani et al.25 avaliando a estatura para idade em crianças menores de cinco anos em um município do Acre verificaram que o nanismo ainda está presente com prevalência de 14,4% da amostra. Estatura baixa para idade pode indicar desnutrição acumulada por longo período, afetando negativamente a saúde e muitas vezes sem possibilidade de recuperação, impedindo o desenvolvimento físico pleno das crianças. A situação econômica materna e esgoto a céu aberto foram variáveis que mostraram aumentar o aparecimento de nanismo na amostra segundo os autores. O estudo corrobora a ideia de que a população acreana vive os extremos da desnutrição e obesidade.

A classificação precisa do perfil nutricional de crianças é crucial para determinar a dimensão de problemas em nível de saúde pública. No diagnóstico do sobrepeso e obesidade pelo índice de massa corporal em crianças e adolescentes existem vários referenciais antropométricos nacionais e internacionais recomendados dificultando a elaboração de ações de prevenção do sobrepeso e obesidade16. Ressalta-se ainda que os nossos dados sejam mantidos pelo Ministério da Saúde e, portanto, são confiáveis e representativos da população, possibilitando o seu uso como ferramenta factível para estabelecer dados mais precisos sobre perfil nutricional de crianças beneficiárias do Programa Bolsa Família dos estados do Acre e do Rio Grande do Sul.

Pesquisadores analisaram dados de 17.561 crianças europeias, asiáticas e africanas, e encontraram que o sedentarismo, os comportamentos familiares de risco (obesidade materna, fumar próximo à criança e não ingerir o café da manhã), a baixa renda e a baixa escolaridade foram os fatores mais associados à obesidade infantil26. No Brasil, Abrantes, Lamounier e Colosimo4 avaliando obesidade em crianças da região Nordeste e Sudeste encontraram prevalência sempre maior na região Sudeste (8,2% e 11,9%, respectivamente) resultado semelhante ao encontrado no presente estudo em que o estado do Acre encontra-se em situação mais favorável que Rio Grande do Sul. Pode-se atribuir esse fato as características alimentares da população das diferentes localidades, uma vez que os hábitos dos pais influenciam diretamente na preferência alimentar e no hábito de atividade física da criança27-29. O estado do Acre ainda é considerado subdesenvolvido, e não tem acesso a shopping centers, não é bombardeado por marketing das lojas de fast-food e ainda mantém a cultura alimentar tradicional.

Silva30 estimou a prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças residentes de uma capital na região Nordeste e beneficiárias do programa de transferência de renda e identificou prevalência de obesidade entre 11 e 15,1%, recomendando prioridade dos serviços de saúde para essa população. Saldanha et al.31 encontrou resultados semelhantes em crianças de uma capital da região Sudeste, concluindo que a população coberta pelo Programa Bolsa Família está passando pelo processo de transição nutricional. Essa mudança no padrão alimentar reflete o aumento no consumo de alimentos em geral, incluindo os processados, de elevada densidade calórica e baixa qualidade nutricional.

De acordo com trabalho proposto por Bezerra e Sorpreso32, é importante que as práticas de promoção da saúde acionem mecanismos que visem à criação ou recriação de um novo modelo de produzir saúde, a fim de superar as ações orientadas ainda pelo enfoque exclusivamente biológico. O acompanhamento realizado pelos profissionais dos da Atenção Básica aos beneficiários do PBF, representa um grande incentivo para a erradicação da situação de debilidade e pobreza, inclusive com ações educacionais e formativas às crianças e seus familiares33. Portanto, estudos de caracterização da população assistida pelo PBF podem ser capazes de induzir melhoras na qualidade da atenção à saúde da criança, incluindo o nível primário, em que medidas de prevenção e de tratamento continuam pouco eficazes.

Machado et al.34 evidenciaram que o Programa Saúde na Escola no Brasil tem mobilizado ações relevantes com profissionais de saúde no âmbito escolar, mesmo que isto não tenha se dado de forma homogênea em todas as regiões brasileiras, visto que as regiões que mais tem realizado as ações são as regiões Norte e Nordeste. Podendo ser essa uma possível explicação para o estado nutricional das crianças do Acre encontrarem-se melhor do que as do Rio Grande do Sul associado ao fato de que as regiões citadas possuem maiores desigualdades sociais e econômicas do país, tendo estas uma maior inserção das atividades de equipes de saúde há mais tempo.

Pesquisas utilizando dados secundários têm limitações próprias e está sujeitos a erros de registro, digitação e subnotificação, o que representa uma limitação deste estudo. Assim como não foi possível identificar novos cadastros de crianças no PBF ano a ano, e sim o total de crianças existentes beneficiárias do programa.

Os resultados encontrados neste trabalho trazem dados de dois estados do Brasil com características distintas, mas que experimentam aumentos na prevalência de sobrepeso e obesidade em crianças. Na Saúde Pública, os serviços de alta qualidade são direcionados por indicadores de morbidade e sua associação direta com faixas etárias assistidas. Estudos de caracterização da população são importantes para rastreamento, planejamento e alocação efetiva de recursos de saúde para populações em risco, podendo ser capazes de induzir melhoras na qualidade da atenção à saúde dessas crianças, incluindo o nível primário, em que medidas de prevenção de excesso de peso continuam pouco eficazes.

Os indivíduos beneficiários de um programa de transferência de dinheiro condicionado apresentaram elevação nos estratos de sobrepeso e obesidade. Esse quadro representa que o perfil nutricional dessas crianças não está adequado, podendo-se justificar que esta população passou a ter acesso a alimentos em geral, incluindo os processados e globalização de hábitos não saudáveis.

Assim, conclui-se que sobrepeso e obesidade em crianças beneficiárias do PBF tem crescido nos últimos cinco anos, notadamente no estado do Rio Grande do Sul, possivelmente pelo fato da transição nutricional já estar em um estágio mais avançado do que no estado do Acre.

Conflitos de interesse

Os autores deste manuscrito declaram não haver nenhum tipo de conflitos de interesse envolvidos.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Email: anderson.freitas2@hotmail.com

Manuscript submitted in 2016
Accepted for publication in Jan 2017

 

 

Pesquisa realizada no Centro de Ciências da Saúde e do Desporto da Universidade Federal do Acre.

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