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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.27 no.2 São Paulo maio/ago. 2017

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.126857 

ARTIGO ORIGINAL

 

Intervenções de educação em saúde em mães de crianças com paralisia cerebral

 

 

Micheline Maria Girão de AndradeI; Fabiane Elpídio de SáII; Lêda Maria da Costa Pinheiro FrotaIII; Kátia Virginia Viana CardosoIV; Germana Maria de Alcântara CarleialV

IUniversidade Federal do Ceará (UFC). Intern - Núcleo de Tratamento e Estimulação Precoce (NUTEP). Fortaleza, Ceará, Brasil
IIUniversidade Federal do Ceará (UFC). Fisioterapeuta. PhD. Education. Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Fortaleza. Ceará, Brasil
IIIPhysiotherapist - Núcleo de Tratamento e Estimulação Precoce (NUTEP). Master. Child and adolescent health. Fortaleza, Ceará, Brasil
IVUniversidade Federal do Ceará. Physiotherapist. PhD. Medical Sciences. Departamento de Fisioterapia da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, Ceará, Brasil
VPsychologist - Núcleo de Tratamento e Estimulação Precoce (NUTEP). Specialist in mental health and brief focal psychotherapy. Fortaleza, Ceará, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O desempenho funcional de crianças portadoras de paralisia cerebral sofre influência direta das orientações terapêuticas oferecidas aos cuidadores.
OBJETIVO: Avaliar os efeitos de intervenções educativas em saúde no conhecimento de mães de crianças com paralisia cerebral sobre as orientações recebidas da equipe multiprofissional em relação ao tratamento de seus filhos.
MÉTODO: Estudo intervencional qualitativo desenvolvido em três etapas entre os meses de abril a outubro de 2015 no Núcleo de Tratamento e Estimulação Precoce da Universidade Federal do Ceará. As participantes foram seis mães de crianças com paralisia cerebral. Na 1ª etapa utilizou-se a técnica de entrevistas individuais semiestruturadas gravadas e transcritas na íntegra para apreensão e exploração dos discursos; na 2º etapa, levando-se em conta a saturação e categorização dos discursos, foi desenvolvido e aplicado pelas pesquisadoras um protocolo dividido em oito intervenções de educação em saúde no grupo de mães e na 3ª etapa as entrevistas individuais foram refeitas para nova exploração e comparação dos discursos. A análise dos dados dos discursos foi feita por meio de análise de conteúdo conforme a proposta de Bardin.
RESULTADOS: Relatos de satisfação em receber o cuidado, melhoras no manuseio das crianças, maior segurança na execução das orientações terapêuticas, maior percepção sobre o desenvolvimento da criança com o tratamento e maior preocupação com o autocuidado.
CONCLUSÃO: As intervenções promoveram uma melhor percepção das mães de crianças com paralisia cerebral acerca das orientações terapêuticas recebidas da equipe de saúde, na medida em que se baseiam no modelo centrado na família oferecendo condições às mães para o o enfrentamento e redução da sobrecarga física, emocional e psicológica; através do autocuidado em saúde, e informações acerca de meios e adaptações para a continuidade adequada da assistência à criança.

Palavras-chave: paralisia cerebral, conhecimento, cuidadores, educação em saúde.


 

 

INTRODUÇÃO

O A criança com paralisia cerebral vivencia limitações físicas, sensoriais e por vezes cognitivas; a lesão cerebral afeta o indivíduo desde o começo da vida, e apesar de não ser progressiva possui um alto nível de incapacitação, impactando negativamente na qualidade de vida e exigindo dos cuidadores e familiares um mínimo de conhecimento, dedicação e capacidade de enfrentamento1. O desempenho funcional de crianças portadoras de paralisia cerebral sofre influência direta das orientações terapêuticas oferecidas aos cuidadores2. A educação em saúde torna-se assim, componente vital de intervenção precoce; que baseada na abordagem ou prática centrada na família, proporcionando mecanismos e estratégias para o empoderamento familiar, intensidade e continuidade dos cuidados, promove melhor adaptação familiar às crianças em condição de deficiência, menores níveis de stress, ansiedade e frustração das famílias3; além de proporcionar às crianças inúmeras e melhores oportunidades de prática ativa dentro de suas rotinas diárias4.

Entende-se hoje que a equipe de saúde deve estar capacitada para compreender as experiências e orientar os pais e/ou cuidadores de crianças em condição de deficiência; ouvi-los e reconhecê-los como parte de uma estratégia conjunta de enfrentamento e reabilitação global dessas crianças5. Evitando assim, atitudes nocivas, como a de passividade, onde pais e famílias tornam-se apenas meros replicadores do que lhes é orientado, sem o conhecimento real da condição de seus filhos e/ou o objetivo das orientações. A ausência de horizontalidade e o distanciamento entre o profissional de saúde e a família, ainda representam o principal obstáculo para que as orientações terapêuticas sejam entendidas e realizadas de forma eficaz dentro da rotina de crianças com paralisia cerebral; retardando e/ou até impedindo bons resultados no tratamento ou um prognóstico favorável6. Torna-se necessário definir as estratégias e intervenções em saúde e o apoio oferecido pela equipe de saúde aos pais de crianças com deficiência7,8.

A presente pesquisa tem o propósito de avaliar os efeitos de intervenções educativas em saúde no conhecimento das mães de crianças com paralisia cerebral sobre as orientações recebidas da equipe de saúde durante o tratamento de seus filhos. Considerando que no âmbito dos serviços básicos de assistência à infância a capacitação parental ainda é escassa; também a grande relevância de abordagens centradas nas famílias e do apoio social dentro deste contexto9,10, espera-se que os resultados forneçam estratégias e ações de educação em saúde que propiciem o empoderamento e o conhecimento das mães cuidadoras e famílias de crianças com paralisia cerebral, fortalecendo vínculos e condições necessárias para o desenvolvimento da criança.

 

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa intervencional com abordagem qualitativa e caráter descritivo11. A pesquisa seguiu as determinações éticas da Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde sobre pesquisa envolvendo seres humanos e do Código de Ética da Fisioterapia e Terapia Ocupacional e foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Federal do Ceará com o número do parecer 42515715.4.0000.5054.

O estudo desenvolveu-se entre os meses de abril a outubro de 2015, no Núcleo de Tratamento e Estimulação Precoce - NUTEP, que funciona no Ambulatório de Pediatria da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará- UFC. A seleção da amostra do estudo iniciou-se através da análise de prontuários médicos disponibilizados pela instituição. Foram convidadas pelas pesquisadoras e equipe do Serviço Social da instituição para participarem da intervenção, 24 mães presentes na sala de espera dos atendimentos. Após esclarecimento acerca da pesquisa seis (06) mães com idades entre 20 e 40 anos, com crianças diagnosticadas com paralisia cerebral, em graus variados de comprometimentos motores, cognitivos e sensoriais, atendidas e acompanhadas pelo NUTEP, concordaram em participar do estudo. O critério de inclusão foi ser mãe de criança com o diagnóstico definido de paralisia cerebral com GMFCS entre os níveis III e IV, com no mínimo 06 (seis) meses de tratamento; além da concordância em participar da pesquisa, a leitura e assinatura prévias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Todas as participantes apresentaram nível de escolaridade, ensino fundamental completo, com idades entre 20 e 40 anos e baixo nível socioeconômico. Uma vez incluída na amostra, a mãe era convidada inicialmente a comparecer em sala disponibilizada pelo NUTEP para um encontro individual com uma das pesquisadoras durante o atendimento das crianças para o início dos procedimentos e etapas do estudo.

A pesquisa desenrolou-se em três etapas divididas em subcategorias e descritas mais abaixo: Na 1ª etapa utilizou-se a técnica de entrevistas individuais semiestruturadas gravadas e transcritas na íntegra para apreensão e exploração dos discursos; na 2º etapa, levando-se em conta a saturação e categorização dos discursos, foi desenvolvido e aplicado pelas pesquisadoras um protocolo dividido em oito (08) intervenções de educação em saúde no grupo de mães e na 3ª etapa as entrevistas individuais foram refeitas para nova exploração e comparação dos discursos. Os discursos das mães, a serem investigados e interpretados foram coletados na 1ª e 3ª etapas (antes e após as intervenções educativas da 2ª etapa). O material coletado dos discursos passou por análise minuciosa de conteúdo tendo em vista as etapas propostas por Bardin12: pré-análise, exploração do material, tratamento dos resultados e interpretação; cada relato foi ouvido e transcrito na íntegra e então divididos em categorias para posterior significação e interpretação dos dados discutidos com base na literatura. Todas as participantes da pesquisa tiveram direito ao sigilo e privacidade; garantindo assim suas identificações preservadas. Para isto usamos designações do tipo: Mãe 01, Mãe 02... Mãe 06...

1ª Etapa do estudo:

Os dados iniciais a serem investigados foram coletados no período de abril a maio de 2015 por meio de entrevistas individuais semiestruturadas e gravadas com consentimento das participantes. A entrevista possuía um imperativo ou solicitação norteadora: "Fale-me sobre a condição do seu filho e as orientações que você recebeu ou recebe das terapeutas que o atendem aqui no NUTEP; suas dificuldades, os pontos positivos e negativos no atendimento". A partir daí outras perguntas subsequentes eram feitas e também reformuladas de acordo com o desenrolar de cada conversa. As entrevistas tiveram duração média de 10 minutos.

A seguinte categoria foi retirada da saturação dos discursos da 1ª etapa e foi usada como norteadoras para o desenvolvimento de um protocolo intervencional: A resistência e as necessidades das mães diante das orientações terapêuticas.

A partir da categorização da saturação dos discursos do primeiro momento da pesquisa e interpretação dos dados coletados, elaborou-se um protocolo dividido em oito (08) intervenções educativas em saúde voltadas para as principais necessidades relatadas pelas mães nas primeiras entrevistas. As participantes foram então abordadas e convidadas a se fazerem presentes no segundo momento da pesquisa e para o início da etapa intervencional do estudo.

2ª Etapa do estudo:

O protocolo com oito (08) intervenções educativas em saúde aplicadas pelas pesquisadoras no grupo das seis (06) mães avançou no período de junho a julho de 2015, uma vez por semana, nas manhãs de terça-feira por dois meses; levando-se em conta a categorização dos discursos da 1ª etapa, primando-se por uma abordagem horizontal com orientações terapêuticas e envolvendo atividades como: rodas de conversa (com troca de experiências), aulas expositivo-interativas e vídeos acerca de temas variados e multidisciplinares dentro do contexto da paralisia cerebral.

As intervenções dividiam-se nos seguintes temas: 1. Definições, disfunções, tratamento e prognóstico; 2. Estimulação precoce; 3. Estimulação sensorial, visual e auditiva; 4. Estimulação da linguagem; 5. Alimentação; 6. Posicionamentos, manuseio e posturas adequadas da criança e cuidador; 7. Uso adequado de órteses; 8. Adaptações ambientais, incluindo mobiliários e materiais específicos para continuidade domiciliar do tratamento das crianças. 10. Técnicas de relaxamento13, estímulo e orientações de autocuidado para as mães cuidadoras (sempre aplicadas ao final de todas as intervenções). Seguindo-se então para a última etapa da pesquisa.

3ª Etapa do estudo:

Após a realização e o término das oito (08) intervenções, em setembro de 2015 as mães foram novamente e da mesma forma convidadas para realização de novas entrevistas individuais semiestruturadas, com a mesma questão norteadora do primeiro momento do estudo:"Fale-me sobre a condição do seu filho e as orientações que você recebeu ou recebe das terapeutas que o atendem aqui no NUTEP; suas dificuldades, os pontos positivos e negativos no atendimento". Os discursos foram novamente gravados e transcritos na íntegra. A análise do conteúdo transcorreu entre setembro e outubro de 2015; e como na primeira etapa da pesquisa, em conformidade com as etapas propostas por Bardin12.

Dos discursos e relatos das mães nas entrevistas da 3ª etapa do estudo emergiu a categoria Estratégias de orientação e apoio: dificuldades e carências das mães; de onde as pesquisadoras fizeram uma correlação entre os discursos no momento inicial e final da pesquisa em busca de resultados relevantes. Enfatizando-se que a análise de discurso e seu processo de significação não se tratam apenas de uma construção de sentidos, mas de processos de construção da realidade14.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Após a análise meticulosa dos discursos apreendidos em dois momentos da entrevista, emergiram duas categorias apresentadas no texto anteriormente:

Categoria 1: extraída das entrevistas iniciais da 1ª etapa (pré-intervenções).

Categoria 2: extraída das entrevistas finais na 3ª etapa da pesquisa (pós -intervenções educativas).

Categoria 1- A resistência e as necessidades das mães diante das orientações terapêuticas:

As mães referiram em seus discursos que algumas orientações recebidas da equipe multiprofissional são percebidas como ordens e/ou também críticas aos cuidados prestados à criança dificultando a compreensão do benefício dessas informações.

Observa-se grande resistência ao enfrentamento dessas mães com a condição da criança levando à altos níveis de estresse, como também superproteção, dificultando a adesão ao tratamento e às orientações para o domicílio:

[...] no começo, eu recebia as orientações e eu não sei se era orientação ou era crítica [...] não sei se era carão ou era crítica [...] (Mãe 01).

[...] eu tenho dificuldade na alimentação do meu filho e em colocar ele de pé [...] eu sinto que ele não aceita muito bem a fisioterapia [...] mandam a gente fazer, mas se ele não quer, eu não vou fazer à força [...] quem sabe do meu filho sou eu [...] (Mãe 06).

O conhecimento sobre os objetivos das orientações nem sempre são compreendidos, assim como sobre o papel exercido pela equipe multiprofissional. As orientações terapêuticas chegam às mães muitas vezes com uma linguagem verticalizada e são muitas vezes percebidas como uma exigência contínua de submissão à equipe de saúde15.

Estudos recentes consideram que a equipe de saúde deve ajudar os pais a lidarem com as suas responsabilidades, através do diálogo horizontal e intervenções multidisciplinares baseadas nos valores, preferências, prioridades e necessidades das famílias16; consolidando assim a aliança terapêutica entre a família, a criança e a equipe de saúde.

[...] algumas orientações eu faço [...] pouco, devido à rotina que a gente tem [...] a gente não tem muito tempo livre para fazer toda hora [...] não tenho tempo [...] (Mãe 01).

[...] eu não sei qual é a função das terapeutas, nem o porquê das orientações [...] aí eu vejo que elas ficam brincando com as crianças [...] não sei se o tratamento é só isso ou se tem algo mais [...] (Mãe 02).

Trechos dos relatos dão indícios de cobranças por parte de familiares e equipe de saúde; o que talvez justifique a surpresa, e satisfação em receber um olhar mais atento para suas necessidades. Percebem-se também prejuízos na saúde física, participação social e a necessidade de uma rede de apoio social e familiar; assim como um melhor acolhimento por parte da instituição. Apesar das orientações oferecidas pelos profissionais do serviço aos cuidadores serem incluídas nos atendimentos, a rotina estressante da mãe dificulta a efetivação dessas orientações, conforme expressam os discursos a seguir:

[...] nunca dá para fazer 100% tudo que nos mandam [...] o tempo que eu tenho é para fazer as coisas em casa [...] é muito cansativo [...] a gente até tenta [...] mas não consegue manter para ver se a criança tem algum progresso [...] (Mãe 02).

[...] as terapeutas me falam que eu tenho que fazer exercícios físicos [...] mas eu não tenho como fazer [...] não tenho quem fique com ele [...] (Mãe 03).

[...] para colocar meu filho de pé principalmente, eu preciso de ajuda para isso [...] eu fico sozinha com ele o dia inteiro, então é complicado [...] já está me afetando até fisicamente, porque agora vivo com dor nas costas por conta do peso dele [...] (Mãe 06).

[...] é bom saber que tem alguém preocupado com nossas opiniões [...] assim melhora para todo mundo [...] (Mãe 03).

Estudos indicam que pais de crianças com paralisia cerebral percebem sua própria saúde prejudicada e apresentam sintomas de depressão, estresse e dores musculares; o que leva a uma baixa qualidade de vida17; a rotina extenuante de cuidados que uma criança com deficiência impõe, gera impacto negativo sobre a saúde dos seus pais18. É necessário o estabelecimento de uma rede eficaz de apoio multiprofissional nos serviços que assistam crianças com transtornos motor, cognitivo e sensorial e suas famílias. As intervenções devem abranger as necessidades parentais na perspectiva dos cuidados rotineiros com a criança, tendo em vista que eles deverão possibilitar suas capacidades, reduzindo o impacto negativo e prejuízos causados pela condição das crianças às famílias afetadas.

Destarte, as intervenções educativas foram baseadas nas falas extraídas na primeira etapa da pesquisa, estas foram norteadas pelas necessidades parentais, sendo consolidadas na categoria 2 a seguir:

Categoria 2- Estratégias de orientação e apoio: dificuldades e carências das mães:

As mães demonstram ter melhorado a percepção e o reconhecimento sobre a evolução no desenvolvimento da criança com o tratamento; considera-se que receber informações claras, precisas e de maneira horizontal seja importante para as mães na manutenção do tratamento de seus filhos7.

[...] eu sempre tive orientação de como sentar minha filha, dar comidinha, de como carregar no braço [...] antes eu fazia tudo ao contrário [...] só depois que eu passei a fazer certo [...] (Mãe 05).

[...] as orientações me ajudam [...] porque eu estou sempre aprendendo para ajudá-lo [...] (Mãe 01).

[...] meu filho já se desenvolveu bem muito em um ano que ele está aqui [...] e com as orientações já posso posicionar ele corretamente [...] já vai ficar sentadinho num canto sem meu apoio [...] tudo isso já é uma grande ajuda para mim [...] (Mãe 03).

[...] eu noto que ele aprende mais rápido agora [...] (Mãe 01).

As mães ainda relataram pouca habilidade e/ou conhecimento para o desenvolvimento de adaptações necessárias em relação aos equipamentos ou materiais indicados para o desenvolvimento da criança. Entretanto, houve relatos pós-intervenções de uma melhora no manuseio das crianças; maior estímulo e segurança nas tentativas de execução das orientações terapêuticas. Fornecer orientações e informações eficazes às famílias é muitas vezes um desafio para a equipe de saúde; esse processo necessita ser melhorado para facilitar o processo de empoderamento familiar em relação aos cuidados prestados às crianças5.

[...] algumas coisas estou aprendendo agora [...] quando eu vejo que tem algum tipo de dificuldade eu paro [...] (Mãe 04).

[...] tem atividade que eles fazem aqui, que em casa não dá para fazer [...] por que eu não tenho todo o material [...] (Mãe 06).

[...] agora eu tento sentar junto com ela [...] todo dia tentando fazer alguma coisa que a terapeuta falou [...] ajudar minha filha de alguma forma [...] (Mãe 05).

[...] a gente fica estimulando em casa, com atividades [...] fiz um livro que a terapeuta ensinou com gravuras, letras, números, figuras [...] ficaram as informações [...] vários assuntos que a gente ouviu [...] (Mãe 04).

[...] é também incentivo para gente fazer as coisas em casa e não só aqui [...] uma atividade que você pensa que não muda nada, modifica muito a criança [...] (Mãe 03).

Uma maior preocupação com o autocuidado emergiu dos discursos maternos após as intervenções. Pesquisas chamam atenção para a importância de um olhar mais cuidadoso em relação aos cuidadores; enfatizando que o desgaste físico e psicológico sobre o cuidador tem como consequência vários agravos a sua saúde19. Revelando-se de extrema importância que ocorra uma mudança urgente e profunda na abordagem multiprofissional utilizada atualmente; que leve em conta aspectos clínicos e suas repercussões psicossociais, ambientais e espirituais, tanto para a pessoa com deficiência como também para a sua família e cuidadores20.

[...] a gente vive em função das crianças, mas ali na hora do relaxamento a gente lembrava que também existia [...] (Mãe 02).

[...] me surpreendia muito com o momento do relaxamento [...] no meio da nossa rotina do dia aquele ali era o nosso único momento de calma [...] (Mãe 05).

[...] devia ter mais tempo para essas intervenções [...] acho que tem muita coisa ainda para nos ensinar [...] (Mãe 04).

[...] a parte do relaxamento que ela fazia com a gente sempre no final, isso tem que ter [...] a terapeuta também falava que a gente tinha que tirar um dia pra gente [...] incentivava a gente a se cuidar, ir ao cabeleireiro, pintar as unhas, sair com as amigas, essas coisas [...] eu amei isso, disso eu gostei [...] (Mãe 03).

A condição de uma criança com paralisia cerebral não muda facilmente; e mesmo com todos os acompanhamentos possíveis, a criança passa a maior parte do tempo em seu ambiente familiar; exigindo das famílias e mães cuidadoras uma capacidade de adaptação cada vez maior; fato este que consequentemente exige das instituições que atendem esse perfil, um processo de vigilância contínuo em oferecer de forma também continuada, o suporte familiar adequado, através de intervenções com informações e orientações atualizadas ao longo de todo o tratamento da criança acometida, e não só no momento da admissão. Um suporte social adequado oferecido às famílias de crianças com paralisia cerebral parece prevenir e atenuar o impacto negativo e as situações de estresse; já a sua ausência culmina em sentimento de tristeza, raiva e abandono repercutindo negativamente na rotina familiar e no tratamento das crianças21.

[...] nossos encontros era realmente o momento de feedback tão desejado que eu esperava do NUTEP [...] porque eu percebi que no começo quando a gente entra, as orientações e o feedback é maior, mas com o tempo, vão diminuindo [...] isso é ruim, porque a gente se perde e não sabe mais o que fazer (Mãe 01).

[...] o NUTEP devia criar uma sala para as mães conversarem [...] ensinarem como evitar nossas dores ou ficar doente, enfrentar diariamente as nossas atividades com nossos filhos [...] a gente precisa estar bem para ajudar no tratamento das crianças em casa (Mãe 03).

Em se tratando da assistência à infância, as famílias e cuidadores sempre ficaram em segundo plano22.

A manutenção de um conhecimento equiparável e de um diálogo horizontal entre pais, famílias e equipe multidisciplinar de saúde, parece ser o maior entrave e/ou desafio para a aquisição de estratégias eficientes e eficazes que promovam uma melhor qualidade de vida para as famílias e cuidadores, uma real continuidade domiciliar e um melhor prognóstico no tratamento das crianças com paralisia cerebral. Abordagens que não levam em conta uma aprendizagem significativa23 para pais e cuidadores, e onde as intervenções não abordam o contexto geral onde as famílias estão inseridas, estão fadadas ao fracasso; e somente levam os profissionais de saúde a cometerem orientações24,25.

[...] eu participava dos encontros para aprender mesmo, e usar com minha filha [...] saber se o que eu fazia era errado [...] a gente tinha 30 minutos para receber informações, tirar as dúvidas e observar os procedimentos [...] coisa que não víamos em nossa rotina por não poder entrar na sala na hora do atendimento [...] (Mãe 05).

[...] quando a gente vai pegar as crianças e tenta perguntar algo às terapeutas, elas não têm muito tempo para responder [...] ou então respondem de qualquer jeito [..] falam coisas que eu não acho importante [...] algumas coisas eu levo para a relevância, outras não [...] (Mãe 04).

Importante ressaltar que a partilha da intimidade durante as entrevistas e durante suas participações nas intervenções, para as mães muitas vezes provocou o sentimento de invasão, medo em não provocar empatia, em ser mal julgada ou considerada incompetente no desempenho de seu papel de mãe; deixando bem claro que aspectos multifatoriais permeiam toda a situação; e o aspecto psicológico e emocional parece ser o ponto crucial a ser observado, influenciando de forma significativa à adesão dessas mães de criança com paralisia cerebral às intervenções parentais, e a forma como enxergam as orientações terapêuticas recebidas. Portanto considera-se uma limitação para esse estudo o tempo reduzido para a execução das intervenções parentais.

 

CONCLUSÃO

A pesquisa revelou que as orientações recebidas pelas mães do estudo da equipe de saúde necessitam ser adequadas ao ambiente de cada criança e sua família. Demonstrando que além da importância das intervenções parentais educativas em saúde é imprescindível a realização de capacitações continuadas para as equipes de estimulação precoce com foco na abordagem centrada na família.

Estratégias de educação em saúde que possibilitam a abordagem singular de crianças com paralisia cerebral levam ao desenvolvimento de uma aliança terapêutica com vistas ao acolhimento e vínculo entre famílias e serviços; empoderando-as frente aos cuidados contingentes dessas crianças, já que os serviços se encontram com elevada demanda assistencial, e muitas vezes não conseguem responder às necessidades da criança e seus cuidadores.

Neste sentido, constatou-se que a pesquisa serve como subsídio para a prática profissional e continuidade de suas propostas; pois as intervenções de educação em saúde desenvolvidas e executadas neste estudo promoveram uma melhor percepção das mães de crianças com paralisia cerebral acerca das orientações terapêuticas recebidas da equipe de saúde, na medida em que se baseiam no modelo centrado na família e oferece condições às mães para o desenvolvimento de um melhor enfrentamento e redução da sobrecarga física, emocional e psicológica; através do autocuidado em saúde, e informações acerca de meios e adaptações para a continuidade adequada da assistência à criança.

Sugere-se a utilização de estudos com ferramentas válidas para avaliar as necessidades familiares de crianças com deficiências físicas que possam subsidiar protocolos de intervenção que garantam intervenções educativas voltadas para as prioridades das famílias.

Conflitos de interesse

As autoras declaram não haver conflitos de interesse neste estudo.

 

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Endereço para correspondência:
michelinegirao@ymail.com

Manuscript received: 15 February 2017
Manuscript accepted: 10 May 2017
Version of record online: 06 September 2017

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