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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.27 no.1 São Paulo jan./abr. 2017

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.127681 

ARTIGO ORIGINAL

 

Crescimento e puberdade em uma coorte prospectiva de pacientes com anemia falciforme: avaliação em dez anos

 

 

Ingrid Cristiane Pereira GomesI; Hugo Nivaldo MeloI; Suyaluane Italla Amana MeloI; Nelmo Vasconcelos de MenezesI; Tulio Vinicius Paes DantasII; Rosana CipolottiI

IUniversidade Federal de Sergipe, Brasil
IIUniversidade Federal Rural de Pernambuco, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Hemoglobinopatias hereditárias são o grupo das doenças hereditárias monogênicas mais frequentes no mundo. Os eritrócitos na forma de foice, expressão celular da polimerização da Hemoglobina S desoxigenada, causam obstrução vascular intermitente, levando à isquemia tecidual e consequente dano crônico em órgãos e glândulas endócrinas.
OBJETIVO: Avaliar o padrão de crescimento e desenvolvimento puberal de um grupo de portadores de anemia falciforme desde a infância até a vida adulta.
MÉTODO: Trinta pacientes com anemia falciforme entre 10 e 23 anos foram avaliados de forma longitudinal prospectiva em três tempos (Te1: 2005, Te2: 2010 e Te3: 2015) comparativamente a controles. Foram realizadas avaliações antropométrica, puberal e hormonal. Z-escores de peso, estatura e índice de massa corpórea para idade e sexo foram calculados através da comparação com padrões de referência.
RESULTADOS: Em Te1, foram avaliados 30 pacientes com média de idade de 13,93 anos; em Te3, 26 pacientes com média de 25,08 anos. Os controles tiveram média de idade e proporção de sexo similares ao grupo anemia falciforme . Em Te1, o grupo anemia falciforme apresentou Z-escores de peso (p: 0,0002); estatura (p: 0,0184) e índice de massa corpórea (p: 0,0011) menores que o grupo controle. Em Te3, não houve diferença quanto à estatura, mas peso (p: < 0,0001) e índice de massa corpórea (p: < 0,0001) foram menores no grupo anemia falciforme. Os homens apresentaram maior comprometimento ponderal em relação às mulheres nos três tempos (Te1 p: 0,0340, Te2 p: 0,0426 e Te3 p: 0,0387) e menor índice de massa corpórea em Te3 (p: 0,0155). No grupo anemia falciforme houve aumento significativo de peso quando comparados Te1 e Te3 (p: 0,0009) e da estatura quando comparado Te1 ao Te2 (p: 0,0292) e ao Te3 (p: 0,0003). Em Te1, 14 casos e 2 controles foram considerados impúberes. Idade óssea foi atrasada em 12 pacientes. Idade da menarca foi maior no grupo anemia falciforme (média = 15 anos). Cinco pacientes já haviam gestado, porém nenhum paciente havia experimentado a paternidade. Em Te1, níveis de TSH foram maiores (p: 0.0080) e de T3 menores (p: 0.0020) no grupo anemia falciforme. Em Te3, os níveis de LH e FSH foram maiores nos homens com anemia falciforme (p: 0.0014; p; 0.0002). Níveis de IGF-1 foram menores nos casos em Te1 (p: 0.0002) e Te3 (p: 0.0032).
CONCLUSÃO: Pacientes com anemia falciforme apresentaram comprometimento de crescimento e atraso puberal quando comparados a controles. Todavia, ainda que tardiamente, atingem maturação sexual normal. Além disso, alcançaram estatura normal na idade adulta, diferentemente do que ocorreu com peso e índice de massa corpórea. As mulheres com anemia falciforme não relataram dificuldade em relação à fertilidade.

Palavras-chave: anemia falciforme, estudos prospectivos, crescimento, puberdade.


 

 

INTRODUÇÃO

Hemoglobinopatias hereditárias são o grupo das doenças hereditárias monogênicas mais frequentes no mundo. Dentre essas, a doença falciforme afeta mais de 300.000 recém-nascidos a cada ano, a maioria dos quais vivem em países subdesenvolvidos ou em áreas ou famílias com baixo nível socioeconômico em países emergentes, sendo que mais de 70% são homozigotos para a hemoglobina alterada, Hemoglobina S, o que caracteriza a anemia falciforme, forma mais grave da doença falciforme1. Os eritrócitos em forma de foice, expressão celular da polimerização da hemoglobia S desoxigenada, causam obstrução vascular intermitente, levando à isquemia tecidual e consequente lesão crônica de órgãos e de glândulas endócrinas2.

Dentre as complicações endócrinas na anemia falciforme, retardo de crescimento e atraso puberal em crianças e adolescentes foram anteriormente relatados3,4. Excetuando-se estudos realizados a partir da coorte jamaicana, que avaliaram crescimento e puberdade em indivíduos desde o nascimento até a idade adulta, a maioria dos dados disponíveis se refere a observações transversais5,6. Estudos sobre a persistência do comprometimento estatural e sobre eventuais repercussões da restrição do crescimento e do atraso puberal na vida adulta dos portadores de anemia falciforme apresentam resultados controversos7,8.

Devido à escassez de observações longitudinais prospectivas sobre crescimento e puberdade na anemia falciforme na população brasileira, o presente estudo teve por objetivo avaliar o padrão de crescimento e desenvolvimento puberal de um grupo de portadores deanemia falciforme desde a infância até a vida adulta.

 

MÉTODO

Desenho do estudo

Foi realizado um estudo longitudinal prospectivo de pacientes portadores de anemia falciforme atendidos no ambulatório de Hematologia Pediátrica do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe, centro universitário de referência regional, localizado em Aracaju, capital do estado de Sergipe, na região Nordeste do Brasil. Os dados foram colhidos de julho de 2005 a novembro de 2015. Os pacientes foram submetidos à avaliação antropométrica em três momentos (Te1: em 2005, Te2: em 2010 e Te3: em 2015) e avaliação hormonal em Te1 e Te3.

População do estudo

A amostra estudada foi selecionada por conveniência nos dias das consultas ambulatoriais de rotina. Participaram do estudo (Te1) 30 pacientes com anemia falciforme confirmada por eletroforese de hemoglobina, com idade a partir de nove anos para os meninos e de oito anos para as meninas. Foram incluídos pacientes que não apresentavam complicação clínica na ocasião da coleta de dados e que não haviam recebido hemoderivados nos três meses anteriores, não tivessem usado medicação contendo esteroides ou outros hormônios nos últimos 30 dias e que não tivessem outra doença crônica não relacionada à anemia falciforme que pudesse interferir no desenvolvimento pôndero-estatural e/ou puberdade. Indivíduos saudáveis, pareados para sexo e idade, foram recrutados em diversos municípios do estado de Sergipe para compor os grupos controles em Te1 (n = 30) e Te3 (n = 35). Os controles foram submetidos à eletroforese de hemoglobina e foram excluídos os portadores de traço falciforme ou qualquer hemoglobinopatia. Os outros critérios de inclusão aplicados aos pacientes também o foram aos controles.

Avaliação do crescimento e desenvolvimento puberal

Os participantes foram pesados em balança digital (Leader®) e medidos em estadiômetro vertical (Tonelli®) conforme técnica padronizada. O índice de massa corpórea foi calculado através da fórmula índice de massa corpórea = peso/(estatura)2 e expresso em kg/m2. Os Z-escores de peso específicos para idade e sexo foram calculados através da comparação com os padrões de referência de crescimento do Centers for Disease Control and Prevention (CDC), 20009 enquanto os Z-escores de estatura e IMC foram calculados através da comparação com os padrões de referência de crescimento da Organização Mundial de saúde (OMS)10. Avaliação antropométrica foi realizada nos três tempos do estudo.

Avaliação do estágio puberal foi realizada segundo Marshall e Tanner11,12 e os pacientes foram classificados como impúberes quando estavam no estágio Tanner 1 e púberes quando nos estágios Tanner 2 a 5. Idade óssea foi avaliada segundo Greulich & Pyle13 e foi considerada atrasada quando apresentou diferença maior que dois anos em relação à idade cronológica. Idade da menarca foi diretamente interrogada às pacientes ou responsáveis. Esses dados foram investigados em Te1 e Te3. História obstétrica foi questionada às mulheres e número de filhos aos homens em Te3.

Avaliação laboratorial

Em Te1 foram dosados em casos e controles: triiodotironina (T3), tiroxina livre (T4L), hormônio estimulador da tireóide (TSH), hormônio folículo estimulante (FSH), hormônio luteinizante (LH), prolactina (PRL), estradiol (E2) nas mulheres e testosterona (T) nos homens, fator de crescimento semelhante à insulina tipo 1 ou somatomedina C (IGF-1). As dosagens de TSH, PRL, LH e FSH foram realizadas pelo método imunofluorimétrico, do T3, T4L, T e E2, pelo método de fluoroimunoensaio, e do IGF-1 pelo imunorradiométrico. Em Te3 foram realizadas as mesmas dosagens de Te1 em casos e controles, acrescentando-se o anticorpo anti-tireoperoxidase (Anti-TPO) todas pelo método quimioluminescência. Os ensaios foram realizados no Laboratório de Análises Clínicas do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe.

Termo de consentimento informado foi obtido dos participantes e, para aqueles menores de 18 anos, de seus pais ou responsáveis. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Sergipe em 14 de agosto de 2003.

Análise Estatística

Os resultados obtidos foram apresentados sob a forma de números absolutos e proporção (variáveis categóricas) e média±desvio-padrão (variáveis contínuas). As comparações entre grupos de casos versus controle e as comparações entre os sexos dentro do grupo anemia falciforme foram feitas através do teste Mann-Whitney para amostras independentes. As comparações entre os tempos Te1, Te2 e Te3 (grupo de casos) foi feito a partir da ANOVA através do teste de Kruskal-Wallis, seguido pelo teste Student-Newman-Keuls para comparação das médias. Para as análises realizadas, adotou-se o nível de significância de 0,05.

 

RESULTADOS

Os pacientes com anemia falciforme apresentaram diferenças estatisticamente significativas em relação ao grupo controle quanto ao peso, estatura e índice de massa corpórea em Te1. Em Te3 não foi verificada diferença significativa na estatura, entretanto, o peso e o índice de massa corpórea foram significativamente menores no grupo com anemia falciforme em relação ao controle (Tabela 1).

Observou-se que tanto em Te1 quanto em Te3, os homens do grupo anemia falciforme apresentaram peso e índice de massa corpórea significativamente menores que os homens do grupo controle, mas não apresentaram diferença quanto à estatura. Para as mulheres, não se observaram diferenças significativas de peso, estatura e índice de massa corpórea entre os grupos anemia falciforme e controle em Te1, todavia, em Te3, as mulheres do grupo anemia falciforme possuíam peso e índice de massa corpórea significativamente menores que seus controles (Tabela 2).

Avaliando-se os parâmetros antropométricos apenas no grupo de portadores de anemia falciforme e comparando-se em relação ao sexo, constatou-se que os homens apresentaram maior comprometimento ponderal em relação às mulheres nos três tempos do estudo, e menor índice de massa corpórea na fase adulta (Tabela 3).

Avaliando-se a evolução das variáveis antropométricas do grupo anemia falciforme, observou-se que seus Z-escores médios aumentaram progressivamente com o passar dos anos, havendo aumento significativo de peso quando comparados Te1 e Te3 e da estatura quando comparado Te1 ao Te2 e ao Te3 (Tabela 4).

Foram classificados como impúberes no Te1 14 casos (46,7%) e 2 controles (6,66%). Foi observada idade óssea atrasada em 12 pacientes (46,15%). Idade da menarca foi maior no grupo anemia falciforme (média=15 anos), com diferença estatisticamente significativa entre os grupos (Tabela 5). Cinco pacientes já haviam gestado, porém nenhum paciente havia experimentado a paternidade. Duas pacientes apresentaram abortamento espontâneo.

O grupo anemia falciforme apresentou níveis médios significativamente mais elevados de TSH e níveis mais baixos de Te3 em comparação ao controle no Te1. Somente três pacientes (10%) tiveram diagnóstico de hipotireoidis hipotireoidismo subclínico em Te1 e outro no Te3, o qual apresentou anti- TPO positivo. Não se observou nenhum caso de hipotireoidismo clínico. Níveis de T4L foram semelhantes nos grupos nos dois momentos. Anticorpo anti-tireoperoxidase foi positivo em três pacientes do grupo anemia falciforme e em um indivíduo do controle (Tabela 5).

Em Te1, foi realizada avaliação dos níveis basais de gonadotrofinas e esteroides sexuais nos homens e mulheres e foi evidenciada tendência de níveis de testosterona mais reduzidos nos homens do grupo anemia falciforme. Em Te3, esta avaliação foi realizada somente nos homens, visto que grande parte das mulheres de ambos os grupos fazia uso de anticoncepcional, o que alteraria a avaliação do eixo hipofisário-gonadal. Não houve diferença estatisticamente significativa nos níveis de testosterona entre os grupos de homens adultos, enquanto os níveis de LH e FSH foram significativamente maiores nos homens com anemia falciforme em comparação aos controles. Níveis de IGF-1 foram significativamente menores nos casos em relação aos controles em Te1 e Te3, assim como os níveis de prolactina em Te1 (Tabela 5).

 

DISCUSSÃO

Anemia falciforme é a segunda causa de anemia e é a doença monogenética mais frequente no Brasil e em países de todo o mundo, o que a caracteriza como importante problema de saúde pública. Manifestando-se muito cedo na infância e evoluindo cronicamente ao longo da vida, seu impacto sobre o crescimento é controversa em alguns aspectos. O presente estudo, de forma original, avaliou prospectivamente durante dez anos o crescimento e fatores a ele associados em um grupo de portadores de anemia falciforme, desde o início da puberdade até a vida adulta, evidenciando recuperação do comprometimento estatural na vida adulta, mas não do peso e do índice de massa corpórea.

O comprometimento do crescimento em portadores de anemia falciforme tem etiologia multifatorial, com possíveis determinantes relacionados à própria fisiopatologia da doença, como anemia crônica, aumento do metabolismo devido à hiperatividade da medula óssea e inflamação crônica, e demais fatores, como subnutrição e disfunção endócrina14. Os resultados deste estudo evidenciam déficit de peso, de estatura e menor índice de massa corpórea das crianças e adolescentes portadores de anemia falciforme em comparação aos seus pares saudáveis, conforme relato prévio15. Foi visto que os adultos com anemia falciforme apresentaram peso e índice de massa corpórea mais baixos que seus controles, porém não apresentaram diferença quanto à estatura, havendo, portanto, maior recuperação estatural quando comparada ao peso.

A possibilidade de os pacientes com anemia falciforme atingirem seu alvo estatural genético na vida adulta é controversa na literatura. Os achados encontrados neste estudo corroboram com estudos anteriores, que evidenciaram estatura menor que os controles saudáveis entre os mais jovens e valores normais entre os adultos com anemia falciforme15-17. Outros estudos, entretanto, observaram que crianças com anemia falciforme não atingiam altura normal quando adultos4,18. A frequência e a intensidade dos agravos decorrentes da anemia falciforme, assim como a interferência de questões ambientais, podem impactar negativamente sobre o crescimento. Assim, respostas mais consistentes sobre a recuperação ou não na vida adulta do atraso do crescimento de portadores de anemia falciforme podem ser obtidas a partir de estudos longitudinais prospectivos.

Observou-se que meninos apresentaram significativo déficit em relação ao controle para os valores de peso e índice de massa corpórea, tanto na infância e adolescência quanto na fase adulta, enquanto as estaturas não foram diferentes entre os grupos. Diferentemente, os dados obtidos entre as meninas não indicaram diferença significativa de peso, altura ou índice de massa corpórea em relação ao grupo controle quando na infância e adolescência (Te1), porém peso e índice de massa corpórea foram significativamente menores que o grupo controle quando adultas (Te3). Estes dados indicam uma tendência de que o comprometimento ponderal em pacientes com anemia falciforme já pode ser observado no sexo masculino durante a infância e adolescência, mas acomete as mulheres a partir da vida adulta.

O maior comprometimento ponderal, quando avaliados somente os pacientes portadores de anemia falciforme, foi mais intenso no sexo masculino nas três etapas do estudo. Esse achado também não é consensual na literatura4,19,20. No presente estudo, os Z-escores de peso, estatura e índice de massa corpórea para idade e sexo dos pacientes com anemia falciforme aproximaram-se progressivamente da referência. Entretanto, apesar de ter havido aumento significativo do peso na comparação entre Te1 e Te3, houve maior recuperação da estatura final quando comparada ao peso, como já relatado na literatura20.

Retardo da maturação esquelética com atraso na idade óssea no grupo anemia falciforme foi evidenciado no presente estudo. Os pacientes tinham média de idade cronológica de 13,93±3,35 anos (10 a 23 anos) e apresentaram média de idade óssea de 11,32 ± 2,82 anos (8 a 18 anos), achados semelhantes aos demonstrados por outros autores15. Atraso puberal ocorreu em 46,66% dos pacientes com anemia falciforme e em 6,66% dos controles, achado que concorda com estudos prévios que evidenciaram que, apesar disso, os pacientes com anemia falciforme atingiram, ainda que mais tardiamente, maturação sexual normal4,19. Houve diferença estatisticamente significativa entre os grupos quanto à idade da menarca, com média de 15 anos no grupo anemia falciforme e 12,45 anos no grupo controle. Estudo anterior evidenciou que 56,2% das meninas brasileiras de 14 anos com anemia falciforme não haviam alcançado menarca e que a média da idade da menarca foi de 15 anos, enquanto do grupo controle foi de 13 anos7. Outro estudo brasileiro verificou que somente quatro de 16 meninas com anemia falciforme acima de dez anos haviam apresentado menarca, a qual ocorreu, em média, aos 15 anos e 8 meses4. Os resultados do presente estudo, portanto, ratificam o atraso na idade da menarca entre meninas com anemia falciforme.

Os adolescentes com anemia falciforme apresentam atraso no início do estirão puberal e na idade de pico de velocidade de crescimento, quando comparados aos seus pares saudáveis17. O atraso puberal associado ao retardo de idade óssea, seguido de retardo anormal da fusão epifisária durante a puberdade, permite crescimento arrastado dos ossos longos e recuperação da perda da altura ocorrida na infância, explicando a relação paradoxal entre retardo de crescimento pré-puberal e altura normal no adulto21.

Os níveis de IGF-1 das crianças e adolescentes com anemia falciforme no Te1 foram significativamente menores que os dos controles, o que condiz com o atraso puberal apresentado pelo grupo e está de acordo com achados de estudo anterior22. Alteração no eixo GH-IGF-1 foi considerada importante fator etiológico no comprometimento do crescimento de crianças com anemia falciforme23. Os níveis de IGF-1 avaliados nos pacientes com anemia falciforme na idade adulta permaneceram significativamente menores que os níveis do grupo controle, apesar de os pacientes terem alcançado estatura normal. O menor índice de massa corpórea nos adultos com anemia falciforme, decorrente do baixo peso, pode justificar IGF-1reduzido24.

A avalição hipofisária-gonadal não evidenciou diferença no Te1 dos níveis basais de gonadotrofinas, nem do estradiol nas mulheres, porém encontrou tendência de níveis basais reduzidos de testosterona nos meninos com anemia falciforme em relação aos controles, o que se reflete no atraso puberal. Quando adultos, os homens com anemia falciforme apresentaram médias de LH e FSH significativamente mais elevadas e níveis de testosterona semelhantes aos controles. Os resultados contrastam com a literatura, visto que os estudos mostraram baixos níveis de testosterona em homens adultos com anemia falciforme, com níveis de gonadotrofinas que podem refletir tanto hipogonadismo hipogonadotrófico quanto hipergonadotrófico2,23. Estudo anterior encontrou médias de testosterona significantemente menor no grupo anemia falciforme em relação aos controles, todavia com médias de LH, FSH semelhantes24. Os níveis de prolactina no presente estudo não apresentaram diferença estatística entre os grupos na fase adulta, em concordância com estudo prévio24. As médias de gonadotrofinas mais elevadas nos pacientes com anemia falciforme estudados podem ser decorrentes do atraso puberal que apresentaram previamente, levando ainda a um padrão de estímulo do eixo hipofisário-gonadal25.

A história obstétrica interrogada às mulheres com anemia falciforme revelou que cinco das 14 pacientes já haviam gestado, das quais duas tinham apresentado abortamento espontâneo. Estudo anterior avaliou a regularidade de ciclos e o padrão ovulatório em jovens portadoras de anemia falciforme do mesmo serviço e mostraram que a capacidade reprodutiva está preservada26. Apesar de no presente estudo não ter sido investigada diretamente intenção de paternidade, o fato de nenhum adulto jovem com anemia falciforme da amostra estudada tê-la experimentado, associado a níveis normais de testosterona no grupo, aponta a necessidade de investigar aspectos relacionados à fertilidade masculina. Os homens com anemia falciforme podem apresentar infertilidade relacionada a alterações quantitativas e/ou qualitativas do sêmen, além de problemas sexuais como impotência, episódios frequentes de priapismo e ejaculação precoce, como relatado previamente27. A literatura ressalta que a infertilidade parece ser um problema maior entre os homens que entre as mulheres com anemia falciforme14.

O estudo da função tireoidiana no Te1 mostrou níveis mais elevados de TSH e mais reduzidos de T3 no grupo de crianças e adolescentes com anemia falciforme em relação aos controles, além de hipotireoidismo subclínico em três pacientes, os quais evoluíram com função tireoidiana normal. Na fase adulta, não houve diferença estatística quanto aos níveis de hormônios tireoidianos e evidenciou-se um caso de hipotireoidismo subclínico, com anti-TPO positivo. Os resultados corroboram os achados anteriores de redução significativa do T3 e elevação de TSH em homens portadores de anemia falciforme comparados aos controles28. Não se evidenciou nenhum caso de hipotireoidismo clínico na população avaliada. A baixa prevalência de hipotireoidismo na doença falciforme foi referida em estudos prévios2,29.

Uma limitação do presente estudo foi o tamanho da amostra, decorrente da necessidade de exclusão de pacientes que recebem hemotransfusão regular e dos que apresentam intercorrências frequentes. São limitações também a não avaliação da idade óssea no grupo controle e a não realização de avaliação nutricional sistemática.

Os pacientes com anemia falciforme estudados apresentaram comprometimento de crescimento e atraso puberal quando comparados a controles saudáveis. Todavia, ainda que tardiamente, atingem maturação sexual normal. Além disso, alcançaram estatura normal na idade adulta, diferentemente do que ocorreu com peso e índice de massa corpórea, achado ainda mais evidente no sexo masculino. Observaram-se níveis de IGF-1 persistentemente baixos, mesmo na vida adulta e após recuperação estatural. A avaliação do eixo hipofisário-gonadal mostrou resultados discordantes em relação à literatura, apontando para um possível padrão de estímulo persistente decorrente do atraso puberal e que requer novos estudos. Observou-se também que mulheres com anemia falciforme acompanhadas no serviço não apresentaram dificuldade em relação à fertilidade.

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência:
Rosana Cipolotti
E-mail: rosanaci@yahoo.com

Manuscript submitted 2016
Accepted for publication Jun 2016

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