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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.27 no.1 São Paulo jan./abr. 2017

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.127652 

ORIGINAL ARTICLE

 

Desenvolvimento de lactentes com indicador de risco para deficiência auditiva e classificação ambiental

 

 

Danielle Mendonça Araujo; Natália Caroline Rovere; Maria Cecília Marconi Pinheiro Lima

Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP - Rua Tarumã, 412 13098-341 Campinas, SP, Brasil. Departamento de Desenvolvimento Humano e Reabilitação da Universidade Estadual de Campinas

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Lactentes com indicadores de risco para deficiência auditiva (IRDA) têm maior probabilidade de apresentar atrasos do desenvolvimento. Além dos indicadores de risco biológicos, o ambiente em que o lactente está inserido pode determinar o desfecho do desenvolvimento infantil.
OBJETIVO: Comparar o desenvolvimento motor, cognitivo e de linguagem de lactentes com e sem indicadores de risco para deficiência auditiva e conhecer as affordances no ambiente domiciliar dos lactentes com e sem indicadores de risco.
MÉTODO: Pesquisa observacional exploratória, transversal e quantitativa, na qual o desenvolvimento de 77 lactentes com IRDA (GE- Grupo de Estudo) foi comparado ao de 77 lactentes sem os indicadores (GC- Grupo Comparado). Avaliou-se a cognição, linguagem e motricidade por meio das Escalas Bayley de Desenvolvimento Infantil e o ambiente domiciliar pelo questionário Affordances no Ambiente Domiciliar para o Desenvolvimento Motor - Escala Bebê.
RESULTADOS: Os indicadores de risco mais frequentes foram histórico familiar (25,6%) e hiperbilirrubinemia (24,4%). No GE, 13 (16,8%) dos lactentes apresentaram atrasos em pelo menos um domínio do desenvolvimento e no GC 3 lactentes (3,9%). Houve diferença estatisticamente significativa nos domínios motor (p = 0,0001), cognitivo (p = 0,001) e de linguagem (p = 0,0304), com melhor desempenho no GC. Quanto ao ambiente domiciliar, 70,2% dos domicílios do GE classificou-se em "Menos que o adequado" ou "Moderadamente adequado", enquanto no GC o valor foi de 50,7%.
CONCLUSÃO: O desenvolvimento médio dos lactentes com IRDA está abaixo comparado aos lactentes sem indicadores e o número de ambientes abaixo do esperado é maior no grupo de lactentes com IDRA

Palavras-chave: desenvolvimento infantil, fatores de risco, ambiente, deficiência auditiva, lactentes.


 

 

INTRODUÇÃO

Lactentes com indicadores de risco são assim considerados pela presença de condições biológicas e/ou ambientais que fazem com que aumente a incidência de atrasos ou distúrbios do desenvolvimento. Ainda que as condições sejam desfavoráveis não se pode afirmar que os prejuízos ocorrerão, por isso as avaliações de acompanhamento infantil são necessárias e podem detectar os lactentes cujos indicadores de risco ocasionaram atrasos no desenvolvimento1.

Acompanhar lactentes de risco faz parte da abordagem de vigilância no desenvolvimento, cujo conceito reflete a complexidade do processo de desenvolvimento da criança nos primeiros anos de vida. O Manual para Vigilância do Desenvolvimento Infantil no Contexto da Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância enfatiza a necessidade de acompanhamento do lactente nos dois primeiros anos de vida devido à maior plasticidade neuronal e melhores resultados nas intervenções precoces2.

No que diz respeito às deficiências sensoriais, é possível identificar neonatos com indicadores de risco para perdas auditivas no processo da Triagem Auditiva Neonatal Universal (TANU), visto que no momento do teste, o responsável é questionado a respeito de características do período gestacional e perinatal referentes aos indicadores de risco. Por conseguinte, bebês que possuírem um ou mais indicadores de risco para deficiência auditiva (IRDA) são encaminhados para programas de monitoramento auditivo como forma de garantir que alterações auditivas e atrasos no desenvolvimento da linguagem sejam detectados precocemente3.

O Comitê Multiprofissional em Saúde Auditiva (COMUSA) sugere que neonatos com IRDA e com resultado satisfatório no momento da triagem, devem realizar monitoramento da função auditiva até o terceiro ano de idade, por profissional capacitado. Usualmente, o monitoramento é realizado por fonoaudiólogos, mas visto que os indicadores de risco são comuns a outros domínios do desenvolvimento (cognitivo e motor) e que as respostas auditivas são expressas por comportamentos motores, faz-se necessário a composição de equipes interdisciplinares visando o acompanhamento integral do lactente3.

No tocante ao acompanhamento do desenvolvimento infantil, além das condições biológicas, devem-se buscar informações a respeito do ambiente em que a criança está inserida, pois pode influenciar e determinar o desfecho do desenvolvimento da criança4. A criação de ambientes favoráveis é dependente da quantidade e qualidade disponível de recursos que possibilitem as interações entre a criança e os demais membros da família inseridos5.

Avaliações do desenvolvimento infantil, envolvendo os domínios cognitivos, linguagem e motricidade são frequentemente realizadas por meio das Escalas Bayley do Desenvolvimento Infantil, terceira edição (BAYLEY-III), considerada teste de referência para essa finalidade6. Em relação aos fatores ambientais influenciadores do desenvolvimento é possível avaliar as affordances do ambiente ao desenvolvimento da motricidade por meio do questionário Affordances no Ambiente Domiciliar para o Desenvolvimento Motor - Escala Bebê (AHEMD-IS)7. De acordo com Gibson8 as affordances (oportunidades e eventos) são as possibilidades oferecidas pelo ambiente a um agente particular e podem ser condutivas para estimular o desenvolvimento motor.

Avaliar o desenvolvimento levando-se em consideração os indicadores biológicos e o ambiente em que o sujeito se insere relaciona-se ao conceito elaborado por Parker et al.9 intitulado de risco duplo. Segundo o autor e colaboradores, as crianças com indicadores de risco, mais susceptíveis às doenças, também são aquelas que sofrem as consequências de viverem em condições socioambientais adversas9. Isto posto, faz-se necessário o acompanhamento do desenvolvimento de lactentes com indicadores de risco e do ambiente que os cercam.

Assim, o objetivo do estudo foi comparar o desenvolvimento motor, cognitivo e de linguagem de lactentes com e sem indicadores de risco para deficiência auditiva e descrever as affordances no ambiente domiciliar.

 

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa observacional de caráter exploratório, com delineamento transversal e abordagem quantitativa. Foram avaliados 154 lactentes, com faixa etária de oito a dez meses, 77 deles continham pelo menos um Indicador de Risco para Deficiência Auditiva (IRDA) (Grupo de Estudo) e 77 não tinham nenhum indicador de risco (Grupo Comparado).

Os indicadores de risco considerados foram: histórico familiar de surdez, hiperbilirrubinemia (sem necessidade de exanguíneo transfusão), consanguinidade, doenças infecciosas na gestação, uso de medicações ototóxicas, asfixia neonatal, uso de drogas na gestação, lactente acompanhado pelo setor de genética e gestante com a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (HIV+). Esses indicadores são pertinentes a uma população que nasce em boas condições de saúde e que não necessitam de intervenções específicas ou permanência em Unidade de Terapia Intensiva.

O Grupo de Estudo foi composto de participantes de um programa de monitoramento auditivo, todos que se enquadravam nos critérios da pesquisa foram convidados a participar no período de Julho/2014 à Novembro/2015. O Grupo Comparado foi recrutado por contato telefônico aos responsáveis de lactentes que haviam realizado o teste de emissões otoacústicas na mesma instituição.

Foram excluídos do estudo lactentes que ao nascimento permaneceram em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal ao nascimento, que nasceram com idade gestacional inferior ou igual a 35 semanas e lactentes já inseridos em programas de estimulação precoce por atrasos no desenvolvimento.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), parecer de número 637.421/2014. Todos os responsáveis foram informados a respeito dos objetivos, bem como os métodos adotados nas avaliações.

Os instrumentos utilizados foram as escalas diagnóstico BAYLEY-III6 e o questionário AHEMD-IS7. A escala diagnóstico possui cinco escalas independentes, são elas: cognição, linguagem, motricidade, social-emocional e comportamental-adaptativa, pode ser utilizada para crianças de zero à 42 meses. A referida escala vem sendo frequentemente utilizada na população brasileira apesar de não traduzida e adaptada do inglês para o português, tratar-se de uma escala de referência sendo possível a obtenção de informações detalhadas acerca do desenvolvimento neuropsicomotor10-12.

O início da avaliação está relacionado à idade da criança, representado no caderno de registro. Em caso de crianças com prematuridade a idade cronológica deve ser corrigida. O tempo médio para avaliação varia de 25 a 40 minutos. Quando a resposta da criança não refletir, com segurança, a sua habilidade, consequente ao choro ou ao sono, a avaliação deve ser interrompida, retornando assim que o desconforto estiver solucionado. A avaliação deve ser suspensa quando, mesmo após a pausa permitida, o choro, sono, ou outros desconfortos não forem solucionados.

A pontuação de cada item em cada categoria pode ser um (1) ou zero (0). Ao receber a pontuação 1 (um), significa que a criança desempenhou a exigências do item conforme os critérios estabelecidos. Ao receber a pontuação 0 (zero), ela não cumpriu com o preconizado pelo item ou não o realizou. Cada escala independente é pontuada com base na somatória de tarefas realizadas pela criança gerando escores brutos, que são convertidos em diferentes tipos de escores. De acordo com o manual, recomenda-se, para uso em pesquisas científicas, os escores baseados em normas para a idade, como o escore composto, pois é a partir desses escores que as medidas psicométricas são garantidas. Para o escore composto, 100 é a pontuação média com desvio-padrão de ±15 pontos. É possível também classificar os escores compostos em faixas: muito superior (acima de 130 pontos), superior (entre 129 a 120 pontos), acima da média (119-110 pontos), na média (109 a 90), abaixo da média (89-80), limítrofe (79-70) e extremamente baixo (69 ou menos pontos)6.

O questionário AHEMD-IS, criado e validado nos Estados Unidos e no Brasil é considerado simples, eficaz e auto-aplicável direcionado aos responsáveis para avaliação das affordances que o domicílio favorece ao desenvolvimento motor em crianças com idade compreendida entre 3 e 18 meses7.

O questionário é composto por uma parte inicial contendo informações da criança (nome, sexo, peso ao nascer e o tempo em que esta frequenta creche) e das características familiares, tais como: grau de escolaridade da mãe, do pai e informações referentes à residência: tipo de residência (apartamento ou casa), número de adultos e de crianças que nela residem, há quantos anos residem na residência e o número de quartos existentes7.

Encontram-se outras 35 questões divididas em três dimensões: Espaço Físico da residência; Variedade de Estimulação; Brinquedos para Motricidade Fina e Brinquedos para Motricidade Grossa. A sessão chamada "Espaço Físico", objetiva avaliar a presença de espaço adequado para a criança brincar e movimentar-se livremente, o tipo de superfície ou solo, a presença de mobílias, superfícies inclinadas e degraus. Na sessão "Variedade de Estimulação" busca-se informações sobre a rotina da criança, presença de pares da sua idade, e ainda se os pais a encorajam em brincadeiras. A terceira sessão é chamada de "Brinquedos para Motricidade Fina e Grossa", assinala os tipos e a quantidade de brinquedos que a criança possui, de acordo com a sua descrição e função7.

O somatório dos pontos obtidos nas questões pertencentes a cada uma das subescalas é conhecido como escore total. Os scores das subescalas e o score total podem ser classificados em: "Menos que o adequado", "Moderadamente adequado", "Adequado" e "Excelente", dessa maneira quantificam-se as affordances presentes no ambiente domiciliar para o desenvolvimento infantil7.

As avaliações das escalas BAYLEY-III, foram realizadas por dois pesquisadores, o avaliador e um observador. As informações eram registradas quando ambos concordavam com a resposta do lactente. Durante a avaliação os lactentes devem estar em bom estado geral, sem sinal de agitação ou desânimo excessivo além do costumeiro, conforme relato do responsável. Subsequente à avaliação do desenvolvimento dos lactentes, os responsáveis respondiam ao questionário AHEMD-IS.

A caracterização da população foi obtida por meio do preenchimento da BAYLEY-III e do questionário AHEMD-IS e para apresentação foi utilizado o método estatístico descritivo e os resultados foram apresentados com valores de médias, desvios-padrão, mediana e mínimo e máximo. Para comparação do desenvolvimento dos grupos foi aplicado o teste de Mann-Whitney. Em todos os testes foram consideradas diferenças estatisticamente significantes com valores de "p" menor que 0,0.

 

RESULTADOS

Participaram do estudo 154 lactentes, subdivididos em grupo estudo (GE) e grupo comparado (GC). O GE foi composto por 77 lactentes, 38 (49,4%) lactentes do sexo feminino e 39 (50,6%) lactentes do sexo masculino. O GC foi composto por 77 lactentes, 43 (55,8%) lactentes do sexo feminino e 34 (44,2%) lactentes do sexo masculino. A média de idade corrigida no momento da avaliação para o GE foi de 282,3 dias (± 20) e para o GC foi de 273,9 dias (± 20). A média de idade materna foi de 25,9 (± 7,1) anos para o GE e 27,5 (± 6,9) anos para o GC.

Na Tabela 1, observa-se a caracterização neonatal da amostra, incluindo informações acerca da idade gestacional, do peso ao nascimento e do Índice de APGAR no quinto minuto de vida. Referente à idade gestacional, 14 (9%) lactentes classificaram-se como pré-termos, sendo que 9 (5,8%) deles pertenciam ao grupo comparado e 5 (3,24%) ao grupo de estudo. Nenhum dos lactentes pré-termos apresentou idade gestacional menor que 35 semanas gestacionais. O Índice de APGAR apresentou diferença estatisticamente significativa entre os grupos, os valores foram menores para o GE.

Os indicadores de risco para perda auditiva da amostra do GE estão descritos na Tabela 2. Destacam-se que os indicadores mais prevalentes foram o histórico familiar e presença de hiperbilirrubinemia. Dezesseis lactentes (20%) apresentaram mais que um indicador.

Na Tabela 3, observa-se a frequência na classificação das Escalas BAYLEY-III dos grupos GE e GC. Houve um lactente de cada grupo classificado como limítrofe, sendo que o do GE pertencia à escala motora e no GC à escala de linguagem. Verificou-se mais lactentes do GE abaixo da média em relação ao GC. No GE, foram 13 (16,8%) lactentes com classificação inferior ao esperado, sendo que três deles apresentaram-se abaixo da média em mais de um dos domínios observados. Foram oito casos abaixo da média e um limítrofe no domínio motor, seis casos no domínio linguagem e um caso no domínio cognição. No GC foram três (3,9%) lactentes com classificação inferior ao esperado, sendo dois abaixo da média no domínio motor e um limítrofe no domínio linguagem. Também foi possível observar maior frequência de lactentes acima da média no grupo comparado.

Na Tabela 4, observa-se a comparação do desempenho cognitivo, de linguagem e motor utilizando o Composite Score das Escalas Bayley. Os resultados estão expressos pela média, desvio padrão, mediana e valores de máximo e mínimo das pontuações. Houve diferença estatisticamente significativa em todos os domínios avaliados, sendo que o GE apresentou valores menores que o GC.

Na Tabela 5, observa-se a frequência na classificação do ambiente conforme o questionário AHEMD-IS. Ao comparar os grupos quanto às pontuações no AHEMD-IS não houve diferenças estatisticamente significativas em nenhuma das categorias propostas pelo questionário. O escore total médio de ambos os grupos classificou-se em moderadamente adequado, bem como o espaço físico e os brinquedos para estimulação grossa.

A variedade de estimulação e os brinquedos para motricidade fina se classificaram como adequados para ambos os grupos. No GE, 23 (29,9%) das residências estavam adequadas ou excelentes, enquanto que no GC, 38 (49,4%) (Escore Total). Quanto ao número absoluto e percentual de classificações no Escore Total do AHEMD-ID em "Menos que o adequado" e "Moderadamente adequado" somou-se 54 (70,2%) affordances para o GE e 39 (50,7%) affordances para o GC.

 

DISCUSSÃO

No presente estudo, avaliou-se 154 lactentes. Com relação aos indicadores de risco para perda auditiva progressiva ou de aparecimento tardio presentes no GE, verificou-se que o indicador mais prevalente foi o histórico familiar para perda auditiva. Além disso, foi possível perceber que 16 (20,8%) lactentes tinham mais que um indicador de risco.

Em achados de Tiensoli et al.13, identificou a prevalência de deficiência auditiva em crianças de hospital público de Belo Horizonte. Foram avaliados 798 lactentes e neonatos, sendo que 468 do alojamento conjunto e destes, 25,6% apresentavam pelo menos um indicador de risco para deficiência auditiva. Os indicadores de risco mais prevalente dos neonatos de alojamento conjunto foram os antecedentes familiares, representados por 25%, igual ao encontrado em nossa pesquisa, de 25,6%13. Outro estudo realizado em um hospital público de São Paulo em 2009, verificou percentual de neonataos com indicadores de risco semelhante aos de Minas Gerais14. Diferente do encontrado na região Sudeste, uma pesquisa realizada em um hospital público de Pernambuco teve como indicador mais prevalente a hiperbilirrubinemia, nos 47% dos lactentes que passaram no programa de TANU (Triagem Auditiva Neonatal Universal)15.

Ribeiro, Beltrame16 ao avaliar as características neuromotoras e biopsicossociais de lactentes com histórico de risco biológico observaram que estas podem apresentar comprometimento em relação a aspectos do desenvolvimento neuromotor e ressaltam a importância do acompanhamento do desenvolvimento infantil.

Na tabela 3, percebe-se que a maioria dos participantes demonstrou desenvolvimento cognitivo, motor e de linguagem dentro dos limites de normalidade. No entanto, os percentuais de desempenho abaixo da média ou limítrofe do GE foram superiores aos 5% esperados em amostras normativas nas três áreas nas Escalas BAYLEY-III6, chegando a 16,8%, representado por treze sujeitos, sendo que três deles apresentaram atrasos em mais que um domínio do desenvolvimento. No GC, três sujeitos apresentaram-se abaixo da média ou limítrofes, o que corresponde à 3,9%, estando dentro do esperado pela normatização das BAYLEY-III do Desenvolvimento.

Estudos recentes acerca do desenvolvimento cognitivo, de linguagem e motor, em especial na população de lactentes nascidos prematuros e com baixo peso, concordam que esses fatores representam riscos para o desenvolvimento infantil, principalmente nos primeiros anos de vida17-21. Ainda, além desses fatores, Saccani, Valentini22 completam que o tempo de permanência em Unidade de Terapia Intensiva é inversamente proporcional ao desenvolvimento infantil.

Não foram encontrados estudos que avaliem o desenvolvimento infantil de forma global para lactentes com IRDA, a presença desses indicadores ainda é relacionada principalmente aos atrasos de linguagem. Fernandes et al.17 ao avaliar a linguagem de lactentes, encontrou que a função mais alterada aos 12 meses foi a expressiva. Foi observado também como os sentidos audição e visão são primordiais no primeiro ano de vida e a importante relação destes com a linguagem oral, pois foi revelada associação entre os bebês que apresentaram alterações transitórias entre 4 e 8 meses de idade e os atrasos na linguagem oral aos 12 meses. Destaca-se que neste estudo, dos 20 casos alterados aos 4 e 8 meses, 5 continuaram a apresentar atraso aos 12 meses.

Resultados semelhantes foram observados em um grupo de lactentes aos 12 e 24 meses, considerados como desvios transitórios, levando a equipe a concluir sobre a importância e a necessidade de orientar a família para a intervenção adequada, pois de outra forma, as alterações poderiam se tornar persistentes. Nos encontros com as famílias, em especial a mãe, havia sempre trocas de informações e experiências entre os pais e os pesquisadores, que poderiam ter interferido positivamente na relação entre a criança e os familiares, favorecendo o desenvolvimento desses lactentes23.

Na presente pesquisa, o escore total médio de ambos os grupos classificou-se em moderadamente adequado, bem como o espaço físico e os brinquedos para estimulação grossa. Já a variedade de estimulação e os brinquedos para motricidade fina se classificaram como adequados para ambos os grupos.

Expõe-se que no GE, 29,9% das residências foram consideradas adequadas ou excelentes, enquanto no GC o valor foi de 49,4%. Quando analisada a pontuação do escore total do AHEMD-IS, detectou-se que 70,12% (n=108) dos participantes pontuou até 24 pontos, não atingindo nem a metade do total possível (49 pontos), e 27,3% (n=42) pontuou até 18 pontos, indicando valores muito baixos. Resultados semelhantes foram encontrados nos estudos de Defilipo et al.24 e Nobre et al.25, que observaram serem insuficientes as affordances dos domicílios avaliados.

Este dado adquire maior relevância no GE, por se tratarem de lactentes com fatores de riscos biológicos. Conforme Mancini et al.26, crianças expostas a fatores de risco biológicos e ambientais possuem maior probabilidade de apresentar atrasos no desenvolvimento. Além do mais, afirma que crianças com riscos biológicos tendem a ser mais susceptíveis à influência de ambientes desfavoráveis quando comparadas àquelas sem estes fatores27.

Segundo Halpern et al.28, os atrasos no desenvolvimento infantil possuem causas multifatoriais, assim como observado no presente estudo, e ainda é possível verificar nos países em desenvolvimento que os lactentes geralmente são expostos a inúmeros fatores causais e que estes em associação aumentam a probabilidade de atrasos.

Em conclusão, o desenvolvimento infantil global dos lactentes com indicadores de risco para deficiência auditiva está abaixo da média esperada para a faixa etária, ao ser comparado com lactentes sem indicadores. Os estímulos ambientais foram insuficientes em grande parte das residências, indicando restritas oportunidades para o desenvolvimento motor.

 

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Endereço para correspondência:
maraujo.danielle@gmail.com

Manuscript submitted in 2016
Accepted for publication in Sep 2016

 

 

Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES. Processo nº 01P - 4347/2015

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