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Journal of Human Growth and Development

versão impressa ISSN 0104-1282versão On-line ISSN 2175-3598

J. Hum. Growth Dev. vol.27 no.2 São Paulo maio/ago. 2017

http://dx.doi.org/10.7322/jhgd.127747 

ARTIGO ORIGINAL

 

Prevalência e fatores associados à dependência funcional em idosos restritos ao lar

 

 

Gracielle PampolimI; Christiane LourençoI; Vanezia Gonçalves da SilvaII; Maria Carlota de Rezende CoelhoIII; Luciana Carrupt Machado SogameIII

IDepartamento de Fisioterapia da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM ) - Vitória (ES), Brasil
IIDepartamento de Medicina da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM ) - Vitória (ES), Brasil
IIIPrograma de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Desenvolvimento Local da Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória (EMESCAM ) - Vitória (ES), Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: O envelhecimento populacional é uma realidade de proporções mundiais que requer atenção, e a preocupação com o envelhecimento saudável e funcional é cada vez mais o foco de políticas e programas do governo.
OBJETIVO: Verificar a prevalência e influência dos fatores sócio demográficos e econômicos na dependência funcional em idosos restritos ao lar.
MÉTODO: Estudo transversal com 178 idosos restritos ao lar assistidos por uma Unidade de Saúde da Família de Vitória-ES. Aferiu-se a dependência funcional através da Medida de Independência Funcional e coletou-se variáveis para caracterização o perfil dos idosos. Utilizou-se a Regressão Logística Binária para determinar o nível de predição da dependência funcional.
RESULTADOS: Quarenta e oito por cento dos idosos apresentavam dependência funcional, 80% eram do sexo feminino, 72% na 4º idade, 74% brancos, 63% viúvos, 78% aposentados, 90% com filhos, 83% com cuidador, 52% com baixa escolaridade e 40% com baixa renda. A presença de cuidador se comportou como preditor da dependência funcional (OR=40.2; IC95% 4,8-355,4) e a escolaridade entre 1 e 8 anos se mostrou como fator de proteção (OR=0,2; IC95% 0,04-0,9)
CONCLUSÃO: A prevalência dependência funcional mostrou-se elevada, e a presença de cuidador figurou como um forte e significante preditor, propõe-se o estabelecimento de 'suporte' para o cuidador mediado pelas equipes da Estratégia Saúde da Família para manutenção/recuperação da funcionalidade dos longevos.

Palavras-chave: idoso restrito ao lar, dependência funcional, estratégia saúde da família.


 

 

INTRODUÇÃO

A reestruturação demográfica mundial vem evidenciando um expressivo envelhecimento populacional1. O Brasil viveu esse processo de forma acelerada nas últimas décadas, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a expectativa é que até 2060 a população brasileira com 60 anos ou mais chegará a atingir mais de 30%2.

A Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa alega que o principal problema que pode afetar o idoso é a perda das habilidades físicas e mentais necessárias para realização de atividades básicas e instrumentais da vida diária. Com o intuito de postergar esse processo, e tendo em vista seu foco centrado na prevenção de doenças e promoção de saúde, a PNSPI designa a Estratégia Saúde da Família como principal elo entre o sistema de saúde e os longevos3.

A capacidade funcional vem sendo amplamente estudada na população idosa brasileira4-6, estima-se que a prevalência de dependência funcional em idosos no Brasil esteja entre 19 e 23%7,8. Entretanto, quando se trata de idosos restritos ao lar, a literatura mostra-se consideravelmente escassa. Ursine et al.9 alegam que há a possibilidade de o reduzido número de estudos ser uma das causas do lento avanço na sistematização de ações direcionadas para essa população, uma vez que a magnitude do problema não vem sendo explorado adequadamente, fazendo com que essa população fique invisível aos olhos do sistema.

Para que novas ações sejam desenvolvidas para a prevenção da dependência funcional em idosos restritos ao lar é necessário primeiro determinar que fatores podem predizer a dependência funcional. Portanto, este estudo objetivou verificar a prevalência e a influência dos fatores sócio demográficos e econômicos na dependência funcional em idosos restritos ao lar assistidos por uma Unidade de Saúde da Família de Vitória (Espírito Santo).

 

MÉTODO

Trata-se de uma análise secundária do banco de dados do estudo denominado "Perfil sócio demográfico e de saúde dos idosos restritos ao lar e acamados de uma unidade de saúde da família do Município de Vitória- ES", realizado pelo PRO-PET Saúde (Programa Nacional de Reorientação da Formação Profissional em Saúde e Programa de Ensino pelo Trabalho para a Saúde), vinculado à EMESCAM (Escola Superior de Ciências da Santa Casa de Misericórdia de Vitória) e às Secretarias Estadual e Municipal de Saúde de Vitória-ES. Caracteriza-se por um estudo transversal de abordagem quantitativa e coleta de dados realizada no período de abril a novembro de 2014.

Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da EMESCAM sob o protocolo número 567.990.

Amostragem

Em fevereiro de 2014, a Unidade de Saúde da Família (USF) Dr José Moysés possuía cinco equipes de saúde da família, responsáveis por 23.080 indivíduos cadastrados, e destes, 4.832 eram idosos, dos quais 298 eram restritos ao lar. Foram incluídos os idosos com idade igual ou superior a 60 anos, restritos ao lar, de ambos os sexos, que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, possuíam condições cognitivas para responder ao questionário e/ou a presença de um familiar ou cuidador para tal, e residiam no território adstrito à USF no momento da coleta. Considerou-se restrito ao lar todo aquele indivíduo incapaz de sair de casa sem acompanhante9.

Variáveis Estudadas

Os dados foram obtidos por meio de entrevista face a face, realizada na residência dos idosos por acadêmicos dos cursos de fisioterapia, enfermagem e medicina da EMESCAM, previamente treinados pela pesquisadora principal. Os fatores sócio demográficos e econômicos foram obtidos através de questionário semiestruturado incluindo variáveis idade, sexo, raça, escolaridade, situação conjugal, presença de filhos e cuidador, local de residência, ocupação, renda individual e familiar, contribuição para a renda familiar, onde passou a maior parte da vida, quantidade de moradores com quem vive e residência multigeracional.

A dependência funcional foi avaliada através da escala Medida de Independência Funcional (MIF), capaz de quantificar o grau de solicitação de cuidados exigidos para a realização de tarefas de vida diária. O Ministério da Saúde adotou a MIF como uma das principais escalas para avaliação da funcionalidade do idoso, compondo a lista de instrumentos de avaliação da atenção básica no país. A MIF é utilizada principalmente em lesões neurológicas e sua aplicação na população idosa vem crescendo consideravelmente6,10. Foi traduzida e validada para a população brasileira por Riberto et al.11.

A MIF avalia 18 itens, divididos em dois domínios (motor e cognitivo) e seis dimensões (autocuidado, controle dos esfíncteres, mobilidade, locomoção, comunicação e cognição social). A avaliação dá-se por meio de observação do entrevistador e/ou informações fornecidas pelo entrevistado/cuidador, e a pontuação vai de 1 (dependência total) a 7 (independência total), com os scores totais variando entre 18 e 126 pontos. Foram considerados Dependentes aqueles indivíduos com pontuação 103 pontos12,13.

Uma vez que a avaliação foi feita no próprio domicilio do idoso, não houve a necessidade de se utilizar nenhum recurso especial para simular condições de vida diária, entretanto vale ressaltar que, como orientado pelo Ministério da Saúde, quando um item não pôde ser avaliado/respondido, foi concedido a pontuação 1.

Análise Estatística

A normalidade dos dados foi verificada utilizando o teste de Kolgomorov-Smirnov. O Teste-t Independente e o Chi-quadrado de Pearson ou Exato de Fischer (quando uma ou mais frequência esperada foi inferior a 5) foram aplicados para comparar as variáveis contínuas e categóricas, respectivamente, entre ambos os grupos pesquisados.

Para determinar o quanto as variáveis sócio demográficas e econômicas são capazes de predizer a dependência funcional foi realizado a Regressão Logística Binária no qual a variável dependente foi dependência funcional (0 independente; 1 dependente) e as variáveis independentes foram fatores os sócio demográficos selecionados com base na análise univariada, onde as variáveis que apresentaram p < 0,15 foram consideradas para inclusão no modelo de Regressão Logística.

As variáveis selecionadas foram incluídas pelo método hierárquico obedecendo a ordem decrescente do p. Dessa forma, o primeiro item adicionado foi a presença de cuidador (modelo 1), seguido por local de residência (modelo 2), onde passou a maior parte da vida (modelo 3), sexo (modelo 4), renda familiar (modelo 5), nível de escolaridade (modelo 6), idade (modelo 7) e renda do idoso (modelo 8). O teste de Chi-quadrado de Omnibus (p < 0,05) e o teste de Hosmer e Lemeshow (p > 0,05) foram usados para determinar o "fit" do modelo, enquanto que o R2 de Nagelkerke's foi usado com índice de variância explicada, onde quanto maior é o valor de R2, melhor é o modelo. A análise inferencial foi conduzida utilizando o software SPSS (IBM 22). Adotou-se nível de significância de p < 0,05 para todas as análises.

 

RESULTADOS

Dos 298 idosos restritos ao lar, 178 (60%) foram incluídos neste estudo. As características sócio demográficas e econômicas dos idosos estudados estão distribuídos na tabela 1.

Nesta amostra, 48% (85/178) dos idosos foram classificados como dependentes funcionais (tabela 1). E ao comparar as características sócio demográficas e econômicas do grupo de idosos classificados como dependentes ou independentes, foi observado algumas diferenças estatisticamente significantes. O grupo dependente apresentou menor proporção de mulheres (p = 0,04), que passaram a maior parte da vida na cidade (p = 0,04) e que residiam em bairros nobres (p < 0,01). A diferença mais significativa foi observada para a variável presença de cuidador, visto que 99% dos dependentes possuem cuidador comparado a 69% dos independentes (p < 0,001). Observamos também uma tendência para diferença da renda familiar, onde uma maior proporção de idosos independentes possuem renda familiar menor ou igual a 4 salários mínimos (p = 0,05).

Dos oito modelos de Regressão Logística analisados, o que apresentou o melhor "fit" foi o 7º (Omnibus teste: x2 [13] = 56.4, p = 0,00; Hosmer e Lemeshow: x2 [8] = 8.6, p = 0,39), descrito na tabela 2.

Esse modelo explicou 36% da variância, e das sete variáveis adicionadas na equação (presença de cuidador; local de residência; local onde passou a maior parte da vida; sexo; renda familiar; escolaridade; e idade), a variável presença do cuidador foi um forte e significante preditor da dependência funcional. Ter cuidador aumentou em 40,2 vezes a chance de ser dependente (p < 0,01). O sexo masculino se mostrou um significativo preditor (OR = 2,6; 95%IC 0,9-6,7), embora sem significância estatística (p = 0,05).

Ter nível de escolaridade até 8 anos surgiu como fator protetor (OR = 0,2; 95%IC 0,04-0,9; p = 0,04) para a variável dependente, onde houve diminuição da dependência funcional em 80% dos idosos com nível de escolaridade até 4 anos ou de 5 a 8 anos.

 

DISCUSSÃO

Os resultados do presente estudo mostram uma prevalência de 48% de dependência funcional entre os idosos restritos ao lar e apontam a presença de cuidador como principal fator associado a esse desfecho. De acordo com a Organização Mundial de Saúde14, nos idosos a dependência funcional tem como causas principais as sequelas provenientes de doenças crônico-degenerativas ou de causas externas, como as quedas e/ou medo destas. A prevalência encontrada diverge do que vem sendo disposto na literatura, que evidencia uma associação direta entre estar restrito ao lar e apresentar comprometimento funcional15,16, e prevalências mais elevadas de dependência funcional15.

Entretanto, vale ressaltar que a comparação de prevalências de dependência funcional é extremamente dificultada em razão da diversidade de procedimentos e instrumentos utilizados. São encontrados estudos que utilizam como 'ponto de corte' o comprometimento em uma tarefa de vida diária17, já outros consideram várias atividades e/ou utilizam instrumentos específicos para aferição, como é o caso da MIF6,10.

Em estudos que aplicaram a MIF e cujo corte utilizado foi o mesmo empregado nesta pesquisa, Macêdo et al.12 observaram uma prevalência de 14,9% de dependência funcional em idosos com déficit cognitivo, enquanto Ricci et al.13 identificaram altos índices de dependência funcional em idosos em assistência domiciliária, e ressaltaram a confiabilidade da MIF na avaliação da dependência funcional em idosos, tanto por meio do relato do cuidador quanto por aplicação direta do examinador.

Outro ponto a ser ressaltado é que a restrição ao lar pode estar associada a uma deficiência de locomoção, o que não pode ser afirmada, pois por vezes o item subir e descer escadas da MIF não pôde ser avaliado e sendo-lhe atribuído a pontuação 1, conforme critério do Ministério da Saúde, o que poderia subjugar tal avaliação.

Todavia, independente da classificação empregada, os resultados encontrados levantam o questionamento sobre a real condição de restrição ao lar atribuída à população estudada, uma vez que de acordo com a literatura, o principal motivo para esta condição é a dependência10, que como observado, estava ausente na maioria dos idosos estudados. Tais resultados são alarmantes e permite-nos questionar se não estariam os idosos sendo errônea e precocemente classificados como restritos ao lar, quando na verdade estes apresentam funcionalidade preservada para o convívio social, demonstrando assim uma necessidade de maior atenção a essa população, tendo como pressuposto o disposto na Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa3 que visa o envelhecimento digno, ativo e saudável.

Quanto às características sócio demográficas e econômicas, o perfil encontrado foi de uma população feminina, na chamada 4º idade, autodeclarados brancos, de baixa escolaridade e renda, viúvos, aposentados, com filhos e cuidador, contribuindo para a renda familiar, convivendo em residências multigeracionais e coabitando com duas ou mais pessoas na mesma residência, além de residir em bairros nobres e relatar ter passado a maior parte da vida na cidade. Em linhas gerais o perfil dos idosos restritos ao lar descrito é similar ao encontrado em outros estudos, nacional e internacionalmente9,16,18,19 ressaltando pontos como a feminilização do envelhecimento e a população cada vez mais envelhecida.

Na análise multivariada, que permitiu identificar a influência das variáveis estudadas no desfecho de dependência funcional, foi observado que a presença do cuidador aumentou em mais de 40 vezes a chance de ser dependente (IC95% 4,8-355,4). Corroborando com estudos de Lage et al.20 ao analisarem idosos internados em um serviço de emergência em São Paulo, onde identificaram associação positiva entre ter cuidador e ser mais dependente e Gratão et al.6, que encontraram associação entre ter cuidador e apresentar baixas médias na MIF. Em ambos os casos, e também na presente pesquisa, a natureza do estudo empregado foi seccional, dificultando o estabelecimento de relações causais e impossibilitando a afirmação de que os idosos estão ficando dependentes devido a presença do cuidador, ou se os cuidadores estão fortemente presentes devido a uma dependência pré-instalada. Cabe ressaltar ainda, que não foi inquirido a presença de morbidades, o que, em casos graves, poderia justificar a presença de cuidador.

Ao se pensar na funcionalidade não como um problema instalado e irremediável, mas como o processo dinâmico e multifatorial14, cuja ocorrência e evolução são passíveis de serem prevenidas, modificadas ou amenizadas20, entende-se que independente do fator causal, a realidade apresentada e encontrada na literatura sugere um despreparo por parte do cuidador para com as particularidades do 'ser idoso'6 e principalmente no manejo com as doenças crônicas e na manutenção da funcionalidade dos longevos21.

No processo de cuidado, é fundamental que o cuidador, quando possível, atue apenas como supervisor e incentivador, auxiliando ou executando algo pelo idoso apenas quando estritamente necessário20. Em todo momento, o cuidado deve estar focado na manutenção da capacidade funcional, objetivando manter a autonomia e independência e proporcionando ao idoso uma vivência digna, como preconizado pela política de saúde do idoso vigente no Brasil3.

Entretanto, para que este processo realmente aconteça é necessário que este cuidador/familiar esteja devidamente capacitado para realizar este cuidado, e para isso é de fundamental importância que os profissionais de saúde estejam lado a lado com este cuidador/familiar orientando-o e auxiliando-o. Tendo em vista a complexidade do cuidado ao idoso e com o intuito de evitar e/ou postergar o desenvolvimento de incapacidades e dependência funcional nessa população, a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa3, determina a Estratégia Saúde da Família como um importante facilitador desse processo, focando na prevenção de doenças e promoção de saúde, e criando um elo entre o sistema (por meio dos profissionais de saúde), os idosos e seus cuidadores/familiares.

Estudos vêm mostrando que a atenção prestada aos idosos pelas equipes da ESF, nos municípios brasileiros, vem crescendo continuamente22-24, e se mostra mais benéfica aos pacientes quando comparada àquela prestada em unidades de saúde que não possuem a ESF25 porém, ainda enfrentam grandes desafios frente às particularidades dessa população22-24. Pesquisa realizada por Mota, Aguiar e Caldas22, apontou para a dificuldade em abordar questões características da atenção à população idosa com os integrantes das equipes de saúde, o que revela o escasso preparo dos profissionais de saúde no que tange as demandas do idoso. Resultado similar foi encontrado por Oliveira e Tavares23 e Muniz et al.24 que também apontaram a necessidade de qualificação profissional e treinamento das equipes sobre o processo de envelhecimento.

Tendo posto, ressalta-se que apenas apontar a ESF como unidade de cuidado e comunicação, não é suficiente, faz-se necessário dotar estes profissionais de habilidades e competências para que possam assumir este papel. Dessa forma, torna-se evidente a necessidade de que as gestões municipais de saúde levantem essa temática nas agendas de discussão de saúde, para que processos de capacitação sejam implantados e dessa forma os profissionais da ESF possam prestar uma adequada atenção aos familiares/cuidadores e idosos de seu território, colaborando assim para os apelos nacionais e internacionais em prol do envelhecimento ativo e saudável no contexto familiar e social.

Outro achado desta pesquisa diz respeito à escolaridade, um importante indicador socioeconômico. A literatura evidencia uma associação entre baixos níveis de escolaridade e presença de dependência funcional6,19. Porém, no presente estudo observamos que um baixo nível de escolaridade, até 8 anos de estudo, figurou significantemente como fator de proteção para a dependência funcional (OR = 0,2; IC95% 0,04-0,9).

É incontestável a associação entre condições sócio econômicas deficitárias e pior acesso aos serviços de saúde, entretanto, em relação a funcionalidade, podemos plausivelmente suscitar diversas hipóteses que justifiquem este achado, especialmente quando associamos este aos achados da análise univariada, que evidenciou que os idosos residentes em bairro popular (p < 0,01) e que passaram a maior parte da vida no campo (p = 0,04) apresentaram-se menos dependentes, além de levantar uma tendência para o mesmo desfecho em famílias com rendas mais baixas (p = 0,05).

Como explanado anteriormente, a literatura aponta o familiar como principal fonte de cuidado para a população idosa, entretanto, em se tratando de idosos de baixa escolaridade e provavelmente com condições sociais desfavoráveis, é de se esperar que por vezes o familiar não possua condições financeiras para contratar um cuidador e também não possa realizar o cuidado por si mesmo em decorrência da impossibilidade de abandonar o mercado de trabalho, parcial ou integralmente. Dessa forma, é possível que sem a presença constante de alguém para prover cuidados e facilitar as AVDs, os idosos passem mais tempo sozinhos e tenham a necessidade de realizar suas próprias tarefas, postergando, assim, o declino funcional e mantendo-se mais tempo independentes.

Outro ponto a ser levantado, e que também perpassa a realidade social apresentada pelo grupo de idosos independentes deste estudo, é que por se tratar de uma população com baixos níveis de escolaridade e que passaram a maior parte da vida no campo, é possível que a maior parte das atividades laborais realizadas ao longo da vida estejam relacionadas a serviços que exijam mais esforços físicos, o que por si já atuaria como um fator protetor para o declínio funcional, umas vez que é sabido que a prática regular de atividades físicas pode proporcionar um envelhecimento mais saudável.

Quanto ao sexo da população estudada, na regressão logística foi encontrada uma tendência para o sexo masculino em ser duas vezes mais dependente que o feminino (OR 2,6; IC95% 0,9-6,7). Essa falta de significância pode decorrer da diferença significativa nas proporções de idosos do sexo masculino (20%) e do feminino (80%). Macêdo et al.12 também observaram uma tendência à maior dependência funcional para o idosos do sexo masculino porém sem significância estatística, também, devido a menor proporção de idosos do sexo masculino (35 vs. 134). Todavia, este dado é discordante dos estudos encontrados8,20 que apontam um maior índice de dependência em mulheres sob a alegação de que estas vivem por mais tempo e consequentemente convivem com mais morbidades. De fato, os idosos do sexo masculino no presente estudo eram em média 3,5 anos mais jovens que as mulheres, o que pode sugerir que se os homens vivessem mais provavelmente eles seriam mais dependentes que as mulheres da mesma idade.

Considerando-se que a capacidade funcional é vista como o novo paradigma da atenção à saúde da população idosa, ressaltamos a necessidade de que sua avaliação seja incorporada na rotina dos profissionais de saúde, especialmente aqueles da ESF que estão diretamente ligados à assistência dos idosos restritos ao lar. O que não parece ser laborioso, tendo em vista a facilidade da sua investigação por meio de uma infinidade de instrumentos disponíveis e sugeridos pelo Ministério da Saúde.

Além disso, revela-se a necessidade de implementar ações de promoção da saúde para esse grupo populacional, com vista ao empoderamento e qualidade de vida para melhoria da capacidade funcional dos mesmos26.

Acredita-se que os resultados apresentados neste estudo possam servir como base de avaliação diagnóstica, e que através destes possam se estabelecer planejamentos de intervenções e a elaboração de ações estratégicas para o acompanhamento dos idosos restritos ao lar e auxílio e orientação aos cuidadores. Almejando sempre o cumprimento do proposto na Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa com o intuito de recuperar, manter e promover a autonomia e a independência funcional dos longevos no contexto familiar e social, e respeitando assim os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde Brasileiro.

Como limitação do estudo, pode-se citar seu caráter transversal, limitando a avaliação da evolução temporal da funcionalidade dos idosos. Além disso, o modelo de Regressão Logística explicou 36% da variância de dependência funcional, e os outros 64% podem ser justificados por morbidades associadas, limitações geográficas e outras variáveis que não foram analisadas neste estudo. Estudos futuros podem ser realizados de forma longitudinal com essa população, com o objetivo de verificar a progressão da funcionalidade e seus fatores associados.

Os resultados mostram a necessidade de se estabelecer suporte para os cuidadores, munindo-os do saber necessário para o cuidado com o idoso. De acordo com a PNSPI, tal suporte deve ser mediado pelas equipes da ESF, objetivando a manutenção/recuperação da funcionalidade dos longevos.

 

CONCLUSÃO

Observou-se que a prevalência de dependência funcional identificada foi de 48%, e que a presença de cuidador se mostrou um forte e significante preditor deste desfecho, enquanto a escolaridade figurou como fator de proteção.

 

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Endereço para correspondência:
graciellepampolim@hotmail.com

Manuscript received: 25 January 2017
Manuscript accepted: 12 May 2017
Version of record online: 06 September 2017

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