SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.27 issue2Sexual abuse characteristics in Santo André, São Paulo, Brazil: from victims to aggressors, from diagnosis to treatmentEmergence of cannabis as the second most commonly used psychoactive substance among students author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Journal of Human Growth and Development

Print version ISSN 0104-1282On-line version ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.27 no.2 São Paulo May/Aug. 2017

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.127747 

ARTIGO ORIGINAL

 

Prevalência e fatores associados à dependência funcional em idosos restritos ao lar

 

 

Gracielle PampolimI; Christiane LourençoI; Vanezia Gonçalves da SilvaII; Maria Carlota de Rezende CoelhoIII; Luciana Carrupt Machado SogameIII

IDepartamento de Fisioterapia da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM ) - Vitória (ES), Brasil
IIDepartamento de Medicina da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM ) - Vitória (ES), Brasil
IIIPrograma de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM ) - Vitória (ES), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O envelhecimento populacional é uma realidade de proporções mundiais que requer atenção, e a preocupação com o envelhecimento saudável e funcional é cada vez mais o foco de políticas e programas do governo.
OBJETIVO: Verificar a prevalência e influência dos fatores sócio demográficos e econômicos na dependência funcional em idosos restritos ao lar.
MÉTODO: Estudo transversal com 178 idosos restritos ao lar assistidos por uma Unidade de Saúde da Família de Vitória-ES. Aferiu-se a dependência funcional através da Medida de Independência Funcional e coletou-se variáveis para caracterização o perfil dos idosos. Utilizou-se a Regressão Logística Binária para determinar o nível de predição da dependência funcional.
RESULTADOS: Quarenta e oito por cento dos idosos apresentavam dependência funcional, 80% eram do sexo feminino, 72% na 4º idade, 74% brancos, 63% viúvos, 78% aposentados, 90% com filhos, 83% com cuidador, 52% com baixa escolaridade e 40% com baixa renda. A presença de cuidador se comportou como preditor da dependência funcional (OR=40.2; IC95% 4,8-355,4) e a escolaridade entre 1 e 8 anos se mostrou como fator de proteção (OR=0,2; IC95% 0,04-0,9)
CONCLUSÃO: A prevalência dependência funcional mostrou-se elevada, e a presença de cuidador figurou como um forte e significante preditor, propõe-se o estabelecimento de 'suporte' para o cuidador mediado pelas equipes da Estratégia Saúde da Família para manutenção/recuperação da funcionalidade dos longevos.

Palavras-chave: idoso restrito ao lar, dependência funcional, estratégia saúde da família.


 

 

INTRODUÇÃO

A reestruturação demográfica mundial vem evidenciando um expressivo envelhecimento populacional1. O Brasil viveu esse processo de forma acelerada nas últimas décadas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa é que até 2060 a população brasileira com 60 anos ou mais chegará a atingir mais de 30%2.

A Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa alega que o principal problema que pode afetar o idoso é a perda das habilidades físicas e mentais necessárias para realização de atividades básicas e instrumentais da vida diária. Com o intuito de postergar esse processo, e tendo em vista seu foco centrado na prevenção de doenças e promoção de saúde, a PNSPI designa a Estratégia Saúde da Família como principal elo entre o sistema de saúde e os longevos3.

A capacidade funcional vem sendo amplamente estudada na população idosa brasileira4-6, estima-se que a prevalência de dependência funcional em idosos no Brasil esteja entre 19 e 23%7,8. Entretanto, quando se trata de idosos restritos ao lar, a literatura mostra-se consideravelmente escassa. Ursine et al.9 alegam que há a possibilidade de o reduzido número de estudos ser uma das causas do lento avanço na sistematização de ações direcionadas para essa população, uma vez que a magnitude do problema não vem sendo explorado adequadamente, fazendo com que essa população fique invisível aos olhos do sistema.

Para que novas ações sejam desenvolvidas para a prevenção da dependência funcional em idosos restritos ao lar é necessário primeiro determinar que fatores podem predizer a dependência funcional. Portanto, este estudo objetivou verificar a prevalência e a influência dos fatores sócio demográficos e econômicos na dependência funcional em idosos restritos ao lar assistidos por uma Unidade de Saúde da Família de Vitória (Espírito Santo).

 

MÉTODO

Trata-se de uma análise secundária do banco de dados do estudo denominado "Perfil sócio demográfico e de saúde dos idosos restritos ao lar e acamados de uma unidade de saúde da família do Município de Vitória- ES", realizado pelo PRO-PET Saúde (Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde e Programa de Ensino pelo Trabalho para a Saúde), vinculado à EMESCAM (Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória) e às Secretarias Estadual e Municipal de Saúde de Vitória-ES. Caracteriza-se por um estudo transversal de abordagem quantitativa e coleta de dados realizada no período de abril a novembro de 2014.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EMESCAM sob o protocolo número 567.990.

Amostragem

Em fevereiro de 2014, a Unidade de Saúde da Família (USF) Dr José Moysés possuía cinco equipes de saúde da família, responsáveis por 23.080 indivíduos cadastrados, e destes, 4.832 eram idosos, dos quais 298 eram restritos ao lar. Foram incluídos os idosos com idade igual ou superior a 60 anos, restritos ao lar, de ambos os sexos, que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, possuíam condições cognitivas para responder ao questionário e/ou a presença de um familiar ou cuidador para tal, e residiam no território adstrito à USF no momento da coleta. Considerou-se restrito ao lar todo aquele indivíduo incapaz de sair de casa sem acompanhante9.

Variáveis Estudadas

Os dados foram obtidos por meio de entrevista face a face, realizada na residência dos idosos por acadêmicos dos cursos de fisioterapia, enfermagem e medicina da EMESCAM, previamente treinados pela pesquisadora principal. Os fatores sócio demográficos e econômicos foram obtidos através de questionário semiestruturado incluindo variáveis idade, sexo, raça, escolaridade, situação conjugal, presença de filhos e cuidador, local de residência, ocupação, renda individual e familiar, contribuição para a renda familiar, onde passou a maior parte da vida, quantidade de moradores com quem vive e residência multigeracional.

A dependência funcional foi avaliada através da escala Medida de Independência Funcional (MIF), capaz de quantificar o grau de solicitação de cuidados exigidos para a realização de tarefas de vida diária. O Ministério da Saúde adotou a MIF como uma das principais escalas para avaliação da funcionalidade do idoso, compondo a lista de instrumentos de avaliação da atenção básica no país. A MIF é utilizada principalmente em lesões neurológicas e sua aplicação na população idosa vem crescendo consideravelmente6,10. Foi traduzida e validada para a população brasileira por Riberto et al.11.

A MIF avalia 18 itens, divididos em dois domínios (motor e cognitivo) e seis dimensões (autocuidado, controle dos esfíncteres, mobilidade, locomoção, comunicação e cognição social). A avaliação dá-se por meio de observação do entrevistador e/ou informações fornecidas pelo entrevistado/cuidador, e a pontuação vai de 1 (dependência total) a 7 (independência total), com os scores totais variando entre 18 e 126 pontos. Foram considerados Dependentes aqueles indivíduos com pontuação 103 pontos12,13.

Uma vez que a avaliação foi feita no próprio domicilio do idoso, não houve a necessidade de se utilizar nenhum recurso especial para simular condições de vida diária, entretanto vale ressaltar que, como orientado pelo Ministério da Saúde, quando um item não pôde ser avaliado/respondido, foi concedido a pontuação 1.

Análise Estatística

A normalidade dos dados foi verificada utilizando o teste de Kolgomorov-Smirnov. O Teste-t Independente e o Chi-quadrado de Pearson ou Exato de Fischer (quando uma ou mais frequência esperada foi inferior a 5) foram aplicados para comparar as variáveis contínuas e categóricas, respectivamente, entre ambos os grupos pesquisados.

Para determinar o quanto as variáveis sócio demográficas e econômicas são capazes de predizer a dependência funcional foi realizado a Regressão Logística Binária no qual a variável dependente foi dependência funcional (0 independente; 1 dependente) e as variáveis independentes foram fatores os sócio demográficos selecionados com base na análise univariada, onde as variáveis que apresentaram p < 0,15 foram consideradas para inclusão no modelo de Regressão Logística.

As variáveis selecionadas foram incluídas pelo método hierárquico obedecendo a ordem decrescente do p. Dessa forma, o primeiro item adicionado foi a presença de cuidador (modelo 1), seguido por local de residência (modelo 2), onde passou a maior parte da vida (modelo 3), sexo (modelo 4), renda familiar (modelo 5), nível de escolaridade (modelo 6), idade (modelo 7) e renda do idoso (modelo 8). O teste de Chi-quadrado de Omnibus (p < 0,05) e o teste de Hosmer e Lemeshow (p > 0,05) foram usados para determinar o "fit" do modelo, enquanto que o R2 de Nagelkerke's foi usado com índice de variância explicada, onde quanto maior é o valor de R2, melhor é o modelo. A análise inferencial foi conduzida utilizando o software SPSS (IBM 22). Adotou-se nível de significância de p < 0,05 para todas as análises.

 

RESULTADOS

Dos 298 idosos restritos ao lar, 178 (60%) foram incluídos neste estudo. As características sócio demográficas e econômicas dos idosos estudados estão distribuídos na tabela 1.

Nesta amostra, 48% (85/178) dos idosos foram classificados como dependentes funcionais (tabela 1). E ao comparar as características sócio demográficas e econômicas do grupo de idosos classificados como dependentes ou independentes, foi observado algumas diferenças estatisticamente significantes. O grupo dependente apresentou menor proporção de mulheres (p = 0,04), que passaram a maior parte da vida na cidade (p = 0,04) e que residiam em bairros nobres (p < 0,01). A diferença mais significativa foi observada para a variável presença de cuidador, visto que 99% dos dependentes possuem cuidador comparado a 69% dos independentes (p < 0,001). Observamos também uma tendência para diferença da renda familiar, onde uma maior proporção de idosos independentes possuem renda familiar menor ou igual a 4 salários mínimos (p = 0,05).

Dos oito modelos de Regressão Logística analisados, o que apresentou o melhor "fit" foi o 7º (Omnibus teste: x2 [13] = 56.4, p = 0,00; Hosmer e Lemeshow: x2 [8] = 8.6, p = 0,39), descrito na tabela 2.

Esse modelo explicou 36% da variância, e das sete variáveis adicionadas na equação (presença de cuidador; local de residência; local onde passou a maior parte da vida; sexo; renda familiar; escolaridade; e idade), a variável presença do cuidador foi um forte e significante preditor da dependência funcional. Ter cuidador aumentou em 40,2 vezes a chance de ser dependente (p < 0,01). O sexo masculino se mostrou um significativo preditor (OR = 2,6; 95%IC 0,9-6,7), embora sem significância estatística (p = 0,05).

Ter nível de escolaridade até 8 anos surgiu como fator protetor (OR = 0,2; 95%IC 0,04-0,9; p = 0,04) para a variável dependente, onde houve diminuição da dependência funcional em 80% dos idosos com nível de escolaridade até 4 anos ou de 5 a 8 anos.

 

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo mostram uma prevalência de 48% de dependência funcional entre os idosos restritos ao lar e apontam a presença de cuidador como principal fator associado a esse desfecho. De acordo com a Organização Mundial de Saúde14, nos idosos a dependência funcional tem como causas principais as sequelas provenientes de doenças crônico-degenerativas ou de causas externas, como as quedas e/ou medo destas. A prevalência encontrada diverge do que vem sendo disposto na literatura, que evidencia uma associação direta entre estar restrito ao lar e apresentar comprometimento funcional15,16, e prevalências mais elevadas de dependência funcional15.

Entretanto, vale ressaltar que a comparação de prevalências de dependência funcional é extremamente dificultada em razão da diversidade de procedimentos e instrumentos utilizados. São encontrados estudos que utilizam como 'ponto de corte' o comprometimento em uma tarefa de vida diária17, já outros consideram várias atividades e/ou utilizam instrumentos específicos para aferição, como é o caso da MIF6,10.

Em estudos que aplicaram a MIF e cujo corte utilizado foi o mesmo empregado nesta pesquisa, Macêdo et al.12 observaram uma prevalência de 14,9% de dependência funcional em idosos com déficit cognitivo, enquanto Ricci et al.13 identificaram altos índices de dependência funcional em idosos em assistência domiciliária, e ressaltaram a confiabilidade da MIF na avaliação da dependência funcional em idosos, tanto por meio do relato do cuidador quanto por aplicação direta do examinador.

Outro ponto a ser ressaltado é que a restrição ao lar pode estar associada a uma deficiência de locomoção, o que não pode ser afirmada, pois por vezes o item subir e descer escadas da MIF não pôde ser avaliado e sendo-lhe atribuído a pontuação 1, conforme critério do Ministério da Saúde, o que poderia subjugar tal avaliação.

Todavia, independente da classificação empregada, os resultados encontrados levantam o questionamento sobre a real condição de restrição ao lar atribuída à população estudada, uma vez que de acordo com a literatura, o principal motivo para esta condição é a dependência10, que como observado, estava ausente na maioria dos idosos estudados. Tais resultados são alarmantes e permite-nos questionar se não estariam os idosos sendo errônea e precocemente classificados como restritos ao lar, quando na verdade estes apresentam funcionalidade preservada para o convívio social, demonstrando assim uma necessidade de maior atenção a essa população, tendo como pressuposto o disposto na Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa3 que visa o envelhecimento digno, ativo e saudável.

Quanto às características sócio demográficas e econômicas, o perfil encontrado foi de uma população feminina, na chamada 4º idade, autodeclarados brancos, de baixa escolaridade e renda, viúvos, aposentados, com filhos e cuidador, contribuindo para a renda familiar, convivendo em residências multigeracionais e coabitando com duas ou mais pessoas na mesma residência, além de residir em bairros nobres e relatar ter passado a maior parte da vida na cidade. Em linhas gerais o perfil dos idosos restritos ao lar descrito é similar ao encontrado em outros estudos, nacional e internacionalmente9,16,18,19 ressaltando pontos como a feminilização do envelhecimento e a população cada vez mais envelhecida.

Na análise multivariada, que permitiu identificar a influência das variáveis estudadas no desfecho de dependência funcional, foi observado que a presença do cuidador aumentou em mais de 40 vezes a chance de ser dependente (IC95% 4,8-355,4). Corroborando com estudos de Lage et al.20 ao analisarem idosos internados em um serviço de emergência em São Paulo, onde identificaram associação positiva entre ter cuidador e ser mais dependente e Gratão et al.6, que encontraram associação entre ter cuidador e apresentar baixas médias na MIF. Em ambos os casos, e também na presente pesquisa, a natureza do estudo empregado foi seccional, dificultando o estabelecimento de relações causais e impossibilitando a afirmação de que os idosos estão ficando dependentes devido a presença do cuidador, ou se os cuidadores estão fortemente presentes devido a uma dependência pré-instalada. Cabe ressaltar ainda, que não foi inquirido a presença de morbidades, o que, em casos graves, poderia justificar a presença de cuidador.

Ao se pensar na funcionalidade não como um problema instalado e irremediável, mas como o processo dinâmico e multifatorial14, cuja ocorrência e evolução são passíveis de serem prevenidas, modificadas ou amenizadas20, entende-se que independente do fator causal, a realidade apresentada e encontrada na literatura sugere um despreparo por parte do cuidador para com as particularidades do 'ser idoso'6 e principalmente no manejo com as doenças crônicas e na manutenção da funcionalidade dos longevos21.

No processo de cuidado, é fundamental que o cuidador, quando possível, atue apenas como supervisor e incentivador, auxiliando ou executando algo pelo idoso apenas quando estritamente necessário20. Em todo momento, o cuidado deve estar focado na manutenção da capacidade funcional, objetivando manter a autonomia e independência e proporcionando ao idoso uma vivência digna, como preconizado pela política de saúde do idoso vigente no Brasil3.

Entretanto, para que este processo realmente aconteça é necessário que este cuidador/familiar esteja devidamente capacitado para realizar este cuidado, e para isso é de fundamental importância que os profissionais de saúde estejam lado a lado com este cuidador/familiar orientando-o e auxiliando-o. Tendo em vista a complexidade do cuidado ao idoso e com o intuito de evitar e/ou postergar o desenvolvimento de incapacidades e dependência funcional nessa população, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa3, determina a Estratégia Saúde da Família como um importante facilitador desse processo, focando na prevenção de doenças e promoção de saúde, e criando um elo entre o sistema (por meio dos profissionais de saúde), os idosos e seus cuidadores/familiares.

Estudos vêm mostrando que a atenção prestada aos idosos pelas equipes da ESF, nos municípios brasileiros, vem crescendo continuamente22-24, e se mostra mais benéfica aos pacientes quando comparada àquela prestada em unidades de saúde que não possuem a ESF25 porém, ainda enfrentam grandes desafios frente às particularidades dessa população22-24. Pesquisa realizada por Mota, Aguiar e Caldas22, apontou para a dificuldade em abordar questões características da atenção à população idosa com os integrantes das equipes de saúde, o que revela o escasso preparo dos profissionais de saúde no que tange as demandas do idoso. Resultado similar foi encontrado por Oliveira e Tavares23 e Muniz et al.24 que também apontaram a necessidade de qualificação profissional e treinamento das equipes sobre o processo de envelhecimento.

Tendo posto, ressalta-se que apenas apontar a ESF como unidade de cuidado e comunicação, não é suficiente, faz-se necessário dotar estes profissionais de habilidades e competências para que possam assumir este papel. Dessa forma, torna-se evidente a necessidade de que as gestões municipais de saúde levantem essa temática nas agendas de discussão de saúde, para que processos de capacitação sejam implantados e dessa forma os profissionais da ESF possam prestar uma adequada atenção aos familiares/cuidadores e idosos de seu território, colaborando assim para os apelos nacionais e internacionais em prol do envelhecimento ativo e saudável no contexto familiar e social.

Outro achado desta pesquisa diz respeito à escolaridade, um importante indicador socioeconômico. A literatura evidencia uma associação entre baixos níveis de escolaridade e presença de dependência funcional6,19. Porém, no presente estudo observamos que um baixo nível de escolaridade, até 8 anos de estudo, figurou significantemente como fator de proteção para a dependência funcional (OR = 0,2; IC95% 0,04-0,9).

É incontestável a associação entre condições sócio econômicas deficitárias e pior acesso aos serviços de saúde, entretanto, em relação a funcionalidade, podemos plausivelmente suscitar diversas hipóteses que justifiquem este achado, especialmente quando associamos este aos achados da análise univariada, que evidenciou que os idosos residentes em bairro popular (p < 0,01) e que passaram a maior parte da vida no campo (p = 0,04) apresentaram-se menos dependentes, além de levantar uma tendência para o mesmo desfecho em famílias com rendas mais baixas (p = 0,05).

Como explanado anteriormente, a literatura aponta o familiar como principal fonte de cuidado para a população idosa, entretanto, em se tratando de idosos de baixa escolaridade e provavelmente com condições sociais desfavoráveis, é de se esperar que por vezes o familiar não possua condições financeiras para contratar um cuidador e também não possa realizar o cuidado por si mesmo em decorrência da impossibilidade de abandonar o mercado de trabalho, parcial ou integralmente. Dessa forma, é possível que sem a presença constante de alguém para prover cuidados e facilitar as AVDs, os idosos passem mais tempo sozinhos e tenham a necessidade de realizar suas próprias tarefas, postergando, assim, o declino funcional e mantendo-se mais tempo independentes.

Outro ponto a ser levantado, e que também perpassa a realidade social apresentada pelo grupo de idosos independentes deste estudo, é que por se tratar de uma população com baixos níveis de escolaridade e que passaram a maior parte da vida no campo, é possível que a maior parte das atividades laborais realizadas ao longo da vida estejam relacionadas a serviços que exijam mais esforços físicos, o que por si já atuaria como um fator protetor para o declínio funcional, umas vez que é sabido que a prática regular de atividades físicas pode proporcionar um envelhecimento mais saudável.

Quanto ao sexo da população estudada, na regressão logística foi encontrada uma tendência para o sexo masculino em ser duas vezes mais dependente que o feminino (OR 2,6; IC95% 0,9-6,7). Essa falta de significância pode decorrer da diferença significativa nas proporções de idosos do sexo masculino (20%) e do feminino (80%). Macêdo et al.12 também observaram uma tendência à maior dependência funcional para o idosos do sexo masculino porém sem significância estatística, também, devido a menor proporção de idosos do sexo masculino (35 vs. 134). Todavia, este dado é discordante dos estudos encontrados8,20 que apontam um maior índice de dependência em mulheres sob a alegação de que estas vivem por mais tempo e consequentemente convivem com mais morbidades. De fato, os idosos do sexo masculino no presente estudo eram em média 3,5 anos mais jovens que as mulheres, o que pode sugerir que se os homens vivessem mais provavelmente eles seriam mais dependentes que as mulheres da mesma idade.

Considerando-se que a capacidade funcional é vista como o novo paradigma da atenção à saúde da população idosa, ressaltamos a necessidade de que sua avaliação seja incorporada na rotina dos profissionais de saúde, especialmente aqueles da ESF que estão diretamente ligados à assistência dos idosos restritos ao lar. O que não parece ser laborioso, tendo em vista a facilidade da sua investigação por meio de uma infinidade de instrumentos disponíveis e sugeridos pelo Ministério da Saúde.

Além disso, revela-se a necessidade de implementar ações de promoção da saúde para esse grupo populacional, com vista ao empoderamento e qualidade de vida para melhoria da capacidade funcional dos mesmos26.

Acredita-se que os resultados apresentados neste estudo possam servir como base de avaliação diagnóstica, e que através destes possam se estabelecer planejamentos de intervenções e a elaboração de ações estratégicas para o acompanhamento dos idosos restritos ao lar e auxílio e orientação aos cuidadores. Almejando sempre o cumprimento do proposto na Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa com o intuito de recuperar, manter e promover a autonomia e a independência funcional dos longevos no contexto familiar e social, e respeitando assim os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde Brasileiro.

Como limitação do estudo, pode-se citar seu caráter transversal, limitando a avaliação da evolução temporal da funcionalidade dos idosos. Além disso, o modelo de Regressão Logística explicou 36% da variância de dependência funcional, e os outros 64% podem ser justificados por morbidades associadas, limitações geográficas e outras variáveis que não foram analisadas neste estudo. Estudos futuros podem ser realizados de forma longitudinal com essa população, com o objetivo de verificar a progressão da funcionalidade e seus fatores associados.

Os resultados mostram a necessidade de se estabelecer suporte para os cuidadores, munindo-os do saber necessário para o cuidado com o idoso. De acordo com a PNSPI, tal suporte deve ser mediado pelas equipes da ESF, objetivando a manutenção/recuperação da funcionalidade dos longevos.

 

CONCLUSÃO

Observou-se que a prevalência de dependência funcional identificada foi de 48%, e que a presença de cuidador se mostrou um forte e significante preditor deste desfecho, enquanto a escolaridade figurou como fator de proteção.

 

REFERÊNCIAS

1. World Health Organization (WHO). World health statistics 2014: a wealth of information on global public health. Geneva: WHO; 2014.         [ Links ]

2. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pesquisa nacional por amostra de domicílios - PNAD 2012. Rio de Janeiro: IBGE; 2013.         [ Links ]

3. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 2.528, de 19 de outubro de 2006. Institui a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa. Diário Oficial da União 20 nov. 2006.         [ Links ]

4. Mattos IE, do Carmo CN, Santiago LM, Luz LL. Factors associated with functional incapacity in elders living in long stay institutions in Brazil: a cross-sectional study. BMC Geriatr. 2014;14:47. DOI: http://dx.doi.org/10.1186/1471-2318-14-47        [ Links ]

5. Alves LC, Leite IC, Machado CJ. Factors associated with functional disability of elderly in Brazil: a multilevel analysis. Rev Saúde Pública. 2010;44(3):468-78. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102010005000009        [ Links ]

6. Gratão ACM, Talmelli LFS, Figueiredo LC, Rosset I, Freitas CP, Rodrigues RAP. Functional dependency of older individuals and caregiver burden. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(1):134-41. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342013000100017        [ Links ]

7. Guerra RO, Alvarado BE, Zunzunegui MV. Life course, gender and ethnic inequalities in functional disability in a Brazilian urban elderly population. Aging Clin Exp Res. 2008;20(1):53-61. DOI: http://dx.doi.org/10.1007/BF03324748        [ Links ]

8. Parahyba MI, Simões CCS. Disability prevalence among the elderly in Brazil. Cienc Saúde Coletiva. 2006;11(4):967-74. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232006000400018        [ Links ]

9. Ursine PGS, Cordeiro HA, Moraes CL. Prevalence of housebound elderly people in the urban region of Belo Horizonte (Minas Gerais, Brazil). Cienc Saúde Coletiva. 2011;16(6):2953-62. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232011000600033        [ Links ]

10. Petitpierre NJ, Trombetti A, Carroll I, Michel JP, Herrmann FR. The FIM instrument to identify patients at risk of falling in geriatric wards: a 10-year retrospective study. Age Ageing. 2010;39(3):326-31. DOI: https://doi.org/10.1093/ageing/afq010        [ Links ]

11. Riberto M, Miyazaki MH, Jucá SSH, Sakamoto H, Pinto PPN, Battistella LR. Validation of the Brazilian version of Functional Independence Measure. Acta Fisiatr. 2004;11(2):3-7. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/0004-282X20140066        [ Links ]

12. Macêdo AML, Cerquiari EAN, Alvarenga MRM, Faccenda O, Oliveira MAC. Functional assessment of elderly with cognitive deficit. Acta Paul Enferm. 2012;25(3):358-63. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0103-21002012000300007        [ Links ]

13. Ricci NA, Kubota MT, Cordeiro RC. Agreement between observations on the functional capacity of home care elderly patients. Rev Saúde Públ. 2005;39(4):655-62. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102005000400021        [ Links ]

14. World Health Organization (WHO). The International Classification of Functioning, Disability and Health - ICF. Geneva: WHO; 2002.         [ Links ]

15. Lopes AB, Gazzola JM, Lemos ND, Riccid NA. Functional independence and factors that influence it in the scope of home care to elderly people. Rev Bras Geriatr e Gerontol. 2007;10(3):285-300.         [ Links ]

16. Ornstein KA, Leff B, Covinsky KE, Ritchie CS, Federman AD, Roberts L, et al. Epidemiology of the Homebound Population in the United States. JAMA Intern Med. 2015;175(7):1180-6. DOI: http://dx.doi.org/10.1001/jamainternmed.2015.1849.         [ Links ]

17. Doubova Dubova SV, Pérez-Cuevas R, Espinosa-Alarcón P, Flores-Hernández S. Social network types and functional dependency in older adults in Mexico. BMC Public Health. 2010;10:104. DOI: http://dx.doi.org/10.1186/1471-2458-10-104        [ Links ]

18. Musich S, Wang SS, Hawkins K, Yeh CS. Homebound older adults: Prevalence, characteristics, health care utilization and quality of care. Geriatr Nurs. 2015;36(6):445-50. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.gerinurse.2015.06.013        [ Links ]

19. Sudré MRS, Reiners AAO, Azevedo RCS, Floriano LA. Socioeconomic and health conditions of the elderly assisted by Family Health Teams. Cienc Cuid Saúde. 2015;14(1):933-40. DOI: http://dx.doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v14i1.19794        [ Links ]

20. Lage JSS, Okuno MFP, Campanharo CRV, Lopes MCBT, Batista REA. Functional capacity and profile of elderly people at emergency units. REME Rev Min Enferm. 2014;18(4):861-5.         [ Links ]

21. Nardi EFR, Sawada NO, Santos JLF. The association between the functional incapacity of the older adult and the family caregiver's burden. Rev Latino-Am Enfermagem. 2013;21(5):1096-103. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-11692013000500012        [ Links ]

22. Mota LB, Aguiar AC, Caldas CP. The Family Health Strategy and healthcare for the elderly: experiences in three Brazilian cities. Cad Saúde Pública. 2011:27(4);779-86. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2011000400017        [ Links ]

23. Oliveira JCA, Tavares DMS. Elderly attention to health strategy in the family: action of nurses. Rev Esc Enferm USP. 2010;44(3):163-70. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342010000300032        [ Links ]

24. Muniz EA, Freitas CASL, Alburquerque IMN, Linhares MSC. Home nursing of the elderly in the context of the Family Health Strategy: analysis of scientific production. SONARE. 2014;13(2):86-91.         [ Links ]

25. Carvalho VCHS, Rossato SL, Fuchs FD, Harzheim E, Fuchs SC. Assessment of primary health care received by the elderly and health related quality of life: a cross-sectional study. BMC Public Health. 2013;13:605. DOI: http://dx.doi.org/10.1186/1471-2458-13-605        [ Links ]

26. Bezerra IMP, Sorpreso ICE. Concepts and movements in health promotion to guide educational practices. J Hum Growth Dev. 2016;26(1):11-20. DOI: http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.113709        [ Links ]

Endereço para correspondência:
graciellepampolim@hotmail.com

Manuscript received: 25 January 2017
Manuscript accepted: 12 May 2017
Version of record online: 06 September 2017

Creative Commons License